quarta-feira, 30 de junho de 2010

Faltam engenheiros, mas sobram caras de pau

Luciano Rezende *

"A educação é a base para o desenvolvimento. Com uma educação precária, o Brasil está se distanciando dos países do Primeiro Mundo. Como conseqüência, a economia começa a cobrar a conta em função dessa falta de estrutura".


Não há nada de errado na frase acima, com exceção da parte onde diz que estamos nos distanciando dos países do chamado primeiro mundo. Mas no geral, ela é correta. O problema é de onde ela partiu.

Em texto intitulado “Governo petista não preparou o País para o crescimento”, publicado no site do PSDB, o deputado tucano Luiz Carlos Hauly, do Paraná, teve a audácia de criticar o governo Lula pelo fato de que "só 15% dos jovens estão na universidade, o equivalente a um milhão de alunos, quando deveriam ter, no mínimo, 50% dos jovens nas universidades. Fora isso, o ensino médio não oferece cursos profissionalizantes para todos os alunos". Na visão do deputado, Lula é o responsável pelas deformidades do sistema educacional brasileiro, incapaz de formar engenheiros de qualidade para suprir a atual demanda ocasionada pelo crescimento econômico que o mesmo governo (Lula) promove.

A crítica parte justamente de um deputado filiado ao Partido (PSDB) que mais massacrou a educação brasileira. Aproveitou-se de artigo da Folha de São Paulo onde há o alerta que o “País perde US$ 15 bi com má formação de engenheiro” para alfinetar Lula. Mas essa má formação tem um histórico. O desmonte das universidades e escolas técnicas foi patrocinado pelo Governo Fernando Henrique Cardoso e, apesar da grande mobilização da sociedade, não foi possível interromper as políticas neoliberais que vetaram a contratação de novos professores e servidores por oito anos, diminuíram o acesso em vários cursos, sucatearam as estruturas físicas e laboratórios, desmotivaram professores e servidores, congelaram salários e bolsas e outros crimes mais.

O Brasil se tornou, a partir do governo do PSDB, o país com o maior índice de privatização da educação na América Latina e um dos cinco em todo o mundo, se considerados o número de instituições e o percentual de matrículas. Em 1994, 22,5% das instituições de ensino superior eram públicas e 77,5% eram privadas. Em 2002, apenas 11,9% eram públicas e 88,1% privadas. Um crescimento de 118% das instituições privadas enquanto o número de instituições públicas permaneceu o mesmo.

O deputado demonstra ter uma memória fraquíssima. Pensa (ou quer fazer pensar) que é possível saltar de 15% para 50% de jovens na universidade em sete anos. É de se perguntar quanto saltou esse percentual durante os oito anos de governo FHC.

Por isso mesmo é bom comparar. Ou o deputado Hauly também é uma daqueles de que na propaganda eleitoral acha melhor olhar pra frente e esquecer (ou esconder) o passado?

De fato, a carência de engenheiros em nosso país é fato preocupante. Mais que isso, engenheiros devidamente qualificados.

Mas a herança maldita deixada por FHC só vai ser superada em médio e longo prazo. Não se gradua um engenheiro com sólida formação da noite para o dia. Esses profissionais precisam ter uma preparação adequada que comece no ensino fundamental (o mesmo nível de educação em que os governadores - do partido do deputado Hauly - foram contrários a implantação do Piso Nacional para os professores nos seus estados), diferentemente do que propôs os governos tucanos em São Paulo, por exemplo, com o regime de “aprovação automática”, para reduzir custos com o ensino e com isso formar estudantes analfabetos funcionais.

Um partido que enquanto esteve na presidência da república não criou nenhuma universidade pública ou escola técnica em oito anos, não tem moral para vir agora cobrar a formação de engenheiros qualificados. Em contrapartida, Lula e Dilma inauguraram dez novas universidades e 214 escolas técnicas, mesmo assim, muito aquém do que a economia atual, inaugurada por Lula e Dilma, necessita.

No governo passado, nem se tinha engenheiros, nem se tinha empregos. Esse era o dilema. Mas parece que disso o deputado paranaense não se lembra. Ou será isso tudo mais uma invenção da “gente que mente”? O povo saberá quem está com a razão no dia 3 de outubro.

P.S.: Um breve depoimento pessoal: como engenheiro de formação, graduado em uma universidade pública federal em plena era FHC, aproveitei só agora os concursos públicos abertos no governo Lula para ser professor federal. Na época em que me formei (1999) o desemprego era assustador e não houve nenhum concurso público durante todo esse período. Quem não se lembra disso? Meus colegas que antes eram oposição a Lula são hoje anti-PSDB declarados, assim como quase todos os reitores, diretores de escolas e a ampla maioria dos professores que puderam comparar e sentir na carne os dois governos.

* Engenheiro agrônomo, mestre em Entomologia e doutorando em Genética. Da direção estadual do PCdoB - MG

Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna

Aldo Rebelo: a comida vai cair do céu

Sob o autoexplicativo título Farms Here, Forests There (Fazendas Aqui, Florestas Lá), foi publicado nos Estados Unidos, em maio, estudo patrocinado pela National Farmers Union (Associação Nacional de Fazendeiros) e pela organização não-governamental Avoided Deforestation Partners (Parceiros contra o Desmatamento, em tradução livre). 


Por Aldo Rebelo, no O Estado de S.Paulo

A autora principal do relatório é Shari Friedman, ex-funcionária do governo Clinton, quando trabalhou na Environmental Protection Agency (EPA, a Agência de Proteção Ambiental), analisando políticas domésticas de mudanças climáticas e competitividade internacional. Ela também fez parte da equipe norte-americana de negociações para o Protocolo de Kyoto, que os Estados Unidos se negaram a assinar.


