sábado, 10 de novembro de 2012

A NOSSA MIOPIA SOCIOANÁLITICA


“Aqui bem perto de nós tem muito disso!”


Costumo dizer que em nosso meio existe um alto grau do que eu conceituo de 'Miopia Socioanálitica'. Muito presente naqueles que passam a vida presos ao sincretismo de jargões teóricos e desconectados fragmentos de grandes pensadores. Quase sempre oferecidos publicamente como artífice de justificativa e explicação frente a determinadas questões. Um clássico exemplo disso é a afirmação marxista: “Os homens apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; porém, o que importa é transformá-lo.” (Marx, Teses ad Feuerbach). Faço com a boa intenção de provocar a reflexão, pois não é possível que muitos insistam em achar que somente com a 'Marreta' em mãos vão derrubar os muros da superestrutura levantada, ou que apenas com um 'Trator Esteira' podem colocar uma montanha abaixo! Precisamos mais do que isso, precisamos avançar mais, porque a realidade é convidativa.

Levanto tais questões porque é assustador a quantidade dos virtuais filósofos – sociólogos – historiadores vomitando fragmentos deslocados da realidade, local/material/temporal, e arrotando intelectualismo rico em vazia interpretação. Um sucesso no meio dos leigos e um fracassado silêncio junto aos que tem um leitura mais sólida da realidade. Não dá pra ficar calado, porque minhas limitações também me provocam inquietude (…). Desafiados também é o convite para avançar mais na leitura de nossa própria realidade aliada ao mergulho nas obras primas. Pois isso possibilita-nos fazer de forma mais lucida o paralelo interpretativo da realidade. Impedindo assim por vezes que o voraz exercício prático militante não desabe no lacismo relaxado dos que acham que o tempo já lhes deu a necessária experiência como receitas prontas para mudança de qualquer realidade. Um ledo engano e presente engodo em nosso meio, manifesto no fracasso da mera vontade de mudança de muitos militantes, frente as estruturas financeiras aplicadas como anestesia naqueles que preferem a cadeira cativa do conformismo e ficam sentados na arquibancada da lutas sociais.

Insisto em dizer que precisamos mergulhar mais na leitura das obras e visitar menos o Wikipédia, lembrando sempre que o Professor Google gagueja muita besteira e quer falar por nós. Somente assim poderemos desvendar mais lucidamente as verdadeiras intempéries de nossa dura e suja realidade sócio/local. Somente assim poderemos ser proponentes verdadeiros da transformação! Para além disso é pura perda de tempo, ilusão. Uma negação a possibilidade de organização social mais sólida e coerente. Vamos deixar Marx descansar um pouco sem esquecê-lo é claro, mas vamos presentear mais nosso cérebro também com belas reflexões, pois elas são as fecundas sementes que podem explodir para germinar frutos futuros da transformação. De modo que estaremos fazendo jus à nossa espécie 'homo sapiens' e nos libertando do co-achismos de sempre. Toda miopia real pode ser resolvida mas precisamos de humildade para reconhecer que ela existe, embora o 'ego ideológico' queira sempre enxergar por nós.

“Est modus in rebus!”

Neuri Adilio Alves
Miope Filósofo

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A ESCOLA NÃO É CENTRO DE ADESTRAMENTO


“Fragmentos de minha memória aos 9 anos que se passaram do I Congresso Internacional de educação no ano de 2003!”

Que educação nós queremos para os nossos filhos? Esta é a pergunta que precisa ser refeita em casa. É preciso saltar aos olhos dos pais um olhar ao longe no horizonte. Lá onde inicia o santuário do tempo, na tenra idade onde fomos forjados como suposta matéria bruta, lapidados (as) para as ricas experiências emancipatórias da cidadania futura. Experiência aquela quase como um batismo da educação do 'cagaço' (medo/respeito), aquela iniciada sobre o medo dos corretivos da mamãe e do olhar coercitivo e respeitado do papai,  mas que refletia em bom comportamento na escola.. E para justificar esta necessidade eu quero voltar aos dias 13 e 14 de outubro de 2003, ao I Congresso Internacional de Educação realizado no Anhembi em São Paulo promovido pela Editora Moderna. Como seminarista que se preparava para a vida missionário na Africa Eu estive lá, como mais de mil professores, pedagogos e orientadores de todo Brasil. Foi sem dúvidas um dos maiores e melhores debates sobre a Educação em nosso país.

Um Congresso que seria apenas uma atividade para se trocar informação se tornou um marco de análise da realidade educacional no Brasil. Foi lá que pela primeira e ultima vez tive o prazer de ver, ouvir e aprender com um dos maiores educadores e pedagogos universal a Palestra 'Educação uma Experiência Pessoal' com o genial escritor português José Saramago. Foi como um ritual de iniciação nos acalorados debates que se seguiram a exposição do Nobel Escritor para resgatar a imagem do professor e função especifica da Escola. Pois segundo Saramago a escola não pode assumir o papel de educadora, porque este é o papel da família. A escola é o ambiente onde se deve revolucionar o conhecimento, o lugar onde se estimula o desenvolvimento das potencialidades do estudante, e não o lugar onde se procura lapidar o que já exige implosão.

