sexta-feira, 14 de maio de 2010

Contribuição para uma nova visão marxista do direito

  II PARTE
 
Leandro Alves *
 

Para garantir a sobrevivência do ser humano e a execução de seus objetivos essenciais, é necessária a instauração de uma ordem. Seja ela capitalista, socialista, ou comunista. Para determinada sociedade alcançar seus objetivos, é necessário prever as relações e as situações possíveis, dando-lhes um direcionamento, um objetivo, que pode ser o lucro individual, que precisa da exploração para se perpetuar, ou o desenvolvimento de toda a humanidade, que precisa da socialização das riquezas produzidas coletivamente. O direito é o instrumento que cumpre a função de consolidar os objetivos de determinada sociedade. Ele funciona como mediador das relações sociais, econômicas e políticas; portanto, relações de poder. O direito tem um caráter socializador/educador; por consequência, serve como amálgama e guia da sociedade em desenvolvimento.

O espaço em que se dá a produção do direito é complexo e possui várias esferas, pois abrange o próprio produzir-se de determinada sociedade. O direito posto como está hoje, sob a hegemonia da burguesia, não pode exercer seu potencial mediador e organizador de determinada sociedade. Os entraves positivistas não permitem seu desenvolvimento pleno. Ou, como nos ensina o eminente professor Herkenhoff (2001: 16) “O positivismo reduz o direito a um papel mantenedor da ordem. Sacraliza a lei. Coloca o jurista a serviço da defesa da lei e dos valores e interesses que ela guarda e legitima, numa fortaleza inexpugnável”.

O positivismo jurídico – não importa sua variável – que fundamenta e estrutura o nosso pensamento jurídico é limitado para a apreensão da complexidade social. De maneira simples, podemos dizer que o positivismo, tem por pressuposto que só é direito aquilo que emana do Estado; portanto, só leva em conta as leis escritas de determinado Estado. Em nome de uma pseudo neutralidade, deixa a complexidade da realidade social fora de seu horizonte.

Como disse anteriormente, entendo o direito como um mecanismo que faz a mediação entre as relações sociais e os objetivos de determinada sociedade, ou seja, ele tem um papel essencialmente político. Para fazer uma mediação que consiga apreender toda a complexidade social, o direito precisa estar permeável a todos os elementos que compõem essa sociedade.

A ciência e a filosófica marxista podem fazer com que o direito rompa com os entraves positivistas. Sob a ótica marxista, o direito tem que criticar a concepção positivista, levar em conta a totalidade da experiência humana, representando os diversos componentes da sociedade, os fatores culturais dos diferentes grupos sociais, os interesses das diferentes classes, os objetivos socialmente aceitos em determinada época, os valores ainda não aceitos, mas que detenham uma carga positiva rumo ao futuro da humanidade.
A ideia de tornar o direito permeável à complexidade do produzir e do reproduzir-se da sociedade não é uma novidade, existe uma série de “movimentos” nesse sentido. A Nova Escola de Direito, o chamado “Direito achado na rua” ou Direito Alternativo, e os “Abolicionistas” são exemplos importantes dessas tentativas. Há, com relação a esses movimentos, um grande desconhecimento por parte dos marxistas. Nós temos um vezo antigo, adoramos colocar um rótulo em pensamentos que não dominamos. Se determinado pensamento parece não estar dentro de nossa “cartilha”, colocamos um rótulo e, do alto de nossa sabedoria, decretamos sua invalidade.

Entendo que essa postura, por parte dos marxistas, por um lado só atrasou o desenvolvimento do direito e garantiu a supremacia dos intelectuais burgueses nesse campo. O objetivo de Lênin – que entendia o marxismo com uma teoria revolucionária e não como um dogma - e de todos os grandes marxistas ao longo da história foi construir e aperfeiçoar a teoria marxista dentro de suas realidades. Não podiam - nem queriam - prever o futuro. Tampouco criaram uma religião com dogmas inquestionáveis.

Não pretendo determinar todos os elementos para uma nova visão marxista sobre o direito. Seria uma contradição. Pretendo sim iniciar tal debate e apresentar duas convicções: a de que o marxismo tem importante papel para a evolução do direito e que o direito tem um grande papel na luta de classes. Entendo que nós, marxistas, temos um grande caminho a percorrer e muito que construir no campo do direito, mas para tanto, precisamos parar de mudar de nome as ruas do marxismo, bem como parar de pintar suas velhas paredes de vermelho, precisamos, sim, é atualizá-lo.

A teoria marxista pode fazer com que o direito dê um salto qualitativo frente à complexidade das relações sociais, tendo um papel importante na luta por uma sociedade realmente humana. Só o manancial teórico marxista está apto a captar toda a complexidade da realidade social, convertendo-a em uma verdadeira fonte de enriquecimento do direto. O marxismo pode utilizar todo o potencial que o direito – enquanto estruturador, mediador e orientador das relações políticas e sociais – pode oferecer em um processo longo de transição para uma sociedade socialista.

Esse texto é a ultima parte - adaptada - do artigo “Direito e Marxismo: um encontro necessário”, que elaborei com o escopo de iniciar um debate para atualizar a visão marxista acerca do direito. Face ao tamanho do artigo não é possível sua publicação nesta coluna, mas quem desejar ter acesso ao artigo completo, basta entrar em contato comigo por e-mail que terei o maior prazer de remetê-lo.

Disponibilizo aqui a bibliográfica completa do artigo Direito e Marxismo: um encontro necessário.

Referencias Bibliográfica:

Amin, Samir

- A via de desenvolvimento de orientação socialista. Anita Garibaldi. Janeiro. 2010.
Azevedo, Plauto Faraco de.

- Direito, Justiça social e Neoliberalismo. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 1999.

- Aplicação do direito e contexto social. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 2000.
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- Para onde vai o Direito?. Livraria do Advogado. 2001.
Coelho Ulhoa, Fábio.

- Direito e poder. Saraiva. São Paulo. 2005.
Engels, Friedrich.

- A “Contribuição à Crítica da Economia Política” de Karl Marx. Obras Escolhidas volume 1. Vitória.

- A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Vitória Limitada. Rio de Janeiro.
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- Cadernos do Cárcere. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 2002.
Kosik, Karel.

- Dialética do Concreto. Paz e Terra. São Paulo. 1995.
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- Engels e o Direito. Fios de Ariadne ensaios de interpretação marxista. UPF.
Mello, Marcus Bernardes de.

- Teoria do Fato Jurídico. Saraiva. São Paulo. 2007.
Pachukanis, Bronislavoviv Evgenij.

- A Teoria Geral do Direito e o Marxismo. Acadêmica. São Paulo. 1988.
Stucka Iva, Petr Ivanovich.

- Direito e Luta de Classes. Acadêmica. São Paulo. 1988.

* Leandro Alves é Servidor do Poder Judiciário Gaúcho, ex-assessor Sindical, ex-assessor Parlamentar. E-mail: leandroalvesrs@hotmail.com
Fonte: http://vermelho.org.br/vermelho.htm