O tema do relatório é a perda de competitividade da agroindústria norte-americana diante dos países tropicais, principalmente o Brasil. A tese principal do estudo é que a única forma de conter essa perda de competitividade é reduzir o aumento da oferta mundial de produtos agropecuários, restringindo a expansão da área agrícola nos países tropicais pela promoção de políticas ambientais internacionais mais duras.

Segundo o relatório, "a destruição das florestas tropicais pela produção de madeira, produtos agrícolas e gado tem levado a uma dramática expansão da produção de commodities que competem diretamente com a produção americana". Desse modo, "a agricultura e as indústrias de produtos florestais dos Estados Unidos podem beneficiar-se financeiramente da conservação das florestas tropicais por meio de políticas climáticas".

O estudo avalia que "acabar com o desmatamento por meio de incentivos nos Estados Unidos e da ação internacional sobre o clima pode aumentar a renda agrícola americana de US$ 190 bilhões para US$ 270 bilhões entre 2012 e 2030". Esse aumento incluiria benefícios diretos de US$ 141 bilhões, decorrentes do aumento da produção de soja, carne, madeira e substitutos de óleo de palma, e economias indiretas de US$ 49 bilhões, em razão do menor custo da energia e de fertilizantes, pela redução das medidas compensatórias associadas à diminuição das florestas tropicais, ou seja, na medida em que os países tropicais poluírem e desmatarem menos, eles poderiam poluir e desmatar mais, sem ter de pagar por isso comprando créditos de carbono e outras medidas mitigadoras.

A candura com que eles tratam do tema é comovedora. O estudo revela que na cabeça deles não passamos mesmo de um fundo de quintal que precisa ser preservado para que eles possam destruir o resto do mundo com a consciência tranquila e, principalmente, com o bolso cheio.

Já vai longe — e sem saudades — o tempo em que a sociedade brasileira se curvava, sem questionamentos e sem esperneio, à tutela dos países ditos do Primeiro Mundo. Hoje é inadmissível pensar que países livres tenham de se submeter às manipulações econômicas de outras nações.

O aspecto trágico dessa proposta é a completa ausência de responsabilidade social dos agricultores norte-americanos, que veem a agricultura apenas como uma forma de aumentar sua própria fortuna, e não como a solução para a questão da fome no mundo. Ao produzir mais alimentos — e, com isso, mantendo seus preços mais acessíveis aos países pobres —, o Brasil ajuda a evitar que essa epidemia terrível se espalhe ainda mais no planeta.

Houve ainda uma época em que a divisão internacional do trabalho imposta pelos países ricos reservava para eles a produção de bens manufaturados e aos países pobres, o fornecimento de bens agrícolas e matérias-primas. Hoje se vai estabelecendo uma nova divisão: os Estados Unidos e a Europa transformaram-se em economias de serviço e grandes produtores e exportadores agrícolas, enquanto a produção industrial se deslocou para a Ásia.

Nesse novo esquema, países como o Brasil deveriam, na opinião deles, cumprir um novo papel: tornar-se uma espécie de "área de preservação permanente global". Com isso se resolveriam dois problemas: o comercial, pois sua produção agrícola ineficiente se viabilizaria pela redução da oferta e pelo aumento dos preços internacionais; e o ambiental, porque garantiríamos a compensação necessária para que eles continuem a manter seu atual padrão de consumo, que exige a exploração dos recursos naturais globais acima da capacidade que a natureza tem de repô-los.

Tudo isso funcionaria muito bem, não fosse o fato de sermos um país de mais de 190 milhões de habitantes, que precisam satisfazer as mesmas necessidades básicas que os americanos e europeus e têm as mesmas aspirações de progresso material e espiritual, cada vez mais parecidas e universais no mundo globalizado. Sim, nós também temos direito à felicidade nos mesmos moldes dos europeus ocidentais e dos norte-americanos!

Faz sentido, portanto, a defesa "desinteressada" que eles fazem dos chamados "povos da floresta". Além de sua expressão quantitativa reduzida, esses brasileiros têm um padrão de consumo que não compete com eles no uso dos recursos naturais e torna perfeitamente viável o esquema de "fazendas lá e florestas aqui".

Só não dizem o que fazer com os 190 milhões de nossa população que não vivem nas florestas e precisam produzir comida e outros bens para ter um padrão de vida digno. Para estes eles têm a solução que já aplicam na África, depois de arruinarem a produção local de algodão, milho, tomate e outros alimentos, com os subsídios milionários que dão aos seus próprios fazendeiros: a chamada "ajuda humanitária".

A continuar nesse ritmo, em vez de comprar comida nos supermercados, vamos acabar tendo de esperá-la cair do céu em fardos atirados pela Força Aérea Americana ou distribuídos pela Cruz Vermelha e pelo Greenpeace.

* Aldo Rebelo é deputado federal (PCdoB-SP), relator do Código Florestal, presidiu a Câmara dos Deputados e foi Ministro de Relações Institucionais no governo Lula

Fonte: http://www.vermelho.org.br/noticia

Paul Krugman: quem vai pagar a conta da terceira depressão?

Em artigo reproduzido nesta terça (29) pelo jornal O Estado de São Paul, o economista estadunidense Paul Krugman manifesta o receio de que o mundo já ingressou “nos estágios iniciais de uma terceira depressão” em função do arrocho fiscal que a Europa, agora com apoio do G20, está adotando em resposta à crise.

Krugman lembra a Grande Depressão, que veio no rastro do crahs da Bolsa de Nova York em 1929, para enfatizar que o triunfo das teses conservadoras terá um preço alto e quem vai pagar o pato são “dezenas de milhões de trabalhadores desempregados, muitos deles sujeitos a ficar sem emprego por anos e outros que nunca mais voltarão a trabalhar”.

Leia abaixo a íntegra do artigo:

A terceira depressão

Recessões são comuns; depressões são raras. Pelo que sei, houve apenas duas eras na história econômica qualificadas como “depressões” na ocasião: os anos de deflação e instabilidade que acompanharam o Pânico de 1873, e os anos de desemprego em massa, após a crise financeira de 1929-31.

