"A Jovem  Rainha Vitória": Falsos  retoques
Cloves Geraldo *
 
Filme do diretor Jean-Marc Vallée tenta maquiar a  imagem da 
Rainha Vitória, que expandiu o colonialismo britânico, submetendo  povos
 e nações
 
           Os dramas  vitorianos, que destacam o passado
 de glória do Império britânico, têm em “A Jovem Rainha Vitória”,
 de Jean-Marc  Vallée, uma tentativa de modernizar a imagem da rainha 
britânica (1819/1901)  sob cujo reinado (1837/1901) ele mais se 
expandiu. Daí surgindo o slogan de que  era o império onde o “sol jamais
 se punha”. Um poder que Vallée procura  justificar com cenários 
deslumbrantes, vestuários luxuosos, romance, intrigas  palacianas, pondo
 o espectador diante de uma realeza faminta pelo poder. E uma  jovem 
Vitória (Emily Blunt) centrada, decidida a fazer valer seu ponto de 
vista  para não sucumbir às tramas urdidas pela realeza e os líderes 
políticos da  Monarquia Parlamentar.
 
              Com esta abordagem revisionista, Vallée e seu  
roteirista Julian Fellowes retocam a imagem da Rainha Vitória I e, por  
extensão, da própria realeza britânica. Centram o filme numa jovem 
rebelde, que  se insurge contra o padrasto e conselheiro John Conroy, 
que pretende  submetê-la, desde já, a seu controle, para, a partir daí, 
ditar as políticas do  império. Ela, no entanto, está ciente de seu 
futuro, reforçado pelo apoio do  tio, o rei Guilherme IV (Jim 
Broadbent),  que a ajuda livrar-se de Conroy, abrindo caminho para 
sua posse com rainha.
             Ela  então se defronta com as disputas entre os partidos
 conservador e liberal,  cujos líderes tentam atraí-la para suas 
políticas. Mas também é cortejada pelo  herdeiro do trono belga, seu 
primo Albert (Rupert Fiend), cujo tio, o rei  Leopoldo I, da Bélgica (Thomas
  Kretschmann), percebendo a falência de seu reinado espera que o 
sobrinho se  case com ela para salvar a coroa. Com estes fios de 
história, Vallée monta sua  narrativa, optando pelo romance entre os 
jovens Vitória e Albert, tendo como  pano de fundo as lutas políticas e 
as frustrações de Conroy e de sua mãe, a  duquesa de Kent (Miranda 
Richardson).
              Destes  fios surgem uma jovem Vitória com traços 
feministas, disposta a enfrentar membros  da realeza e as lideranças 
políticas, que se sucedem no poder tentando atraí-la  para seus 
interesses. Principalmente quando Vitória chega ao poder. Insegura,  ela
 pende entre os conselhos do primeiro-ministro conservador lorde 
Melbourne  (Paul Bettany) e do príncipe Albert. Sua juventude e 
inexperiência não lhe  permitem apreender os interesses em jogo, 
configurados nas disputas  parlamentares e na ebulição popular vinda das
 ruas.
               Surgem então suas vacilações, notadamente  quando 
hesita em dividir as responsabilidades de Rainha com o então marido 
Albert,  para depois abandonar a teimosia e a insegurança, caminhando 
para a maturidade.  Mas é também quando as fragilidades do filme 
emergem, tornando obscuras e  incompreensíveis as mudanças de poder no 
Parlamento, evidenciando também o  conservadorismo de Vitória, 
contrastando com o perfil avançado que Fellowes e  Vallée querem lhe 
dar.
             Os liberais, mostrados em trajes escuros,  são vistos 
como ávidos pelo poder, radicais, enquanto os conservadores são 
mostrados  como “maleáveis, sedutores, até”.  Basta  ver as relações de 
Vitória com Melbourne, o primeiro-ministro conservador: são  fiéis 
aliados, estando ela sempre junto dele. Contraditoriamente, são nestas  
mal resolvidas passagens, mudanças de rumo narrativo, que entram um 
terceiro  víeis: o da rua. Ele aparece nos comentários de Albert, 
“preocupado” com as  condições de vida do proletariado britânico, e nos 
confrontos políticos no  Parlamento, influenciados pelas vozes das ruas.
                Filme  de Vallée é saudosista
              O  povo surgido nas conversas dela com Albert e, 
notadamente, na sequência do  atentado; é mostrado como fantasmagórico 
personagem coletivo, uma ameaça,  portanto, ao seu reinado. 
Conservadora, imperialista, ela só agravou os  problemas sociais durante
 seus 60 anos de poder. O que fragiliza a tentativa da  dupla 
Valléé/Fellowes em modernizá-la. Embora busquem retocar sua imagem,  
percebe-se que os dois querem, na verdade, é mostrar que no passado 
monárquico,  colonialista, havia uma monarca que submetia a todos, povos
 e nações, ao  contrário do atual momento histórico da Grã-Bretanha, 
cheio de fracassos  econômico-financeiros, submissão aos EUA e 
fragilidades sociais.
             É,  assim, um filme nostálgico, saudoso do tempo em que o
 imperialismo britânico  reinava absoluto no planeta. Um deslize e 
tanto, em se tratando de visão  política registrada em   celulóide. O 
colonialismo britânico, superado pelo  imperialismo estadunidense 
durante a II Guerra Mundial, deixou feridas ainda  não cicatrizadas nos 
quatro continentes. Engendrou a Revolução Industrial,  sustentada pelas 
riquezas das colônias e a exploração do proletariado britânico,  
enriqueceu a nobreza e a monarquia e gerou uma burguesia ávida pelo 
controle  das riquezas das nações colonizadas.    
           Assim,  os retoques da dupla Vallée/Fellowes não resistem à
 análise mais acurada.  Não poderia ser diferente.
“
A Jovem Rainha Vitória” (“
The  
Young Victoria”). 
Drama. Reino  Unido/EUA. 2009. 105 
minutos. Roteiro: Julian Fellowes. Direção:  Jean-Marc Vallée. 
Elenco: Emily Blunt, Rupert Friend, Paul Bettany, Miranda  Ricardson, 
Jim Broadbent, Thomas Kretschmann.
(*) Oscar 2010 de Melhor Figurino.
Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna.