quinta-feira, 22 de abril de 2010

Desgoverno demotucano em SP "some" com vagas 

no ensino infantil 

Atraso na entrega de escolas na rede municipal leva ao corte de lugares na pré-escola, deixando mais de 120 mil crianças sem vaga. Zerar deficit de vagas até o final de 2012 é uma das principais promessas de campanha do prefeito Gilberto Kassab (DEM), cujo governo é conduzido por tucanos ligados a José Serra.

A fila de espera por um lugar em creches e pré-escolas na rede municipal de São Paulo ganhou 22 mil crianças a mais neste ano -o fim do deficit de vagas na educação infantil foi uma das principais promessas de campanha do prefeito Gilberto Kassab (DEM).
A lista, que já tinha 101 mil nomes, chegou a 123 mil em março deste ano. Do novo contingente, 11 mil estão em busca de creche (0 a 3 anos) e outras 11 mil, de pré-escola (4 a 5).

A fila por creche aumentou apesar de a prefeitura ter feito 7.000 matrículas a mais neste ano. Na pré-escola, porém, ela cresceu porque o governo fechou vagas em escolas com excesso de alunos. O corte ocorreu para reduzir o tamanho das turmas, eliminar o terceiro turno em algumas unidades e redistribuir a rede conveniada, que passou a priorizar creche.
A ideia era compensar o corte com novas unidades, mas as obras atrasaram. Das 142 escolas anunciadas no ano passado (85 mil vagas previstas), só oito estão em construção. O resto deve ser entregue só em 2011.

Com isso, o total de matriculados em pré-escola recuou de 308 mil para 285,8 mil neste ano -22,2 mil vagas a menos. O relatório é o primeiro em que há corte de matrícula e alta do deficit. "Não acho bom criança fora da escola. Tanto que construímos 63 Emeis [pré-escolas]. Mas não posso deixar a escola um depósito, como era", disse à Folha o secretário da Educação, Alexandre Schneider. "Já melhoramos muito."

Schneider disse que esperava que o plano de obras "caminhasse mais rapidamente". Segundo ele, houve dificuldade em encontrar terrenos disponíveis e conseguir as licenças para a construção.

Sobre o aumento da demanda em toda rede, ele diz que a própria expansão faz a fila aumentar. "O pai começa a ver como possível a matrícula."

"O sistema precisa de planejamento adequado. Houve erro na previsão", diz o pesquisador Rubens Camargo, da Faculdade de Educação da USP.

"A prefeitura deve se organizar para não seguir nessa omissão", afirma o defensor público estadual Flávio Frasseto.

Sem trabalhar

Segundo o governo, nenhum aluno que estava na rede perdeu a vaga, mas o corte impediu que crianças entrassem no sistema e tornou mais difícil a vida de Eduardo, 4. "Ele está na fila há quase um ano. Não trabalho, não tenho onde deixá-lo", diz Rosilene dos Santos Silva, 32, do Jd. Felicidade (zona norte).

Pesquisas indicam que quem cursa o infantil tem resultados melhores em toda a vida escolar. Segundo a prefeitura, a migração das crianças de seis anos do infantil para o fundamental neste ano não tem impacto na queda das matrículas (quase todas crianças dessa idade já iam para o fundamental).

Fonte: Folha de S. Paulo
http://www.vermelho.org.br/noticia

Tiradentes e a atualidade da Questão Nacional

Liberdade – essa palavra,
que o sonho humano alimenta:
que não há ninguém que explique,
e ninguém que não entenda!
Cecília Meireles, em O Romanceiro da Inconfidência

 

A atualidade de Joaquim José da Silva Xavier deve ser celebrada no 218º aniversário de sua imolação como símbolo de um movimento de autonomia nacional que ainda hoje está por se completar na formação social brasileira. A Conjuração Mineira foi um daqueles sonhos a que os homens se entregam por intuírem o caminho da História antes de a História lhes oferecer as condições determinantes para a materialização do sonho. Assim ocorreu com a Comuna de Paris, em 1871, definida por Karl Marx como uma tentativa de tomar o céu de assalto. Como já tive oportunidade de observar, também aos revolucionários de Vila Rica a História não recusou a razão, mas lhes negou a oportunidade.

O projeto político de conquistar a Independência e proclamar a República do Brasil foi muito além da troça que certos centros de pensamento querem lhe atribuir, apontando os conjurados como mais interessados em não pagar impostos à Coroa portuguesa do que em fundar uma nação. Joaquim José da Silva Xavier foi líder visionário, não um fantoche manipulado pela elite de Vila Rica, que, afinal, se era elite interessada na Independência do Brasil, constituía o povo da época. Como na memorável luta contra os holandeses no Nordeste, no século anterior, em Minas também se reuniam pela causa nacional os reinóis, os mazombos, os mestiços. Todos foram punidos, uns com a morte na cadeia, outros com o degredo e Tiradentes com a forca. Os banidos para a África e que lá morreram só voltariam à pátria por ordem do presidente Getúlio Vargas, que em 1942 mandou buscar um a um os heróis falecidos no desterro.

Inspirados por versos de Virgílio [Libertas quae sera tamen], reivindicavam liberdade ainda que tarde, e tinham como fonte os filósofos do Século das Luzes que refletiam a crise do Absolutismo e do Colonialismo no século XVIII e forjavam novas idéias e poliam os homens que iriam lutar e morrer por elas. Os conjurados de Minas Gerais miravam as nuvens que a Ilustração espalhara no céu da democracia, do que foram exemplos mais eloqüentes a Independência dos Estados Unidos da América, que nasciam como república, e a gloriosa Revolução Francesa. Nações em formação no Novo Mundo, como a americana e a brasileira, e as Colômbias de Simon Bolívar, já eram grandes demais para caber no apertado gibão da Europa feudal em transição para o capitalismo.

O sonho dos conjurados era implantar fábricas de tecidos e siderurgias na colônia que queriam tornar país. Tiradentes desenvolveu sua consciência política patrulhando o Caminho Novo, que ligava Minas ao Rio, por onde via passar as riquezas das jazidas auríferas do Brasil desviadas para Portugal, na quota de 100 arrobas de ouro por ano, aumentada em 1762 para oito mil quilos a título de dívida fiscal atrasada. O esbulho levava o nome de derrama.

Preterido nas promoções da Cavalaria, nunca tendo passado do posto de alferes, estabeleceu-se no Rio, levando a vida como qualquer do povo, trabalhando de mascate, tropeiro, boticário e dentista. Não era um homem sem luzes: órfão, sem nunca ter feito estudos regulares, projetou a canalização dos rios Andaraí e Maracanã para melhorar o abastecimento de água da sede do vice-reino. Há notícias de que admirava o progresso industrial da Inglaterra, guardava um exemplar da Constituição dos Estados Unidos e citava a figura do presidente da República em oposição a um rei distante.

Depois de enforcado, em 21 de abril de 1792, no Largo de Lampadosa, atual Praça de Tiradentes, no Rio de Janeiro, teve os restos mortais espalhados na estrada que patrulhara e onde tecera seu sonho de Independência política, econômica e cultural do Brasil. Seus algozes o queriam maldito e esquecido, mas cada parte de seu corpo esquartejado parece ter servido de semente para a árvore da liberdade que germinou no Brasil e ornamentou os versos de Cecília Meireles. O povo do Rio de Janeiro logo mandou celebrar missas na intenção da alma do herói, e, pelo repúdio público, fez com que o traidor Joaquim Silvério dos Reis mudasse o nome para Montenegro e o domicílio para o Maranhão.

A atualidade de Tiradentes é a mesma da Questão Nacional que ele antecipou antes da expressão. Seu vulto histórico nos repõe a importância e urgência de um projeto de autonomia nacional com vistas à consolidação de um País forte, soberano, próspero, que produza e distribua riquezas suficientes para assegurar o bem-estar material e espiritual desta civilização única que erguemos nos tópicos.

Desde a infância da Nação esta tem sido uma empreitada difícil. A mesma rainha louca Maria I que mandou esquartejar Tiradentes, promulgou um alvará proibindo fábricas no Brasil e mandou destruir até os teares em que as mulheres fiavam a roupa dos filhos. Quase um século depois, os próceres da República, empenhados em industrializar o Brasil, eram dissuadidos pela casa bancária inglesa dos Rotschild, que nos recomendava exportar café e deles comprar linha, agulhas e botões. Foi na construção da identidade nacional que a República resgatou o heroísmo de Tiradentes.

As lutas do passado continuam, por outros meios e caminhos, no presente. Os embates que o Brasil trava contra o protecionismo das grandes potências, as pressões para a liberalização comercial que nos engoliria como país produtor de riquezas, e tantas outras ofensivas, fortalecem a convicção de que a Questão Nacional está viva, e aponta para a necessidade de mantermos a soberania nacional como atributo essencial do Estado.

Nos dias de hoje, sofremos um tipo novo de intervenção que nos limita a autonomia de dispormos de nosso território e recursos naturais em benefício do desenvolvimento e do bem-estar do povo. A abertura de estradas, construção de hidrelétricas, vivificação das zonas de fronteira, modernização de leis para ampliação da agricultura e democratização da propriedade da terra são boicotadas por governos estrangeiros e suas cabeças de ponte chamadas ONGs do meio ambiente. O exemplo histórico de Tiradentes é um alento para continuarmos a luta pela autonomia de um projeto nacional e soberania do Brasil.

*Aldo Rebelo é jornalista, escritor e deputado federal (PCdoB-SP). Recebeu em 10 de novembro de 2003 a Medalha Tiradentes, da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.

Aldo Rebelo*

Fonte:http://www.vermelho.org.br/noticia

Cúpula dos Povos propõe referendo mundial 

sobre meio ambiente

A Cúpula Mundial dos Povos, que acontece na Bolívia, para tratar da questão climática, aprovou a criação de um tribunal de justiça climática e a realização de um referendo mundial sobre meio ambiente. As resoluções do encontro serão encaminhadas à cúpula das Nações Unidas, a se realizar no fim do ano, no México. O presidente da Bolívia, Evo Morales, defendeu que as demandas dos movimentos precisam ser respeitadas neste fórum.

Mais de 20 mil pessoas participam da Cúpula Mundial dos Povos, que se encerra nesta quinta-feira (22), com uma "festa da unidade" para comemorar o Dia Internacional da Mãe Terra (Pachamama). Dezessete mesas de trabalho estão encarregadas de elaborar o documento final da conferência, com as propostas aprovadas.

De acordo com a resolução apresentada na atividade, o referendo sobre meio ambiente seria realizado no próximo dia da Mãe Terra, em 2011. A ideia é que ele seja organizado em vários países com o apoio oficial dos governos interessados, e, em outros, por meio dos movimentos sociais, dos sindicatos e das organizações não governamentais.

Entre as questões que seriam submetidas à população estão a concordância ou não com "o abandono do modo de sobreprodução e de consumo excessivo para restabelecer a harmonia com a natureza", a "transferência das despesas de guerra para um orçamento superior para a defesa do planeta", ou ainda a própria "criação de um Tribunal de justiça climático para julgar os que destroem a Terra".

"Deve haver um organismo que sancione severamente, por exemplo, os países que não respeitem o protocolo de Kioto. É preciso estabelecer penalidades", disse o presidente Evo Morales. De acordo com ele, sem uma organização que dê sequência às resoluções aprovadas nas cúpulas internacionais, nunca haverá nada nem ninguém que obrigue as indústrias e os países desenvolvidos a cumprí-las.

Morales, promotor do evento, assinalou que a Cúpula dos Povos "foi uma necesidade ante a posição dos países industrializados na Conferência de Copenhague, que quiseram aprovar decisões que não contribuíam em nada para garantir a sobrevivência do planeta".

De acordo com ele, os países industrializados desejaram "impor um documento para salvar a vida de alguns, mas com uma política prejudical ao meio ambiente. Apenas com a força dos povos em desenvolvimento, o mundo indistrializado respeitará a vida no planeta", disse Evo.

O futuro da Cúpula Mundial dos Povos foi traçado, nesta quinta-feira, com a proposta do teólogo brasileiro Frei Beto de que este tipo de reunião, realizada em Cochabamba, aconteça a cada dois anos. Evo informou que a ideia foi aprovada pelo seu governo e as organizações sociais, como forma de fortalecer a luta em defesa dos direitos da Mãe Terra. Ele defendeu ainda que, na proteção da vida no planeta, não existem diferenças ideológicas ou matizes políticas.

Com agências

Fonte: http://www.vermelho.org.br/noticia

Niemeyer: desigualdade social é o principal 

problema de Brasília

Brasília dos sonhos de Oscar Niemeyer não tem nada a ver com a cidade que você conhece. Ela acabou justamente quando começou a ser habitada por políticos, técnicos e funcionários públicos, a partir de 21 de abril de 1960. Ele prefere os tempos da construção da cidade. As informações são da entrevista feita pela Folha por email, que o Vermelho reproduz.

Mario Fontenelle Oscar Niemeyer na varanda do Palácio do Alvorada. Foto M. M. Fontenelle (1919-1986). Acervo DPHA-DF

"Vivíamos naquela época como uma grande família, sem preconceitos e desigualdades. Uma vez inaugurada Brasília, vieram os homens do dinheiro, e tudo se modificou: a vaidade e o individualismo mais detestáveis se fizeram presentes".

Aos 102 anos, Niemeyer mantém algumas crenças comunistas da adolescência, mas já não endossa um dos maiores dogmas da arquitetura modernista, movimento do início do século 20 do qual ele é um dos maiores representantes: o de que é possível mudar o mundo por meio de projetos.

Niemeyer começou a trabalhar como arquiteto no início dos anos 30, como estagiário do escritório de Lucio Costa, apontado por historiadores como o fundador da arquitetura moderna brasileira. A parceria entre os dois durou até 1939, quando fizeram um projeto conjunto para a feira de Nova York, e seria retomada em Brasília em outros termos: Niemeyer foi escolhido pelo presidente Juscelino Kubitschek para projetar os prédios, enquanto Costa venceu um concurso do projeto urbanístico.

Em 1936, conviveu com Le Corbusier, francês que criou as bases do modernismo, na construção do Ministério da Educação, no Rio. O estilo que o projetaria como inventor nasceu na Pampulha, conjunto arquitetônico inaugurado em 1943 em Belo Horizonte, segundo o próprio Niemeyer.

Ganhador do prêmio mais importante de arquitetura em 1988, o Pritzker, Niemeyer não desistiu do projeto mais polêmico que criou para Brasília, uma praça que, segundo os críticos, desfigura o urbanismo de Lucio Costa. É o que falta, segundo Niemeyer, para a cidade ser como ele a imaginou.

Folha - O sr. dizia há cinco anos que Brasília era uma cidade incompleta, que faltavam prédios que estavam previstos no projeto. Ainda falta algo para a cidade?
Oscar Niemeyer - Acredito que naquela época eu tinha em mente a execução de duas obras que a nova capital hoje pode exibir: um museu de maior porte e a biblioteca. É claro que eu teria enorme satisfação em ver construída uma grande praça capaz de congregar os brasilienses e os visitantes, como aquela que desenhei há cerca de um ano e que provocou tanta celeuma.

Folha - O sr. criou algumas das imagens mais fortes do Brasil moderno. O sr. tinha a intenção de criar símbolos, de inventar uma marca?
Niemeyer - Confesso que nunca me passou pela cabeça essa pretensão. É evidente que os edifícios a que se refere foram projetados com extremo cuidado e marcaram um prolongamento e uma busca renovada daquela arquitetura mais livre e criativa que adoto desde os meus trabalhos realizados para a Pampulha.

Folha - O sr. sofreu um acidente grave de carro ao voltar de Brasília durante a construção. Qual foi o momento mais difícil?
Niemeyer - Talvez a morte de amigos tão queridos ocorrida no transcurso das obras, como a do Eça [Walter Garcia Lopes] ou a de Bernardo Sayão.

Folha - As avenidas muito largas e o isolamento das superquadras das regiões comerciais obrigam os brasilienses a usar automóvel para quase tudo. O que o sr. mudaria para que Brasília fosse melhor para ser desfrutada pelos pedestres, como ocorre no Rio de Janeiro?
Niemeyer - Penso que um dos problemas mais graves atestados nas cidades modernas reside na situação, a meu ver intolerável, em que os seus moradores se tornam reféns dos automóveis.*

Folha - Muitos urbanistas criticam a divisão de Brasília em setores, como o comercial e o de mansões. Os críticos dizem que as melhores cidades para viver têm essas funções misturadas. O que o sr. acha?
Niemeyer - Sinceramente, acho que essa separação fixada pelo Plano Piloto do Lucio [Costa] não é ruim.

Folha - Brasília foi planejada para ser uma cidade mais igualitária, mas acabou se tornando uma das mais desiguais do Brasil. O sr., como um comunista histórico, fica desapontado quando vê esse tipo de evolução?
Niemeyer - É claro que essa evolução me entristece. Brasília mudou bastante em relação àquele clima de união e solidariedade que reinava em seus tempos originais, quando da construção dos seus primeiros edifícios públicos. Vivíamos naquela época como uma grande família, sem preconceitos e desigualdades. Unia-nos um ambiente de confraternização proveniente de idênticos desconfortos. Uma vez inaugurada Brasília, vieram os homens do dinheiro, e tudo se modificou: a vaidade e o individualismo mais detestáveis se fizeram presentes. Nós mesmos terminamos por voltar, gradativamente, aos hábitos e preconceitos da burguesia que reprovávamos.*

Folha - É possível integrar as cidades-satélites ao Plano Piloto? Como o sr. consertaria a divisão e a distância entre ricos e pobres na cidade?
Niemeyer - É obvio que me desagrada profundamente esse tipo de segregação social e espacial. Mas acho que cabe aos especialistas em urbanismo, e não a mim, encontrar as soluções para reduzir ou superar os efeitos perversos da expansão.

Folha - O sr. acha que a arquitetura é capaz de promover transformações sociais, como se acreditava até os anos 50 e 60?
Niemeyer - Tenho hoje as minhas dúvidas. Penso, sim, que a transformação de nosso mundo social num universo mais justo e solidário é que poderá mudar a arquitetura. E, se um dia isso ocorrer, nós, arquitetos, seremos convocados para realizar grandes obras públicas.

Folha - Qual foi a crítica mais injusta que o sr. ouviu sobre Brasília?
Niemeyer - Talvez aquela construída por pessoas que teimam em afirmar que o sonho de Juscelino teria fracassado, uma vez que Brasília não teria trazido o progresso para o interior. Basta pensarmos no progresso de cidades como Goiânia.

Folha - E qual é a crítica mais justa sobre a cidade?
Niemeyer - É provável que seja o aparecimento daquela divisão intolerável entre ricos e pobres nessa metrópole.

Folha - Críticos como André Corrêa do Lago dizem que o sr. será conhecido no futuro como o maior artista brasileiro do século 20. Como o sr. gostaria de ser lembrado?
Niemeyer - Como de hábito, o meu amigo André Corrêa do Lago se mostra muito generoso em suas apreciações. Gostaria de ser lembrado como um ser humano, frágil e perplexo diante deste estranho mundo, como a maioria dos homens. Em síntese: como alguém que passou muito tempo debruçado sobre a prancheta, voltado para a sua arquitetura, mas sempre pronto para participar da luta política, sensível à necessidade histórica de superarmos esse regime de classes que o capitalismo veio a aprofundar.

Fonte: Folha Online

Brasília, 50: do sonho de José Bonifácio à integração do Brasil

Brasília, símbolo da integração nacional e da realização do povo brasileiro, começou como um sonho do patriarca da nossa Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva.

A ideia de transferência da capital para os altos sertões da pátria foi retomada nos primórdios da República, pelo governo do marechal Floriano Peixoto, que constituiu a Comissão Cruls, para localizar no Planalto Central do Brasil, a mil quilômetros do Rio de Janeiro, a exata localização da futura capital do país.