Nem a Longa Depressão do século 19, nem a Grande Depressão, no século 20, registraram um declínio contínuo. Pelo contrário, ambas tiveram períodos em que a economia cresceu. Mas esses períodos de melhora jamais foram suficientes para desfazer os danos provocados pela depressão inicial e foram seguidos de recaídas.

Receio que estamos nos estágios iniciais de uma terceira depressão. Que provavelmente vai se assemelhar mais à Longa Depressão do que a uma Grande Depressão mais severa. Mas o custo – para a economia mundial e, sobretudo, para os milhões de pessoas arruinadas pela falta de emprego – será imenso.

E esta terceira depressão tem a ver, principalmente, com o fracasso político. Em todo o mundo – e, mais recentemente, no profundamente desanimador encontro do G-20, no fim de semana -, os governos se mostram obcecados com a inflação quando a verdadeira ameaça é a deflação, e insistem na necessidade de apertar o cinto, quando o problema de fato são os gastos inadequados.

Em 2008 e 2009, parecia que tínhamos aprendido com a história. Ao contrário dos seus predecessores, que elevavam as taxas de juros para enfrentar uma crise financeira, os atuais líderes do Federal Reserve e do BCE (Banco Central Europeu) cortaram os juros e partiram em apoio aos mercados de crédito. Ao contrário dos governos do passado, que tentaram equilibrar os orçamentos para fazer frente a uma economia em forte declínio, os governos hoje deixam os déficits aumentarem. E melhores políticas ajudaram o mundo a evitar o colapso total: podemos dizer que a recessão provocada pela crise financeira acabou no verão (no hemisfério norte) passado.

Mas os futuros historiadores irão nos dizer que esse não foi o fim da terceira depressão, da mesma maneira que a retomada econômica em 1933 não foi o fim da Grande Depressão. Afinal, o desemprego – especialmente o desemprego a longo prazo – continua em níveis que seriam considerados catastróficos há alguns anos e não dão sinal de queda. E tanto Estados Unidos como Europa estão próximos de cair na mesma armadilha deflacionária que atingiu o Japão.
Diante desse quadro sombrio, você poderia esperar que os legisladores tivessem entendido que não fizeram o suficiente para promover a recuperação. Mas não. Nos últimos meses observamos o ressurgimento da ortodoxia do equilíbrio orçamentário e da moeda forte.

O ressurgimento dessas teses antiquadas é mais evidente na Europa, onde as autoridades parecem estar usando os discursos de Herbert Hoover para fundamentar sua retórica, incluindo a afirmação de que elevar impostos e cortar gastos vai expandir a economia, melhorando a confiança nos negócios. Mas, em termos práticos, os EUA não estão agindo muito melhor. O Fed parece consciente dos riscos de uma deflação – mas o que propõe fazer com relação a esses riscos é, bem, nada.

O governo Obama entende os perigos de uma austeridade fiscal prematura – mas como os republicanos e democratas conservadores do Congresso não aprovam uma ajuda adicional aos governos estaduais, essa austeridade se impõe de qualquer maneira, com os cortes no orçamento estaduais e municipais.

Por que essa virada equivocada da política? Os radicais com frequência referem-se às dificuldades da Grécia e outros países na periferia da Europa para justificar seus atos. E é verdade que os investidores atacaram os governos com déficits incontroláveis. Mas não há nenhuma evidência de que uma austeridade a curto prazo, face a uma economia deprimida, vai tranquilizar os investidores. Pelo contrário: a Grécia concordou com a adoção de um plano severo de austeridade, mas viu seus riscos se ampliarem ainda mais; a Irlanda estabeleceu cortes brutais dos gastos públicos e foi tratada pelos mercados como um país com risco maior do que a Espanha, que até agora reluta em adotar medidas drásticas propugnadas pelos radicais.

É como se os mercados financeiros entendessem o que os legisladores aparentemente não compreendem: que, embora a responsabilidade fiscal a longo prazo seja importante, cortar gastos no meio de uma depressão vai aprofundar essa depressão e abrir caminho para a deflação, o que é contraproducente.

Portanto, não acho que as coisas tenham a ver de fato com a Grécia, ou com qualquer apreciação realista sobre o que priorizar, déficits ou empregos. Em vez disso, trata-se da vitória de teses conservadoras que não se baseiam numa análise racional e cujo principal dogma é que, nos tempos difíceis, é preciso impor o sofrimento para outras pessoas pra mostrar liderança.

E quem irá pagar o preço pelo triunfo dessas teses conservadoras? A resposta é: dezenas de milhões de trabalhadores desempregados, muitos deles sujeitos a ficar sem emprego por anos e outros que nunca mais voltarão a trabalhar.
Fonte: http://www.vermelho.org.br/noticia

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Aldo admite corrigir imprecisões para não facilitar desmatamento

A cada resposta, Aldo Rebelo reforça o mesmo argumento: o novo Código Florestal Brasileiro, pelo menos da forma como o deputado do PCdoB de São Paulo o concebeu, não implicará em novos desmatamentos. A concepção, porém, é diferente do resultado final presente no texto, concluído após ampla discussão. As novas regras, conforme o que está escrito no relatório de Aldo, podem ampliar o desmatamento, e o deputado já admite alterar o texto para corrigir "ambiguidades" e "distorções".

 

 Código Florestal Deputado federal há 20 anos, ex-ministro de Lula e ex-presidente da Câmara, Aldo Rebelo, 54, enfrenta a saraivada de críticas ao relatório – apontado como explicitamente favorável aos ruralistas – com uma alternância de serenidade e irritação. Explica pausadamente os pontos mais importantes, garante que analisa todas as sugestões de mudança e tenta conter o duelo raivoso entre ambientalistas e ruralistas. "As pessoas estão interpretando o relatório como interpretam Dom Casmurro, se Capitu traiu ou não traiu Bentinho, se vai ou não vai haver desmatamento."

