Aldo admite corrigir imprecisões para não facilitar desmatamento
A cada resposta, Aldo Rebelo reforça o mesmo argumento: o novo
Código Florestal Brasileiro, pelo menos da forma como o deputado do
PCdoB de São Paulo o concebeu, não implicará em novos desmatamentos. A
concepção, porém, é diferente do resultado final presente no texto,
concluído após ampla discussão. As novas regras, conforme o que está
escrito no relatório de Aldo, podem ampliar o desmatamento, e o deputado
já admite alterar o texto para corrigir "ambiguidades" e "distorções".
Deputado federal há 20 anos, ex-ministro de Lula
e ex-presidente da Câmara, Aldo Rebelo, 54, enfrenta a saraivada de
críticas ao relatório – apontado como explicitamente favorável aos
ruralistas – com uma alternância de serenidade e irritação. Explica
pausadamente os pontos mais importantes, garante que analisa todas as
sugestões de mudança e tenta conter o duelo raivoso entre ambientalistas
e ruralistas. "As pessoas estão interpretando o relatório como
interpretam Dom Casmurro, se Capitu traiu ou não traiu Bentinho, se vai
ou não vai haver desmatamento."
A seguir, confira íntegra da entrevista ao Correio Braziliense:
Correio Braziliense- O que ainda não ficou claro no relatório final,
quais pontos o senhor enxerga contradições ou interpretações
equivocadas?
Aldo Rebelo - A legislação florestal no Brasil foi profundamente
alterada nos últimos anos. O código de 1965 só previa reserva legal numa
proporção de 50% na Amazônia e 20% na Mata Atlântica. Não protegia
savanas, a caatinga, o pantanal e os pampas. Com as alterações, passou a
proteger os demais biomas e ampliou de 50% para 80% a reserva na
Amazônia. Por outro lado, a proteção de mata ciliar começava com 5
metros e terminava com 100 metros. Houve alteração para uma proteção
mínima de 30 metros e uma proteção máxima de 500 metros. As áreas de
preservação permanente, a partir de uma resolução do Conama de 2002,
deixaram na ilegalidade 75% da produção de arroz no país, a criação de
gado no pantanal, de maçã e uva no Rio Grande do Sul e em Santa
Catarina, e de café em São Paulo, no Espírito Santo e em Minas Gerais. A
obrigação da averbação de reserva legal na pequenas propriedades
praticamente inviabilizou essas propriedades, causando êxodo rural e
transferindo um problema social e ambiental do campo para a cidade. Por
todas essas razões é que a legislação ambiental precisa de adaptação,
para proteger o meio ambiente e também impedir o êxodo rural e a
concentração da terra.
CB - O senhor constatou que realmente a necessidade de se manter áreas
preservadas está por trás da expulsão dessas pessoas para as cidades?
AR - O jovem não quer mais permanecer na roça, porque a renda é muito
baixa e o acesso à educação, à saúde, à cultura e à vida social é mais
difícil do que na cidade. Além disso, como a legislação ambiental impõe a
recomposição da área de vegetação nativa nas pequenas propriedades, a
um custo que o produtor não tem condição de pagar – a recomposição de um
hectare varia de 10 a 15 mil reais –, o proprietário prefere sair da
área, vendê-la, trocar por um carro usado, por uma casa na periferia das
cidades. Eu vi isso em todos os estados que visitei. Muitos assentados
estão sem crédito porque não conseguem averbar a reserva legal. Noventa
por cento das propriedades agrícolas no Brasil são familiares, é uma
agricultura ainda quase pré-capitalista, semi-capitalista, sem uma renda
elevada. Não é aquele agricultor que tem 200 mil hectares de soja, ou
200 cabeças de gado, e que nem mora no campo. Este é um investidor
rural, que mora na cidade, é um empresário que tem terras.
CB - Quais pontos considera cruciais no relatório? O texto foi muito
atacado porque, segundo os críticos, não traz o equilíbrio entre
preservação ambiental e produção agropecuária.
