Serra, Kassab e o mar de lama
João Quartim de Moraes *Começo esta por onde terminei a anterior. A chuva, que continua implacável, cai sobre as plantações e as hortas, irrigando-as (um pouco demais), ou sobre as cidades impermeabilizadas, inundando-as. A chuva não sabe o que faz. Prefeitos e governadores deveriam saber.
No
início de janeiro, Kassab teve de comparecer ao Jardim Romano, na Zona
Leste. Estava ficando indecente demais que o prefeito não visitasse um
dos bairros populares mais duramente afetados, e há mais tempo, pelas
enchentes. Uma reportagem de O Estado de São Paulo (9/1/10),
jornal insuspeito de extremismos de esquerda, que relatou a visita,
conta que Raquel Santos, profissão babá, ao dar de frente com o
prefeito e seus guarda-costas numa esquina enlameada desabafou aos
gritos: “O senhor não põe o pé na lama? Eu quero que o senhor ponha o
pé na lama. A gente perdeu tudo, ontem minha casa encheu de água com
sete crianças dentro. [...] Se quiser uma bota para entrar na lama eu
empresto!”. Mas não foi preciso. Kassab saiu de fininho. Chamou a babá
Raquel para conversar perto do carro. “Ele veio me amansando, disse que
eu estava alterada e fugiu naquele carrão preto”.
Em outros bairros alagados, por exemplo na Vila Regente Feijó, onde manifestantes revoltados botaram fogo em pneus, fechando a avenida Sapopemba, o prefeito julgou mais prudente enviar em seu lugar a Polícia Militar.
Mas não é só a gestão Kassab que está fazendo água. Serra é pelo menos tão responsável pelas enchentes quanto seu parceiro malufista. O estado calamitoso das vias públicas, a sujeira acumulada no bueiros são da alçada do prefeito, mas a impermeabilização da Marginal do Tietê é um presente envenenado do governador.
A esse respeito o sr. Antonio Carlos Mendes Thame, que “foi Secretário Estadual de Recursos Hídricos nos Governos Covas e Alckmin, Prefeito de Piracicaba e é Deputado Federal (PSDB/SP)”, teve a bondade de me incluir em sua lista internética, mandando um texto que no início achei sarcástico e brincalhão. Parecia um daqueles deboches contra a candidatura presidencial de Serra suscitados pela situação de semi-afogamento em que se encontra a megalópolis paulistana. Por exemplo, o que diz: vote em Serra, porque se ele for eleito vai transpor a enchente paulistana para o semi-árido nordestino. Mas não, o deputado Mendes Thame parece estar falando sério: “São Paulo antecipou-se nas obras de contenção de enchentes, porém o aquecimento global tende a dobrar o volume de chuvas, exigindo dos governos estadual, federal e prefeituras das áreas atingidas a adoção de planos arrojados de prevenção e combate às cheias. É a única de forma de evitar que as enchentes, que assolaram regiões do Sul do País no ano passado, e agora chegaram a São Paulo, continuem a trazer tamanhos prejuízos, colocando em risco a vida das pessoas”.
O principal culpado, segundo o insigne parlamentar, é o aquecimento global, que teria perfidamente burlado os “planos arrojados de prevenção e combate às cheias”. Mas o Plano de Covas (é a ele que se refere o deputado) não é tão arrojado assim. Em termos de engenharia é trivial. O aprofundamento da Calha do Tietê era de fato indispensável. Foi uma iniciativa correta. Incorreto foi superestimar seus efeitos, não levar até o fim o tratamento dos esgotos despejados no Alto Tietê e em seus afluentes e esquecer de combinar com as chuvas para que elas “se mantivessem suas médias históricas” (sic).
Diz ainda o deputado Thame que segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Brasil) e a Universidade de Reading (Reino Unido), “o aumento de temperatura na América do Sul tende a produzir, gradativamente, mais 16 dias/ano de chuva intensa (mais de 10mm) no sudeste do continente, englobando o Brasil”. E acrescenta: “Devido a essa previsão, altamente preocupante, o INPE trabalha na elaboração de projeções que permitam aos órgãos públicos replanejar a infra-estrutura de combate às enchentes”.
É aí que a porca torce o rabo, como se dizia outrora. Por que o deputado, membro proeminente de seu Partido, não contou isso para o governador? Quem sabe em vez de impermeabilizar a Marginal para facilitar a vida dos automobilistas, ele teria mandado construir mais parques e posto mais transportes coletivos a serviço do povo.
Em outros bairros alagados, por exemplo na Vila Regente Feijó, onde manifestantes revoltados botaram fogo em pneus, fechando a avenida Sapopemba, o prefeito julgou mais prudente enviar em seu lugar a Polícia Militar.
Mas não é só a gestão Kassab que está fazendo água. Serra é pelo menos tão responsável pelas enchentes quanto seu parceiro malufista. O estado calamitoso das vias públicas, a sujeira acumulada no bueiros são da alçada do prefeito, mas a impermeabilização da Marginal do Tietê é um presente envenenado do governador.
A esse respeito o sr. Antonio Carlos Mendes Thame, que “foi Secretário Estadual de Recursos Hídricos nos Governos Covas e Alckmin, Prefeito de Piracicaba e é Deputado Federal (PSDB/SP)”, teve a bondade de me incluir em sua lista internética, mandando um texto que no início achei sarcástico e brincalhão. Parecia um daqueles deboches contra a candidatura presidencial de Serra suscitados pela situação de semi-afogamento em que se encontra a megalópolis paulistana. Por exemplo, o que diz: vote em Serra, porque se ele for eleito vai transpor a enchente paulistana para o semi-árido nordestino. Mas não, o deputado Mendes Thame parece estar falando sério: “São Paulo antecipou-se nas obras de contenção de enchentes, porém o aquecimento global tende a dobrar o volume de chuvas, exigindo dos governos estadual, federal e prefeituras das áreas atingidas a adoção de planos arrojados de prevenção e combate às cheias. É a única de forma de evitar que as enchentes, que assolaram regiões do Sul do País no ano passado, e agora chegaram a São Paulo, continuem a trazer tamanhos prejuízos, colocando em risco a vida das pessoas”.
O principal culpado, segundo o insigne parlamentar, é o aquecimento global, que teria perfidamente burlado os “planos arrojados de prevenção e combate às cheias”. Mas o Plano de Covas (é a ele que se refere o deputado) não é tão arrojado assim. Em termos de engenharia é trivial. O aprofundamento da Calha do Tietê era de fato indispensável. Foi uma iniciativa correta. Incorreto foi superestimar seus efeitos, não levar até o fim o tratamento dos esgotos despejados no Alto Tietê e em seus afluentes e esquecer de combinar com as chuvas para que elas “se mantivessem suas médias históricas” (sic).
Diz ainda o deputado Thame que segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Brasil) e a Universidade de Reading (Reino Unido), “o aumento de temperatura na América do Sul tende a produzir, gradativamente, mais 16 dias/ano de chuva intensa (mais de 10mm) no sudeste do continente, englobando o Brasil”. E acrescenta: “Devido a essa previsão, altamente preocupante, o INPE trabalha na elaboração de projeções que permitam aos órgãos públicos replanejar a infra-estrutura de combate às enchentes”.
É aí que a porca torce o rabo, como se dizia outrora. Por que o deputado, membro proeminente de seu Partido, não contou isso para o governador? Quem sabe em vez de impermeabilizar a Marginal para facilitar a vida dos automobilistas, ele teria mandado construir mais parques e posto mais transportes coletivos a serviço do povo.
* Professor universitário, pesquisador do marxismo e analista político.
Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna
Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna