domingo, 4 de julho de 2010

Paul Krugman: Mitos da austeridade

Quando era jovem e ingênuo, eu acreditava que pessoas importantes assumiam posições com base numa análise cuidadosa das opções disponíveis. Hoje, sei que as coisas não são assim. Boa parte daquilo em que as Pessoas Sérias acreditam repousa em preconceitos, e não na análise. Tais preconceitos estão sujeitos a excentricidades e modismos.


Por Paul Kugman*

O que nos traz ao tema da presente coluna. Nos últimos meses, assistimos impressionados e horrorizados à emergência, entre os círculos responsáveis, de um consenso em favor de uma austeridade fiscal imediata. Ou seja, de alguma maneira tornou-se sabedoria convencional a ideia de que agora é a hora de cortar os gastos, apesar do fato de as maiores economias do mundo permanecerem num estado de profunda depressão.

Esta sabedoria convencional não tem como base provas e nem uma análise cuidadosa. Em vez disso, ela repousa sobre o que poderíamos chamar piedosamente de especulação e, menos educadamente, de fantasias da imaginação da elite governamental – especificamente, sobre a crença no que me parecem ser entidades mágicas chamadas justiceiros invisíveis do mercado de obrigações e a fadinha da confiança.

Os justiceiros do mercado de obrigações são investidores que desistem de governos que, na percepção deles, seriam incapazes de pagar suas dívidas ou não estariam dispostos a fazê-lo. Não resta dúvida de que os países podem sofrer crises de confiança (basta ver a crise grega). Mas o que os defensores da austeridade afirmam é que (a) os justiceiros do mercado de obrigações estão prestes a atacar os Estados Unidos, e (b) qualquer gasto adicional com medidas de estímulo vai atiçá-los ainda mais.

Que motivo temos para acreditar nisso? É verdade que os EUA apresentam problemas orçamentários no longo prazo, mas as medidas de estímulo que implementarmos nos próximos anos terão um efeito praticamente nulo sobre nossa capacidade de lidar com tais problemas de endividamento no longo prazo. Como disse recentemente Douglas Elmendorf, diretor do Gabinete Orçamentário do Congresso, “não existe contradição intrínseca em promover um maior estímulo fiscal agora, quando o desemprego é alto e muitas fábricas e empresas operam abaixo da capacidade, e impor a contenção fiscal daqui a muitos anos, quando produção e emprego estarão provavelmente próximos do seu verdadeiro potencial”.

Ainda assim, de tempos em tempos, dizem-nos que os justiceiros do mercado de obrigações chegaram e que, para aplacá-los, temos de impor a austeridade agora, já, imediatamente. Três meses atrás, uma discreta alta nos juros de longo prazo foi recebida com verdadeira histeria: “Temores em relação ao endividamento elevam juros”, foi a manchete do Wall Street Journal, apesar de não haver nada que indicasse tal temor, e Alan Greenspan declarou que a crise era um “canário na mina”.

Desde então, os juros de longo prazo caíram novamente. Longe de fugir dos títulos da dívida americana, os investidores evidentemente os enxergam como a aposta mais garantida numa economia vacilante. Mesmo assim, os defensores da austeridade ainda nos garantem que os justiceiros pretendem nos atacar a qualquer momento se não cortamos os gastos imediatamente.

Mas não se preocupe: cortes nos gastos podem ser dolorosos, mas a fadinha da confiança vai aliviar a dor. “A ideia de que medidas de austeridade possam levar a uma estagnação é incorreta”, declarou Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu em entrevista concedida recentemente. Por quê? A resposta: “Medidas que inspiram confiança vão impulsionar a recuperação econômica, e não retardá-la.”

Onde está a prova de que a contração fiscal seja uma medida expansionista por inspirar mais confiança? (Por sinal, foi esta a doutrina exposta por Herbert Hoover em 1932.) Bem, houve casos históricos de cortes nos gastos e aumentos nos impostos seguidos de crescimento econômico. Mas, ao que me parece, cada um destes exemplos se revela, num exame mais cuidadoso, uma situação na qual os efeitos negativos da austeridade foram compensados por outros fatores, elementos que dificilmente serão considerados relevantes hoje. A era da austeridade-com-crescimento vivida pela Irlanda na década de 1980, por exemplo, dependeu de uma drástica transformação do déficit comercial em superávit comercial, o que não é uma estratégia que pode ser seguida por todos ao mesmo tempo.

E os exemplos contemporâneos de austeridade são pouquíssimo encorajadores. A Irlanda agiu com rigor e disciplina nesta crise, implementando melancolicamente selvagens cortes nos gastos. Como recompensa, o país vivenciou um declínio proporcional ao da Depressão – e os mercados financeiros continuam a tratar o país como um sério candidato à inadimplência. Outros atingidos disciplinados, como Letônia e Estônia, sofreram destino ainda pior – acredite se puder, os três países apresentaram declínios na produção e no índice de emprego piores do que os vividos na Islândia, que foi obrigada, pela própria dimensão de sua crise financeira, a adotar medidas menos ortodoxas.

Assim, da próxima vez que você ouvir pessoas de aparência séria explicando a necessidade da austeridade fiscal, tente analisar seus argumentos. Quase certamente, você descobrirá que aquilo que soa como realismo teimoso repousa na verdade sobre um alicerce de fantasia, na crença de que justiceiros invisíveis vão nos recompensar se formos bonzinhos. E medidas econômicas do mundo real – medidas que prejudicarão as vidas de milhões de famílias de trabalhadores – estão sendo elaboradas a partir deste alicerce.

*Paul Krugman é economista e norte-americano. Autor de diversos livros, também é desde 2000 colunista do The New York Times.

Fonte: Estadão


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Psicólogos respondem a ofensa de Diogo Mainardi

No artigo "Por que Dunga não é um behaviorista", psicólogos behavioristas respondem comentário de Diogo Mainardi considerado ofensivo pelos estudiosos da área.

O texto intitulado “O caso do Sr. D”, publicado pelo colunista da revista Veja Diogo Mainardi, em 26 de junho de 2010, traz alguns equívocos sobre a tradição de psicologia chamada genericamente de behaviorismo ou psicologia comportamental. Mainardi faz a seguinte afirmação em seu texto: “Dunga só pode ser nosso B. F. Skinner. Ele faz com seus jogadores precisamente o mesmo que, nos primórdios do behaviorismo, B. F. Skinner fazia com os pombos e com os macacos de seu laboratório. Primeiro, prende-os numa gaiola. Segundo, isola-os de qualquer contato com o exterior. Terceiro, raciona seus alimentos. Quarto, condiciona seu comportamento administrando-lhes choques elétricos”.

Cabe lembrar que Dunga não é um behaviorista e, consequentemente, não é um especialista do comportamento. Ele é apenas alguém que algumas vezes usa desavisadamente a punição, procedimento que psicólogos comportamentais combatem veementemente.

O behaviorismo é uma filosofia que embasa a ciência empírica que estuda o comportamento dos organismos, sendo esta chamada de Análise do Comportamento ou Psicologia Comportamental. Behavioristas não criaram a punição (ou mesmo os choques elétricos) e seu fundador - B. F. Skinner - é o maior inimigo de práticas coercitivas ou punitivas. As instituições sociais criaram as punições, e não os behavioristas. Como cidadãos, observamos consternados métodos “disciplinadores” em nossas relações econômicas, governamentais, educacionais, religiosas, entre outras. Todos nós estamos bem familiarizados com as práticas de nossa cultura, que apresenta consequências punitivas para pessoas que infringem a leis, tais como a não prestação de contas ao fisco, o não cumprimento de deveres cívicos, o desempenho insatisfatório em trabalhos escolares, ou qualquer ação que seja classificada como pecado ou erro.

Os behavioristas, buscando meios de suprimir essas práticas e demonstrar seus efeitos perniciosos, pesquisam a punição com profundidade há mais de 60 anos, com robusta produção científica, denunciando veementemente as práticas coercitivas na sociedade. Mesmo em épocas de ditadura militar, analistas do comportamento não deixaram de se manifestar publicamente contra a prática da punição em nossa cultura. Maria Amélia Matos (em memória) foi uma das pessoas que o fizeram, em um artigo denominado “A ética no uso do controle aversivo”, de 1982.

Temos behavioristas no Brasil reconhecidos internacionalmente, trabalhando e buscando soluções para um vasto leque de problemas humanos, sem o uso de punição. No campo da saúde, desenvolvemos tecnologias de intervenção que melhoram a vida das pessoas que sofrem dos mais diversos distúrbios. Comumente tratamos dos efeitos maléficos provocados pela punição e ensinamos nossos clientes a como efetivamente enfrentá-la. Temos terapeutas comportamentais trabalhando com pessoas deprimidas, fóbicas, ansiosas. Trabalhamos também com crianças com problema de desenvolvimento dos mais diversos. O tratamento de maior eficácia para o autismo é reconhecidamente de orientação behaviorista.

Como cientistas também preocupados com as práticas educacionais, auxiliamos na formação de melhores professores e na educação de crianças para que essas venham a se tornar cidadãos dignos e atuantes em suas comunidades. Pessoas que saibam fazer escolhas e que não venham a causar sofrimentos a outros ou a si mesmo, usando, inadvertidamente, a mesma punição que aprenderam em ambientes sociais coercitivos.

Muitos colegas na Psicologia Comportamental trabalham em empresas, no esporte ou no planejamento de políticas sociais mais humanas. B. F. Skinner, ao seu tempo, foi um humanitário e as causas ilustradas no livro Walden II (obra bem lembrada por Mainardi) são, por assim dizer, genuinamente humanitárias. Vale lembrar que, em nenhum momento desta obra de ficção, o autor propõe uma sociedade totalitária. Pelo contrário, sua proposta de sociedade defende o respeito à individualidade e à liberdade individual. Aliás, o mesmo Skinner defende que, se a sociedade em que vivemos não usasse tanta punição, nem precisaríamos criar um termo como a “liberdade”, já que ele seria um valor comum e não um estado de exceção.

