A
mentira na história e a compreensão da crise
O capitalismo atravessa uma crise estrutural para
a qual não encontra soluções. Para que os povos se mobilizem na luta contra o
sistema que os oprime e ameaça já a própria continuidade da vida na Terra, é
indispensável a compreensão do funcionamento da monstruosa engrenagem que
deforma o real, impondo à humanidade uma Historia deformada , forjada pelo
capitalismo para lhe servir os interesses.
Essa compreensão é extraordinariamente
dificultada pela máquina de desinformação midiática controlada pelas grandes
transnacionais. Nunca antes a humanidade dispôs de tanta informação, mas em
época alguma esteve tão desinformada. Nesta era da informação instantânea, as
forças do capital estão conscientes de que a transformação da mentira em
verdade é cada vez mais imprescindível à sobrevivência do capitalismo.
A lógica das crises
No esforço para enganar e confundir os povos, a
primeira mentira é inseparável da afirmação categórica, difundida através de um
bombardeio midiático, de que nos EUA irrompera uma grave crise, definida como financeira,
resultante de especulações fraudulentas no imobiliário. Obama e os sacerdotes de Wall Street reconheceram
a cumplicidade da banca e das seguradoras quando surgiram falências em cadeia,
mas garantiram que o tsunami financeiro seria superado através de medidas
adequadas. Trataram de ocultar que se estava perante uma crise profunda do
capitalismo, de âmbito mundial. A simulação da surpresa fez parte do
jogo. O presidente dos EUA e os senhores da finança
mentiram conscientemente. As grandes crises mundiais raramente são previstas e
anunciadas com antecedência. Mas quando se produzem não surpreendem. Inserem-se
na lógica da História.
Isso aconteceu, por exemplo, após a II Guerra
Mundial. A Aliança que fora decisiva para a derrota do III Reich não poderia
prolongar-se. Era incompatível com as ambições e o projeto de dominação do
capitalismo.
A dimensão da vitória, ao eliminar a Alemanha
como grande potência militar e econômica, gerou uma situação potencialmente
conflitiva. A partilha dessa dramática herança foi feita,
numa atmosfera de aparente cordialidade, nas Conferências de Teerã e Yalta.
Mas, quando os canhões deixaram de disparar, Washington e Londres logo se
entenderam para criar tensões incompatíveis com o respeito dos compromissos
assumidos.
A Guerra Fria foi uma criação dos EUA e do Reino
Unido. Derrotado um inimigo, o fascismo, o imperialismo precisava inventar
outro. A tarefa não exigiu muita imaginação. Os slogans que nas duas décadas
anteriores apresentavam o comunismo como ameaça letal à democracia foram
rapidamente retomados.Como os povos estavam sedentos de paz, uma
gigantesca campanha de falsificação da História foi desencadeada para persuadir
no Ocidente centenas de milhões de pessoas de que a União Soviética configurava
um perigo para a humanidade democrática. Essa ofensiva contribuiu decisivamente
para dissipar as esperanças geradas pelas Nações Unidas e o discurso humanista
sobre uma paz perpétua.
A chamada Guerra Fria nasceu dessa mentira. O
famoso discurso de Fulton, quando Churchill carimbou a expressão Cortina de
Ferro para caracterizar a imaginária ameaça soviética, foi previamente
discutido com a Casa Branca. O medo da "barbárie russa" abriu
o caminho à Doutrina Truman e à OTAN. Não foi a URSS quem tomou a iniciativa de
romper os acordos assinados pelos vencedores da guerra.
Cabe recordar que somente após o afastamento dos
comunistas dos governos da França e da Itália os ministros anticomunistas
deixaram de integrar governos de países do Leste europeu.