AR - Primeiro é preciso destacar que algumas organizações
não-governamentais atacaram o relatório, mas muitas entidades
defenderam, como a Contag e a Força Sindical. O que é mais importante no
relatório, e que a legislação atual não assegura, é uma moratória de
cinco anos com qualquer tipo de desmatamento no país. Enquanto os
estados não realizarem zoneamento ecológico e econômico, nós não vamos
permitir a abertura de nenhuma nova área para a agricultura e para a
pecuária. A legislação não protege o que resta de vegetação nativa, o
que não é pouco: representa mais de 70% do território brasileiro. O
compromisso de proteger esse patrimônio é um ganho muito importante do
relatório. Por outro lado, o relatório procura resolver passivos, as
áreas que já foram ocupadas, cuja recomposição é quase impossível.
Alguns estados não têm estoque para recomposição, como é o caso de São
Paulo, Rio Grande do Sul e dos estados do Nordeste.
CB - Esse é um ponto controverso, pois o relatório libera as
propriedades de até quatro módulos de terem reserva legal, o que
permitiria o desmatamento. Não é isso que o texto diz?
AR - O produtor não precisa averbar a reserva legal, mas o mesmo projeto
proíbe o desmatamento, o que vale para o pequeno e para o grande
proprietário.
CB - Mas isso somente no período da moratória?
AR - Não somente nesse período. Eu disse ao Ministério do Meio Ambiente
que, se houver qualquer dúvida quanto a isso, que façam uma emenda e eu
acolho. Nem o pequeno nem o grande estarão autorizados a se desfazer de
nenhuma área de vegetação nativa.
CB - O senhor concorda que ficou uma dúvida em relação a isso? Esse é um
ponto passível de mudança, para que fique mais claro na legislação?
O que deve ficar claro no relatório é que ninguém está autorizado a se
desfazer de nenhum fragmento de vegetação nativa em suas propriedades.
Pode ser feito até mesmo um cadastramento da mata que exista por lá, e o
proprietário se compromete a preservar.
CB - Haverá uma modificação do texto nesse sentido?
AR - Se for para ficar mais claro, não tenho dúvida nenhuma. Os
consultores que redigiram, com preocupação deles e minha, acham que não
há problema de falta de clareza. Mas tanto eles quanto eu estamos
dispostos a deixar mais claro, talvez acrescentando uma expressão que
nós examinamos: "exclusivamente para efeito de recomposição".
CB - Um outro ponto que gerou dupla interpretação é a possibilidade de
se excluir quatro módulos fiscais do cálculo da reserva legal nas
grandes propriedades. O Ministério do Meio Ambiente chegou a fazer as
contas sobre as perdas de vegetação em razão desse mecanismo. Também há
dubiedade nesse ponto?
AR - Nas primeiras conversas, o Ministério do Meio Ambiente não tinha
apresentado nenhuma proposta de alteração. Isso só me chegou ontem
(quarta-feira, 23) à noite. O que houver de dúvida em relação ao
compromisso do relatório com a preservação da vegetação, temos interesse
em deixar claro. A clareza impedirá que amanhã alguém, com base em
qualquer ambiguidade da redação, possa usar o direito de se desfazer da
vegetação nativa. Vou passar o fim de semana examinando as sugestões do
ministério para ver o que posso acolher, no sentido de deixar o
relatório mais cristalino.
CB - Foi a própria ministra Izabella Teixeira que apresentou as
sugestões?
AR - Eu falei com ela, secretários executivos e um grupo de técnicos do
ministério. Deixei claro a eles que meu objetivo é trabalhar com a
consolidação das áreas e correção do passivo existente.
CB - O senhor mesmo pode fazer as alterações no projeto ou é necessário
que alguém provoque isso?
AR - Eu posso fazer, mas pedi que deputados e entidades enviem
sugestões. O relatório não é um projeto grande, são apenas 50 artigos, e
alguns deles repetem a legislação anterior. Qualquer cidadão pode
enviar sugestões para eu analisar e apresentar à comissão.
CB - A votação do relatório pela comissão vem sendo sucessivamente
adiada, em meio a debates acalorados entre ambientalistas e ruralistas.
Há alguma razão para esses adiamentos? Foi um pedido para que o relator
possa avaliar melhor o projeto?
AR - A primeira razão é essa. É preciso tempo para as pessoas lerem o
relatório, receberem sugestões e examinarem. Eu não trabalho sozinho.
Tenho uma equipe de consultores que organizou o relatório, além da
própria comissão e de ministérios.
CB - O relatório deve ser votado ainda neste semestre?
AR - Eu defendo que sim. É um respeito à própria Câmara, que constituiu
essa comissão há quase um ano. Os prazos já foram esgotados várias
vezes. A resolução do Conama de 2002, por exemplo, que colocou
produtores na ilegalidade, nunca foi corrigida. Por que o Ministério do
Meio Ambiente não corrigiu, não fez o debate? A comissão fez essa
discussão, ouviu inclusive o ministério. É preciso que se dê uma
solução, não se pode deixar as pessoas na ilegalidade.
CB - O relatório que será votado na comissão especial pode ser diferente
do atual?
AR - Pode, com correções das ambiguidades e maior clareza quanto à
consolidação, de um lado, e à proteção efetiva, de outro. Não deve haver
dúvidas quanto ao desmatamento zero nas propriedades. Muitas agressões
contra o meio ambiente acontecem por ignorância. Eu nasci na roça, e
nunca ouvi falar que precisava manter uma mata ciliar. As pessoas não
sabiam disso, só queriam chegar perto da água para plantar macaxeira,
inhame, batata. Não adianta pensar que o meio ambiente será preservado
em 5.600 municípios brasileiros a partir de Brasília. A Polícia Federal
faz uma operação, chega em helicóptero, prende as pessoas, e depois vai
embora.
CB - Há possibilidade de revisão do tópico que inclui as áreas de
preservação permanente no cálculo da reserva legal, já que se prevê um
desmatamento maior com esse mecanismo?
AR - Essa previsão está completamente enganada. As pessoas estão
interpretando o relatório como interpretam Dom Casmurro, se Capitu traiu
ou não traiu Bentinho, se vai ou não vai haver desmatamento. Não haverá
desmatamento. Ao juntar APP e reserva legal, permite-se apenas a
regularização de áreas onde não há estoque de vegetação. A legislação
atual já permite somar APP e reserva legal na Amazônia. O que se
permitirá é o regime de servidão: o proprietário poderá alugar reserva
legal para quem não tem. Se houver dúvida nesse artigo, nós vamos deixar
claro que não está autorizado qualquer tipo de desmatamento.
CB - O senhor tem criticado essa briga que se instalou na comissão
especial entre ambientalistas e ruralistas, e foi bem duro com as ONGs
ambientais internacionais, enquanto dedica o relatório aos agricultores
brasileiros. Como o senhor analisa o comportamento dos ambientalistas? E
acredita que o relatório esteja sendo usado como instrumento de
interesses do agronegócio?
AR - Homenagear os agricultores é homenagear uma parcela do nosso país, a
quem devemos muito. Eu homenageei também os ambientalistas, dedico a
eles um belo poema de Castro Alves, chamado A Queimada. Noventa por
cento das ONGs merecem respeito e nós devemos a elas as denúncias de
crimes ambientais no país. O que distingo são ONGs com sede no exterior e
que vêm ao Brasil para defender os interesses de seus países. Eu tenho o
direito de pensar dessa forma porque existe uma guerra comercial na
agricultura mundial. Essas ONGs defendem os interesses dos agricultores
ricos dos seus países. Não me peçam que, quando houver conflito de
interesse entre o produtor de soja do Brasil e o produtor de soja dos
Estados Unidos, eu fique do lado do americano. Nós devemos proteger a
agricultura no que ela tem de bom e criticar o que ela tem de
socialmente atrasado.
Fonte: http://www.vermelho.org.br