 A seguir, confira íntegra da entrevista ao Correio Braziliense:

Correio Braziliense- O que ainda não ficou claro no relatório final, quais pontos o senhor enxerga contradições ou interpretações equivocadas?
Aldo Rebelo - A legislação florestal no Brasil foi profundamente alterada nos últimos anos. O código de 1965 só previa reserva legal numa proporção de 50% na Amazônia e 20% na Mata Atlântica. Não protegia savanas, a caatinga, o pantanal e os pampas. Com as alterações, passou a proteger os demais biomas e ampliou de 50% para 80% a reserva na Amazônia. Por outro lado, a proteção de mata ciliar começava com 5 metros e terminava com 100 metros. Houve alteração para uma proteção mínima de 30 metros e uma proteção máxima de 500 metros. As áreas de preservação permanente, a partir de uma resolução do Conama de 2002, deixaram na ilegalidade 75% da produção de arroz no país, a criação de gado no pantanal, de maçã e uva no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, e de café em São Paulo, no Espírito Santo e em Minas Gerais. A obrigação da averbação de reserva legal na pequenas propriedades praticamente inviabilizou essas propriedades, causando êxodo rural e transferindo um problema social e ambiental do campo para a cidade. Por todas essas razões é que a legislação ambiental precisa de adaptação, para proteger o meio ambiente e também impedir o êxodo rural e a concentração da terra.

CB - O senhor constatou que realmente a necessidade de se manter áreas preservadas está por trás da expulsão dessas pessoas para as cidades?
AR - O jovem não quer mais permanecer na roça, porque a renda é muito baixa e o acesso à educação, à saúde, à cultura e à vida social é mais difícil do que na cidade. Além disso, como a legislação ambiental impõe a recomposição da área de vegetação nativa nas pequenas propriedades, a um custo que o produtor não tem condição de pagar – a recomposição de um hectare varia de 10 a 15 mil reais –, o proprietário prefere sair da área, vendê-la, trocar por um carro usado, por uma casa na periferia das cidades. Eu vi isso em todos os estados que visitei. Muitos assentados estão sem crédito porque não conseguem averbar a reserva legal. Noventa por cento das propriedades agrícolas no Brasil são familiares, é uma agricultura ainda quase pré-capitalista, semi-capitalista, sem uma renda elevada. Não é aquele agricultor que tem 200 mil hectares de soja, ou 200 cabeças de gado, e que nem mora no campo. Este é um investidor rural, que mora na cidade, é um empresário que tem terras.

CB - Quais pontos considera cruciais no relatório? O texto foi muito atacado porque, segundo os críticos, não traz o equilíbrio entre preservação ambiental e produção agropecuária.
AR - Primeiro é preciso destacar que algumas organizações não-governamentais atacaram o relatório, mas muitas entidades defenderam, como a Contag e a Força Sindical. O que é mais importante no relatório, e que a legislação atual não assegura, é uma moratória de cinco anos com qualquer tipo de desmatamento no país. Enquanto os estados não realizarem zoneamento ecológico e econômico, nós não vamos permitir a abertura de nenhuma nova área para a agricultura e para a pecuária. A legislação não protege o que resta de vegetação nativa, o que não é pouco: representa mais de 70% do território brasileiro. O compromisso de proteger esse patrimônio é um ganho muito importante do relatório. Por outro lado, o relatório procura resolver passivos, as áreas que já foram ocupadas, cuja recomposição é quase impossível. Alguns estados não têm estoque para recomposição, como é o caso de São Paulo, Rio Grande do Sul e dos estados do Nordeste.

CB - Esse é um ponto controverso, pois o relatório libera as propriedades de até quatro módulos de terem reserva legal, o que permitiria o desmatamento. Não é isso que o texto diz?
AR - O produtor não precisa averbar a reserva legal, mas o mesmo projeto proíbe o desmatamento, o que vale para o pequeno e para o grande proprietário.

CB - Mas isso somente no período da moratória?
AR - Não somente nesse período. Eu disse ao Ministério do Meio Ambiente que, se houver qualquer dúvida quanto a isso, que façam uma emenda e eu acolho. Nem o pequeno nem o grande estarão autorizados a se desfazer de nenhuma área de vegetação nativa.

CB - O senhor concorda que ficou uma dúvida em relação a isso? Esse é um ponto passível de mudança, para que fique mais claro na legislação?
O que deve ficar claro no relatório é que ninguém está autorizado a se desfazer de nenhum fragmento de vegetação nativa em suas propriedades. Pode ser feito até mesmo um cadastramento da mata que exista por lá, e o proprietário se compromete a preservar.

CB - Haverá uma modificação do texto nesse sentido?
AR - Se for para ficar mais claro, não tenho dúvida nenhuma. Os consultores que redigiram, com preocupação deles e minha, acham que não há problema de falta de clareza. Mas tanto eles quanto eu estamos dispostos a deixar mais claro, talvez acrescentando uma expressão que nós examinamos: "exclusivamente para efeito de recomposição".

CB - Um outro ponto que gerou dupla interpretação é a possibilidade de se excluir quatro módulos fiscais do cálculo da reserva legal nas grandes propriedades. O Ministério do Meio Ambiente chegou a fazer as contas sobre as perdas de vegetação em razão desse mecanismo. Também há dubiedade nesse ponto?
AR - Nas primeiras conversas, o Ministério do Meio Ambiente não tinha apresentado nenhuma proposta de alteração. Isso só me chegou ontem (quarta-feira, 23) à noite. O que houver de dúvida em relação ao compromisso do relatório com a preservação da vegetação, temos interesse em deixar claro. A clareza impedirá que amanhã alguém, com base em qualquer ambiguidade da redação, possa usar o direito de se desfazer da vegetação nativa. Vou passar o fim de semana examinando as sugestões do ministério para ver o que posso acolher, no sentido de deixar o relatório mais cristalino.