O governo do consolidador da República não pôde realizar o sonho, que foi retomado por outro visionário, o presidente Juscelino Kubitschek. Realização dos gênios de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, Brasília teve também a presença dos trabalhadores, chamados candangos, que ajudaram a transformar em realidade o sonho dos patriotas que pensaram em integrar o Brasil profundo através da construção de uma capital no coração do país.

Cinquenta anos depois de fundada, Brasília alcançou o objetivo dos que a projetaram. A integração é hoje uma realidade, não somos mais uma civilização apenas litorânea, como disse um escritor antigo, de caranguejos bordejando o litoral para um lado e para o outro. Hoje integramos o Centro-Oeste, a Amazônia, e Brasília teve um papel fundamental na ocupação de todo esse vasto território.

Goiânia hoje é uma metrópole e Goiás um estado progressista. O Mato Grosso é um centro importante da agricultura e da pecuária no Brasil. Cuiabá, Campo Grande, mais recentemente Palmas, Rondônia com sua capital Porto Velho, o Acre, a metrópole da Amazônia, Manaus, dão ao Brasil, com todos os seus problemas e deformidades, a ideia de uma nação única, que tem a integrá-la sua capital no centro-oeste da nossa pátria.

É evidente que além de capital administrativa, de centro dos Três Poderes, Brasília tem também valor arquitetônico inestimável. É uma lição pedagógica de um povo que acredita na sua capacidade de empreender e de realizar. Brasília não é apenas uma realidade política, econômica e social, é também uma homenagem à inteligência de nossa arquitetura e de nosso planejamento urbano.

Reflete, por outro lado, as desigualdades e os desequilíbrios do país. Os pobres e os ricos, os que têm um padrão de vida elevado, e aqueles que lutam desesperadamente para ter acesso ao emprego e serviços públicos. Mas esse é outro desafio que nos cabe enfrentar.

Brasília também precisa ser uma cidade justa, socialmente equilibrada, referência para o povo brasileiro, exemplo de cuidado com os interesses nacionais, o que nem sempre tem acontecido.

Nesse momento de celebração, nos cabe, com o olhar crítico, mas otimista, festejar Brasília. Homenagear seu povo, síntese de todo o povo brasileiro, e ter um gesto de agradecimento aos que acreditaram no passado que o presente seria possível.

* Aldo Rebelo é jornalista, escritor e deputado federal (PCdoB-SP)

Por Aldo Rebelo*, em seu site

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Excesso de sexo desnuda impotência do papa

Sucedem-se revelações de novos casos de padres católicos pedófilos. Com a mesma triste insistência, o Vaticano nega conhecimento dos fatos e, quando flagrado em torpe mentira, admite o acobertamento dos celerados e pede desculpa às vítimas – mas não leva os criminosos aos tribunais e nem dá assistência às crianças. Acuado, contra-ataca com declarações desastrosas, das quais depois tem que pedir vênia. Seria uma comédia dos erros, se não fosse uma tragédia em que só as vítimas são punidas.

Os casos se multiplicam. No dia 6 de abril, a Igreja Católica da Noruega e o Vaticano admitiram que a renúncia ao cargo foi a única punição que o bispo de Trondheim, Georg Mueller, sofreu pelos abusos sexuais que cometeu. Mas mesmo essa reprimenda é rara. Ocorreu em 2002, com Juliusz Paetz, arcebispo de Poznan, na Polônia, e em 1995, com o cardeal Hans Hermann, de Viena, ambos também pedófilos. Os inúmeros casos acontecidos nos EUA, Europa, América Latina e outras regiões continuam impunes e, a maioria, abafados.

No caso de Mueller, o papa Bento XVI ainda encobriu o verdadeiro motivo da repreensão ao molestador de crianças, ao divulgar que ele havia sido “renunciado” pela lei canônica 401/2, que declara que o bispo deve apresentar sua desistência caso se torne "inadequado para o preenchimento do cargo".  Convenhamos: abusar sexualmente de uma criança ou adolescente é mais, muito mais do que ser inadequado a qualquer cargo, mesmo que da hierarquia católica. É caso de cadeia, não de renunciação.

Outra revelação recente: o padre Joseph Jeyapaul, que violentou dois menores de idade nos Estados Unidos, em vez de punido foi transferido pelo Vaticano para escolas católicas na Índia, mesmo um arcebispo americano tendo informado o fato à Santa Sé. A Congregação para a Doutrina da Fé se limitou a pedir ao arcebispo de Jeyapaul que monitorasse o facínora "para que não constituísse um risco para menores e não gerasse um escândalo entre os fiéis". Numa estranha deturpação do Evangelho, não é oferecida outra face, mas crianças de outra nacionalidade ao agressor.
Impotente para enfrentar a súcia voluptuosa que encontra na batina o valhacouto para seus vícios, o papa aciona seus pares para injuriar as vítimas dos lascivos.  O decano dos cardeais, monsenhor Angelo Sodano, prestou-se ao serviço de dizer ao “Osservatore Romano”, jornal oficial do Vaticano, que o que está existindo é uma mera “divergência cultural” e que as denúncias e clamor de justiça são "ataques injustos contra o papa” que ocultariam “conceitos da família e da vida contrárias ao Evangelho".

Já seu irmão de fé, frei Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia, que durante a homilia da missa de Sexta-Feira Santa comparou as reações aos escândalos de pedofilia na Igreja Católica com a perseguição sofrida pelos judeus – e que não contava com a reação judaica ao seu disparate –, foi desautorizado pelos seus superiores e teve que fazer-se de arrependido. Lançado às feras pelos colegas de batina, afirmou que não teve a intenção de "ferir as sensibilidades nem de judeus nem de vítimas de pedofilia." Embora Bento XVI tenha sido comunheiro, com seu silêncio, do despautério quando foi pronunciado, Cantalamessa ainda tentou livrar a honra do Sumo Pontífice: "O papa não inspirou (o sermão) e, como todos os demais, ouvia pela primeira vez as palavras que pronunciei."

As orgias clericais não são algo de novo sob o Sol. A novidade é a revelação e a exposição massiva da alta hierarquia católica no encobrimento dos episódios. Em 1743, em Lisboa, foi publicado um Romance Católico, anônimo, pois naqueles entonces o Vaticano podia queimar quem o contrariasse. A obra tratava da devassidão de costumes em conventos e seminários. Com as palavras iniciais dessa obra em versos peço a bênção aos leitores e vou cuidar dos meus afazeres.
"Pecadores, que engolfados no mar do mundo andais, às loucuras ponde termo,  a Lei Divina observai: lástima é, ó humanos, que seja alegria tal, que em lugar de honrar a Deus, tanto assim Deus ofendais? Mas ai que chegou a tanto, o vosso enorme pecar, que até por divertimento a vosso Deus tratais mal. Santo do Céu suspendei o louvor, Anjos pasmai, que o que em voz é glória a Deus, no mundo é pena infernal: atendei para estes homens, no seu estilo de cantar, chorareis com ânsia amarga, o seu delírio, o seu mal!"
Carlos Pompe *
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À imagem e semelhança do... Homem!

“Não farás para ti imagem esculpida, nem figura alguma do que há em cima no céu, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra.” Este é o segundo mandamento da Lei de Moisés do Velho Testamento da Bíblia, que virou o primeiro mandamento das artes plásticas contemporâneas.

A comparação não é minha, mas do poeta mineiro e estudioso de artes, Afonso Romano de Sant'Anna, em seu livro “Desconstruir Duchamp”, onde o autor tece inúmeras reflexões sobre o estado atual das artes plásticas no mundo, dominadas pela arte conceitual.

Qualquer pessoa que tenha atualmente um mínimo interesse em acompanhar como andam as coisas no mundo das artes plásticas – que a nova academia prefere chamar e incluir no termo “artes visuais” – se verá diante de um quadro bem difícil de assimilar. Num mundo onde reinam “conceitos” abstratíssimos e onde “tudo” – literalmente qualquer merda (Manzoni, artista italiano enlatou suas próprias fezes que foram vendidas a preço de ouro) – pode ser considerado arte, quem ganha é o sistema: mercado de ações, curadores, negociantes de arte, instituições e, claro, o artista digerido por esse sistema.

Mas perde o ser humano. Nesse sentido, a crise atual das artes plásticas está nos dizendo alguma coisa, e precisamos ouvi-la.

Um primeiro fato que chama a atenção é a absurda elitização daquilo que pode ser chamado de alta cultura, como livros, teatro, concertos musicais, cinema, museus. Recentemente, o Ministério da Cultura fez uma pesquisa cujos dados são alarmantes. Para não entrar em outras áreas, apenas em relação a um dos dados avaliados pelo índice que mediu o consumo cultural do povo, verificou-se que 70% dos brasileiros jamais colocou os pés em um museu!

Há muitos anos, exatamente em 1959, Ernst Fischer já chamava a atenção, em seu livro “A Necessidade da Arte”, para a falta de interesse e de empenho, por parte do sistema capitalista, de que a imensa maioria do povo tenha acesso à cultura. Diz ele: “... massa de seres humanos para os quais mesmo a velha arte é algo de inteiramente novo, seres cujo gosto artístico ainda está por se formar, cuja capacidade de apreciar as qualidades artísticas precisa ser desenvolvida”, necessitam de que a arte se liberte do fato de ser bem de uma “elite educada” a que se chama “público”. E essa “elite educada” nunca foi tão elite quanto atualmente em que a arte conceitual se assume como obra DE e PARA iniciados. Mas faz sentido! Se um tubarão congelado em formol ou uma cama desarrumada após uma relação sexual podem ser expostos como “obras de arte”, realmente para se enxergar nisso o que “eles” dizem que existe – arte – realmente há que ser um iniciado de uma de suas herméticas escolas! 

Mas o sentido da arte, segundo acredito, é o da arte que vem da História, desde as primeiras inscrições nas cavernas descobertas na Espanha e França. Criaturas criadoras que somos, desde milênios, a arte sempre serviu para nos comunicar uns com os outros, para nos unir, para nos inspirar, para nos colocar “em estado de equilíbrio com o meio circundante”, como diz também Ernst Fischer. A história da arte é a história da humanidade, uma vez que o foco – e o objetivo – da arte é o ser humano.