Ao falar do processo de formação pessoal ele assim descreveu: “ Os meus primeiros educadores eram analfabetos. Durante sete anos não fui educado porque os meus não sabiam ler e escrever, assim como milhões de pessoas no Brasil não sabem ler e escrever.” - Mas é um erro confundir educação (mais complexa e profunda que envolve a família como formadora), com Instrução (relacionada à informação), porque analfabetos não podem Instruir mas apenas Educar. E completou: “ A escola não pode suprir o que porventura, a família não soube ou não quis resolver.” Para Saramago independente das famílias serem humildes ou não, podem ocorrer dificuldades em instruir, mas que os pais não podem fugir da tarefa de educar. Para ele a omissão de responsabilidade educacional familiar acaba se refletindo nas relações na escola. “Há uma situação de crise no interior da sala de aula, que leva muitas vezes, à situação física, com professor humilhado, e à perda do sentido de autoridade, dificultando uma relação capaz de discutir e gerar troca de saberes e conhecimento.” Acrescentou brilhantemente: “os mestres (professores) são os heróis de nosso tempo. É na escola que se aprende os limites da liberdade.”

A abordagem aqui se justifica pela situação enfrentada no Brasil por milhares de professores vitimas dos desafios da falta de limites com que os alunos chegam as salas de aula. Centenas são os casos de conflitos entre alunos e professores, violência, ameaças, e até casos de assassinatos. Milhares são os casos de atos irracionais entre próprios colegas de classe. O fato é que a escola se tornou a receptora legal de uma espécie protótipo de de pequenos delinquentes. Vem se tornando uma espécie de depósito de um bruto material humano, um lugar para adolescentes canalizarem suas frustrações e rebeldia no professor encarregado de ajudar-lhes no processo de amadurecimento no campo do conhecimento.

O sofrimento da escola se amplia no grande numero de professores desvalorizados, abandonados pelos governos, violentados pela cobrança da sociedade por creditar-lhes o papel que não os compete que é educar, quando a função é tão somente ensinar. A escola não pode ser o centro de adestramento para o mercado de trabalho ou qualquer aventura cidadã. A escola precisa superar sua fase de escrava imperativa da poderosa microfísica da politica suja que se apodera do aparelho de Estado, transformando educadores em generais guardiões, doutores da ignorância e especialistas sectários ideológicos, que passam, semestres, fases e anos parasitando os departamentos de gerência da educação formativa. Verdade ainda a ser mais exposta apontando exemplos aqui em nossa cidade com os pesados cabides de parasitas comissionados dos órgãos públicos de educação.

Nós só temos uma saída enquanto esperançosos espectadores de uma profunda revolução educacional em nosso país. É a esperança dos que sonham com maior valorização por parte dos governos, valorização da sociedade, a recolocação da família no compromisso da formação de seus filhos e nossos cidadãos. E o nosso grande papel como membros desta grande família chamada Brasil, para além de meros amigos da escola precisamos ser o fiéis guardiões da integridade funcional e direcional do processo para que possamos continuar creditando a sua fundamental importância pra aquilo do qual nós chamamos de futuro de nossos filhos. Do contrário recontaremos o fim da história num grande 'conselho de classe público' narrando como epopeia trágica a degradação de nosso próprio futuro como nação; como estado e como munícipes.

Trechos de Entrevista do Escritor José Saramago:

“O tempo para refletir, ele é necessário. Pode uma pessoa ser competentíssima mas se ela se tornar uma máquina de trabalhar, isso me parece que é condenar a inanição ou inatividade um órgão que nos custou milênios a criar e desenvolver, uma coisa um pouquito repugnante chamado cérebro. Porque cada vez há mais coisas para saber, e cada vez há menos condições para sabê-las. Então o que acontece é que o saber concentrou-se numa minoria, numa elite. Não é que saibam de tudo, mas estão juntos. E todos juntos são como que uma espécie de intelectual orgânico, ou um cientista orgânico. Como se constituíssem um galáxia de saber. E além disso, há uma imensa massa cada vez maior de ignorantes. Ignorantes que sabem ler, que sabem escrever, que são capazes de ler um jornal mais ou menos, que já têm certa dificuldade em penetrar num texto mais complexo. O problema da massificação do ensino não foi resolvido. As portas da escola e da universidade abriram-se e entraram milhares e milhares de jovens. E o sistema não estava, e continua não estar, preparado para dar a esses jovens o ensino da mesma qualidade que supostamente se pensaria que seria a obrigação do sistema educativo dar.”

“ Escola deveria ensinar a ouvir. Cabe a ela ensinar o aluno a escrever corretamente e também explicar por por que as regras são assim e não de outra maneira. Mas a escola não será o lugar onde se revoluciona a estrutura da língua. Esta tarefa pertence aos escritores, se estes considerarem que têm motivos para fazer.”

Neuri Adilio Alves
Filósofo - Professor, Pesquisador