Em setembro próximo teremos o 19º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental (ABPMC - www.abpmc.org.br), o maior fórum científico da área. Reunimos hoje mais de três mil pesquisadores, profissionais e alunos de graduação preocupados com a relevância social das nossas descobertas e com o rigor ético de nossas intervenções. Queremos, sim, construir um mundo mais digno. E os dados da ciência do comportamento vêm sendo profícuos em nos ensinar a como fazer isso. Mas isso depende da capacidade de nossos interlocutores superarem preconceitos históricos e ouvir o que temos a compartilhar à luz do atual desenvolvimento da Análise do Comportamento e do behaviorismo skinneriano. Basta uma rápida pesquisa nos anais de nossos Encontros para notar nossa preocupação com temas que afligem a sociedade e que poderão comprometer a sobrevivência de nossa cultura, entre os quais estão justamente as mais variadas formas de punição.

Sabemos que os termos técnicos da Análise do comportamento por vezes impedem a adequada compreensão de nossa ciência. Mas a ABPMC estará sempre de portas abertas para esclarecer dúvidas, dialogar com colegas cientistas de outras áreas e com qualquer interessado na compreensão de nossa abordagem.

Da redação, com informações da diretoria da ABPMC


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Argélia, um 3 de julho para não ser esquecido

Gilson Caroni *

Há quatro anos, quando esteve na Argélia, Lula agradeceu ao povo argelino “por ter acolhido muitos brasileiros, obrigados a sair do país durante o regime militar". Tempos depois, ao declarar”que o continente africano não quer mais colonização, e sim cooperação", o presidente brasileiro reiterou o lugar ocupado pela África em uma política externa que, tanto no âmbito propriamente político quanto no relacionamento comercial, tem na soberania dos povos sua marca clara, nítida, inconfundível. De fato, desde o início do processo de descolonização, as principais lideranças do continente pugnam por uma ordem internacional diferente, mais justa, que permita aos que se libertaram do jugo colonial assumir o papel de sujeitos ativos do seu próprio desenvolvimento. E esse ponto nos remete a uma data especial, rica em simbolismos políticos por seu caráter quase inaugural.

Há exatos 48 anos, em 3 de julho de 1962,  a nação argelina se tornava independente, após mais de um século de submissão ao colonialismo francês. A guerra travada entre a resistência patriótica e forças colonialistas devastou o país, passando para a história como uma das mais sangrentas de toda a era contemporânea. Na luta, durante oito anos (1954-1962), perderam a vida mais de um milhão de pessoas. Reavivar esses dias é comemorar a vitória contra a tirania colonial, é desmentir a crença, generalizada e falsa, de que momentos constituintes na vida de um povo são idealizações impossíveis.

Os setores mais conservadores da França nos anos 50 não estavam dispostos a perder a colônia argelina, após a retumbante derrota sofrida na Indochina, em 1954, justamente o ano em que se inicia a luta armada liderada pela Frente de Libertação Nacional (FLN). O descontentamento, através de uma violência incomum, refletia a inviabilidade de alternativas políticas que permitissem alcançar quaisquer formas aceitáveis de governo autônomo ou de administração dos próprios destinos.

Jean Paul-Sartre, o filósofo existencialista, escreveria que o “nacionalismo argelino não é a simples retomada de antigas tradições ou conhecidas afeições. Ele é o meio de que eles dispõem para fazer cessar sua exploração". Sartre, um dos muitos franceses progressistas a apoiar, incondicionalmente, a revolução argelina, com certeza enxergava na ação da FLN um "alargamento do possível", um fenômeno que se impunha como escolha livre, porém “situada”.

A guerra sangrou o país, desestruturando sua economia. Além disso, a emigração maciça após a independência (milhares de pessoas abandonaram a Argélia quando o governo provisório da FLN assumiu o poder) prejudicou sensivelmente o processo de reconstrução e edificação do projeto socialista.  Embora os resultados iniciais tenham sido satisfatórios na educação e habitação, muitas promessas não se concretizaram. Com 34 milhões de habitantes, o segundo país da África conheceu vários períodos de instabilidade política desde a conquista da soberania política.

Hoje, um em cada dez trabalhadores está desempregado e 95% das exportações estão concentradas em petróleo e gás. A diversificação da economia é o grande desafio para o governo de Abdelaziz Bouteflika no momento em que é retomado o processo de reconstrução do país.

Há muito a ser feito além dos acordos de cooperação conjunta firmados na visita presidencial. As carências na área de infraestrutura, sobretudo na geração de energia e na construção civil, podem ser supridas pelo incremento da política Sul-Sul do Itamaraty. Ao empresariado brasileiro há várias portas de entrada para o mercado africano. Aos argelinos, a possibilidade de descobrir no Brasil o parceiro desejável para consolidar as promessas de um 3 de julho inacabado. Um devir que abraça dois continentes.

* É professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil

Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna

Decretos garantem mais autonomia às universidades

Documentos elaborados pela Andifes e Ministério da Educação devem ser assinados pelo presidente Lula em 19 de julho

 

O presidente Lula deve assinar, no próximo 19 de julho, dois decretos que ampliam a autonomia das universidades públicas brasileiras. Os documentos, finalizados em reunião entre a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições de Ensino Superior (Andifes) e o Ministério da Educação (MEC), na noite da quinta-feira, 1º de julho, dão mais independência às universidades em relação à gestão financeira e à contratação de pessoal, duas reivindicações históricas das instituições.

Na prática, as medidas significam menos burocracia e mais agilidade para os gestores. O Decreto de Gestão Financeira, por exemplo, fortifica a autonomia das universidades para o reaproveitamento de créditos de um ano para o outro – antes havia a ameaça de devolução do dinheiro não usado durante o período - e da realocação interna de recursos entre rubricas distintas. “Cada universidade tem necessidades singulares na gestão do orçamento”, observa o presidente da Andifes, professor Edward Madureira.

Mais concursos

Outro avanço, incluído no Decreto de Pessoal, diz respeito à autonomia na realização de concursos públicos para a contratação de professores e servidores técnicos. “Hoje há uma dependência da liberação do Ministério do Planejamento para a contratação, o que torna lenta a substituição de profissionais que deixam as universidades”, explica Edward, reitor da Universidade Federal de Goiás. Com a criação do Banco de Servidores Equivalentes, um novo concurso poderá ser feito em curto prazo.

A reunião desta quinta-feira contou com a presença do ministro Fernando Haddad, da secretária de Ensino Superior, Maria Paula Dallari, da diretoria da Andifes e do reitor da UnB, professor José Geraldo de Sousa Junior. “O encontro foi muito bom. Conseguimos chegar a um consenso sobre os meios para efetivar as reivindicações das universidades”, destaca José Geraldo. “Esses decretos são resultados de um trabalho longo e de intensas negociações entre reitores e governo”, completa Edward.

Urgência

O presidente da Andifes não esconde a expectativa sobre a assinatura dos decretos na reunião com o presidente Lula, que desde 2003 recebe anualmente o grupo de reitores. “Está tudo redondinho e muito bem elaborado”, avalia. A Andifes tinha a preocupação de conseguir medidas para melhorar a gestão das universidades públicas antes do fim do mandato do presidente, que acaba em 31 de dezembro. Se depender do clima da reunião no MEC, os documentos não serão questionados.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (nº 5.540), que trata da “autonomia administrativa, financeira e disciplinar” das universidades brasileiras é de 1961. Na avaliação de Edward Madureira, de lá para cá – são 49 anos - alguns avanços em termos de legislação ocorreram, mas as mudanças não acompanharam as necessidades das instituições. “A ampliação do acesso e a expansão do ensino superior no país demandam uma evolução também das leis sobre gestão”, explica o reitor da UFG.

Fonte: UnB

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"A Jovem Rainha Vitória": Falsos retoques

Cloves Geraldo *
 

Filme do diretor Jean-Marc Vallée tenta maquiar a imagem da Rainha Vitória, que expandiu o colonialismo britânico, submetendo povos e nações

 

           Os dramas vitorianos, que destacam o passado de glória do Império britânico, têm em “A Jovem Rainha Vitória”, de Jean-Marc Vallée, uma tentativa de modernizar a imagem da rainha britânica (1819/1901) sob cujo reinado (1837/1901) ele mais se expandiu. Daí surgindo o slogan de que era o império onde o “sol jamais se punha”. Um poder que Vallée procura justificar com cenários deslumbrantes, vestuários luxuosos, romance, intrigas palacianas, pondo o espectador diante de uma realeza faminta pelo poder. E uma jovem Vitória (Emily Blunt) centrada, decidida a fazer valer seu ponto de vista para não sucumbir às tramas urdidas pela realeza e os líderes políticos da Monarquia Parlamentar.


              Com esta abordagem revisionista, Vallée e seu roteirista Julian Fellowes retocam a imagem da Rainha Vitória I e, por extensão, da própria realeza britânica. Centram o filme numa jovem rebelde, que se insurge contra o padrasto e conselheiro John Conroy, que pretende submetê-la, desde já, a seu controle, para, a partir daí, ditar as políticas do império. Ela, no entanto, está ciente de seu futuro, reforçado pelo apoio do tio, o rei Guilherme IV (Jim Broadbent), que a ajuda livrar-se de Conroy, abrindo caminho para sua posse com rainha.


             Ela então se defronta com as disputas entre os partidos conservador e liberal, cujos líderes tentam atraí-la para suas políticas. Mas também é cortejada pelo herdeiro do trono belga, seu primo Albert (Rupert Fiend), cujo tio, o rei Leopoldo I, da Bélgica (Thomas Kretschmann), percebendo a falência de seu reinado espera que o sobrinho se case com ela para salvar a coroa. Com estes fios de história, Vallée monta sua narrativa, optando pelo romance entre os jovens Vitória e Albert, tendo como pano de fundo as lutas políticas e as frustrações de Conroy e de sua mãe, a duquesa de Kent (Miranda Richardson).