CB - Foi a própria ministra Izabella Teixeira que apresentou as sugestões?
AR - Eu falei com ela, secretários executivos e um grupo de técnicos do ministério. Deixei claro a eles que meu objetivo é trabalhar com a consolidação das áreas e correção do passivo existente.

CB - O senhor mesmo pode fazer as alterações no projeto ou é necessário que alguém provoque isso?
AR - Eu posso fazer, mas pedi que deputados e entidades enviem sugestões. O relatório não é um projeto grande, são apenas 50 artigos, e alguns deles repetem a legislação anterior. Qualquer cidadão pode enviar sugestões para eu analisar e apresentar à comissão.

CB - A votação do relatório pela comissão vem sendo sucessivamente adiada, em meio a debates acalorados entre ambientalistas e ruralistas. Há alguma razão para esses adiamentos? Foi um pedido para que o relator possa avaliar melhor o projeto?
AR - A primeira razão é essa. É preciso tempo para as pessoas lerem o relatório, receberem sugestões e examinarem. Eu não trabalho sozinho. Tenho uma equipe de consultores que organizou o relatório, além da própria comissão e de ministérios.

CB - O relatório deve ser votado ainda neste semestre?
AR - Eu defendo que sim. É um respeito à própria Câmara, que constituiu essa comissão há quase um ano. Os prazos já foram esgotados várias vezes. A resolução do Conama de 2002, por exemplo, que colocou produtores na ilegalidade, nunca foi corrigida. Por que o Ministério do Meio Ambiente não corrigiu, não fez o debate? A comissão fez essa discussão, ouviu inclusive o ministério. É preciso que se dê uma solução, não se pode deixar as pessoas na ilegalidade.

CB - O relatório que será votado na comissão especial pode ser diferente do atual?
AR - Pode, com correções das ambiguidades e maior clareza quanto à consolidação, de um lado, e à proteção efetiva, de outro. Não deve haver dúvidas quanto ao desmatamento zero nas propriedades. Muitas agressões contra o meio ambiente acontecem por ignorância. Eu nasci na roça, e nunca ouvi falar que precisava manter uma mata ciliar. As pessoas não sabiam disso, só queriam chegar perto da água para plantar macaxeira, inhame, batata. Não adianta pensar que o meio ambiente será preservado em 5.600 municípios brasileiros a partir de Brasília. A Polícia Federal faz uma operação, chega em helicóptero, prende as pessoas, e depois vai embora.

CB - Há possibilidade de revisão do tópico que inclui as áreas de preservação permanente no cálculo da reserva legal, já que se prevê um desmatamento maior com esse mecanismo?

AR - Essa previsão está completamente enganada. As pessoas estão interpretando o relatório como interpretam Dom Casmurro, se Capitu traiu ou não traiu Bentinho, se vai ou não vai haver desmatamento. Não haverá desmatamento. Ao juntar APP e reserva legal, permite-se apenas a regularização de áreas onde não há estoque de vegetação. A legislação atual já permite somar APP e reserva legal na Amazônia. O que se permitirá é o regime de servidão: o proprietário poderá alugar reserva legal para quem não tem. Se houver dúvida nesse artigo, nós vamos deixar claro que não está autorizado qualquer tipo de desmatamento.

CB - O senhor tem criticado essa briga que se instalou na comissão especial entre ambientalistas e ruralistas, e foi bem duro com as ONGs ambientais internacionais, enquanto dedica o relatório aos agricultores brasileiros. Como o senhor analisa o comportamento dos ambientalistas? E acredita que o relatório esteja sendo usado como instrumento de interesses do agronegócio?
AR - Homenagear os agricultores é homenagear uma parcela do nosso país, a quem devemos muito. Eu homenageei também os ambientalistas, dedico a eles um belo poema de Castro Alves, chamado A Queimada. Noventa por cento das ONGs merecem respeito e nós devemos a elas as denúncias de crimes ambientais no país. O que distingo são ONGs com sede no exterior e que vêm ao Brasil para defender os interesses de seus países. Eu tenho o direito de pensar dessa forma porque existe uma guerra comercial na agricultura mundial. Essas ONGs defendem os interesses dos agricultores ricos dos seus países. Não me peçam que, quando houver conflito de interesse entre o produtor de soja do Brasil e o produtor de soja dos Estados Unidos, eu fique do lado do americano. Nós devemos proteger a agricultura no que ela tem de bom e criticar o que ela tem de socialmente atrasado.

Fonte: http://www.vermelho.org.br

Condenação do Cristo marxista


Gilson Caroni *

Nas páginas do “Evangelho segundo Jesus Cristo”, a grande heresia não está no fato de o personagem pedir perdão pelos pecados de Deus. O que o Vaticano não pode perdoar é a denúncia corajosa a um cristianismo imperial e colonialista.

 

Que estranhos desígnios inspiraram o "L'Osservatore Romano" a atacar,em editorial, o escritor José Saramago, falecido recentemente na Espanha? Chamá-lo de populista extremista, que se referia "com comodidade a um Deus no qual jamais acreditou por considerar-se todo poderoso e onisciente" não revela apenas uma atitude fria e inflexível com um humanista ateu. Vai além. Reforça apreensões em relação aos objetivos políticos do Vaticano e suas consequências éticas.

Se a eleição do cardeal Ratzinger como supremo pontífice da Igreja Católica constituiu um acontecimento cuja gravidade poucos subestimaram, a superação integrista das contradições do Concílio Vaticano II já se delineava claramente no pontificado de seu antecessor, João Paulo II, quando as bases sociais da Teologia da Libertação foram firmemente atacadas.

