Promotor Natural e o Devido
Processo Legal
Há mais de vinte anos, exatamente em 20 de maio de 1987, em artigo publicado
no jornal "O Estado de São Paulo", o eminente ministro do Supremo
Tribunal Federal, Sidney Sanches, em exposição feita junto à Subcomissão do
Poder Judiciário e Ministério Público, textualmente afirmou que "o
interesse público será melhor atendido e a Justiça melhor servida se o
Ministério Público, em qualquer de suas funções em juízo, estiver a salvo de
influências externas, seja no âmbito estadual, seja no federal", clamando
por maior autonomia, financeira e administrativa, para que se garanta a seus
membros maior segurança e isenção, em nome do interesse público e da justiça.
Da mesma forma, tornava-se necessária a outorga de garantias, idênticas às
da magistratura, diante de possíveis influências, inclusive de ordem política,
para que seus membros atuem em nome e na defesa da sociedade. Posteriormente, o
constituinte, atendendo aos reclamos dos operadores do direito, estabeleceu, em
cláusula pétrea, que "ninguém será processado nem sentenciado senão pela
autoridade competente" (art.5º inciso LIII, da CF). Garantiu-se, assim, ao
acusado, prévio conhecimento de quem o perseguirá em juízo e quem aplicará o
direito ao caso concreto.
Defensor da legalidade, cristalina qualificação do Ministério Público, causa
espécie a posterior designação de Promotor de Justiça, em detrimento do
intitulado Promotor Natural, vedando-se, dessa forma, a discricionária
designação, afastando-se o verdadeiro titular, ferindo-se a regra pétrea,
verdadeira garantia constitucional, porque, conforme doutrina o eminente
jurista Jaques de Camargo Penteado, "governo algum pode interferir no
Ministério Público para obter acusação contra inimigo político, sob pena de
violação dos princípios da igualdade e da ampla defesa. Não basta o controle
jurisdicional posterior, eis que a todo indivíduo deve ser assegurado o direito
de jamais ver seu nome inserido numa denúncia sem supedâneo suficiente. E
o contrário deve igualmente ser analisado. Governo algum pode interferir no
Parquet para obter denúncia que jamais chegará a bom termo ou arquivamento que
deixará de levar à condenação justamente aquele que feriu a ordem
jurídica".
Os notáveis avanços e as novas tarefas atribuídas ao Ministério Público, ao
contrário do que se pode inferir, possuem o condão de permitir a seus membros o
cumprimento desses misteres, em proveito da sociedade, única beneficiada, não
tendo jamais o intuito de estabelecer privilégio a determinada casta de
funcionários.
A concessão de discricionariedade na designação de promotor em detrimento
daquele prévia e legalmente autorizado a propor ação desvirtua e macula o
devido processo legal, voltando-se a tempos pretéritos "em que o
Ministério Público se notabilizou por servir ao governo e aos governantes,
situação esta incompatível com sua atual destinação constitucional",
conforme alerta Hugo Nigro Mazzilli, que aponta o caminho correto:
"justamente para que o Ministério Público possa servir a sociedade e não
aos governantes, precisa ser dotado de garantias substanciais que assegurem a
independência administrativa e funcional - garantias concretas e não palavras
retumbantes na Lei Maior, mas vazias de maior conteúdo prático".
A evolução da instituição, assim, caminha para o respeito às garantias
estabelecidas na Constituição Federal, mas, antes de tudo, são garantias da
própria coletividade e que devem, portanto, ser rigorosamente concretizadas
para que não se constituam em meros enunciados.
Claudionor Mendonça dos Santos é Promotor de Justiça e 1º Secretário do Ministério Público Democrático.
Fonte: http://www.correiocidadania.com.br