              Destes fios surgem uma jovem Vitória com traços feministas, disposta a enfrentar membros da realeza e as lideranças políticas, que se sucedem no poder tentando atraí-la para seus interesses. Principalmente quando Vitória chega ao poder. Insegura, ela pende entre os conselhos do primeiro-ministro conservador lorde Melbourne (Paul Bettany) e do príncipe Albert. Sua juventude e inexperiência não lhe permitem apreender os interesses em jogo, configurados nas disputas parlamentares e na ebulição popular vinda das ruas.


               Surgem então suas vacilações, notadamente quando hesita em dividir as responsabilidades de Rainha com o então marido Albert, para depois abandonar a teimosia e a insegurança, caminhando para a maturidade. Mas é também quando as fragilidades do filme emergem, tornando obscuras e incompreensíveis as mudanças de poder no Parlamento, evidenciando também o conservadorismo de Vitória, contrastando com o perfil avançado que Fellowes e Vallée querem lhe dar.


             Os liberais, mostrados em trajes escuros, são vistos como ávidos pelo poder, radicais, enquanto os conservadores são mostrados como “maleáveis, sedutores, até”.  Basta ver as relações de Vitória com Melbourne, o primeiro-ministro conservador: são fiéis aliados, estando ela sempre junto dele. Contraditoriamente, são nestas mal resolvidas passagens, mudanças de rumo narrativo, que entram um terceiro víeis: o da rua. Ele aparece nos comentários de Albert, “preocupado” com as condições de vida do proletariado britânico, e nos confrontos políticos no Parlamento, influenciados pelas vozes das ruas.


                Filme de Vallée é saudosista


              O povo surgido nas conversas dela com Albert e, notadamente, na sequência do atentado; é mostrado como fantasmagórico personagem coletivo, uma ameaça, portanto, ao seu reinado. Conservadora, imperialista, ela só agravou os problemas sociais durante seus 60 anos de poder. O que fragiliza a tentativa da dupla Valléé/Fellowes em modernizá-la. Embora busquem retocar sua imagem, percebe-se que os dois querem, na verdade, é mostrar que no passado monárquico, colonialista, havia uma monarca que submetia a todos, povos e nações, ao contrário do atual momento histórico da Grã-Bretanha, cheio de fracassos econômico-financeiros, submissão aos EUA e fragilidades sociais.


             É, assim, um filme nostálgico, saudoso do tempo em que o imperialismo britânico reinava absoluto no planeta. Um deslize e tanto, em se tratando de visão política registrada em celulóide. O colonialismo britânico, superado pelo imperialismo estadunidense durante a II Guerra Mundial, deixou feridas ainda não cicatrizadas nos quatro continentes. Engendrou a Revolução Industrial, sustentada pelas riquezas das colônias e a exploração do proletariado britânico, enriqueceu a nobreza e a monarquia e gerou uma burguesia ávida pelo controle das riquezas das nações colonizadas.    


           Assim, os retoques da dupla Vallée/Fellowes não resistem à análise mais acurada.  Não poderia ser diferente.

A Jovem Rainha Vitória” (“The Young Victoria”). Drama. Reino Unido/EUA. 2009. 105 minutos. Roteiro: Julian Fellowes. Direção: Jean-Marc Vallée. Elenco: Emily Blunt, Rupert Friend, Paul Bettany, Miranda Ricardson, Jim Broadbent, Thomas Kretschmann.
(*) Oscar 2010 de Melhor Figurino.

Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

UJS com Dilma, pra ser muito mais Brasil!

André Tokarski *

Com muito otimismo e disposição para a luta, mais de 1500 militantes da União da Juventude Socialista ocuparam entre os dias 17 e 20 de junho as dependências do Centro de Convenções de Salvador/BA, para a realização do 15º Congresso Nacional da UJS.


O Congresso é resultado de um grande processo de mobilização e debate que contagiou os quatro cantos do país. Foram mais de quatro meses de muita divulgação das nossas idéias em passeatas, plenárias, nas praças e nas ruas do Brasil.
Realizamos nesse período 27 Congressos Estaduais e mais de 300 Congressos municipais, que mobilizaram cerca de 100 mil filiados, resultando em mais de 50 mil participantes na Rede UJS.
Ousadia para inovar e para aprofundar as mudanças no Brasil. Essa foi a marca do congresso. Inovamos ao criar uma Rede Social própria, que já nasce com mais de 50 mil cadastrados e mais de dois mil perfis ativados. Uma ferramenta de organização interna e de mobilização política da juventude na importante trincheira do mundo virtual. Nosso Congresso foi transmitido ao vivo pelo sítio da UJS (www.ujs.org.br), nos principais debates e plenárias estavam conectados mais de mil pessoas, do Brasil e do mundo. Entre um debate e outro, rolava sempre um “free style” com a rapaziada do hip-hop. Com mais de 20 computadores plugados na internet a galera passava o recado do que estava rolando no Congresso para seus amigos do Orkut, do twitter e da Rede UJS. O Congresso inovou também ao realizar a 1ª Mostra Científica da UJS. Duas dezenas de trabalhos nas mais variadas áreas foram apresentados e no final foi constituído o coletivo nacional de Jovens Cientistas da UJS.

Um dos objetivos do Congresso era eleger a nova Direção Nacional da UJS. Marcamos um belo gol de placa nesse quesito: somos ao total um coletivo dirigente com 79 membros titulares e 12 suplentes, com mais de 35% de mulheres e uma média de idade de 24 anos. Participam da nova Direção representantes dos 27 estados brasileiros, jovens lideranças que atuam nas mais variadas frentes: trabalhadores, como o Thiago Santana, de Minas Gerais, que é operador de telemarketing e diretor do Sinttel-MG (Sindicato dos trabalhadores em telefonia de MG); lideranças do movimento estudantil, como Augusto Chagas, presidente da UNE e Yan Evanovich, presidente da UBES; jovens mulheres e cientistas, entre elas Elisângela Lizardo, presidente da ANPG – Associação Nacional dos Pós-graduandos- e mestranda na PUC-SP e Luisa Barbosa, doutoranda em História na UFRJ. Também joga nesse time a jovem Deputada Federal Manuela D´ávila (PCdoB-RS), que além der ser uma grande parlamentar é membro da nova Direção Nacional da UJS. Nas direções estaduais, 11 mulheres presidem nossa organização. É com essa seleção que vamos mobilizar toda a juventude para jogar no time do aprofundamento das mudanças no Brasil.

Saímos desse 15º Congresso mais conectados com a juventude, pois reunimos na UJS ao mesmo tempo diversidade e unidade. O papel fundamental que queremos cumprir é o de canalizar toda rebeldia da juventude para transformar em mobilizações amplas e politizadas, em defesa do Brasil, e do socialismo. Reunimos hoje jovens de várias frentes de atuação: meio-ambiente, LGBT, jovens trabalhadores, do movimento estudantil, hip-hop, entre outras, mas mesmo nessa diversidade de pautas e bandeiras não perdemos o ponto chave que nos unifica, que é a luta em defesa do Brasil e do socialismo. A UJS está se preparando para avançar junto como esse novo ciclo político iniciado com o Governo Lula. Está pronta para crescer ainda mais para aproveitar todas as oportunidades que esse momento oferece. O Brasil tem hoje mais de 50 milhões de jovens. É ilusão pensar um processo de mudanças sem a participação ativa da juventude e a UJS estará liderando esse processo.

A idéia-força do Congresso é de que é preciso transformar todo otimismo que toma conta do Brasil em capacidade de luta e mobilização. Nunca vivemos um período em que o Brasil tivesse tantas possibilidades de dar certo e queremos aproveitar todas elas. Nesse sentido, aprovamos como bandeiras prioritárias: a luta pela destinação de 50% do Fundo Social do Pré-Sal para a educação, o esforço para construir um grande legado esportivo para a juventude relacionado à realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas e a construção de um sistema nacional de juventude, que passe pela aprovação de projetos que consolidam as Políticas Públicas de Juventude como políticas de Estado.

A UJS tem um grande compromisso com o Brasil e com o futuro da juventude, por isso, aprovamos por unanimidade o apoio à candidatura de Dilma Rousseff. Para que os ventos continuem a soprar na direção do aprofundamento das mudanças, levaremos aos quatro cantos do país a bandeira da eleição de Dilma para a Presidência da República. Nos oito anos de governo Lula a juventude reencontrou a esperança de viver num país que pode dar certo. Milhões de empregos foram criados, o Prouni possibilitou o acesso à universidade a milhares de jovens que já tinham abandonado esse sonho, e a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas no Brasil é uma conquista que pode transformar o esporte numa grande ferramenta oportunidades para a juventude.

Para nós, eleger Dilma significa renovar essa esperança na certeza de que podemos conquistar ainda mais. Vamos impedir o retrocesso e derrotar José Serra, o “Exterminador do futuro” da juventude. A UJS com seus mais de 100 mil filiados espalhados no Brasil não medirá esforços para enfrentar essa batalha e temos a convicção que seremos vitoriosos.

André Tokarski, 26 anos, é Presidente da União da Juventude Socialista e publica seus artigos também no blog http://juventudenarede.wordpress.com

* 26 anos, é Presidente da UJS e membro do Comitê Central do PCdoB. Publica seus artigos também no blog: http://juventudenarede.wordpress.com

Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna

Desafios e inquietações dos saberes sobre o genoma humano

Fatima Oliveira *

“O PGH ainda não afetou a saúde da maioria das pessoas”

Foi um momento solene e mágico. Era 26 de junho de 2000. O presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, e o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, ao lado de Francis Collins, do projeto Genoma Humano, e de John Craig Venter, da empresa privada Celera Genomics, apresentaram ao mundo algo como o Santo Graal, o código da vida: as sequências do genoma humano. O mapa do PGH não se sabe de quem é, mas o da Celera é o genoma do próprio Venter!