Em 1983, ao visitar a América Central, suas homilias mantiveram fina sintonia com o projeto do governo Reagan para a região. Em Manágua, o papa não apenas não correspondeu às expectativas do povo nicaraguense de condenação clara às agressões incentivadas pelo imperialismo estadunidense, como também deu ênfase ao que mais dividia o governo sandinista e a hierarquia eclesiástica, à época: o da fidelidade dos sacerdotes e religiosas à igreja e à exigência de não participarem na responsabilidade da gestão governamental. Uma declaração de guerra aos partidários de um cristianismo progressista. Reafirmação classista de uma instituição multissecular.

Na Guatemala, um dos países em que a repressão dos governos militares fez mais vítimas entre os religiosos, João Paulo II não só visitou o presidente Ríos Montt, conhecido por ordenar massacres contra a oposição, como permitiu que o general lhe pedisse o afastamento de sacerdotes da política. Nos discursos papais não houve qualquer protesto contra fuzilamentos sistemáticos; apenas menções genéricas a Direitos Humanos. O Cristo do Vaticano, ao contrário do de Saramago, não deu ouvido a comunidades indígenas e camponesas tratadas como estrangeiras em seus próprios países.

Embora saiba muito bem que estão implícitas, na violência que se expande, a questão do poder, dos interesses econômicos nacionais e internacionais, além das considerações geopolíticas, o Jesus do "L'Osservatore" ignora que a promessa anunciada só se efetivará provocando uma transformação radical da condição social do homem. No livro de Saramago, Jesus, filho de José e amante de Madalena, vive a Paixão dos novos sujeitos. Seu sacrifício é a labuta das populações negras, o sofrimento das índias e o sangue camponês que jorra nos latifúndios.

A coexistência de um papado ultra-reacionário com governos de extrema-direita, como foi o de Bush, implica uma luta mundial de idéias que, não duvidem, será muito intensa. A crítica a uma religião de mercado, que exige o sacrifício de vidas humanas e o aniquilamento de natureza é a batalha da esquerda de nosso tempo.

Nessa guerra, ao contrário do que afirma o Vaticano, o Cristo de Saramago é aliado fundamental. Nas páginas do "Evangelho segundo Jesus Cristo", a grande heresia não está no fato de o personagem pedir perdão pelos pecados de Deus. O que o Vaticano não pode perdoar é a denúncia corajosa a um cristianismo imperial e colonialista. Um sistema de crenças que, para validar a opressão, necessita de uma metafísica negativa sobre os homens e sua história.

Saramago provocou a ira da cúpula da Igreja Católica ao reafirmar a modernidade e os valores de igualdade e liberdade. Foi isso que seu Cristo Marxista proclamou. Não de maneira idílica, mas de forma dialética, como reafirmação de vidas que devem transcender a si mesmas, eliminando práticas e relações que geram opressão e miséria.
* É professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil

 Fonte: http://www.vermelho.org.br

sábado, 26 de junho de 2010

Ciência festeja criação da vida e Vaticano estrebucha

Carlos Pompe *

Pesquisadores anunciaram, dia 20 de maio, a criação da primeira célula controlada por um genoma sintético. Um êxito que poderá levar à produção de micro-organismos especialmente criados para desempenhar funções específicas, como secretar biocombustíveis, retirar poluentes da atmosfera ou produzir vacinas. O resultado assustou os criacionistas e sua principal organização mundial, a Igreja Católica e Apostólica Romana.

 
Cultura de células sintéticas, por microscópio eletrônico  
J. Craig Venter, que chefiou o programa privado de sequenciamento do genoma humano e liderou a atual pesquisa, anunciou: "Esta é a primeira célula sintética já feita, e nós a chamamos de sintética porque ela é totalmente derivada de um cromossomo sintético, feito com quatro garrafas de produtos químicos e um sintetizador, a partir de informação em nosso computador. Esta passa a ser uma ferramenta muito importante para tentar projetar o que queremos que a biologia faça". Nos planos dos autores está a produção de algas capazes de capturar dióxido de carbono e transformá-lo em novos combustíveis. Eles também estudam meios de acelerar a produção de vacinas.

A equipe de Venter sintetizou o genoma da bactéria M. mycoides, acrescentando a ele uma "marca d'água" para distingui-lo da versão natural. A marca d'água inclui os nomes de coautores e colaboradores do estudo, um endereço na internet, um e-mail e três citações, incluindo uma de James Joyce e uma do físico Richard Feynman: "O que sou incapaz de construir, sou incapaz de compreender". Tudo codificado em DNA.

Como as máquinas atuais apenas conseguem montar sequências curtas de DNA, os cientistas inseriram os fragmentos em leveduras, cujas enzimas reparadores de DNA "amarraram" as sequências. Eles então transferiram as sequências de tamanho médio para a bactéria E. coli e de volta para a levedura. Depois de três rodadas de montagem, havia um genoma de mais de um milhão de bases pronto.

Os pesquisadores pretendem, agora, construir genomas originais, e não de meras cópias do que já existe na natureza. Venter reconheceu que com a tecnologia do DNA sintético poderão ser criados agentes causadores de doenças. Mas a técnica representa "um aumento linear na capacidade de fazer o mal e um aumento exponencial na capacidade de fazer o bem".

Pego com as batinas nas mãos diante de mais esta refutação da necessidade de um ser superior para criar o mundo e a vida, as autoridades do Vaticano consideraram, no órgão oficial da Igreja, L'Osservatore Romano, a célula sintética um "resultado interessante", mas destacou que "deve ter regras, como tudo o que toca o coração da vida". Ora, foi exatamente usando as regras da natureza que os cientistas chegaram ao resultado exitoso de sua experiência.

Sem argumentos para contrapor ao irrefutável, o monsenhor Rino Fisichella, considerado autoridade em bioética pelo Vaticano, tratou de mudar de assunto: “Pensamos, acima de tudo, no significado que deve ser dado à vida". Então, tá.

Numa sociedade dividida e em permanente luta de classes, a utilização da ciência pode ser feita para o avanço social ou utilizada em crimes contra a humanidade. O avanço do conhecimento atômico propiciou a invenção de inúmeras máquinas a serviço da medicina, e também possibilitou aos Estados Unidos lançarem duas bombas atômicas contra o Japão, na primeira metade do século passado.

No entanto, a cada avanço científico é reafirmado o poder do conhecimento humano e o obsoletismo das crendices que obstaculizam o domínio sobre a natureza e que são utilizadas para manter as massas dóceis e submissas aos seus opressores. Como poetou Cecília Meireles:

Pelos caminhos do mundo
nenhum destino se perde:
há os grandes sonhos dos homens,
E a surda força dos vermes.
* Jornalista e curioso do mundo.

Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna

O pensamento vivo de José Saramago

Carlos Pompe *

Deixou de bater, dia 18 de junho, o coração do escritor, pensador, jornalista e político (filiado e, por um período, dirigente do Partido Comunista Português) José Saramago. Grande leitor e admirador da obra de Karl Marx, atuava também como um militante ateísta, combatendo o pensamento religioso. Perseguido pelo governo português e pela Igreja Católica, criticado por sionistas e obscurantistas de toda a sorte, dizia ter a “pele dura” para aguentar – e responder – os ataques que sofria. Um pouco de seu pensamento:

"Eu sou um comunista hormonal, meu corpo contém hormônios que fazem crescer minha barba e outros que me tornam um comunista. Mudar, para quê? Eu ficaria envergonhado, eu não quero me tornar outra pessoa". (ao repórter da BBC Alfonso Daniels, junho de 2009).

“Você sabe, eu nunca escondi minhas convicções. Sou comunista e por isso sou tratado como inimigo da democracia. Pelo contrário, eu quero é salvar a democracia e para isso é preciso criticar esse simulacro de democracia em que vivemos. As democracias ocidentais são fachadas políticas do poder econômico. Fachadas com cores, bandeiras, discursos intermináveis sobre a democracia.” “Foi o poder econômico que enfiou nas consciências que o mercado deve agir de mãos livres e, assim fazendo, levou à conclusão de que o pleno emprego é um obstáculo”. (entrevista a Didier Jacob, Le Nouvel Observateur, novembro de 2006)

"Que Ratzinger tenha a coragem de invocar Deus para reforçar seu neomedievalismo universal, um Deus que ele jamais viu, com o qual nunca se sentou para tomar um café, mostra apenas o absoluto cinismo intelectual desta pessoa."

“Deus não existe fora da cabeça das pessoas que nele creem. Pessoalmente, não tenho nenhuma conta a ajustar com uma entidade que durante a eternidade anterior ao aparecimento do universo nada tinha feito (pelo menos não consta) e que depois decidiu sumir-se não se sabe para onde. O cérebro humano é um grande criador de absurdos. E Deus é o maior deles”.

“Caim (sua última publicação) é um livro escrito contra toda e qualquer religião. Ao longo da História, as religiões, todas elas, sem exceção, fizeram à humanidade mais mal que bem. Todos o sabemos, mas não extraímos daí a conclusão óbvia: acabar com elas. Não será possível, mas ao menos tentêmo-lo. Pela análise, pela crítica implacável. A liberdade do ser humano assim o exige”.

(entrevista a Ubiratan Brasil, O Estado de São Paulo, outubro de 2009)
“O poder de cada um de nós limita-se na esfera política a tirar um governo de que não gosta e colocar outro de que talvez venha a gostar. Mas as grandes decisões são tomadas em outra esfera. E todos sabemos qual é: as grandes relações financeiras internacionais.” (Folha de S. Paulo, 2008)

"Estamos afundados na merda do mundo e não se pode ser otimista. O otimista, ou é estúpido, ou insensível ou milionário". (dezembro de 2008, na apresentação em Madri de "As pequenas memórias").

“Hoje, existe uma espécie de menosprezo por essa coisa tão simples que antes era falar com propriedade. Quando eu era trabalhador, sempre tinhas as ferramentas limpas e em bom estado. Não conheço uma ferramenta mais rica e capaz que o idioma. E isso significa que se deve ser elegante na dicção. Falar bem é um sinal de pensar bem”. (entrevista coletiva no lançamento do As pequenas memórias, 2006)

“Uma vez que foi dito e do dito se fez escrito para valer e dar fé”. (História do cerco de Lisboa, 1989)
“... cada um de nós é, acima de tudo, filho das suas obras, daquilo que vai fazendo durante o tempo que cá anda”. (Crônica Retrato de antepassados, in Os apontamentos, 1976)

“... aos jornais e demais meios de comunicação sociais pela facilidade com que passam dos aplausos do capitólio às precipitações da rocha tarpeia, como se eles não fossem uma parte activa na preparação do desastre”. (Ensaio sobre a lucidez, 2004)

“Eu digo de outra maneira aquilo que a minha avó disse, já devia estar farta de viver, e disse: o mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer”. (frase dita ao cineasta Fernando Meirelles, que adaptou “Ensaio sobre a cegueira” para o cinema)
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* Jornalista e curioso do mundo.
Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna

 Porta-aviões Harry S. Truman

Porta-aviões Harry S. Truman, um dos  que navegam pelo Canal de Suez


Fidel Castro: Como gostaria de estar enganado                                               

Em mais um artigo de sua série de reflexões, Fidel Castro analisa as ações belicistas dos Estados Unidos, que parecem passar despercebidas por boa parte da população entretida com os jogos da Copa do Mundo. “Haveria de se perguntar quantos, em contrapartida, tomaram conhecimento que desde o dia 20 de junho, navios militares norte-americanos (...) navegam pelas costas iranianas através do canal de Suez”, escreve. Acompanhe a íntegra a seguir.