É também significativo que os historiadores
norte-americanos e ingleses – com raríssimas exceções - omitam que a
implantação de regimes alinhados com a União Soviética se concretizou na Europa
sem recurso à força armada, enquanto na Grécia – país situado na zona de
influência inglesa - o exército de ocupação britânico desencadeou uma violenta
repressão quando os trabalhadores revolucionários estavam prestes a tomar o
poder. Foram então abatidos milhares de comunistas gregos para garantir a
sobrevivência de uma monarquia apodrecida, mas a mídia ocidental ignorou
esses massacres. O tema era incômodo.O tão comentado plano russo de "conquista e
dominação mundiais" não passa de um mito forjado em Washington e Londres
para criar o alarme e o medo propícios à criação da OTAN como "aliança
defensiva" capaz de se opor "à subversão comunista". E a arma
atômica passou a ser usada como instrumento de chantagem.
Na realidade, a URSS, a quem a guerra custara
mais de 20 milhões de mortos (a maioria homens de menos de 30 anos), precisava
desesperadamente de paz para se reconstruir. As hordas nazis tinham devastado
as zonas mais desenvolvidas e industrializadas do país. Como poderia desejar a
guerra e promover o "expansionismo comunista" uma sociedade nessas
condições?
A agressividade vinha toda dos EUA que tinham
sido enriquecidos por uma guerra que não atingiu o seu território e na qual as
suas forças armadas sofreram perdas muito inferiores às do seu aliado
britânico.
A Grã Bretanha, cujo império principiava a
desfazer-se, ligou, porém, o seu destino ao colosso americano. Os elogios ao
aliado russo, antes freqüentes, foram substituídos por insultos e calúnias. Aos
jovens de hoje parece quase inacreditável que Churchill, o inventor da Cortina
de Ferro, meses antes do final da guerra tenha afirmado: "Não conheço
outro governo que cumpra os seus compromissos (…) mais solidamente do que o
governo soviético russo. Recuso-me absolutamente a travar aqui uma
discussão sobre a boa fé russa". (citado por Isaac Deutscher em Ironias
da História, pág. 184; Ed. Civilização Brasileira; Rio de Janeiro, 1968). Assim falava o primeiro ministro do Reino Unido
pouco antes de transformar o aliado que tanto admirava em ogre que ameaçava o
mundo…
Mesma hipocrisia numa crise muito diferente
Desagregada a União Soviética e implantado o
capitalismo na Rússia, o imperialismo sentiu a necessidade de reinventar
inimigos para justificar novas guerras. E eles foram rapidamente fabricados.
Surgiu assim "o eixo do mal". Pequenos países como Cuba, o Iraque e a
Coréia do
Norte, metamorfoseados em potências agressoras, foram
apresentados como "ameaça à segurança" dos EUA e dos seus aliados. Um
homem, Osama Bin Laden, foi guindado a "inimigo número um" dos EUA. O
Afeganistão, onde supostamente se encontrava, foi invadido, vandalizado e
ocupado. Bin Laden, aliás, não foi sequer localizado. Permanece vivo, em lugar
desconhecido. Mas a sua organização, a fantasmática Al Qaeda, é
responsabilizada como a fonte do terrorismo mundial.
Seguiu-se o Iraque. Durante meses, a máquina
midiática dos EUA inundou o mundo com notícias sobre "as armas de
destruição massiva" que Saddam Hussein teria acumulado para agredir a
humanidade. O secretário de Estado Colin Powell declarou perante o Conselho de
Segurança da ONU que Washington tinha provas da existência desse arsenal de terror.
O britânico Tony Blair garantiu que também dispunha dessas provas.
O Iraque foi invadido, destruído, saqueado e, tal
como o Afeganistão, permanece ocupado. Mas Bush e Blair acabaram por reconhecer
que, afinal, as tais armas de destruição massiva não existiam.
Entretanto, o complexo militar industrial dos EUA
agigantou-se. O orçamento de Defesa do país é o maior da história.
