Michelangelo Merisi
nasceu no povoado de Caravaggio, na lombardia italiana, em 29/09/1571.
Seus pais, Fermo Merisi e Lucia Oratori, morreram cedo. Com apenas 12
anos, foi enviado para estudar no atelier de Simoni Peterzano, que se
dizia discípulo de Ticiano (1488-1576). Passou quatro anos vivendo e
estudando no atelier desse mestre. Com ele, aprendeu o tratamento das
cores segundo o método de Ticiano e o naturalismo da escola pictórica
lombarda.
Tendo rompido com seu mestre, parte para Veneza onde observou obras
de Ticiano, e a técnica do
sfumato de Leonardo da Vinci
(1452-1519). A atitude artística do jovem pintor já era de rebeldia
contra os convencionalismos de sua época. E o homem Caravaggio também
era atraído por brigões, beberrões e vagabundos, freqüentando
prostíbulos, jogos e se envolvendo em todo tipo de confusão, inclusive
com os
sbirri, a polícia. Era um homem agoniado, inquieto.
Mas seu destino era Roma, a cidade que atraía artistas de todo
canto, devido à demanda da igreja católica que transformava a cidade
num canteiro de obras, com o objetivo de ser o centro da cristandade e
do mundo civilizado. Artistas de toda a Europa afluíam à cidade,
participando das discussões sobre pintura, estudando os mestres.
Chegando à cidade, foi morar na casa do monsenhor Pandolfo Puzzi,
onde viveu em condições tão frugais que apelidou o padre de “monsenhor
salada”. Caravaggio perambulava pela cidade, percorrendo ateliês em
busca de trabalho. Necessitado, pintava até três quadros por dia, que
vendia muito barato. Com o passar do tempo, foi ficando conhecido e,
segundo o biógrafo Gilles Lambert, Caravaggio alternava com seus amigos
“sessões de trabalho, de festas e de diversões no submundo”. Era amigo
de homossexuais e prostitutas, muitos dos quais posaram para ele em
seu atelier. Seus modelos eram esses marginalizados, em quem o artista
via o desespero da luta cotidiana pela sobrevivência em um ambiente
dominado pela miséria. Em plena Roma, a cidade dos papas e cardeais
cercados de riqueza e opulência!
No começo, Caravaggio se recusou a pintar quadros com temas
religiosos. Mas logo, aconselhado por colegas, viu que essa era uma
forma de sobreviver e pintou “São Francisco recebendo os estigmas”, de
1595, considerada a pioneira e a que melhor expressa a estética da arte
barroca. Em geral os quadros eram encomendados por ricos burgueses que
com eles presenteavam as igrejas, mas muitos de seus quadros foram
recusados pelos padres. Nota-se que, nele, a transcendência do divino
não surge como um além separado do mundo, mas como realidade da alma
humana.
Em maio de 1606, em meio a uma briga de jogo, Caravaggio matou um
colega. Condenado à morte, fugiu para Nápoles, depois indo para a ilha
de Malta. De lá, fugiu para a Sicília, após agredir um cavaleiro da
Ordem de Malta. Cansado, doente, ansioso pelo indulto que o permitiria
voltar a Roma para continuar seu trabalho, foi detido no Porto Ercole,
por engano, e levado à fortaleza da cidade. Lambert diz que ele foi
visto, já livre da prisão, “atarantado, faminto, enfermo, extenuado em
busca de um barco” que o levasse de volta a Roma. Estava infectado por
feridas e com febre. E assim morreu no dia 18 de julho de 1610, antes
de receber a notícia de seu indulto.
Fora essa vida inquieta e atribulada, Caravaggio foi um pintor
original. O aspecto mais notável de sua obra é o tratamento do
claro-escuro. Consiste em projetar a luz sobre as figuras com um
contraste intenso e brusco com as sombras, o que marca o início de uma
das grandes conquistas da pintura barroca. Outra característica
primordial de seu estilo é o realismo enfático como reação ao idealismo
renascentista. Ao invés de pintar figuras, mesmo as religiosas, com ar
solene ou suave, conforme os ditames da igreja, ele as trata com um
realismo quase insolente, usando como modelos, o povo das ruas.
Um bom
exemplo, entre inúmeros outros, é o quadro
O Enterro da Virgem.
A figura de Maria foi inspirada no cadáver de uma prostituta afogada
no rio Tibre e com o ventre inchado. Maria Madalena foi retratada
muitas vezes a partir do modelo de uma jovem amante do pintor, assim
como seus vários “João Batista” teve como modelo um rapaz amante de
Caravaggio, que era bissexual.
As personagens principais dos quadros de Caravaggio estão sempre
localizados na obscuridade: um cômodo sombrio, um exterior noturno ou
simplesmente um fundo escuro. Uma luz poderosa que provém de um ponto da
parte superior da tela envolve os personagens à maneira de um projetor
de luz sobre uma cena de teatro. O coração da cena é especialmente
iluminado e os contrastes produzidos por essa maneira de pintar
conferem uma atmosfera dramática ao quadro.
Edward Gombrich, em seu livro
História da Arte, diz que
Caravaggio queria a verdade, acima de tudo. Por isso não tinha respeito
pela beleza idealizada de seu tempo. No quadro
São Tomé, os
três apóstolos parecem trabalhadores comuns, com os rostos curtidos
pelo tempo, testas enrugadas. Ele queria copiar a natureza, fosse ela
bela ou feia e fez todo o possível para que as figuras dos textos
bíblicos parecessem reais.
Sem Caravaggio não haveria – como diz o crítico de arte Roberto
Longhi – “Ribera, Vermeer, La Tour, Rembrandt. E Delacroix, Courbet e
Manet teriam pintado de outra maneira”. Poucos artistas têm fascinado a
posteridade de artistas e encorajado a ousadia criativa como ele o
fez.