Quando estas linhas tiverem sido publicadas no jornal Granma desta sexta-feira, o dia 26 de Julho – data em que sempre recordamos com orgulho a honra de termos resistido aos ataques do império – estará distante, apesar de faltarem apenas 32 dias.

Os que determinam cada passo do pior inimigo da humanidade – o imperialismo dos Estados Unidos, uma mescla de mesquinhos interesses materiais, desprezo e subestimação às demais pessoas que habitam o planeta – o calcularam com precisão matemática. Na reflexão do dia 16 de junho, escrevi: “A cada jogo da Copa do Mundo, as diabólicas notícias vão deslizando pouco a pouco, de modo que ninguém se ocupe delas”.

O famoso evento esportivo entrou em seus momentos mais emocionantes. Durante 14 dias, as equipes integradas pelos melhores futebolistas de 32 países estiveram competindo para avançar até a fase de oitavas de final; depois virão sucessivamente as fases de quartas de final, semifinais e o final do evento. O fanatismo esportivo cresce incessantemente, envolvendo talvez centenas de milhares de pessoas em todo o planeta.

Haveria de se perguntar quantos, em contrapartida, tomaram conhecimento que desde o dia 20 de junho, navios militares norte-americanos – incluídos o porta-aviões Harry S. Truman, escoltado por um ou mais submarinos nucleares e outros submarinos de guerra com foguetes e canhões mais potentes que os dos velhos encouraçados utilizados na última guerra mundial entre 1939 e 1945 – navegam pelas costas iranianas através do canal de Suez.

Junto às forças navais ianques, avançam submarinos militares israelenses, com armamento igualmente sofisticado para inspecionar qualquer embarcação que parta para exportar e importar produtos comerciais necessário ao funcionamento da economia iraniana.

O Conselho de Segurança da ONU, por proposta dos Estados Unidos e com o apoio da Grã-Bretanha, França e Alemanha, aprovou uma dura resolução que não foi vetada por nenhum dos cinco países que ostentam esse direito. Outra resolução, mais dura, foi aprovada por acordo do Senado dos Estados Unidos. Posteriormente, uma terceira e, todavia mais dura, foi aprovada pelos países da Comunidade Europeia. Tudo isso ocorreu antes do dia 20 de junho, o que motivou uma viagem urgente do presidente francês Nicolas Sarkozy à Rússia, segundo o noticiário, para encontrar-se com o chefe de Estado desse poderoso país, Dmitri Medvédev, na esperança de negociar com o Irã e evitar o pior.

Agora, trata-se de calcular quando as forças navais dos EUA e de Israel se colocarão frente às costas do Irã e se unirão ali aos porta-aviões e demais submarinos militares norte-americanos que montam guarda nessa região.

O pior é que, assim como os Estados Unidos, Israel – seu gendarme no Oriente Médio – possui moderníssimos aviões de ataque e sofisticadas armas nucleares fornecidos pelos EUA, o que os converteu na sexta potência nuclear do planeta por seu poder de fogo entre as oito reconhecidas como tais, grupo que inclui ainda a Índia e o Paquistão.

O xá do Irã havia sido derrocado pelo aiatolá Ruhollah Komeini em 1979 sem usar uma arma. Os Estados Unidos impuseram a guerra àquela nação com o emprego de armas químicas, cujos componentes forneceu ao Iraque junto com a informação requerida por suas unidades de combate e que foram empregadas por estas contra os Guardiões da Revolução. Cuba o conhece porque era então, como explicado outras vezes, presidente do Movimento de Países Não Alinhados. Sabemos bem os estragos que causou em sua população. Mahmoud Ahmadinejad, hoje chefe de Estado do Irã, foi chefe do sexto exército dos Guardiões da Revolução e chefe do Corpo de Guardiões nas províncias ocidentais do país, que tiveram peso fundamental naquela guerra.

Hoje, em 2010, tanto os EUA como Israel, depois de 31 anos, subestimam milhares de homens das Forças Armadas do Irã e sua capacidade de combate por terra e as forças aéreas, marítimas e terrestres dos Guardiões da Revolução.

A estas se somam os 20 milhões de homens e mulheres, entre 12 e 60 anos, escolhidos e treinados sistematicamente por suas diversas instituições armadas entre os 70 milhões de pessoas que habitam o país.

O governo dos Estados Unidos elaborou um plano para levar a cabo um movimento político que, apoiando-se no consumismo capitalista, que dividiria os iranianos e derrotaria o regime. Tal esperança é inócua. É risível pensar que com os navios de guerra estadunidenses, unidos aos israelenses, despertem as simpatias de apenas um cidadão iraniano.

Acreditava inicialmente, ao analisar a atual situação, que a contenda começaria pela península da Coreia, e ali estaria o detonador da segunda guerra coreana que, por sua vez, daria lugar imediatamente à segunda guerra que os EUA imporiam ao Irã. Agora, a realidade muda as coisas em sentido inverso: a do Irã desatará de imediato a da Coreia.

A administração central da Coreia do Norte, que foi acusada de afundar o navio Cheonan e sabe que o mesmo foi afundado por uma mina que os serviços de inteligência ianques conseguiram colocar no casco desse navio, não esperariam um segundo para agir tão logo se iniciasse um ataque ao Irã.

É muito justo que os fanáticos pelo futebol desfrutem como desejarem das competições da Copa do Mundo. Cumpro apenas o dever de exortar nosso povo, pensando, sobretudo, em nossa juventude, cheia de vida e esperanças, e especialmente em nossas maravilhosas crianças, para que os fatos não nos surpreendam absolutamente desprevenidos.

Dói-me pensar em tantos sonhos concebidos pelos seres humanos e as assombrosas criações feitas em poucos milhares de anos. Quando os sonhos mais revolucionários estão reunidos e a pátria se recupera firmemente, como eu gostaria de estar equivocado!


Fonte: Reflexões de Fidel, no site Cuba Debate, com tradução do Vermelho