Acompanhei a peleja dos cientistas ao cerne da intimidade humana, nossos genes, analisando aspectos científicos, políticos, sociais, filosóficos e éticos. E escrevi um livro sobre as "coisas novas das biociências" que foi a primeira publicação de popularização da ciência escrito no Brasil sobre o tema: "Engenharia Genética: O sétimo dia da criação" (Moderna, 1995), atualizado em maio passado.

Embora genômica e proteômica tenham se desenvolvido, o marasmo pós-PGH é inquestionável. E só foi quebrado pela celeuma dos transgênicos nesta primeira década, que se firmaram na área alimentar, farmacêutica e na criação de animais bizarros. Mas o "estado da arte" continua o mesmo diante das incertezas da ciência: "Não há provas de que não fazem mal à saúde".

Ouçamos Francis Collins, atual diretor dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA: "A prometida revolução na saúde humana continua a ser muito real... quem esperava resultados dramáticos da noite para o dia pode sentir-se desapontado... A genômica segue a primeira lei da tecnologia: nós sempre superestimamos os efeitos de curto prazo e subestimamos os de longo". E elenca avanços pontuais dos saberes do genoma humano: "Foram desenvolvidos alguns medicamentos potentes para certos tipos de câncer; os testes genéticos podem prever se as pessoas que sofrem de câncer de mama precisam fazer quimioterapia; foram identificados os principais fatores de risco de degeneração macular (uma doença dos olhos) e se pode prever a resposta de mais de uma dezena de medicamentos". E arremata: "É justo dizer que o PGH ainda não afetou a saúde da maioria das pessoas".

John Craig Venter, agora o mago da "biologia sintética", pontua que, se o PGH custou bilhões, hoje é possível sequenciar um genoma humano em um dia, gastando poucos milhares de dólares. E declara: "Ainda há um caminho a percorrer antes que essa capacidade tenha um efeito significativo na saúde e na medicina... À medida que o custo do sequenciamento cai, a qualidade da informação precisa aumentar. A geração de dados genômicos terá pouco valor sem a informação correspondente sobre as características observáveis do indivíduo, e sem ferramentas de computação para ligar essas duas coisas", pois "os experimentos que transformarão a medicina, revelando a relação entre variação genética e resultados biológicos, como fisiologia e doenças, exigirão os genomas completos de dezenas de milhares de seres humanos, juntamente com dados digitalizados abrangentes de fenótipos".

O geneticista brasileiro Salmo Raskin, na entrevista "O genoma humano e a revolução que não veio", concedida ao "Paraná-online" em 27.4.2010, é taxativo: "Não existe um determinismo genético para tudo, ou seja, nem tudo está escrito em nossos genes"; e que, "só o fato de muito recentemente termos descoberto que ao menos metade do lixo genético é composto por sequências fundamentais na regulação do genoma, já mostra o quanto pouco sabemos sobre a genética humana, depois de anos após o anúncio do sequenciamento".
* Médica e escritora. É do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução e do Conselho da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe. Indicada ao Prêmio Nobel da paz 2005.

Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna

Faltam engenheiros, mas sobram caras de pau

Luciano Rezende *

"A educação é a base para o desenvolvimento. Com uma educação precária, o Brasil está se distanciando dos países do Primeiro Mundo. Como conseqüência, a economia começa a cobrar a conta em função dessa falta de estrutura".


Não há nada de errado na frase acima, com exceção da parte onde diz que estamos nos distanciando dos países do chamado primeiro mundo. Mas no geral, ela é correta. O problema é de onde ela partiu.

Em texto intitulado “Governo petista não preparou o País para o crescimento”, publicado no site do PSDB, o deputado tucano Luiz Carlos Hauly, do Paraná, teve a audácia de criticar o governo Lula pelo fato de que "só 15% dos jovens estão na universidade, o equivalente a um milhão de alunos, quando deveriam ter, no mínimo, 50% dos jovens nas universidades. Fora isso, o ensino médio não oferece cursos profissionalizantes para todos os alunos". Na visão do deputado, Lula é o responsável pelas deformidades do sistema educacional brasileiro, incapaz de formar engenheiros de qualidade para suprir a atual demanda ocasionada pelo crescimento econômico que o mesmo governo (Lula) promove.

A crítica parte justamente de um deputado filiado ao Partido (PSDB) que mais massacrou a educação brasileira. Aproveitou-se de artigo da Folha de São Paulo onde há o alerta que o “País perde US$ 15 bi com má formação de engenheiro” para alfinetar Lula. Mas essa má formação tem um histórico. O desmonte das universidades e escolas técnicas foi patrocinado pelo Governo Fernando Henrique Cardoso e, apesar da grande mobilização da sociedade, não foi possível interromper as políticas neoliberais que vetaram a contratação de novos professores e servidores por oito anos, diminuíram o acesso em vários cursos, sucatearam as estruturas físicas e laboratórios, desmotivaram professores e servidores, congelaram salários e bolsas e outros crimes mais.

O Brasil se tornou, a partir do governo do PSDB, o país com o maior índice de privatização da educação na América Latina e um dos cinco em todo o mundo, se considerados o número de instituições e o percentual de matrículas. Em 1994, 22,5% das instituições de ensino superior eram públicas e 77,5% eram privadas. Em 2002, apenas 11,9% eram públicas e 88,1% privadas. Um crescimento de 118% das instituições privadas enquanto o número de instituições públicas permaneceu o mesmo.

O deputado demonstra ter uma memória fraquíssima. Pensa (ou quer fazer pensar) que é possível saltar de 15% para 50% de jovens na universidade em sete anos. É de se perguntar quanto saltou esse percentual durante os oito anos de governo FHC.

Por isso mesmo é bom comparar. Ou o deputado Hauly também é uma daqueles de que na propaganda eleitoral acha melhor olhar pra frente e esquecer (ou esconder) o passado?

De fato, a carência de engenheiros em nosso país é fato preocupante. Mais que isso, engenheiros devidamente qualificados.

Mas a herança maldita deixada por FHC só vai ser superada em médio e longo prazo. Não se gradua um engenheiro com sólida formação da noite para o dia. Esses profissionais precisam ter uma preparação adequada que comece no ensino fundamental (o mesmo nível de educação em que os governadores - do partido do deputado Hauly - foram contrários a implantação do Piso Nacional para os professores nos seus estados), diferentemente do que propôs os governos tucanos em São Paulo, por exemplo, com o regime de “aprovação automática”, para reduzir custos com o ensino e com isso formar estudantes analfabetos funcionais.

Um partido que enquanto esteve na presidência da república não criou nenhuma universidade pública ou escola técnica em oito anos, não tem moral para vir agora cobrar a formação de engenheiros qualificados. Em contrapartida, Lula e Dilma inauguraram dez novas universidades e 214 escolas técnicas, mesmo assim, muito aquém do que a economia atual, inaugurada por Lula e Dilma, necessita.

No governo passado, nem se tinha engenheiros, nem se tinha empregos. Esse era o dilema. Mas parece que disso o deputado paranaense não se lembra. Ou será isso tudo mais uma invenção da “gente que mente”? O povo saberá quem está com a razão no dia 3 de outubro.

P.S.: Um breve depoimento pessoal: como engenheiro de formação, graduado em uma universidade pública federal em plena era FHC, aproveitei só agora os concursos públicos abertos no governo Lula para ser professor federal. Na época em que me formei (1999) o desemprego era assustador e não houve nenhum concurso público durante todo esse período. Quem não se lembra disso? Meus colegas que antes eram oposição a Lula são hoje anti-PSDB declarados, assim como quase todos os reitores, diretores de escolas e a ampla maioria dos professores que puderam comparar e sentir na carne os dois governos.

* Engenheiro agrônomo, mestre em Entomologia e doutorando em Genética. Da direção estadual do PCdoB - MG

Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna

Aldo Rebelo: a comida vai cair do céu

Sob o autoexplicativo título Farms Here, Forests There (Fazendas Aqui, Florestas Lá), foi publicado nos Estados Unidos, em maio, estudo patrocinado pela National Farmers Union (Associação Nacional de Fazendeiros) e pela organização não-governamental Avoided Deforestation Partners (Parceiros contra o Desmatamento, em tradução livre). 


Por Aldo Rebelo, no O Estado de S.Paulo

A autora principal do relatório é Shari Friedman, ex-funcionária do governo Clinton, quando trabalhou na Environmental Protection Agency (EPA, a Agência de Proteção Ambiental), analisando políticas domésticas de mudanças climáticas e competitividade internacional. Ela também fez parte da equipe norte-americana de negociações para o Protocolo de Kyoto, que os Estados Unidos se negaram a assinar.


O tema do relatório é a perda de competitividade da agroindústria norte-americana diante dos países tropicais, principalmente o Brasil. A tese principal do estudo é que a única forma de conter essa perda de competitividade é reduzir o aumento da oferta mundial de produtos agropecuários, restringindo a expansão da área agrícola nos países tropicais pela promoção de políticas ambientais internacionais mais duras.

Segundo o relatório, "a destruição das florestas tropicais pela produção de madeira, produtos agrícolas e gado tem levado a uma dramática expansão da produção de commodities que competem diretamente com a produção americana". Desse modo, "a agricultura e as indústrias de produtos florestais dos Estados Unidos podem beneficiar-se financeiramente da conservação das florestas tropicais por meio de políticas climáticas".

O estudo avalia que "acabar com o desmatamento por meio de incentivos nos Estados Unidos e da ação internacional sobre o clima pode aumentar a renda agrícola americana de US$ 190 bilhões para US$ 270 bilhões entre 2012 e 2030". Esse aumento incluiria benefícios diretos de US$ 141 bilhões, decorrentes do aumento da produção de soja, carne, madeira e substitutos de óleo de palma, e economias indiretas de US$ 49 bilhões, em razão do menor custo da energia e de fertilizantes, pela redução das medidas compensatórias associadas à diminuição das florestas tropicais, ou seja, na medida em que os países tropicais poluírem e desmatarem menos, eles poderiam poluir e desmatar mais, sem ter de pagar por isso comprando créditos de carbono e outras medidas mitigadoras.