Humanismo percebido por Marcelo Gleiser, físico teórico brasileiro, que acaba de lançar no Brasil o seu novo livro “Criação Imperfeita”. O livro fala de ciência, de Física e Astronomia. O que isso tem a ver com Arte? O seguinte: Marcelo Gleiser propõe uma mudança de foco num paradigma tão antigo quanto a ciência: “é necessário deixar para trás a expectativa de que devemos achar explicações finais sobre o mundo, sejam elas científicas ou religiosas”, diz ele e acrescenta que essa maneira de fazer ciência nos fez evoluir e aprender muito como funciona o universo e do que somos feitos. “Por muito tempo, talvez por tempo demais, buscamos harmonias que não existem; buscamos, também, por companhia nos céus – divina ou extraterrestre, que aliviasse os temores de nossa existência.” Mas esse tempo já passou, diz ele, ao propor o que ele chama de Humanocentrismo, ou seja, a necessidade de recolocar o ser humano no centro da atenções, das ciências à artes.

Nas artes hoje vivemos sob o pensamento único que impera sob o nome de “arte contemporânea”. Mas o que exatamente significa o termo “arte contemporânea”? Para o mercado – e para o sistema atual das artes, na expressão do jornalista Luciano Trigo – significa simplesmente commodities. Arte é negócio – e negócio é arte, inclusive para alguns artistas.

Arte não é mais aquela obra de criação de um ser humano apresentada à outro com o sentido de refusão desse homem, como diz Antonio Callado, num sentido de coletividade “que completa uns homens nos outros”, que “torna novos” os homens, que incita-os “à permanente escalada de si mesmos” e da sociedade. Hoje Arte é mercadoria, no sentido capitalista definido por Marx como mais-valia. Na Idade Média, uma pintura valia um preço, mas o preço real do gasto com material e do trabalho do artista. Hoje, na busca alucinante (e alucinógena) pelo lucro a todo custo, um tubarão imerso em formol do artista plástico Damien Hirst é vendido como obra de arte por 12 milhões de dólares. O mundo deve estar louco... Mas, pensando bem, esse mundo é uma minoria, que da maioria quer mesmo é distância. Melhor – para eles – que ainda hoje 70% de brasileiros não possam ir a um museu contemplar as Belas Artes...

Essa arte hoje também é tudo, menos pluralismo. Não há espaço para pintores figurativos, por exemplo. Milhares de artistas figurativos, que teimam em representar a realidade em seus quadros, sobrevivem à margem do sistema, esquecidos, resistentes. Afonso Romano de Sant'Anna, também em seu livro “Desconstruir Duchamp” pergunta: “Quantos artistas ainda não estão traumatizados, paralisados, congelados de medo diante do desejo de pintar figuras, como se os talibãs os fossem pegar em flagrante?”

Voltando à frase bíblica inicial, podemos pensar que realmente hoje há um medo da imagem no mundo das artes plásticas – grande paradoxo gerado pela sociedade pós-moderna que multiplica-se em milhões de imagens. Mas esse medo é o mesmo medo de se voltar ao ser humano, de recolocá-lo no centro, como propõe Marcelo Gleiser. É o mesmo medo das elites de que esses 70% de brasileiros possam ir aos museus, às galerias, às livrarias, aos cinemas, aos teatros, aos concertos musicais, porque no dia em que isso começar a acontecer o homem mais uma vez estará dando um salto em sua humanidade.

Para terminar, em prol dessa re-humanização das artes, Ernst Fischer:

“O homem, que se tornou homem pelo trabalho, que superou os limites da animalidade transformando o natural em artificial, o homem, que se tornou um mágico, o criador da realidade social (…) será sempre Prometeu trazendo o fogo do céu para a terra, será sempre Orfeu enfeitiçando a natureza com a sua música. Enquanto a própria humanidade não morrer, a arte não morrerá.”

* Artista plástica, membro do Atelier de Arte Realista de Maurício Takiguthi, designer gráfica. Graduanda em Letras pela FFLCH-USP. Membro da coordenação da Seção Paulista da Fundação Maurício Grabois.

Mazé Leite *
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Depois dos gays, Igreja vai culpar os judeus?

A cúpula do Vaticano está comendo o pão que o diabo amassou depois que transformou o ex-militante da Juventude Nazista, Joseph Alois Ratzinger, no papa Bento XVI. Flagrado mundialmente acobertando padres pedófilos, ele agora põe o alto clero para buscar culpados fora de suas fileiras.


O papa com Bertone atrás
O religioso que ocupa o segundo lugar na hierarquia do Vaticano, logo atrás do papa, cardeal Tarcisio Bertone, declarou no dia 12, em visita ao Chile: "Muitos psicólogos, muitos psiquiatras, demonstraram que não há relação entre celibato e pedofilia, mas muitos outros comprovaram, e me disseram recentemente, que há relação entre a homossexualidade e a pedofilia. Isto é verdade, este é o problema". 
Pretendia açoitar dois desafetos com um báculo só: os que assumem a homossexualidade e os que defendem o fim do celibato. No primeiro caso, foi contestado por organizações de todo o mundo. “Estamos deveras indignados com as palavras que Bertone pronunciou no Chile: não queira a Igreja transferir a sua culpa para outras pessoas inocentes, e penso que ela deve interrogar-se sobre sua própria falta de humanidade”, disse Paul Patane, presidente da Associação Lésbica e Gay Italiana, Arcigay.
No segundo caso, polemizava, dentre outros, com setores católicos envolvidos nas lutas sociais contra as desigualdades e as injustiças. Um dos teóricos desses setores, acreditando que “o Espírito Santo se vale de vias transversas para renovar a Igreja”, expressou sua esperança de que “as denúncias de pedofilia eclesiástica sirvam para pôr fim ao celibato obrigatório”, vendo nessa exigência a origem do mal.
A argumentação evidencia a fragilidade teórica dos setores que não conseguiram libertar-se da teologia. Os inúmeros casos de pessoas casadas (homens e mulheres) pedófilas desmentem, na prática (critério da verdade, para os materialistas dialéticos), a argumentação. Também os casos de celibatários que não avançam sobre crianças e adultos invalidam a tese (considerar que os celibatários não existem seria considerar que são todos, inclusive o autor do artigo, mentirosos).
A história registra casos de pedofilia, com ambos os sexos, aceitos culturalmente como normais desde a Antiguidade Clássica. Em algumas culturas árabes e orientais, mesmo hoje, não são objetadas. Até o início do século XX, no Brasil não eram incomuns os casamentos de adultos com meninas recém-saídas, ou nem isso, da puberdade. Casamentos sacramentados pela Santa Madre Igreja.
A cultura ocidental tem mudado seus conceitos comportamentais, com destaque no que diz respeito à sexualidade. A prostituição e o homossexualismo, em muitos países, vêm sendo descriminalizados. As prostitutas, em alguns locais, já conseguiram inclusive a regulamentação profissional. A união consensual de homossexuais também vem ganhando, além da social, a aceitação jurídica.
Com a pedofilia, porém, acontece o contrário. A tendência é reprimi-la e penalizá-la criminalmente. O Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais considera pedofilia "a atividade sexual com uma criança pré-púbere (com 13 anos ou menos)” e o indivíduo com pedofilia “deve ter 16 anos ou mais e ser pelo menos 5 anos mais velho que a criança". Na Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde), a pedofilia é identificada como "Transtorno de Preferência Sexual". As consequências prejudiciais para crianças e adolescentes podem ser físicas, psicológicas ou de comportamento, daí a sua criminalização.
As reações do alto clero às denúncias continuam azaranzadas. Seu esforço maior tem sido de se preservar, e não de apurar. Viciado pelo seu passado poderoso, busca “os suspeitos de sempre”, como o oficial pró-nazista do clássico Casablanca, de Michael Curtiz. Homossexuais, prostitutas, ciganos, judeus, mouros, protestantes e comunistas (que na primeira metade do século passado eram acusados de “comer criancinhas”) são endemoninhados. Foi o que quis fazer o segundo homem do Vaticano.
Diante da reação mundial em favor dos homossexuais, o próprio Vaticano confessou, em nota, serem as autoridades eclesiásticas incompetentes “sobre temas de caráter médico e psicológico”. E o que dizer dos pais, de todas as classes e nível cultural, que continuam fornecendo carne tenra para esses monstros?
Carlos Pompe * http://www.vermelho.org.br



domingo, 11 de abril de 2010

Greve dos professores: Serra pediu ajuda a Lula 

e rasgou acordo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse neste sábado (10), no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que o pré-candidato do PSDB à presidência, José Serra, pediu sua ajuda quando ainda estava à frente do governo de São Paulo para debelar uma manifestação de professores grevistas, mas descumpriu o acordo. Serra teria se comprometido a receber pessoalmente os professores, mas mandou o secretário da Educação, Paulo Renato, como representante.

O pedido de ajuda ocorreu durante uma cerimônia de entrega de ambulâncias da qual ambos participaram em Tatuí, no interior paulista, em 25 de março. “Lá em Tatuí, fomos procurados pelo seu adversário que dizia para nós tentarmos ajudar na greve dos professores que iriam ao Palácio dos Bandeirantes em determinado dia”, disse Lula à pré-candidata do PT, Dilma Rousseff.

“Vim para cá, e o nosso querido companheiro Edinho (Silva, presidente do PT-SP) ligou para o governador Serra. Eu assumi o compromisso de conversar com a Apeoesp (sindicato que representa os professores estaduais)”, agregou Lula.

O presidente relatou ter conversado no mesmo dia durante o 2º Congresso da Mulher Metalúrgica, também no sindicato do ABC, com a presidente da Apeoesp, Maria Izabel Azevedo Noronha, a Bebel, e intermediado uma reunião entre os grevistas e o governador.