Agora chegou a vez do Irã. O berço de uma das
mais importantes civilizações criadas pela humanidade é a mais recente ameaça à
"segurança dos EUA". A Agência Internacional de Energia Atômica não
conseguiu encontrar qualquer prova de que o país esteja a utilizar as suas
instalações nucleares com o objetivo de produzir armas nucleares. Com o aval do
Brasil e da Turquia , o governo de Ahmadinejad comprometeu-se a que o seu
urânio seja enriquecido no exterior com fins pacíficos. Mas Washington acaba de
impor, através do Conselho de Segurança da ONU, novas sanções a Teerã. Mais: o
presidente dos EUA ameaçou já utilizar armas atômicas táticas contra o país se
ele não se submeter a todas as suas exigências.
Isto acontece quando Obama se viu forçado a
demitir o comandante chefe norte-americano no Afeganistão na seqüência de uma
entrevista na qual o general McChrystal - aliás, um criminoso de guerra (vide
artigo de John Catalinotto em odiario.info, 12.7.2010) - criticou duramente o
presidente e esboçou um panorama desastroso da política da Casa Branca na
região.
Entre a farsa e a tragédia
Diariamente, a grande mídia norte-americana repete
que a crise foi praticamente superada nos EUA graças às medidas tomadas pela
administração Obama. É outra grande mentira. A taxa de desemprego mantém-se
inalterada e a situação de dezenas de milhões de famílias é crítica.É suficiente ler os artigos sobre o tema de
Prêmios Nobel da Economia (aliás, empenhados na salvação do capitalismo), como
Joseph Stiglitz e Paul Krugman, por exemplo, para se compreender que a
situação, longe de melhorar, pode eventualmente agravar-se. Não é a taxa do PIB
que lhe define o rumo, porque a crise, global, é do sistema e não apenas
financeira.
Os discursos do presidente contribuem para
confundir os cidadãos em vez de esclarecê-los. Persistem contradições entre a
Casa Branca e a finança. Mas elas resultam de os senhores de Wall Street e os chairman
das grandes transnacionais considerarem insuficientes as medidas da administração
que os beneficiaram. Pretendem voltar a ter as mãos totalmente livres.
A retórica presidencial não pode esconder que a
estratégia de Obama visou no fundamental salvar e não punir os responsáveis por
uma crise que adquiriu rapidamente proporções mundiais. As empresas acumulam novamente lucros fabulosos
enquanto os trabalhadores apertam o cinto. A desigualdade social aumenta e os
banqueiros, driblando decisões do Congresso, continuam a atribuir-se prêmios
principescos.
O grande capital resiste, aliás, com o apoio
firme do Partido Republicano, a todas as medidas de caráter social, na maioria
tímidas - como a reforma do sistema de saúde - que a administração adota (ver
artigo de John Bellamy Forster, odiario.info, 13.7.2º10).É cada vez mais transparente que estamos perante
uma crise do capitalismo, sem solução previsível, embora a esmagadora maioria
da humanidade não tenha tomado consciência dessa realidade.A tentação de ampliar a escalada militar na Ásia
como saída "salvadora" é muito forte, mas no próprio Pentágono
generais influentes temem as conseqüências de um ataque ao Irã. A invasão
terrestre está excluída e o bombardeio com armas convencionais de alvos
estratégicos não produziria outro efeito que não fosse uma gigantesca onda de
anti-americanisno no mundo muçulmano.
O recurso a armas nucleares táticas é a opção de
uma minoria. Essa hipótese tem sido admitida por destacadas personalidades
internacionais, mas não se me afigura que possa concretizar-se. Não obstante a vassalagem dos governos da União
Européia e do Japão, os povos condenariam massivamente uma repetição do genocídio
de Hiroshima. Seria o prólogo de uma tragédia cujo desfecho poderia ser a
extinção da humanidade.Retomo assim a afirmação do início, tema desta
reflexão. A mentira na História dificulta extraordinariamente a compreensão da
crise de civilização que o homem enfrenta.
Fonte: http://www.correiocidadania.com.br