A candura com que eles tratam do tema é comovedora. O estudo revela que na cabeça deles não passamos mesmo de um fundo de quintal que precisa ser preservado para que eles possam destruir o resto do mundo com a consciência tranquila e, principalmente, com o bolso cheio.

Já vai longe — e sem saudades — o tempo em que a sociedade brasileira se curvava, sem questionamentos e sem esperneio, à tutela dos países ditos do Primeiro Mundo. Hoje é inadmissível pensar que países livres tenham de se submeter às manipulações econômicas de outras nações.

O aspecto trágico dessa proposta é a completa ausência de responsabilidade social dos agricultores norte-americanos, que veem a agricultura apenas como uma forma de aumentar sua própria fortuna, e não como a solução para a questão da fome no mundo. Ao produzir mais alimentos — e, com isso, mantendo seus preços mais acessíveis aos países pobres —, o Brasil ajuda a evitar que essa epidemia terrível se espalhe ainda mais no planeta.

Houve ainda uma época em que a divisão internacional do trabalho imposta pelos países ricos reservava para eles a produção de bens manufaturados e aos países pobres, o fornecimento de bens agrícolas e matérias-primas. Hoje se vai estabelecendo uma nova divisão: os Estados Unidos e a Europa transformaram-se em economias de serviço e grandes produtores e exportadores agrícolas, enquanto a produção industrial se deslocou para a Ásia.

Nesse novo esquema, países como o Brasil deveriam, na opinião deles, cumprir um novo papel: tornar-se uma espécie de "área de preservação permanente global". Com isso se resolveriam dois problemas: o comercial, pois sua produção agrícola ineficiente se viabilizaria pela redução da oferta e pelo aumento dos preços internacionais; e o ambiental, porque garantiríamos a compensação necessária para que eles continuem a manter seu atual padrão de consumo, que exige a exploração dos recursos naturais globais acima da capacidade que a natureza tem de repô-los.

Tudo isso funcionaria muito bem, não fosse o fato de sermos um país de mais de 190 milhões de habitantes, que precisam satisfazer as mesmas necessidades básicas que os americanos e europeus e têm as mesmas aspirações de progresso material e espiritual, cada vez mais parecidas e universais no mundo globalizado. Sim, nós também temos direito à felicidade nos mesmos moldes dos europeus ocidentais e dos norte-americanos!

Faz sentido, portanto, a defesa "desinteressada" que eles fazem dos chamados "povos da floresta". Além de sua expressão quantitativa reduzida, esses brasileiros têm um padrão de consumo que não compete com eles no uso dos recursos naturais e torna perfeitamente viável o esquema de "fazendas lá e florestas aqui".

Só não dizem o que fazer com os 190 milhões de nossa população que não vivem nas florestas e precisam produzir comida e outros bens para ter um padrão de vida digno. Para estes eles têm a solução que já aplicam na África, depois de arruinarem a produção local de algodão, milho, tomate e outros alimentos, com os subsídios milionários que dão aos seus próprios fazendeiros: a chamada "ajuda humanitária".

A continuar nesse ritmo, em vez de comprar comida nos supermercados, vamos acabar tendo de esperá-la cair do céu em fardos atirados pela Força Aérea Americana ou distribuídos pela Cruz Vermelha e pelo Greenpeace.

* Aldo Rebelo é deputado federal (PCdoB-SP), relator do Código Florestal, presidiu a Câmara dos Deputados e foi Ministro de Relações Institucionais no governo Lula

Fonte: http://www.vermelho.org.br/noticia

Paul Krugman: quem vai pagar a conta da terceira depressão?

Em artigo reproduzido nesta terça (29) pelo jornal O Estado de São Paul, o economista estadunidense Paul Krugman manifesta o receio de que o mundo já ingressou “nos estágios iniciais de uma terceira depressão” em função do arrocho fiscal que a Europa, agora com apoio do G20, está adotando em resposta à crise.

Krugman lembra a Grande Depressão, que veio no rastro do crahs da Bolsa de Nova York em 1929, para enfatizar que o triunfo das teses conservadoras terá um preço alto e quem vai pagar o pato são “dezenas de milhões de trabalhadores desempregados, muitos deles sujeitos a ficar sem emprego por anos e outros que nunca mais voltarão a trabalhar”.

Leia abaixo a íntegra do artigo:

A terceira depressão

Recessões são comuns; depressões são raras. Pelo que sei, houve apenas duas eras na história econômica qualificadas como “depressões” na ocasião: os anos de deflação e instabilidade que acompanharam o Pânico de 1873, e os anos de desemprego em massa, após a crise financeira de 1929-31.

Nem a Longa Depressão do século 19, nem a Grande Depressão, no século 20, registraram um declínio contínuo. Pelo contrário, ambas tiveram períodos em que a economia cresceu. Mas esses períodos de melhora jamais foram suficientes para desfazer os danos provocados pela depressão inicial e foram seguidos de recaídas.

Receio que estamos nos estágios iniciais de uma terceira depressão. Que provavelmente vai se assemelhar mais à Longa Depressão do que a uma Grande Depressão mais severa. Mas o custo – para a economia mundial e, sobretudo, para os milhões de pessoas arruinadas pela falta de emprego – será imenso.

E esta terceira depressão tem a ver, principalmente, com o fracasso político. Em todo o mundo – e, mais recentemente, no profundamente desanimador encontro do G-20, no fim de semana -, os governos se mostram obcecados com a inflação quando a verdadeira ameaça é a deflação, e insistem na necessidade de apertar o cinto, quando o problema de fato são os gastos inadequados.

Em 2008 e 2009, parecia que tínhamos aprendido com a história. Ao contrário dos seus predecessores, que elevavam as taxas de juros para enfrentar uma crise financeira, os atuais líderes do Federal Reserve e do BCE (Banco Central Europeu) cortaram os juros e partiram em apoio aos mercados de crédito. Ao contrário dos governos do passado, que tentaram equilibrar os orçamentos para fazer frente a uma economia em forte declínio, os governos hoje deixam os déficits aumentarem. E melhores políticas ajudaram o mundo a evitar o colapso total: podemos dizer que a recessão provocada pela crise financeira acabou no verão (no hemisfério norte) passado.

Mas os futuros historiadores irão nos dizer que esse não foi o fim da terceira depressão, da mesma maneira que a retomada econômica em 1933 não foi o fim da Grande Depressão. Afinal, o desemprego – especialmente o desemprego a longo prazo – continua em níveis que seriam considerados catastróficos há alguns anos e não dão sinal de queda. E tanto Estados Unidos como Europa estão próximos de cair na mesma armadilha deflacionária que atingiu o Japão.
Diante desse quadro sombrio, você poderia esperar que os legisladores tivessem entendido que não fizeram o suficiente para promover a recuperação. Mas não. Nos últimos meses observamos o ressurgimento da ortodoxia do equilíbrio orçamentário e da moeda forte.

O ressurgimento dessas teses antiquadas é mais evidente na Europa, onde as autoridades parecem estar usando os discursos de Herbert Hoover para fundamentar sua retórica, incluindo a afirmação de que elevar impostos e cortar gastos vai expandir a economia, melhorando a confiança nos negócios. Mas, em termos práticos, os EUA não estão agindo muito melhor. O Fed parece consciente dos riscos de uma deflação – mas o que propõe fazer com relação a esses riscos é, bem, nada.

O governo Obama entende os perigos de uma austeridade fiscal prematura – mas como os republicanos e democratas conservadores do Congresso não aprovam uma ajuda adicional aos governos estaduais, essa austeridade se impõe de qualquer maneira, com os cortes no orçamento estaduais e municipais.

Por que essa virada equivocada da política? Os radicais com frequência referem-se às dificuldades da Grécia e outros países na periferia da Europa para justificar seus atos. E é verdade que os investidores atacaram os governos com déficits incontroláveis. Mas não há nenhuma evidência de que uma austeridade a curto prazo, face a uma economia deprimida, vai tranquilizar os investidores. Pelo contrário: a Grécia concordou com a adoção de um plano severo de austeridade, mas viu seus riscos se ampliarem ainda mais; a Irlanda estabeleceu cortes brutais dos gastos públicos e foi tratada pelos mercados como um país com risco maior do que a Espanha, que até agora reluta em adotar medidas drásticas propugnadas pelos radicais.

É como se os mercados financeiros entendessem o que os legisladores aparentemente não compreendem: que, embora a responsabilidade fiscal a longo prazo seja importante, cortar gastos no meio de uma depressão vai aprofundar essa depressão e abrir caminho para a deflação, o que é contraproducente.

Portanto, não acho que as coisas tenham a ver de fato com a Grécia, ou com qualquer apreciação realista sobre o que priorizar, déficits ou empregos. Em vez disso, trata-se da vitória de teses conservadoras que não se baseiam numa análise racional e cujo principal dogma é que, nos tempos difíceis, é preciso impor o sofrimento para outras pessoas pra mostrar liderança.

E quem irá pagar o preço pelo triunfo dessas teses conservadoras? A resposta é: dezenas de milhões de trabalhadores desempregados, muitos deles sujeitos a ficar sem emprego por anos e outros que nunca mais voltarão a trabalhar.
Fonte: http://www.vermelho.org.br/noticia

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Aldo admite corrigir imprecisões para não facilitar desmatamento

A cada resposta, Aldo Rebelo reforça o mesmo argumento: o novo Código Florestal Brasileiro, pelo menos da forma como o deputado do PCdoB de São Paulo o concebeu, não implicará em novos desmatamentos. A concepção, porém, é diferente do resultado final presente no texto, concluído após ampla discussão. As novas regras, conforme o que está escrito no relatório de Aldo, podem ampliar o desmatamento, e o deputado já admite alterar o texto para corrigir "ambiguidades" e "distorções".

