O diabo trapaceou Serra: tomou-lhe a alma sem dar nada em troca 
Após o insosso debate entre os presidenciáveis que a Rede TV e a Folha 
de S. Paulo promoveram no último domingo, fiquei com a impressão de que 
2006 se repetiria: um grande esforço de última hora da mídia golpista 
evitando que a candidatura oficial decidisse a parada logo no 1º turno, 
mas não sendo suficiente para reverter o resultado anunciado. 
Como Alckmin daquela vez, Serra não encontrou o mapa da mina. Marina 
Silva e o PIG lhe proporcionaram uma sobrevida, mas aproveitá-la para 
decolar são outros quinhentos. 
Com carisma zero, não consegue fazer seus castelos nas nuvens valerem 
mais do que uma realidade palpável: as condições de vida dos pobres e 
dos muito pobres melhoraram sob o governo atual. 
Então, independentemente de posturas ideológicas, o que deixa Serra num 
beco sem saída são a aprovação e popularidade do presidente Luiz Inácio 
Lula da Silva. 
A percepção do eleitor despolitizado é de que o Brasil evoluiu, daí ele 
encarar a tempestade de som e fúria dos demotucanos como tentativas de 
encontrarem pêlo num ovo que está dando certo. Portanto, significando 
nada. 
Trata-se de uma sinuca de bico: não há factóide, propaganda enganosa e 
alarmismo que façam os eleitores  pés no chão mudarem seu voto. 
O desejo da Veja, erigido em matéria de capa (!), é o de que a eleição 
fosse decidida em Minas Gerais, com Aécio Neves como fiel da balança. 
Dia 31 a revista aprenderá que jornalismo é algo mais do que expressão 
de desejos. 
Uma mudança surpreendente do quadro só seria possível se Serra fosse um 
personagem eletrizante; mas, seu estilo é de quem está sempre explicando
 o óbvio a estudantes burrinhos. Não empolga ninguém. 
Ora parece um mestre-escola alongando-se em repetições desnecessárias 
para martelar as lições na cabeça dos alunos, ora um guarda-livros a 
detalhar uma contabilidade que ele considera interessante e os demais, 
nem um pouco. Enfim, um chato de galochas, como se dizia antigamente. 
O aborto (a palavra aqui cai muito bem...) da hipotética virada já 
começa a se evidenciar nas pesquisas eleitorais: a última do Datafolha 
mostrara um quadro estático e a nova do Vox Populi flagra subida de 
Dilma. 
Pior que a derrota será a decepção causada por Serra àqueles que ainda acreditavam nele. 
Aceitar o apoio e beneficiar-se da baixaria das correntes virtuais 
ultradireitistas, fazer promessas demagógicas como a do salário mínimo 
de R$ 600 e colocar uma questão religiosa no centro da campanha o deixou
 com a imagem de quem pisa até no pescoço da mãe para chegar à 
presidência. 
O último a projetar tal imagem acabou morrendo na praia. E, convenhamos, fazia bem mais por merecer o ambicionado troféu. 
Celso Lungaretti é jornalista e escritor.
Fonte: http://www.correiocidadania.com.br