segunda-feira, 12 de julho de 2010

Mesmo quando erra, a ciência busca a verdade

Carlos Pompe *

 
Nature: Contraindo o próton  
A mais recente edição da revista Nature noticia experimentos que colocaram em dúvida alguns dados da eletrodinâmica quântica, teoria que, desde o século passado, explica os fenômenos elétricos, magnéticos e a forma como a luz interage com a matéria. E, ao diagnosticar seu próprio erro, a ciência reafirma sua utilidade como a mais eficaz ferramenta de conhecimento já produzida pela mente humana. Como a definiu Carl Sagan, “é antes um modo de pensar do que propriamente um conjunto de conhecimentos”. A eletrodinâmica quântica, ou QED, está sendo colocada em questão por um experimento que apurou a medição mais perfeita já obtida do raio do próton, uma das partículas presentes no núcleo de todos os átomos. O raio de próton é uma fração de femtômetro – um bilionésimo de milímetro, a menor unidade de medida dominada. O raio do próton encontrado foi ordem de 0,84 femtômetro – a medida atualmente aceita, e agora questionada, era de algo próximo de 0,87. A diferença fica além das margens de erro estatístico.
O erro está sendo debatido pelos especialistas, com o intuito de aprimorar ou refutar a teoria da QED. "Um problema na física da QED é a explicação menos provável, mas de longe a mais interessante e a principal motivação para trabalhos assim", escreve Jeff Flowers, do Laboratório Nacional de Física do Reino Unido, na Nature. E informa: "Por causa da discrepância entre o resultado deste artigo e os trabalhos anteriores, o artigo foi revisado, tanto formal quanto informalmente, por especialistas em física teórica e experimental, e ninguém conseguiu apontar um erro. Claro, isso não prova que não haja erro, mas ele com certeza não é óbvio".


Randolf Pohl, do Instituto Max Planck de Óptica Quântica, na Alemanha, um dos responsáveis pela nova medição, disse que ele e sua equipe estão “muito intrigados. Os experimentos são todos muito precisos e redundantes, então é difícil ver como poderiam ter errado tanto. E os teóricos acreditam que seus cálculos estão corretos. Minha opinião pessoal é que temos muito trabalho pela frente. Só se ninguém encontrar um erro é que poderemos presumir que a QED está em apuros". O pesquisador considera que “se a QED estiver errada, seria um efeito muito sutil, que não afetaria o funcionamento interno de televisores ou computadores".
O físico Flowers alerta que “uma falha da QED terá, de imediato, implicações para a física e para o nosso modelo do mundo e, no futuro, possivelmente em aplicações de alta precisão e tecnologias que ainda não conhecemos. Esperamos continuar a refinar nossa compreensão e nossa capacidade de manipular o mundo físico".
Segundo Carl Sagan, “a ciência está longe de ser um instrumento perfeito de conhecimento. É apenas o melhor que temos. A ciência, por si mesma, não pode defender linhas de ação humana, mas certamente pode iluminar as possíveis consequências de linhas alternativas de ação.
O modo científico de pensar é ao mesmo tempo imaginativo e disciplinado. Isso é fundamental para o seu sucesso. A ciência nos convida a acolher os fatos, mesmo quando eles não se ajustam às nossas preconcepções. Aconselha-nos a guardar hipóteses alternativas em nossas mentes, para ver qual se adapta melhor à realidade. Impõe-nos um equilíbrio delicado entre uma abertura sem barreiras para ideias novas, por mais heréticas que sejam, e o exame cético mais rigoroso de tudo: das novas ideias e do conhecimento estabelecido”. (O Mundo Assombrado Pelos Demônios).
Sem dúvida, pensar científicamente é difícil. Mas, como disse Umberto Eco, “não se preocupe se alguns dizem que falamos difícil: eles poderiam ter sido encorajados a pensar fácil demais pela ‘revelação’ da mídia, previsível por definição. Que aprendam a pensar difícil, pois nem o mistério, nem a evidência são fáceis”. (Em que crêem os que não crêem?)

Expondo, debatendo e relativizando suas próprias conclusões a cada novo avanço, a ciência mostra seu feitio avesso a dogmas e a verdades eternas. Na segunda metade do século XIX, Karl Marx já destacava que “o caminho histórico de todas as ciências só leva a seus pontos de partida efetivos depois de numerosos desvios e rodeios. Ao contrário de outros arquitetos, a ciência não apenas projeta castelos no ar como também constrói diversos andares habitáveis do edifício antes de lançar os seus alicerces”. (Para a crítica da economia política).

O atual debate sobre o QED é mais uma confirmação da verdade dessas palavras.
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* Jornalista e curioso do mundo.
Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna