quarta-feira, 9 de junho de 2010

A história de célia e bona barcia: ousar lutar, ousar filmar*

João Carlos Bona Garcia foi fundador do Partido Operário Comunista (POC) de Passo Fundo - RS, originado a partir da Política Operária (POLOP), no final da década de 1960.

 

Em 1970, membros do POC passaram a ação conjunta com organizações da guerrilha urbana. Neste contexto, militantes criaram a Unidade de Combate "Manoel Raimundo Soares" (UC/MRS),  homenagem ao sargento que apareceu morto em agosto de 1966, próximo a Ilha das Flores, boiando com os pés e mãos amarradas, após ter sido preso em março, panfleteando contra a Ditadura.

A UC/MRS passou a executar ações armadas com a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), onde já militava Bona, como a tentativa de seqüestro de Curtis Carly Cutter, cônsul norte-americano em Porto Alegre, em 4 de abril de 1970. Dois dias antes, Irgeu João Menegon, Reinholdo Amadeu Klement, Bona Garcia e Luiz Carlos Dametto expropriaram um Volks do Banco do Brasil que transportava 65.000 cruzeiros da Companhia Ultragás, empresa presidida por Albert Boilesen, colaborador ativo da Operação Bandeirantes (OBAN).

Para Bona Garcia, a “tentativa de sequestro foi a causa do extermínio das organizações de luta armada no Rio Grande do Sul”, seguindo-se o uso sistemático da repressão. Bona foi preso em abril de 1970, em Porto Alegre, sendo levado para a DOPS, com sessões de tortura. Depois de um mês, foi destinado ao Presídio Central e para a Ilha do Presídio da Ilha.

Em 13 de janeiro de 1971, Bona Garcia foi um dos 70 presos políticos trocados pelo Embaixador da Suíça, Giovanni Enrico Bucher, sequestrado pela VPR, numa operação de Carlos Lamarca e de Devanir José de Carvalho, do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT). Banidos do Brasil, o grupo dos 70 foi para Santiago do Chile, durante o governo socialista de Salvador Allende.

Do Chile, Bona Garcia escreveu carta a Célia, a quem conhecera aos 15 anos, iniciando o namoro pouco depois de ela mudar de Restinga Seca, a terra do pintor Iberê Camargo, para Passo Fundo, em 1966. Célia foi para o Chile, em junho de 1971. No Chile, o nascimento do filho Rodrigo, em 1973. Porém, depois de uma viagem a Argélia para uma reunião da VPR, aconteceu o Golpe de 11 de setembro. A saída do Chile era inevitável. Seu cunhado Leopoldo conseguir a ida de um padre ao Chile, que retirou Célia e Rodrigo. Após, Bona conseguiu uma entrada cinematográfica na Embaixada da Argentina, com a Buenos Aires.

Na Argentina, surgiu a ideia do exílio na Argélia com a ajuda de Miguel Arraes. Lá, o nascimento de Luciano. Posteriormente, no final de 1974, a França e em seguida a atuação no Comitê Brasileiro pela Anistia, com “gente do MDB, do PC, do PCdoB, do PCBR, da VAR, da ALN, trotskistas, até de um  novo movimento criado no exterior , o OMO”, antes da volta ao Brasil e a Passo Fundo, em 1979. Depois disso, como disse em Verás que um filho teu não foge à luta, o retorno à política, a sua parte para o “fortalecimento da democracia”.

Esta trajetória pode ser vista no filme Em teu nome, de Paulo Nascimento. O diretor e roteirista ganhou o kikito de melhor direção no 37º Festival de Gramado, em 2009.

Filmado no Brasil, na França, no Marrocos e no Chile, Em teu nome aborda a transformação pessoal de militantes e exilados políticos, a primeira grande película sobre a resistência à Ditadura no Rio Grande do Sul.

As licenças poéticas do excepcional roteiro não tiram o fundo histórico em que a obra se inspirou. Com um engajado humanismo, traz à tela uma versão ousadamente filmada, um extraordinário momento do cinema político rio-grandense.

Paulo Nascimento abre os arquivos da memória contra o esquecimento, disputa por uma verdade reivindicada na poesia de Thiago de Mello, poeta que Recebeu o Grupo dos 70, no Chile: “Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura de palavras”.

* Este artigo foi publicado em versão ampliada, com o título “Ousar lutar, ousar filmar”, no Caderno Mix – Ideias, do Diário de Santa Maria, edição de 29.30/05/2010, p. 10-11.
** Professor Adjunto do Departamento de História da UFSM, Doutor em História Social do Trabalho.

Fontes:
- BONA GARCIA, João Carlos; POSENATO, Júlio. Verás que um filho teu não foge à luta. Porto Alegre: Posenato Artes e Cultura, 1989.
- Em teu nome. Direção: Paulo Nascimento. Ficção, Brasil, 2009, 100', Accorde Filmes.
- MELLO, Thiago de. Os estatutos do homem (Ato Institucional Permanente). Poema.


Diorge Konrad
Doutor em História Social do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, Professor Adjunto de História do Brasil e de Teoria da História do Departamento de História da UFSM - RS
 Site:  http://www.vermelho.org.br/coluna