“Conversamos com a Bebel, o Edinho ligou para o Zé Serra — e eu havia dito para o Serra diretamente na conversa: ‘Serra, converse você diretamente com o sindicato. Não deixe o seu secretário da Educação conversar porque ele não conversava quando era ministro. Converse você, eles não querem muito e estão dispostos a fazer um acordo. Converse’”, afirmou o presidente.

Segundo Lula, Serra teria prometido ao presidente do PT paulista receber pessoalmente os professores. O iG apurou que o governador sugeriu a possibilidade de enviar o secretário da Casa Civil, Aloyzio Nunes Ferreira, já que a Apeoesp não aceitava negociar com Paulo Renato. “Cheguei aqui e o Edinho me comunicou: ‘Presidente, eu conversei com o Serra e ele vai conversar com os professores’”, disse Lula.

De acordo com Lula, Serra não teria cumprido o acordo. “Conclusão: eu fui embora tranquilo. Conversamos com a Bebel tranquilos de que o governador iria chamar os professores para conversar. Qual não foi minha surpresa quando no dia seguinte ele viajou, não conversou, e mandou um secretário seu conversar com os professores?”.

A assessoria de Serra, que poucas horas antes teve o nome lançado pelo PSDB em Brasília, foi procurada, mas não se manifestou. A repressão policial às manifestações dos professores foi explorada em vários discursos durante o encontro de Dilma com representantes da seis centrais sindicais, neste sábado. “Posso afirmar porque estive do lado de lá na eleição passada. O Serra não gosta de trabalhador”, disse o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, presidente da Força Sindical e do PDT-SP.

Da Redação, com informações do Último Segundo


Fonte: http://www.vermelho.org.br/noticia

Malhando em ferro quente

João Guilherme Vargas Netto *

Quero alinhavar três análises que procuram entender o que se passa entre os trabalhadores pobres, os aposentados pobres, os subempregados e os desempregados que não são a base do nosso movimento sindical organizado.

Para André Singer, em artigo publicado na revista Novos Estudos de novembro de 2009, Lula conquistou em 2006 os votos desta população, onde se misturam conservadorismo e reivindicações, com suas políticas sociais; já o pesquisador norte-americano Cesar Zucco, confirmando o achado, afirma que Lula atraiu os pobres das metrópoles. O cientista político de Yale e Princeton destaca o papel do Bolsa Família neste feito (ver Folha de S.Paulo de 5 de abril). E Maria da Conceição Tavares em importante entrevista para Teoria e Debate de janeiro/fevereiro de 2010, reconhece esta base do “lulismo” e, ampliando a análise, cita os aumentos do salário mínimo como um dos elementos essenciais para a nova configuração política e social que deve orientar a atitude dos partidos progressistas.

Para os três há uma concordância: o povo pobre aderiu a Lula garantindo-lhe o reconhecimento maciço.

O papel positivo desempenhado pelos reajustes do salário mínimo não pode, para quem analisa o movimento sindical e para seus dirigentes e ativistas, ser subestimado.

Os ganhos reais do mínimo - conquistados e garantidos pela interação entre a vontade política do presidente e a ação unitária das centrais sindicais – têm um poderoso reflexo sobre a economia (o mercado interno que nos salvou da crise e tem alavancado o crescimento do PIB), sobre a sociedade (melhoria da condição de vida dos mais pobres e ascensão social) e sobre o movimento sindical (vitória de uma estratégia unitária de caráter social não corporativo).

Eles afetam positivamente de maneira direta todos os que recebem o salário mínimo (nos mercados formais e informais de trabalho), os aposentados que o recebem e toda a grade de reajustes das aposentadorias (com ganhos reais, pela primeira vez, influenciados pelo avanço do salário mínimo), os pisos salariais profissionais (que são pressionados de baixo para cima e melhoram as condições de negociação de diversas categorias), os salários mínimos regionais nos cinco Estados que o praticam e alteram a maior as parcelas do seguro-desemprego. Os efeitos positivos desdobram-se em todas as direções e abarcam a esmagadora maioria dos trabalhadores, contribuindo também para diminuir o desemprego com o desenvolvimento da economia.


* É consultor sindical de diversas entidades de trabalhadores em São Paulo
Fonte:http://www.vermelho.org.br/coluna

Serra, Kassab e as enchentes

João Quartim de Moraes *

No verão tropical chove muito. Kassab e Serra sabem disso tão bem quanto qualquer outro. Também sabem que numa megalópolis do tamanho de São Paulo, atravessada por rios que foram transformados em fétidos lixões flutuantes, quanto mais se impermeabiliza o solo, mais aumentam os riscos de enchente.

Poderiam ter lido na Wikipedia que: “A enchente ocorre quando o rio Tietê recebe, repentinamente, um grande volume d'água dos seus afluentes como o rio Aricanduva, que deságua muitos milhões de litros em alguns poucos minutos. A água que já estava no Tietê a uma certa velocidade precisa de algumas horas para ganhar força e adquirir uma velocidade maior. Enquanto a água do Tietê não ganha velocidade, a que vem do rio Aricanduva vai sendo acumulada, e o rio enche até transbordar. Por causa desse fenômeno hidráulico, o rio Tietê precisa de uma área lateral para poder absorver essa enchente. Essa área existe e situa-se a alguns metros abaixo das avenidas marginais”.

Existe ou existia? Professores da USP manifestaram, em meados do ano passado, “total repúdio” à chamada “Revitalização da Marginal do Rio Tietê”, obra encomendada pela dupla Serra/Kassab e empreendida por um cartel de concessionárias do sistema rodoviário. O argumento de fundo dos professores é que a construção de seis novas faixas (três de cada lado) na Marginal, com um custo de R$ 1,3 bilhão, agride frontalmente o princípio da prioridade do transporte coletivo sobre o individual, consagrado no Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo.

É normal que Kassab, ex-estafeta do malufismo e membro de um partido que só ousa se chamar DEMocratas porque não tem senso do ridículo, obedeça na prática ao princípio oposto: prioridade para o transporte individual em detrimento do coletivo. Mas no assunto da Marginal ele é mero coadjuvante. Serra é quem decide. É ele pois o principal responsável pela nova escalada de impermeabilização do solo metropolitano.

Evidentemente não lhe faltam áulicos e outras serviçais para defender esse atentado à segurança e à saúde dos moradores de São Paulo. Sob o título trivial “Melhorando o Trânsito, Trabalhando por Você”, o Portal do Governo do Estado de São Paulo publicou, em formato de catecismo, uma série de perguntas e respostas cuja leitura me fez voltar a um já bem distante passado. Numa dessas revistas, provavelmente O Cruzeiro, que líamos esperando a vez de cortar o cabelo na fila da barbearia (naquele tempo de machismo pré-crítico, cabelereiro era para mulheres; os do sexo masculino, mesmo imberbes, iam ao barbeiro) havia uma coluna humorística chamada Ministério das Perguntas Cretinas. O pessoal do Portal do Serra reativou a idé ia (mas fingindo estar falando sério) e acrescentou um seção de respostas ainda mais cretinas. As perguntas são muitas Reproduzimos aqui apenas as que dizem respeito ao estrago ecológico que aqui nos preocupa.

“Qual vai ser a economia de combustível depois que a nova marginal estiver pronta?”. “Estima-se que com a redução do tempo médio de cada viagem possa se chegar a uma economia de consumo da ordem de 1,5 milhão de litros de combustível/ano”. Esse número é imaginário, não no sentido matemático, mas no sentido fantasioso do termo. Mas enfim, está bem no estilo do Serra, aquele que quando candidato a prefeito prometeu que não se candidataria a governador e quando lhe cobraram a promessa violada, respondeu com sua característica caradura: “Aquela era a verdade daquele momento”.

“A melhora no trânsito vai diminuir a poluição?” “Vai. Com a redução do tempo médio de viagem, e a redução do consumo, haverá uma redução de emissão de poluentes”. Não terá passado pela cabeça dos pensadores do PmDEMb que se de fato a velocidade média aumentar, será por pouco tempo, porque os muitos motoristas que fogem dos congestionamentos da Marginal tenderão a dela se servir. Reencontramos aqui a quintessência do urbanismo malufista: obras dispendiosas que aliviam o trânsito, até que tudo entupa de novo. O limiar da saturação já foi atingido há muito tempo e só o rodízio, uma limitação administrativa ao uso do transporte individual estimulado pela própria administração, impede a paralização completa. Não há solução de fundo, além de investir pesadamente nos transportes coletivos, principalmente sobre trilhos.

Duas perguntas do Portal do Governo do Estado são extremamente atuais, muito mais, sem dúvida, do que o governador gostaria; as respostas estão à altura, mesmo porque são os mesmos que perguntam e respondem. se não fossem as trágicas conseqüências envolvidas: “A obra aumenta o risco de enchentes?” “Não, não há risco maior de enchentes por causa da construção das novas pistas”. “A Nova Marginal vai tornar o solo mais impermeável?” “A impermeabilização de terreno com a construção das novas pistas atingirá uma área total de 19 hectares, equivalente a cerca de 30 campos de futebol”. Essa segunda resposta, em especial, tem lugar garantido em qualquer antologia internacional da desfaçatez. 
O solo de São Paulo já está devastadoramente impermeabilizado. Serra mandou explicar que só iria sufocar mais uns trinta campos de futebol na Marginal, a qual, como indica o nome, está na margem do rio. Alguns meses depois, diante de bairros inteiros inundados, ele só poderia explicar que aquela resposta era a verdade daquele momento. Só que os momentos seguintes foram catastróficos. Em setembro 2009, com metade da chuva da última inundação, ocorrida quatro anos a antes, o Tietê transbordou. Transbordou de novo em 8 de dezembro. Os moradores de vários bairros populares, por exemplo Jardim Romano, na Zona Leste, ficaram com água pelas canelas pelo menos duas semanas.

A chuva obedece a fatores meteorológicos. Cai sobre as plantações e as hortas, irrigando-as, ou sobre as cidades impermeabilizadas, inundando-as. A chuva não sabe o que faz. Prefeitos e governadores deveriam saber.

* Professor universitário, pesquisador do marxismo e analista político.
Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna

Serra, Kassab e o mar de lama

João Quartim de Moraes *

Começo esta por onde terminei a anterior. A chuva, que continua implacável, cai sobre as plantações e as hortas, irrigando-as (um pouco demais), ou sobre as cidades impermeabilizadas, inundando-as. A chuva não sabe o que faz. Prefeitos e governadores deveriam saber.

No início de janeiro, Kassab teve de comparecer ao Jardim Romano, na Zona Leste. Estava ficando indecente demais que o prefeito não visitasse um dos bairros populares mais duramente afetados, e há mais tempo, pelas enchentes. Uma reportagem de O Estado de São Paulo (9/1/10), jornal insuspeito de extremismos de esquerda, que relatou a visita, conta que Raquel Santos, profissão babá, ao dar de frente com o prefeito e seus guarda-costas numa esquina enlameada desabafou aos gritos: “O senhor não põe o pé na lama? Eu quero que o senhor ponha o pé na lama. A gente perdeu tudo, ontem minha casa encheu de água com sete crianças dentro. [...] Se quiser uma bota para entrar na lama eu empresto!”. Mas não foi preciso. Kassab saiu de fininho. Chamou a babá Raquel para conversar perto do carro. “Ele veio me amansando, disse que eu estava alterada e fugiu naquele carrão preto”.

Em outros bairros alagados, por exemplo na Vila Regente Feijó, onde manifestantes revoltados botaram fogo em pneus, fechando a avenida Sapopemba, o prefeito julgou mais prudente enviar em seu lugar a Polícia Militar.


Mas não é só a gestão Kassab que está fazendo água. Serra é pelo menos tão responsável pelas enchentes quanto seu parceiro malufista. O estado calamitoso das vias públicas, a sujeira acumulada no bueiros são da alçada do prefeito, mas a impermeabilização da Marginal do Tietê é um presente envenenado do governador. 

A esse respeito o sr. Antonio Carlos Mendes Thame, que “foi Secretário Estadual de Recursos Hídricos nos Governos Covas e Alckmin, Prefeito de Piracicaba e é Deputado Federal (PSDB/SP)”, teve a bondade de me incluir em sua lista internética, mandando um texto que no início achei sarcástico e brincalhão. Parecia um daqueles deboches contra a candidatura presidencial de Serra suscitados pela situação de semi-afogamento em que se encontra a megalópolis paulistana. Por exemplo, o que diz: vote em Serra, porque se ele for eleito vai transpor a enchente paulistana para o semi-árido nordestino. Mas não, o deputado Mendes Thame parece estar falando sério: “São Paulo antecipou-se nas obras de contenção de enchentes, porém o aquecimento global tende a dobrar o volume de chuvas, exigindo dos governos estadual, federal e prefeituras das áreas atingidas a adoção de planos arrojados de prevenção e combate às cheias. É a única de forma de evitar que as enchentes, que assolaram regiões do Sul do País no ano passado, e agora chegaram a São Paulo, continuem a trazer tamanhos prejuízos, colocando em risco a vida das pessoas”.


O principal culpado, segundo o insigne parlamentar, é o aquecimento global, que teria perfidamente burlado os “planos arrojados de prevenção e combate às cheias”. Mas o Plano de Covas (é a ele que se refere o deputado) não é tão arrojado assim. Em termos de engenharia é trivial. O aprofundamento da Calha do Tietê era de fato indispensável. Foi uma iniciativa correta. Incorreto foi superestimar seus efeitos, não levar até o fim o tratamento dos esgotos despejados no Alto Tietê e em seus afluentes e esquecer de combinar com as chuvas para que elas “se mantivessem suas médias históricas” (sic).


Diz ainda o deputado Thame que segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Brasil) e a Universidade de Reading (Reino Unido), “o aumento de temperatura na América do Sul tende a produzir, gradativamente, mais 16 dias/ano de chuva intensa (mais de 10mm) no sudeste do continente, englobando o Brasil”. E acrescenta: “Devido a essa previsão, altamente preocupante, o INPE trabalha na elaboração de projeções que permitam aos órgãos públicos replanejar a infra-estrutura de combate às enchentes”. 


É aí que a porca torce o rabo, como se dizia outrora. Por que o deputado, membro proeminente de seu Partido, não contou isso para o governador? Quem sabe em vez de impermeabilizar a Marginal para facilitar a vida dos automobilistas, ele teria mandado construir mais parques e posto mais transportes coletivos a serviço do povo.

* Professor universitário, pesquisador do marxismo e analista político.
Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna

segunda-feira, 29 de março de 2010

De verdades e da História

Eduardo Bomfim *
   
Muito se tem falado e escrito sobre grande parte da mídia hegemônica de abrangência nacional. A maioria das opiniões não são nada positivas, pelo contrário, há uma generalizada queixa sobre a parcialidade da “imparcialidade” das informações veiculadas rotineiramente, sistematicamente.


Sob a proteção de uma inquestionável e absoluta liberdade de expressão e informação, o que comumente tem sido divulgado, em geral e com honrosas exceções, é a superficialidade dos fenômenos, sejam eles de caráter político, científico, histórico ou relativos ao cotidiano das pessoas ou das cidades.

Há uma nítida sensação que essa dita mídia hegemônica nacional, que determina a pauta informativa dos brasileiros, transformou-se em uma máquina de moer informações aleatórias e de preferência os assuntos secundários quando não bizarros.

Talvez por total ignorância de muitos não seja possível compreender a importância em se divulgar a imagem de uma árvore que desabou sob forte chuva em uma rua de uma cidade qualquer em algum lugar do País.

Em contrapartida nada ou pouco se sabe sobre a realidade dessa mesma cidade. A sua condição econômica, as esperanças da sua população, as suas queixas e as suas expectativas como cidadãos brasileiros.

Vários dos âncoras das mais prestigiadas emissoras de televisão de abrangência nacional visitam-nos quase que diariamente, quando não todos os dias, com os seus semblantes lúgubres, atolados em tragédias e notícias escatológicas como se fossem essas as preocupações e as essencialidades dos brasileiros e da humanidade.

Tudo isso me faz lembrar um episódio acontecido há vários anos quando, ao lado do ilustre professor Florestan Fernandes, de saudosa memória, visitávamos com um guia, as ruas de Madri.

Ao fim do périplo, o grande cientista político reclamou do guia porque ele havia nos mostrado lugares cuja referência dizia respeito só e unicamente ao período fascista, do governo de Franco, de trágica lembrança.

Então o referido guia respondeu-nos secamente e de maneira abusada: há gosto para tudo senhores. No que Florestan Fernandes retrucou imediatamente: não meu senhor, não se trata de gosto, mas de respeito à História e à verdade.

De certa maneira a nossa atual mídia hegemônica nacional tem agido assim. Empanturra-nos de fatos, menos da verdade e da História.
* Advogado, Secretário de Cultura de Maceió - AL
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Os rumos da pós-graduação no Brasil

Luciano Rezende *

Em um período recente, tempos em que as leis de mercado prevaleciam hegemônicas sobre qualquer tentativa de fortalecimento do Estado Nacional, o governo brasileiro se omitiu de apontar os rumos de várias políticas públicas estratégicas e outros assuntos de interesse do país. Vivíamos a lógica de que o deus-mercado regularia tudo, inclusive a demanda por profissionais egressos da pós-graduação brasileira. Ledo engano.

Esse paradigma custou caro ao país e, mesmo que parcialmente, demorou a ser desconstituído. Hoje, a realização das conferências nacionais temáticas, dentre elas a de C&T, resultam em documentos e resoluções elaborados de forma democrática que sinalizam os caminhos da política científica e tecnológica a ser seguido pelo país. Outra importante ação nesse sentido foi a retomada do Plano Nacional de Pós-graduação (PNPG), reivindicado pelo Movimento Nacional de Pós-graduandos, através da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG).

O PNPG, elaborado pela Capes, é um dos grandes responsáveis pela institucionalização da pós-graduação e deveria ser submetido à aprovação do Congresso Nacional a cada quatro anos. Entretanto, durante o Governo Fernando Henrique Cardoso, o MEC, sem o menor interesse em comprometer-se com a expansão do sistema público de pós-graduação, decidiu abandonar a elaboração e aprovação do IV PNPG, que já vinha sendo postergado há uma década. A partir da constatação de que a pós-graduação brasileira já estaria “madura” e acabada, o MEC havia decidido substituir o Plano por um conjunto genérico de diretrizes – sem quaisquer indicações de mecanismos, meios, metas e prazos para suas consecuções.

Já no governo Lula, a Capes, através da Portaria nº 46 de 19 de maio de 2004, instituiu a Comissão responsável pela retomada do PNPG relativo ao período 2005-2010. Nela, pela primeira vez, se deu a participação dos pós-graduandos, além de representantes de outros setores da comunidade acadêmica e científica como a SBPC. O resultado foi um conjunto de políticas e metas progressistas, sintonizadas com as necessidades dos pós-graduandos – a exemplo da que recomenda a reposição gradual do valor das bolsas, defasada em dez anos, corrigindo seu valor em 50% entre 2005 e 2010 (10% ao ano), ou a que propôs a isonomia entre os montantes das taxas de bancada da Capes e do CNPq (embora até hoje não tenha sido efetivada).

De fato, muita coisa precisa avançar. A pós-graduação brasileira apresenta muitos problemas e limitações que necessitam ser superados. Ainda é grande a falta de democracia interna na pós-graduação onde muitos estudantes sofrem com o assédio-moral de vários orientadores que concentram enorme poder de decisão, em departamentos cada vez mais separados da universidade e que impõem suas próprias leis de distribuição de bolsas e seleção de candidatos. É fundamental continuar o debate sobre a pós-graduação para continuar avançando em sua melhoria.

Por isso mesmo é confortável saber que o atual governo mantém seu compromisso de privilegiar fóruns que são capazes de envolver todos os agentes que constituem a pós-graduação para debater suas limitações e encontrar soluções.

O V PNPG, ou PNPG (2010 – 2020), apesar de englobar um período demasiado longo, merece ser saudado, ainda mais por manter seu caráter democrático e contemplar a participação dos pós-graduandos, ainda que em proporção não condizente com a sua importância na produção científica nacional. Todavia, serão muitos os desafios que deverão ser tratados pela comissão recentemente instituída. Dentre eles temas sensíveis à vida dos pós-graduandos, como a continuidade da valorização permanente das bolsas, a democratização na tomada de decisão interna dos departamentos e programas, a universalização da taxa de bancada, a definição de outros critérios de avaliação da pós-graduação capaz de superar a visão meramente quantitativa de publicação de artigos, entre outros assuntos.

Por sua vez, o Movimento Nacional de Pós-graduandos, instituído em suas dezenas de Associações de Pós-graduandos (APGs) espalhadas pelo Brasil, deve pautar a elaboração do PNPG (2010 – 2020) como máxima prioridade. As propostas dos pós-graduandos nesse Plano devem contar com a sabedoria coletiva através de consultas, pesquisas e seminários no meio estudantil. O que pensa o pós-graduando brasileiro e quais suas principais aflições. Esse sentimento precisa ser registrado pela entidade máxima representativa dos pós-graduandos, como fez no PNPG passado, para que seja contemplado na íntegra nesse novo documento.

Esses são os principais desafios que não podemos deixar passar em branco, com o risco de esperar mais dez longos anos. Um tempo extenso demais, como foram os malfadados anos dos governos Collor e Fernando Henrique Cardoso. Mais que nunca é preciso superar esse atraso.

O Congresso da ANPG (marcado para os dias 15, 16, 17 e 18 de abril, na UFRJ) vem em boa hora e saberá dar uma justa resposta aos anseios dos milhares de pós-graduandos brasileiros.

* Engenheiro agrônomo, mestre em Entomologia e doutorando em Genética. Da direção estadual do PCdoB - MG
Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna

A quem interessa uma UNE porra-louca?

Vejam essa manchete do Jornal do Commercio (do Recife): ‘O “protesto chapa-branca” da UNE’. Em boa técnica jornalística, “protesto” e “chapa-branca” aí estão como convite ao leitor, pelo contraditório, a formar antecipadamente um juízo de valor depreciativo sobre a União Nacional dos Estudantes e o evento ocorrido na tarde da última terça-feira na capital pernambucana. 

 

Na verdade, a passeata de cerca de dois mil estudantes, sob a liderança da UNE e também da UEP (União dos Estudantes de Pernambuco), UBES e UMES (União Metropolitana de Estudantes Secundaristas) teve motivos nobres: a reivindicação de que 50% dos recursos advindos da exploração do petróleo e do gás da camada do pré-sal sejam destinados à educação pública universal e de qualidade; e a exaltação de uma grande conquista recém-obtida, a gratuidade do ensino na Universidade de Pernambuco (UPE), ato do governador Eduardo Campos.


A luta pela gratuidade na universidade estadual vem de longe, daí as homenagens prestadas, ao final da passeata, ao próprio governador e aos secretários de Estado Luciana Santos e Humberto Costa que, quando deputados, pelejaram por esse objetivo ao lado dos estudantes. Aliás, Humberto, Luciana e Eduardo também defendem a posição do movimento estudantil quanto ao uso dos recursos do pré-sal.


Nessas circunstâncias, pergunto: protestar contra o quê? Claro que não se trata de protesto, mas de uma luta que os estudantes travam em todo o país e da comemoração por uma vitória importante em âmbito local. Demais, mostra-se totalmente equivocada a assertiva – implícita na manchete e no corpo da matéria publicada pelo jornal pernambucano – de que ao movimento estudantil cabe tão somente protestar, sempre.

Ora, o país progride, muitos anseios populares têm sido alcançados sobretudo após a assunção de Lula à presidência da República. Os diversos segmentos do movimento social, o movimento estudantil entre eles, não deixam de reivindicar, pressionar, criticar e protestar quando assim consideram oportuno – como têm feito inúmeras vezes. Porém, por outro lado, exaltam suas próprias conquistas e não se eximem de reconhecer atitudes e decisões corretas de governantes aliados.


Ao contrário de se por o rótulo “chapa-branca”, importa reconhecer nessa conduta uma postura amadurecida, equilibrada e consequente. Do contrário caberia, aí sim, a pecha de “porra-louca” a um movimento que só soubesse dizer não, reclamar e atacar, sem jamais construir. O que certamente não corresponderia aos interesses fundamentais dos estudantes e do povo brasileiro.
Luciano Siqueira *
http://www.vermelho.org.br 



  

O caminho para a revolução brasileira passa pela cultura

Criador do principal programa do Ministério da Cultura – o Pontos de Cultura -, Célio Turino está se despedindo, em grande estilo, de seu cargo de secretário nacional da Cidadania Cultural. Ele deixa a pasta no dia 1, para candidatar-se a deputado federal em São Paulo. Até lá, participa da Teia 2010, em Fortaleza, evento no qual pode ver de perto o resultado de seu trabalho para a cultura e o povo que a produz.

Célio Turino: missão cumprida na popularização da cultura brasileira

 Célio TurinoNa Teia, é difícil conseguir alguns minutos a sós com Turino. Assediado, ele posa para fotos, recebe cumprimentos e presentinhos – mostras do que os grupos culturais estão produzindo com ajuda do MinC. No evento que reúne representantes de 2500 pontos de cultura e no qual as diversas expressões culturais do país se exibem, simultaneamente, é fácil perceber o motivo das reverências.

Em entrevista ao Vermelho, concedida no refúgio da escadaria do Centro Cultural Dragão do Mar, ele falou sobre a experiência à frente da secretaria e das transformações promovidas pelos pontos de cultura. “Mudamos paradigmas. Todas as políticas públicas têm foco na carência e na vulnerabilidade. Com o Ponto de Cultura, partimos do oposto, da potência, da capacidade que o povo tem de transformar sua realidade”, contou.

Turino, comunista desde os 16 anos, avalia que a identidade brasileira se fortalece justamente por meio da diversidade. Em ano eleitoral, ele defende uma “culturalização da política e uma politização da cultura”. E adverte: “não há como pensar num caminho para a revolução brasileira que não seja com a cultura”. Ele será substituído na secretaria pelo poeta e atual diretor do Programa Cultura Viva, TT Catalão. 
 
 Centro Cultural Dragão do Mar, em Fortaleza, onde acontece 
a Teia Cultural 2010

Vernelho: Você está deixando o MinC nos próximos dias. Como foi esta experiência?
Célio Turino: Foram cinco anos e dez meses de trabalho, um mergulho no Brasil. Fiz centenas de viagens, algumas de barco, como para chegar na terra indígena dos axaninca e encontrar um ponto de cultura, com estúdio multimídia e filme premiado em Nova York - feito por índios, falado na língua deles.

Subir morro, descer ladeira, ir a assentamentos rurais... Pude experimentar esse Brasil que se faz pelo povo. E o que percebo hoje é que, até como estratégia do povo brasileiro, por ter vivido numa terra ao mesmo tempo tão dadivosa e tão injusta, foi se formando uma rede de solidariedade popular, de criatividade e capacidade de iniciativa, e que floresce por baixo do tecido social. E quando jogamos foco nessas iniciativas, elas brotam com muita força.

Hoje são mais de 8 milhões de pessoas participando dos pontos de cultura, sendo 750 mil, em atividades regulares. Ou seja, é outro movimento social, outra forma de militância que vai aparecendo. É uma democracia com cara do povo, por isso alegre. E é isso que a gente vê aqui na Teia, que é uma mistura de reflexão, organização e encantamento com as apresentações.

Vermelho: Qual a grande inovação dos Pontos de Cultura?
Turino: Mudamos alguns paradigmas. O primeiro deles foi na política pública de forma geral, não só para a cultura. Todas as políticas públicas têm por foco a carência e a vulnerabilidade. Com o Ponto de Cultura, partimos do oposto, da potência. Não chegamos suprindo uma necessidade do povo, mas identificando a capacidade que o povo tem de agir e transformar sua realidade. Algumas pessoas diziam “Célio, você semeou estes pontos pelo Brasil”. Mas eu não semeei, eles estavam lá. Eu reguei.

Com essa mudança, vem outra, na relação entre Estado e sociedade. O Estado sempre trabalhou com o paradigma da concentração e da imposição. No ponto de cultura, no lugar do controle, trabalhamos com a confiança. Isso cria um Estado mais poroso, um povo que exercita mais seu empoderamento e pode trazer novos padrões de relacionamento entre Estado e sociedade, que extrapola a questão da cultura em si.

A gente exercitou Marx na prática. Colocamos os meios de produção nas mãos de quem produz. Isso se traduz com o estúdio multimídia, que permite que a narrativa seja executada na primeira voz. Mesmo as experiência socialistas do século XX não chegaram a esse grau de radicalidade democrática. Nos pontos de cultura é o índio na voz do índio.

Vermelho: E o que permitiu tamanha radicalidade?
Turino: O guarda chuva do Gilberto Gil permitiu que a gente fizesse isso. E eu diria que a elite dominante não percebeu esse processo, eu até não achei ruim que a imprensa, especialmente do Centro-Sul nem tenha se dado conta do que estava acontecendo, porque a gente pôde prosperar com esse grau de liberdade e radicalidade.

Vermelho: Qual o impacto dessas mudanças na questão da identidade brasileira?
Turino: Fica cada vez mais claro que a identidade do brasileiro se fortalece na diversidade, na troca, no intercâmbio - que não nega as identidade de cada um, mas vai adiante e cria outra coisa. O Mário de Andrade, em Macunaíma, falava do herói sem nenhum caráter, que muita gente interpretou errado. Nenhum caráter significava que o Brasil teria o seu caráter em formação.

E eu diria que o caráter do brasileiro está se definindo melhor e esse caráter é a convivência na diversidade, que nos faz fortes. O ponto de cultura, ao promover uma cartografia da cultura brasileira e feita pelo próprio povo, ele vai revelando isso. E ele transforma, na medida em que você se encontra e se relaciona com o outro. É uma dialética. Criamos um desenvolvimento por aproximação.

