quarta-feira, 30 de junho de 2010

Desafios e inquietações dos saberes sobre o genoma humano

Fatima Oliveira *

“O PGH ainda não afetou a saúde da maioria das pessoas”

Foi um momento solene e mágico. Era 26 de junho de 2000. O presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, e o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, ao lado de Francis Collins, do projeto Genoma Humano, e de John Craig Venter, da empresa privada Celera Genomics, apresentaram ao mundo algo como o Santo Graal, o código da vida: as sequências do genoma humano. O mapa do PGH não se sabe de quem é, mas o da Celera é o genoma do próprio Venter!

Acompanhei a peleja dos cientistas ao cerne da intimidade humana, nossos genes, analisando aspectos científicos, políticos, sociais, filosóficos e éticos. E escrevi um livro sobre as "coisas novas das biociências" que foi a primeira publicação de popularização da ciência escrito no Brasil sobre o tema: "Engenharia Genética: O sétimo dia da criação" (Moderna, 1995), atualizado em maio passado.

Embora genômica e proteômica tenham se desenvolvido, o marasmo pós-PGH é inquestionável. E só foi quebrado pela celeuma dos transgênicos nesta primeira década, que se firmaram na área alimentar, farmacêutica e na criação de animais bizarros. Mas o "estado da arte" continua o mesmo diante das incertezas da ciência: "Não há provas de que não fazem mal à saúde".

Ouçamos Francis Collins, atual diretor dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA: "A prometida revolução na saúde humana continua a ser muito real... quem esperava resultados dramáticos da noite para o dia pode sentir-se desapontado... A genômica segue a primeira lei da tecnologia: nós sempre superestimamos os efeitos de curto prazo e subestimamos os de longo". E elenca avanços pontuais dos saberes do genoma humano: "Foram desenvolvidos alguns medicamentos potentes para certos tipos de câncer; os testes genéticos podem prever se as pessoas que sofrem de câncer de mama precisam fazer quimioterapia; foram identificados os principais fatores de risco de degeneração macular (uma doença dos olhos) e se pode prever a resposta de mais de uma dezena de medicamentos". E arremata: "É justo dizer que o PGH ainda não afetou a saúde da maioria das pessoas".

John Craig Venter, agora o mago da "biologia sintética", pontua que, se o PGH custou bilhões, hoje é possível sequenciar um genoma humano em um dia, gastando poucos milhares de dólares. E declara: "Ainda há um caminho a percorrer antes que essa capacidade tenha um efeito significativo na saúde e na medicina... À medida que o custo do sequenciamento cai, a qualidade da informação precisa aumentar. A geração de dados genômicos terá pouco valor sem a informação correspondente sobre as características observáveis do indivíduo, e sem ferramentas de computação para ligar essas duas coisas", pois "os experimentos que transformarão a medicina, revelando a relação entre variação genética e resultados biológicos, como fisiologia e doenças, exigirão os genomas completos de dezenas de milhares de seres humanos, juntamente com dados digitalizados abrangentes de fenótipos".

O geneticista brasileiro Salmo Raskin, na entrevista "O genoma humano e a revolução que não veio", concedida ao "Paraná-online" em 27.4.2010, é taxativo: "Não existe um determinismo genético para tudo, ou seja, nem tudo está escrito em nossos genes"; e que, "só o fato de muito recentemente termos descoberto que ao menos metade do lixo genético é composto por sequências fundamentais na regulação do genoma, já mostra o quanto pouco sabemos sobre a genética humana, depois de anos após o anúncio do sequenciamento".
* Médica e escritora. É do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução e do Conselho da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe. Indicada ao Prêmio Nobel da paz 2005.

Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna