Mandela e Martinho: das vilas para o mundo
Jairo Junior *
Comemorou-se
na África e em vários locais do mundo os 20 anos do fim do apartheid,
sistema segracionista que perdurou na África do Sul por cinco décadas.
E o marco do fim deste perverso e cruel regime foi a libertação, em
fevereiro de 1990, do líder Nelson Rolihlahla Mandela. Principal
representante do movimento anti-apartheid, considerado pelos povos um
guerreiro em luta pela liberdade. Um herói que deu ao mundo lições de
politica, resistência e determinação.
A sua
perseverante luta emocionou o mundo, que até o reverencia. Talvez uma
das duas personalidades mais marcantes do século passado, e que já
marca também o século atual. Ao lado de Fidel Castro, líder cubano, sem
dúvida nenhuma é um dos maiores líderes da nossa época.
De etnia Xhosa, Mandela nasceu na pequena vilao de Qunu, distrito de
Umtata, na região do Trans kei. Aos sete anos, Mandela tornou-se o
primeiro membro da família a frequentar a escola, onde lhe foi dado o
nome inglês "Nelson". Seu pai morreu logo depois, e Nelson seguiu para
uma escola próxima ao palácio do Regente. Seguindo as tradições Xhosa,
ele foi iniciado na sociedade aos 16 anos, seguindo para o Instituto
Clarkebury, onde estudou cultura ocidental.
Como jovem estudante do direito, Mandela se envolveu na oposição ao
regime do apartheid, que negava aos negros (maioria da população),
mestiços e indianos (uma expressiva colônia de imigrantes) direitos
políticos, sociais e econômicos. Uniu-se ao Congresso Nacional Africano
em 1942, e dois anos depois fundou com Walter Sisulu e Oliver Tambo,
entre outros, a Liga Jovem do CNA.
Depois da fajuta e contestada eleição de 1948 dar a vitória aos
afrikaners (Partido Nacional), que apoiavam a política de segregação
racial, Mandela tornou-se mais ativo no CNA, tomando parte do Congresso
do Povo (1955), que divulgou a Carta da Liberdade - documento contendo
um programa fundamental para a causa anti-apartheid.
Mandela e seus camaradas foram obrigados a recorrer às armas após o
massacre de Sharpeville, em março de 1960, quando a polícia
sul-africana atirou em manifestantes negros, matando 69 pessoas e
ferindo 180.
Em 1961, ele se tornou comandante do braço armado do CNA, o chamado
Umkhonto we Sizwe ("Lança da Nação", ou MK), fundado por ele e outros.
Mandela coordenou uma campanha de sabotagem contra alvos militares e do
governo e viajou para a Argélia para treinamento paramilitar.
Em agosto de 1962, Nelson Mandela foi preso após informes da CIA à
polícia sul-africana, sendo sentenciado a cinco anos de prisão por
viajar ilegalmente ao exterior e incentivar greves. Em 1964, foi
condenado à prisão perpétua por sabotagem (o que Mandela admitiu) e por
ser acusado injustamente de conspirar para ajudar outros países a
invadir a África do Sul (o que Mandela negou e nega).
No decorrer dos 27 anos que ficou preso, Mandela se tornou um símbolo
da oposição ao apartheid e o clamor "Libertem Nelson Mandela" se tornou
o lema das campanhas anti-apartheid em todo o mundo.
Durante os anos 1970, ele recusou uma revisão da pena e, em 1985, não
aceitou a liberdade condicional em troca de não incentivar a luta
armada. Mandela continuou na prisão até fevereiro de 1990, quando a
campanha do CNA e a pressão internacional conseguiram que ele fosse
libertado em 11 de fevereiro, aos 72 anos.
Nelson Mandela recebeu o Prêmio Nobel da paz em 1993, em uma solenidade
marcada pela polêmica divisão do prêmio com o seu algoz de quase três
decadas. Provocado pelo seu antecessor na entrega do prêmio, Mandela
respondeu a altura, sendo ovacionado pelos presentes.
Como presidente do CNA (de julho de 1991 a dezembro de 1997) e primeiro
presidente negro da África do Sul (de maio de 1994 a junho de 1999),
Mandela comandou a transição de forma exemplar, ganhando respeito
internacional por sua luta em prol da reconciliação interna e externa.
O que não foi fácil, pois o que ocorreu naquele país foi uma verdadeira
revolução, nada pacifica, muito pelo contrário. Foi cruel e cruenta,
muitas mortes e provocações que foram enfrentadas de forma firme e
flexivél por Mandela e o CNA, que tinha em seu seio a forte presença
dos comunistas do Partido da África do Sul.
Por esta razão, comemorar os vinte anos do fim do apartheid é comemorar
a vitória incontestavél da maioria sofrida e explorada do povo daquele
importante país da África, que animou todo o mundo progressista em
pleno apogeu da crise do Socialismo
Mas também foi em fevereiro que nasceu o nosso Martinho José Ferreira,
em Duas Barras, Rio de Janeiro, em 12 de fevereiro de 1938. Filho de
lavradores da Fazenda do Cedro Grande, veio para o Rio de Janeiro com
apenas 4 anos. Cidadão carioca criado na Serra dos Pretos Forros, sua
primeira profissão foi como Auxiliar de Químico Industrial, função
aprendida no curso intensivo do SENAI.
Um pouco mais tarde, enquanto servia o exército como Sargento
Burocrata, cursou a Escola de Instrução Especializada, tornando-se
escrevente e contador, profissões que abandonou em 1970, quando deu
baixa para se tornar cantor profissional.
Sua carreira de cantor profissional iniciou-se, na verdade, no início
de 1969 quando lançou o LP intitulado Martinho da Vila, que foi o maior
sucesso do Brasil em execução e vendagem, com grandes sucessos como
Casa de Bamba e O Pequeno Burguês e outras que se tornaram clássicos -
Quem é Do Mar Não Enjoa, Iaiá do Cais Dourado e Tom Maior.
Ai "nascia" Martinho da Vila, das vilas, dos sambas, das lutas.
Nacionalmente conhecido como sambista, Martinho da Vila é um legítimo
representante da MPB, com várias composições gravadas no exterior e
considerado por muitos críticos como o melhor cantor do Brasil,
interpretando músicas dos mais variados ritmos.
Embora compositor indutivo e cantor sem formação acadêmica, tem uma
grande ligação com a música erudita e idealizou, em parceria com o
maestro Leonardo Bruno o Concerto Negro, espetáculo sinfônico que
enfoca a participação da cultura negra na música erudita. Participou do
projeto Clássicos do Samba, sob a regência do saudoso maestro Sílvio
Barbato. Além de compositor e cantor, é escritor autor de 10 livros.
Mas a comemoração deste artigo que registra com alegria o 72º
aniversário deste grande mestre que é na verdade um mito do samba e das
causas da negritude. Todo sambista o reverencia e respeita, todos. Zeca
Pagodinho ao grupo Revelação, do Jorge Aragão a Leci Brandão, de
Alcione a Beth Carvalho e com razão, pois em um momento em que o samba
era mal visto pelas elites e até por outras parcelas da população no
Brasil, ele emplacou suas composições nos festivais e, a partir daí, o
Brasil, ainda bem, jamais deixou de ouvir falar no Martinho da Vila.
Mas o que este humilde escrivinhador faz questão de registrar que é
como militante de uma causa que este cidadão do mundo deixa exemplos em
suas atitudes. Com sua música e através dela conheceu o mundo, chegou à
África e lá encontrou suas origens e até hoje é figura fundamental nas
lutas que travamos. Não só na aproximação do nosso país com o
continente africano, notadamente Angola, mas também principalmente por
alinhar sua sensibilidade poética com a nitidez de rumos. Sua
capacidade artística com a consciência social.
Vida longa ao nosso Martinho, nós que somos companheiros de luta e de
sonhos desejamos muitos, mas muitos anos de vida e muita felicidades.
Que a Vila Isabel, cujo samba enredo que leva a avenida é de sua
autoria, seja iluminada para como de costume estar à altura de Noel
Rosa e de Marinho da Vila, sempre!!! A luta continua mas nós estamos
acostumados com o balanço do mar e não enjoaremos.
Axé!!!!
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Presidente Associação Brasil Angola (AABA); Diretor do Centro Cultural
Africano (CCA); Coordenador do Congresso Nacional de Capoeira (CNC)
http://www.vermelho.org.br/coluna