 

 Código Florestal Deputado federal há 20 anos, ex-ministro de Lula e ex-presidente da Câmara, Aldo Rebelo, 54, enfrenta a saraivada de críticas ao relatório – apontado como explicitamente favorável aos ruralistas – com uma alternância de serenidade e irritação. Explica pausadamente os pontos mais importantes, garante que analisa todas as sugestões de mudança e tenta conter o duelo raivoso entre ambientalistas e ruralistas. "As pessoas estão interpretando o relatório como interpretam Dom Casmurro, se Capitu traiu ou não traiu Bentinho, se vai ou não vai haver desmatamento."

 A seguir, confira íntegra da entrevista ao Correio Braziliense:

Correio Braziliense- O que ainda não ficou claro no relatório final, quais pontos o senhor enxerga contradições ou interpretações equivocadas?
Aldo Rebelo - A legislação florestal no Brasil foi profundamente alterada nos últimos anos. O código de 1965 só previa reserva legal numa proporção de 50% na Amazônia e 20% na Mata Atlântica. Não protegia savanas, a caatinga, o pantanal e os pampas. Com as alterações, passou a proteger os demais biomas e ampliou de 50% para 80% a reserva na Amazônia. Por outro lado, a proteção de mata ciliar começava com 5 metros e terminava com 100 metros. Houve alteração para uma proteção mínima de 30 metros e uma proteção máxima de 500 metros. As áreas de preservação permanente, a partir de uma resolução do Conama de 2002, deixaram na ilegalidade 75% da produção de arroz no país, a criação de gado no pantanal, de maçã e uva no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, e de café em São Paulo, no Espírito Santo e em Minas Gerais. A obrigação da averbação de reserva legal na pequenas propriedades praticamente inviabilizou essas propriedades, causando êxodo rural e transferindo um problema social e ambiental do campo para a cidade. Por todas essas razões é que a legislação ambiental precisa de adaptação, para proteger o meio ambiente e também impedir o êxodo rural e a concentração da terra.

CB - O senhor constatou que realmente a necessidade de se manter áreas preservadas está por trás da expulsão dessas pessoas para as cidades?
AR - O jovem não quer mais permanecer na roça, porque a renda é muito baixa e o acesso à educação, à saúde, à cultura e à vida social é mais difícil do que na cidade. Além disso, como a legislação ambiental impõe a recomposição da área de vegetação nativa nas pequenas propriedades, a um custo que o produtor não tem condição de pagar – a recomposição de um hectare varia de 10 a 15 mil reais –, o proprietário prefere sair da área, vendê-la, trocar por um carro usado, por uma casa na periferia das cidades. Eu vi isso em todos os estados que visitei. Muitos assentados estão sem crédito porque não conseguem averbar a reserva legal. Noventa por cento das propriedades agrícolas no Brasil são familiares, é uma agricultura ainda quase pré-capitalista, semi-capitalista, sem uma renda elevada. Não é aquele agricultor que tem 200 mil hectares de soja, ou 200 cabeças de gado, e que nem mora no campo. Este é um investidor rural, que mora na cidade, é um empresário que tem terras.

CB - Quais pontos considera cruciais no relatório? O texto foi muito atacado porque, segundo os críticos, não traz o equilíbrio entre preservação ambiental e produção agropecuária.
AR - Primeiro é preciso destacar que algumas organizações não-governamentais atacaram o relatório, mas muitas entidades defenderam, como a Contag e a Força Sindical. O que é mais importante no relatório, e que a legislação atual não assegura, é uma moratória de cinco anos com qualquer tipo de desmatamento no país. Enquanto os estados não realizarem zoneamento ecológico e econômico, nós não vamos permitir a abertura de nenhuma nova área para a agricultura e para a pecuária. A legislação não protege o que resta de vegetação nativa, o que não é pouco: representa mais de 70% do território brasileiro. O compromisso de proteger esse patrimônio é um ganho muito importante do relatório. Por outro lado, o relatório procura resolver passivos, as áreas que já foram ocupadas, cuja recomposição é quase impossível. Alguns estados não têm estoque para recomposição, como é o caso de São Paulo, Rio Grande do Sul e dos estados do Nordeste.

CB - Esse é um ponto controverso, pois o relatório libera as propriedades de até quatro módulos de terem reserva legal, o que permitiria o desmatamento. Não é isso que o texto diz?
AR - O produtor não precisa averbar a reserva legal, mas o mesmo projeto proíbe o desmatamento, o que vale para o pequeno e para o grande proprietário.

CB - Mas isso somente no período da moratória?
AR - Não somente nesse período. Eu disse ao Ministério do Meio Ambiente que, se houver qualquer dúvida quanto a isso, que façam uma emenda e eu acolho. Nem o pequeno nem o grande estarão autorizados a se desfazer de nenhuma área de vegetação nativa.

CB - O senhor concorda que ficou uma dúvida em relação a isso? Esse é um ponto passível de mudança, para que fique mais claro na legislação?
O que deve ficar claro no relatório é que ninguém está autorizado a se desfazer de nenhum fragmento de vegetação nativa em suas propriedades. Pode ser feito até mesmo um cadastramento da mata que exista por lá, e o proprietário se compromete a preservar.

CB - Haverá uma modificação do texto nesse sentido?
AR - Se for para ficar mais claro, não tenho dúvida nenhuma. Os consultores que redigiram, com preocupação deles e minha, acham que não há problema de falta de clareza. Mas tanto eles quanto eu estamos dispostos a deixar mais claro, talvez acrescentando uma expressão que nós examinamos: "exclusivamente para efeito de recomposição".

CB - Um outro ponto que gerou dupla interpretação é a possibilidade de se excluir quatro módulos fiscais do cálculo da reserva legal nas grandes propriedades. O Ministério do Meio Ambiente chegou a fazer as contas sobre as perdas de vegetação em razão desse mecanismo. Também há dubiedade nesse ponto?
AR - Nas primeiras conversas, o Ministério do Meio Ambiente não tinha apresentado nenhuma proposta de alteração. Isso só me chegou ontem (quarta-feira, 23) à noite. O que houver de dúvida em relação ao compromisso do relatório com a preservação da vegetação, temos interesse em deixar claro. A clareza impedirá que amanhã alguém, com base em qualquer ambiguidade da redação, possa usar o direito de se desfazer da vegetação nativa. Vou passar o fim de semana examinando as sugestões do ministério para ver o que posso acolher, no sentido de deixar o relatório mais cristalino.

CB - Foi a própria ministra Izabella Teixeira que apresentou as sugestões?
AR - Eu falei com ela, secretários executivos e um grupo de técnicos do ministério. Deixei claro a eles que meu objetivo é trabalhar com a consolidação das áreas e correção do passivo existente.

CB - O senhor mesmo pode fazer as alterações no projeto ou é necessário que alguém provoque isso?
AR - Eu posso fazer, mas pedi que deputados e entidades enviem sugestões. O relatório não é um projeto grande, são apenas 50 artigos, e alguns deles repetem a legislação anterior. Qualquer cidadão pode enviar sugestões para eu analisar e apresentar à comissão.

CB - A votação do relatório pela comissão vem sendo sucessivamente adiada, em meio a debates acalorados entre ambientalistas e ruralistas. Há alguma razão para esses adiamentos? Foi um pedido para que o relator possa avaliar melhor o projeto?
AR - A primeira razão é essa. É preciso tempo para as pessoas lerem o relatório, receberem sugestões e examinarem. Eu não trabalho sozinho. Tenho uma equipe de consultores que organizou o relatório, além da própria comissão e de ministérios.

CB - O relatório deve ser votado ainda neste semestre?
AR - Eu defendo que sim. É um respeito à própria Câmara, que constituiu essa comissão há quase um ano. Os prazos já foram esgotados várias vezes. A resolução do Conama de 2002, por exemplo, que colocou produtores na ilegalidade, nunca foi corrigida. Por que o Ministério do Meio Ambiente não corrigiu, não fez o debate? A comissão fez essa discussão, ouviu inclusive o ministério. É preciso que se dê uma solução, não se pode deixar as pessoas na ilegalidade.

CB - O relatório que será votado na comissão especial pode ser diferente do atual?
AR - Pode, com correções das ambiguidades e maior clareza quanto à consolidação, de um lado, e à proteção efetiva, de outro. Não deve haver dúvidas quanto ao desmatamento zero nas propriedades. Muitas agressões contra o meio ambiente acontecem por ignorância. Eu nasci na roça, e nunca ouvi falar que precisava manter uma mata ciliar. As pessoas não sabiam disso, só queriam chegar perto da água para plantar macaxeira, inhame, batata. Não adianta pensar que o meio ambiente será preservado em 5.600 municípios brasileiros a partir de Brasília. A Polícia Federal faz uma operação, chega em helicóptero, prende as pessoas, e depois vai embora.

CB - Há possibilidade de revisão do tópico que inclui as áreas de preservação permanente no cálculo da reserva legal, já que se prevê um desmatamento maior com esse mecanismo?

AR - Essa previsão está completamente enganada. As pessoas estão interpretando o relatório como interpretam Dom Casmurro, se Capitu traiu ou não traiu Bentinho, se vai ou não vai haver desmatamento. Não haverá desmatamento. Ao juntar APP e reserva legal, permite-se apenas a regularização de áreas onde não há estoque de vegetação. A legislação atual já permite somar APP e reserva legal na Amazônia. O que se permitirá é o regime de servidão: o proprietário poderá alugar reserva legal para quem não tem. Se houver dúvida nesse artigo, nós vamos deixar claro que não está autorizado qualquer tipo de desmatamento.