Vermelho: O trabalho dos pontos não tem espaço na mídia tradicional. Isso incomoda?
Turino: Hoje não nos afeta, porque em algum momento eles vão se surpreender e contar uma história sem conseguir entender o que levou o Brasil a essa mudança.

Vermelho: Estamos em ano eleitoral e está em discussão na Teia a consolidação dos programas do MinC como política de Estado. Há risco de descontinuidade?
Turino: Risco sempre há. Mas a gente tomou um conjunto de iniciativas, como as redes estaduais, que envolveram outra forma de compromisso prático, independente de partidos políticos. Mas é necessária, sim, a apresentação de leis e esse é o tema do Fórum de Pontos de Cultura, que vai até quarta (01).

Está se trabalhando em cima de duas leis. A Lei Griô, em fase de coleta de assinaturas, para os mestres da cultura oral, e a Lei Cultura Viva, da autonomia e do protagonismo popular. Para que a gente seja coerente com o conceito construtivista do programa, achamos que os projetos devem vir por iniciativa popular, mesmo que leve mais tempo.

Vermelho: Qual a importância dessa Teia, em final do governo, e acontecendo pela primeira vez em uma cidade nordestina?
Turino: É um esforço fazer aqui, pela questão dos custos e tudo mais. Mas esse é nosso papel. A Teia tem um componente simbólico grande. A primeira foi na Bienal de São Paulo, por uma decisão simbólica, porque aquele é o espaço da arte chamada de arte, do cânone da arte. Era preciso que a produção cultural da periferia entrasse naquele espaço.

Depois fomos para o Palácio das Artes, em Minas, sempre no sentido de que o povo entra pela porta da frente. Em 2008, foi na Explanada dos Ministérios e, agora, no Nordeste. Comparo a Teia com um movimento de guerrilha simbólica: os pontos, enquanto focos de áreas livres de pensamento; e a Teia é a incursão desses focos. Esse componente da cultura é muito forte. Digo até que não há como pensar num caminho para a revolução brasileira que não seja com a cultura.

Vermelho: Quais os avanços na política cultural da gestão Lula e o que ficou por fazer?
Turino: Cultura não tem fim. Mas houve uma mudança inconteste. O slogan do MinC, até 2002, era “cultura é um bom negócio”. Reduzia cultura a mercadoria. O orçamento era pequeno, 0,2%. Hoje, só com o Cultura Viva, investimos quase isso. A cultura ficava no eixo Leblon-Jardins. Era a mesma coisa do tempo do D. Pedro II.

Hoje é diferente. Há uma política de cultura, uma descentralização, o Estado se estruturou, trabalhamos mais no caminho do fundo público, há diálogo com a diversidade brasileira. E sem deixar de lado essa chamada cultura de mercado.

Vermelho: O que você sugere ao programa de governo do sucessor do presidente Lula?
Turino: Consolidar e avançar esse processo desencadeado na política cultural do governo Lula. Agora é momento de dar um passo adiante. Com essa base toda do pensamento da cultura brasileira, a gente começar a mudar a política, com a culturalização da política e a politização da cultura.

Vermelho: Você falou em avançar em relação ao que já foi feito, mas em que caminho? Qual a principal demanda agora?
Turino: Acho que avançar no entendimento de que quem faz cultura é a sociedade, as pessoas, não o Estado. É preciso aprofundar a radicalização democrática. E a gente vê que há mesmo uma relação da cultura com a política e isso vai ter que ser posto. O país está em uma encruzilhada e tem que se perguntar qual caminho quer assumir: transformamos tudo em mercadoria, em coisa, ou criamos uma plataforma a partir do bem comum.
Essa ideia do comum vai ser recolocada no século XXI, tanto que eu assumo com muito mais convicção a minha condição de comunista, a partir desse sentido. Eu me coloco à serviço da difusão dessas ideias e desse processo.

De Fortaleza,
Por Joana Rozowykwiat

 A demonização de Cuba: uma guerra política e cultural

Em política,a única vitória possível é cultural.O restante pode ser chamado de ocupação, asfixia, imposição...Os ideólogos da direita se lançaram de corpo e alma em uma guerra cultural contra Cuba

Por Enrique Ubieta Gómes *

O principal obstáculo do imperialismo para derrotar a Revolução Cubana não é militar nem econômico, mas sim moral. De alguma forma “inexplicável”, Cuba conserva o prestígio internacional e o consenso interno, apesar do desgaste de meio século sob os efeitos de um implacável bloqueio e de uma contínua campanha midiática, apesar da derrubada – há 20 anos – e do descrédito de um “campo socialista” do qual hoje se enumeram as manchas e se ignora a luz.

Os ideólogos da direita sabem que esse prestígio moral invalidaria qualquer vitória militar ou econômica sobre a ilha. Em política, a única vitória possível é cultural. O restante pode ser chamado de ocupação, asfixia, imposição; todas variações que postergam a vitória do suposto derrotado. Por isso, eles se lançaram de corpo e alma em uma guerra cultural que envolve tudo. Uma guerra que não busca nem pede verdades ou princípios: uma guerra para reverter convicções e sentimentos, que se apoia na força dos meios de comunicação. Ou por acaso a demonização da cultura árabe – povo que vive sobre grandes reservas de petróleo – não antecede e acompanha a guerra de extermínio que sofrem seus estados “desobedientes”? Lançar-se de corpo e alma significa que esses ideólogos devem repetir sem ruborizar e sem piscar, que Che Guevara, o guerrilheiro heróico, foi um assassino: que Batista, o assassino, foi na realidade um bom governante; que Cuba, a nação que mais vidas salvou no mundo – incluindo a de seus inimigos -, desfruta da morte.

O governo de Obama é um excelente porta-aviões para bombardeios ideológicos: um rosto negro, um perfil intelectual, um sorriso sedutor. Um enorme e moderno navio de guerra que assume ares de cruzeiro, que finge não atacar: para isso aí estão seus aviões e os pilotos que às vezes decolam à noite, enquanto o capitão dorme. O certo é que a onda de desrespeitos coletivos que Obama encontrou em seu pátio latino americano era tão colossal que a guerra não podia absolutamente ser resolvida unicamente pela via da força. Não digo que sem a força, mas que não só pela força. Era imprescindível um golpe de Estado pedagógico – e para isso escolheu-se o elo mais débil, Honduras -, mas um golpe que fosse acompanhado de justificativas (supostamente) legais, de trâmites burocráticos, de condenações públicas e de apertos de mãos privados.

Um novo conceito para legitimar culturalmente certos golpes de Estado: no futuro a democracia deixará de existir se a maioria do povo expressa eleitoralmente sua inconformidade com uma legislação que garanta os interesses imperialistas. E será legítimo o uso da força, a dos militares claro, não a do povo. Os líderes sindicais que “o governo de fato” – o que deu o golpe e que acaba de auto-eleger-se em estado de sítio – assassina todos os dias parecem não importar a ninguém. Mas os objetivos mais importantes da guerra cultural são dois: Cuba e Venezuela.

Foi talvez em Trinidad Y Tobago onde Obama compreendeu que o prestígio de Cuba era imenso. Ao término daquela Cúpula, na qual estreava seu sorriso, falou da “utilização” do internacionalismo médico da Revolução Cubana com supostos fins propagandísticos. Esse prestígio é algo que atormenta os ideólogos da direita, que sonham com a deserção de todos os médicos cubanos. El país, órgão da transnacional PRISA na Espanha, qualifica a esquerda que apóia Cuba de stalinista e nostálgica. Nossos pequenos ideólogos de Miami, México ou Barcelona, tratam de esclarecer, com pretensões acadêmicas, as razões dessa simpatia internacional e organizam cartas de condenação que levam de porta em porta. Usam todas as armas para dissuadir os solidários com essa experiência, incluindo aí a chantagem política e, se necessário, o fuzilamento midiático. A guerra é à morte. 

Os diplomatas dos EUA e de alguns países europeus servidores de sua política já não se escondem em Cuba; caminham sem pudor entre os dissidentes que constroem e financiam. Usurpam os símbolos da Revolução, da esquerda, e os preenchem de conteúdo contra-revolucionário; plagiam as Mães da Praça de Maio – aquelas que sempre desprezaram e combateram – para construir as Damas de Branco. São ingredientes para um bom coquetel: mulheres debilitadas e acompanhantes, roupa branca (além do símbolo da paz, em Cuba essa cor adquire outros significados religiosos, para nada católicos), gladíolos, missas católicas. O que importa é o enquadramento da câmera. Entre com a moldura, que eu faço a guerra, dizia Hearst em 1898; ou, em termos atuais, construa o set e filme a cena – ou dê uma “tweetada” se preferir – que eu escrevo o roteiro.

Demonizar Cuba. Fazer com que as crianças das escolas espanholas sintam pena das crianças cubanas, escolarizadas, saudáveis, como poucas na América Latina. Fazer com que os cidadãos honestos que só têm tempo para sobreviver em meio a uma crise econômica que ameaça sua tranqüilidade primeiro-mundista, se compadeçam dos cubanos, mais pobres, é certo, e, no entanto, mais protegidos, e, apesar de tudo, mais livres como seres humanos. Que olhem para Cuba e se desinteressem pelo que ocorrem no Iraque, na Palestina ou na América Latina, ou na Espanha. Que convertam a ALBA – esse maravilhoso sistema de solidariedade entre povos – em um empório de obscuros interesses ideológicos. O difícil, porém, é que uma operação cultural de caráter midiático possa superar ou reverter a vivência de centenas de milhares de latinoamericanos, de africanos, asiáticos, norte-americanos e europeus, que já receberam a solidariedade cubana e venezuelana. O difícil é ocultar o sol com um dedo, principalmente quando esse dedo carrega o anel imperial.

(*) Enrique Ubieta Gómez é jornalista e escritor, seu artigo foi publicado pelo Rebelión e traduzido e reproduzido por Carta Maior