CB - O senhor tem criticado essa briga que se instalou na comissão especial entre ambientalistas e ruralistas, e foi bem duro com as ONGs ambientais internacionais, enquanto dedica o relatório aos agricultores brasileiros. Como o senhor analisa o comportamento dos ambientalistas? E acredita que o relatório esteja sendo usado como instrumento de interesses do agronegócio?
AR - Homenagear os agricultores é homenagear uma parcela do nosso país, a quem devemos muito. Eu homenageei também os ambientalistas, dedico a eles um belo poema de Castro Alves, chamado A Queimada. Noventa por cento das ONGs merecem respeito e nós devemos a elas as denúncias de crimes ambientais no país. O que distingo são ONGs com sede no exterior e que vêm ao Brasil para defender os interesses de seus países. Eu tenho o direito de pensar dessa forma porque existe uma guerra comercial na agricultura mundial. Essas ONGs defendem os interesses dos agricultores ricos dos seus países. Não me peçam que, quando houver conflito de interesse entre o produtor de soja do Brasil e o produtor de soja dos Estados Unidos, eu fique do lado do americano. Nós devemos proteger a agricultura no que ela tem de bom e criticar o que ela tem de socialmente atrasado.

Fonte: http://www.vermelho.org.br

Condenação do Cristo marxista


Gilson Caroni *

Nas páginas do “Evangelho segundo Jesus Cristo”, a grande heresia não está no fato de o personagem pedir perdão pelos pecados de Deus. O que o Vaticano não pode perdoar é a denúncia corajosa a um cristianismo imperial e colonialista.

 

Que estranhos desígnios inspiraram o "L'Osservatore Romano" a atacar,em editorial, o escritor José Saramago, falecido recentemente na Espanha? Chamá-lo de populista extremista, que se referia "com comodidade a um Deus no qual jamais acreditou por considerar-se todo poderoso e onisciente" não revela apenas uma atitude fria e inflexível com um humanista ateu. Vai além. Reforça apreensões em relação aos objetivos políticos do Vaticano e suas consequências éticas.

Se a eleição do cardeal Ratzinger como supremo pontífice da Igreja Católica constituiu um acontecimento cuja gravidade poucos subestimaram, a superação integrista das contradições do Concílio Vaticano II já se delineava claramente no pontificado de seu antecessor, João Paulo II, quando as bases sociais da Teologia da Libertação foram firmemente atacadas.

Em 1983, ao visitar a América Central, suas homilias mantiveram fina sintonia com o projeto do governo Reagan para a região. Em Manágua, o papa não apenas não correspondeu às expectativas do povo nicaraguense de condenação clara às agressões incentivadas pelo imperialismo estadunidense, como também deu ênfase ao que mais dividia o governo sandinista e a hierarquia eclesiástica, à época: o da fidelidade dos sacerdotes e religiosas à igreja e à exigência de não participarem na responsabilidade da gestão governamental. Uma declaração de guerra aos partidários de um cristianismo progressista. Reafirmação classista de uma instituição multissecular.

Na Guatemala, um dos países em que a repressão dos governos militares fez mais vítimas entre os religiosos, João Paulo II não só visitou o presidente Ríos Montt, conhecido por ordenar massacres contra a oposição, como permitiu que o general lhe pedisse o afastamento de sacerdotes da política. Nos discursos papais não houve qualquer protesto contra fuzilamentos sistemáticos; apenas menções genéricas a Direitos Humanos. O Cristo do Vaticano, ao contrário do de Saramago, não deu ouvido a comunidades indígenas e camponesas tratadas como estrangeiras em seus próprios países.

Embora saiba muito bem que estão implícitas, na violência que se expande, a questão do poder, dos interesses econômicos nacionais e internacionais, além das considerações geopolíticas, o Jesus do "L'Osservatore" ignora que a promessa anunciada só se efetivará provocando uma transformação radical da condição social do homem. No livro de Saramago, Jesus, filho de José e amante de Madalena, vive a Paixão dos novos sujeitos. Seu sacrifício é a labuta das populações negras, o sofrimento das índias e o sangue camponês que jorra nos latifúndios.

A coexistência de um papado ultra-reacionário com governos de extrema-direita, como foi o de Bush, implica uma luta mundial de idéias que, não duvidem, será muito intensa. A crítica a uma religião de mercado, que exige o sacrifício de vidas humanas e o aniquilamento de natureza é a batalha da esquerda de nosso tempo.

Nessa guerra, ao contrário do que afirma o Vaticano, o Cristo de Saramago é aliado fundamental. Nas páginas do "Evangelho segundo Jesus Cristo", a grande heresia não está no fato de o personagem pedir perdão pelos pecados de Deus. O que o Vaticano não pode perdoar é a denúncia corajosa a um cristianismo imperial e colonialista. Um sistema de crenças que, para validar a opressão, necessita de uma metafísica negativa sobre os homens e sua história.

Saramago provocou a ira da cúpula da Igreja Católica ao reafirmar a modernidade e os valores de igualdade e liberdade. Foi isso que seu Cristo Marxista proclamou. Não de maneira idílica, mas de forma dialética, como reafirmação de vidas que devem transcender a si mesmas, eliminando práticas e relações que geram opressão e miséria.
* É professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil

 Fonte: http://www.vermelho.org.br

sábado, 26 de junho de 2010

Ciência festeja criação da vida e Vaticano estrebucha

Carlos Pompe *

Pesquisadores anunciaram, dia 20 de maio, a criação da primeira célula controlada por um genoma sintético. Um êxito que poderá levar à produção de micro-organismos especialmente criados para desempenhar funções específicas, como secretar biocombustíveis, retirar poluentes da atmosfera ou produzir vacinas. O resultado assustou os criacionistas e sua principal organização mundial, a Igreja Católica e Apostólica Romana.

 
Cultura de células sintéticas, por microscópio eletrônico  
J. Craig Venter, que chefiou o programa privado de sequenciamento do genoma humano e liderou a atual pesquisa, anunciou: "Esta é a primeira célula sintética já feita, e nós a chamamos de sintética porque ela é totalmente derivada de um cromossomo sintético, feito com quatro garrafas de produtos químicos e um sintetizador, a partir de informação em nosso computador. Esta passa a ser uma ferramenta muito importante para tentar projetar o que queremos que a biologia faça". Nos planos dos autores está a produção de algas capazes de capturar dióxido de carbono e transformá-lo em novos combustíveis. Eles também estudam meios de acelerar a produção de vacinas.

A equipe de Venter sintetizou o genoma da bactéria M. mycoides, acrescentando a ele uma "marca d'água" para distingui-lo da versão natural. A marca d'água inclui os nomes de coautores e colaboradores do estudo, um endereço na internet, um e-mail e três citações, incluindo uma de James Joyce e uma do físico Richard Feynman: "O que sou incapaz de construir, sou incapaz de compreender". Tudo codificado em DNA.

Como as máquinas atuais apenas conseguem montar sequências curtas de DNA, os cientistas inseriram os fragmentos em leveduras, cujas enzimas reparadores de DNA "amarraram" as sequências. Eles então transferiram as sequências de tamanho médio para a bactéria E. coli e de volta para a levedura. Depois de três rodadas de montagem, havia um genoma de mais de um milhão de bases pronto.

Os pesquisadores pretendem, agora, construir genomas originais, e não de meras cópias do que já existe na natureza. Venter reconheceu que com a tecnologia do DNA sintético poderão ser criados agentes causadores de doenças. Mas a técnica representa "um aumento linear na capacidade de fazer o mal e um aumento exponencial na capacidade de fazer o bem".

Pego com as batinas nas mãos diante de mais esta refutação da necessidade de um ser superior para criar o mundo e a vida, as autoridades do Vaticano consideraram, no órgão oficial da Igreja, L'Osservatore Romano, a célula sintética um "resultado interessante", mas destacou que "deve ter regras, como tudo o que toca o coração da vida". Ora, foi exatamente usando as regras da natureza que os cientistas chegaram ao resultado exitoso de sua experiência.

Sem argumentos para contrapor ao irrefutável, o monsenhor Rino Fisichella, considerado autoridade em bioética pelo Vaticano, tratou de mudar de assunto: “Pensamos, acima de tudo, no significado que deve ser dado à vida". Então, tá.

Numa sociedade dividida e em permanente luta de classes, a utilização da ciência pode ser feita para o avanço social ou utilizada em crimes contra a humanidade. O avanço do conhecimento atômico propiciou a invenção de inúmeras máquinas a serviço da medicina, e também possibilitou aos Estados Unidos lançarem duas bombas atômicas contra o Japão, na primeira metade do século passado.

No entanto, a cada avanço científico é reafirmado o poder do conhecimento humano e o obsoletismo das crendices que obstaculizam o domínio sobre a natureza e que são utilizadas para manter as massas dóceis e submissas aos seus opressores. Como poetou Cecília Meireles:

Pelos caminhos do mundo
nenhum destino se perde:
há os grandes sonhos dos homens,
E a surda força dos vermes.
* Jornalista e curioso do mundo.

Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna

O pensamento vivo de José Saramago

Carlos Pompe *

Deixou de bater, dia 18 de junho, o coração do escritor, pensador, jornalista e político (filiado e, por um período, dirigente do Partido Comunista Português) José Saramago. Grande leitor e admirador da obra de Karl Marx, atuava também como um militante ateísta, combatendo o pensamento religioso. Perseguido pelo governo português e pela Igreja Católica, criticado por sionistas e obscurantistas de toda a sorte, dizia ter a “pele dura” para aguentar – e responder – os ataques que sofria. Um pouco de seu pensamento:

"Eu sou um comunista hormonal, meu corpo contém hormônios que fazem crescer minha barba e outros que me tornam um comunista. Mudar, para quê? Eu ficaria envergonhado, eu não quero me tornar outra pessoa". (ao repórter da BBC Alfonso Daniels, junho de 2009).

“Você sabe, eu nunca escondi minhas convicções. Sou comunista e por isso sou tratado como inimigo da democracia. Pelo contrário, eu quero é salvar a democracia e para isso é preciso criticar esse simulacro de democracia em que vivemos. As democracias ocidentais são fachadas políticas do poder econômico. Fachadas com cores, bandeiras, discursos intermináveis sobre a democracia.” “Foi o poder econômico que enfiou nas consciências que o mercado deve agir de mãos livres e, assim fazendo, levou à conclusão de que o pleno emprego é um obstáculo”. (entrevista a Didier Jacob, Le Nouvel Observateur, novembro de 2006)

"Que Ratzinger tenha a coragem de invocar Deus para reforçar seu neomedievalismo universal, um Deus que ele jamais viu, com o qual nunca se sentou para tomar um café, mostra apenas o absoluto cinismo intelectual desta pessoa."

“Deus não existe fora da cabeça das pessoas que nele creem. Pessoalmente, não tenho nenhuma conta a ajustar com uma entidade que durante a eternidade anterior ao aparecimento do universo nada tinha feito (pelo menos não consta) e que depois decidiu sumir-se não se sabe para onde. O cérebro humano é um grande criador de absurdos. E Deus é o maior deles”.

“Caim (sua última publicação) é um livro escrito contra toda e qualquer religião. Ao longo da História, as religiões, todas elas, sem exceção, fizeram à humanidade mais mal que bem. Todos o sabemos, mas não extraímos daí a conclusão óbvia: acabar com elas. Não será possível, mas ao menos tentêmo-lo. Pela análise, pela crítica implacável. A liberdade do ser humano assim o exige”.

(entrevista a Ubiratan Brasil, O Estado de São Paulo, outubro de 2009)
“O poder de cada um de nós limita-se na esfera política a tirar um governo de que não gosta e colocar outro de que talvez venha a gostar. Mas as grandes decisões são tomadas em outra esfera. E todos sabemos qual é: as grandes relações financeiras internacionais.” (Folha de S. Paulo, 2008)

"Estamos afundados na merda do mundo e não se pode ser otimista. O otimista, ou é estúpido, ou insensível ou milionário". (dezembro de 2008, na apresentação em Madri de "As pequenas memórias").

“Hoje, existe uma espécie de menosprezo por essa coisa tão simples que antes era falar com propriedade. Quando eu era trabalhador, sempre tinhas as ferramentas limpas e em bom estado. Não conheço uma ferramenta mais rica e capaz que o idioma. E isso significa que se deve ser elegante na dicção. Falar bem é um sinal de pensar bem”. (entrevista coletiva no lançamento do As pequenas memórias, 2006)

“Uma vez que foi dito e do dito se fez escrito para valer e dar fé”. (História do cerco de Lisboa, 1989)
“... cada um de nós é, acima de tudo, filho das suas obras, daquilo que vai fazendo durante o tempo que cá anda”. (Crônica Retrato de antepassados, in Os apontamentos, 1976)

“... aos jornais e demais meios de comunicação sociais pela facilidade com que passam dos aplausos do capitólio às precipitações da rocha tarpeia, como se eles não fossem uma parte activa na preparação do desastre”. (Ensaio sobre a lucidez, 2004)

“Eu digo de outra maneira aquilo que a minha avó disse, já devia estar farta de viver, e disse: o mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer”. (frase dita ao cineasta Fernando Meirelles, que adaptou “Ensaio sobre a cegueira” para o cinema)
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* Jornalista e curioso do mundo.
Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna

 Porta-aviões Harry S. Truman

Porta-aviões Harry S. Truman, um dos  que navegam pelo Canal de Suez


Fidel Castro: Como gostaria de estar enganado                                               

Em mais um artigo de sua série de reflexões, Fidel Castro analisa as ações belicistas dos Estados Unidos, que parecem passar despercebidas por boa parte da população entretida com os jogos da Copa do Mundo. “Haveria de se perguntar quantos, em contrapartida, tomaram conhecimento que desde o dia 20 de junho, navios militares norte-americanos (...) navegam pelas costas iranianas através do canal de Suez”, escreve. Acompanhe a íntegra a seguir.

Quando estas linhas tiverem sido publicadas no jornal Granma desta sexta-feira, o dia 26 de Julho – data em que sempre recordamos com orgulho a honra de termos resistido aos ataques do império – estará distante, apesar de faltarem apenas 32 dias.

Os que determinam cada passo do pior inimigo da humanidade – o imperialismo dos Estados Unidos, uma mescla de mesquinhos interesses materiais, desprezo e subestimação às demais pessoas que habitam o planeta – o calcularam com precisão matemática. Na reflexão do dia 16 de junho, escrevi: “A cada jogo da Copa do Mundo, as diabólicas notícias vão deslizando pouco a pouco, de modo que ninguém se ocupe delas”.

O famoso evento esportivo entrou em seus momentos mais emocionantes. Durante 14 dias, as equipes integradas pelos melhores futebolistas de 32 países estiveram competindo para avançar até a fase de oitavas de final; depois virão sucessivamente as fases de quartas de final, semifinais e o final do evento. O fanatismo esportivo cresce incessantemente, envolvendo talvez centenas de milhares de pessoas em todo o planeta.

Haveria de se perguntar quantos, em contrapartida, tomaram conhecimento que desde o dia 20 de junho, navios militares norte-americanos – incluídos o porta-aviões Harry S. Truman, escoltado por um ou mais submarinos nucleares e outros submarinos de guerra com foguetes e canhões mais potentes que os dos velhos encouraçados utilizados na última guerra mundial entre 1939 e 1945 – navegam pelas costas iranianas através do canal de Suez.

Junto às forças navais ianques, avançam submarinos militares israelenses, com armamento igualmente sofisticado para inspecionar qualquer embarcação que parta para exportar e importar produtos comerciais necessário ao funcionamento da economia iraniana.

O Conselho de Segurança da ONU, por proposta dos Estados Unidos e com o apoio da Grã-Bretanha, França e Alemanha, aprovou uma dura resolução que não foi vetada por nenhum dos cinco países que ostentam esse direito. Outra resolução, mais dura, foi aprovada por acordo do Senado dos Estados Unidos. Posteriormente, uma terceira e, todavia mais dura, foi aprovada pelos países da Comunidade Europeia. Tudo isso ocorreu antes do dia 20 de junho, o que motivou uma viagem urgente do presidente francês Nicolas Sarkozy à Rússia, segundo o noticiário, para encontrar-se com o chefe de Estado desse poderoso país, Dmitri Medvédev, na esperança de negociar com o Irã e evitar o pior.

Agora, trata-se de calcular quando as forças navais dos EUA e de Israel se colocarão frente às costas do Irã e se unirão ali aos porta-aviões e demais submarinos militares norte-americanos que montam guarda nessa região.

O pior é que, assim como os Estados Unidos, Israel – seu gendarme no Oriente Médio – possui moderníssimos aviões de ataque e sofisticadas armas nucleares fornecidos pelos EUA, o que os converteu na sexta potência nuclear do planeta por seu poder de fogo entre as oito reconhecidas como tais, grupo que inclui ainda a Índia e o Paquistão.

O xá do Irã havia sido derrocado pelo aiatolá Ruhollah Komeini em 1979 sem usar uma arma. Os Estados Unidos impuseram a guerra àquela nação com o emprego de armas químicas, cujos componentes forneceu ao Iraque junto com a informação requerida por suas unidades de combate e que foram empregadas por estas contra os Guardiões da Revolução. Cuba o conhece porque era então, como explicado outras vezes, presidente do Movimento de Países Não Alinhados. Sabemos bem os estragos que causou em sua população. Mahmoud Ahmadinejad, hoje chefe de Estado do Irã, foi chefe do sexto exército dos Guardiões da Revolução e chefe do Corpo de Guardiões nas províncias ocidentais do país, que tiveram peso fundamental naquela guerra.

Hoje, em 2010, tanto os EUA como Israel, depois de 31 anos, subestimam milhares de homens das Forças Armadas do Irã e sua capacidade de combate por terra e as forças aéreas, marítimas e terrestres dos Guardiões da Revolução.

A estas se somam os 20 milhões de homens e mulheres, entre 12 e 60 anos, escolhidos e treinados sistematicamente por suas diversas instituições armadas entre os 70 milhões de pessoas que habitam o país.

O governo dos Estados Unidos elaborou um plano para levar a cabo um movimento político que, apoiando-se no consumismo capitalista, que dividiria os iranianos e derrotaria o regime. Tal esperança é inócua. É risível pensar que com os navios de guerra estadunidenses, unidos aos israelenses, despertem as simpatias de apenas um cidadão iraniano.

Acreditava inicialmente, ao analisar a atual situação, que a contenda começaria pela península da Coreia, e ali estaria o detonador da segunda guerra coreana que, por sua vez, daria lugar imediatamente à segunda guerra que os EUA imporiam ao Irã. Agora, a realidade muda as coisas em sentido inverso: a do Irã desatará de imediato a da Coreia.

A administração central da Coreia do Norte, que foi acusada de afundar o navio Cheonan e sabe que o mesmo foi afundado por uma mina que os serviços de inteligência ianques conseguiram colocar no casco desse navio, não esperariam um segundo para agir tão logo se iniciasse um ataque ao Irã.

É muito justo que os fanáticos pelo futebol desfrutem como desejarem das competições da Copa do Mundo. Cumpro apenas o dever de exortar nosso povo, pensando, sobretudo, em nossa juventude, cheia de vida e esperanças, e especialmente em nossas maravilhosas crianças, para que os fatos não nos surpreendam absolutamente desprevenidos.

Dói-me pensar em tantos sonhos concebidos pelos seres humanos e as assombrosas criações feitas em poucos milhares de anos. Quando os sonhos mais revolucionários estão reunidos e a pátria se recupera firmemente, como eu gostaria de estar equivocado!


Fonte: Reflexões de Fidel, no site Cuba Debate, com tradução do Vermelho