A gente não quer só comida
Mazé Leite *
Nestes dias finais de campanha eleitoral, em que a realidade
da eleição da primeira presidenta do Brasil – Dilma Roussef – se torna a
cada dia mais presente, a gente aproveita este momento para lançar
algumas sementes que podem tornar nosso futuro mais colorido. A gente
quer falar aos candidatos progressistas.
A
gente? A gente é artista, a gente é essa gente que faz arte, que é
também agente de transformação: trans-Forma-Ação. A gente pega o mundo,
a gente age: a gente pinta, a gente canta, a gente dança, a gente
ensaia, a gente treina, a gente declama, a gente escreve, porque “a
gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e Arte”*!
A gente está espalhado pelo Brasil a fora, Acre, Amazonas, Amapá,
Maranhão; Pernambuco, Goiás, Rio, Bahia. A gente mora nos confins do
Tocantins, habita as beiras dos pantanais. A gente se espalha pelos
pampas, pelas praias, entre as serras, até dentro do mato. A gente é
moreno, a gente é misturado, a gente borda e pinta. A gente é torrado
de sol, banhado de mar, ou pálido de garoa. A gente habita morros e
condomínios, a gente se mistura nas areias cariocas ou nas paulistas
avenidas. A gente é nordestino, sulista, nortista, a gente é brasileiro.
A gente é artista. A gente faz cultura. A gente quer falar!
- A gente quer o direito de pintar, de desenhar, de esculpir e DE
EXPOR em TODAS as galerias e museus do Brasil, com todas as nossas
cores, nossos quadros, nossas tintas, nossos estilos!
- A gente quer exposições de arte em TODO o Brasil, festivais,
concursos, competições de arte. A gente quer mais museus, a gente quer
mais galerias, mais pinacotecas. A gente quer democratizar o direito de
fruição das artes para TODOS. A gente não quer continuar sendo
expurgado do mercado pelo mercado. A gente quer que o Estado brasileiro
incentive TODAS as formas de manifestação artística, todas as
estéticas. A gente grita: “fora o pensamento único onde predomina o
conceitual e a abstração. Arte é mais!”
- A gente quer financiamento do Estado para que surjam mais ateliês
de arte, mais galerias, mais espaços artísticos, mais exposições.
- A gente quer democratizar as mostras de arte vindas do exterior
para todos os Estados brasileiros, para que todo o Brasil possa ver as
grandes obras dos grandes mestres de fora.
- A gente tem música na alma, a gente quer compor, a gente quer
tocar, a gente quer cantar toda a música possível para TODA a multidão
de brasileiros, se tivermos milhares de espaços pelo Brasil a fora. A
gente quer cantar em grupo, em banda, ou sozinho.
- A gente quer trocar, a gente quer mostrar, a gente quer
intercambiar nossas diferentes formas e expressões artísticas, em
múltiplos encontros, seminários, conferências, congressos, convescotes,
autos, seja o que for que junte gente. E junte a gente.
- A gente quer meios de reprodução para a arte que permita a todos o
acesso à arte. A gente quer que todos os brasileiros tenham direito ao
direito fundamental de todos de ter acesso a toda forma de arte, de
poder se enriquecer espiritualmente com a arte.
- A gente quer suplantar a forma de cultura de massa, imposta pela
tv, que homogenisa tudo. A homogeneidade é um crime contra a
diversidade cultural da humanidade e do povo brasileiro. A gente não é
só um, a gente é multidão, a gente é arco-íris.
- A gente não quer só ouvir no rádio música estrangeira, a gente
quer usar todos os espaços para todos os artistas brasileiros, de norte
a sul, sem predominâncias regionais. A gente é gente em todo o Brasil.
- A gente quer banda larga para todos, para todos os artistas
populares, para todos os pontos de cultura, para todas as tribos
cidadãs.
- A gente quer mais aulas de História da Arte, a gente quer mais
aula de Arte, a gente quer mais arte nas escolas públicas e privadas. A
gente quer escolas de qualidade, a gente quer professores bem pagos,
bem formados, empenhados.
- A gente quer mais bibliotecas, amplo acesso aos livros, livros a
preços populares, livrarias populares para todo lado, feiras de livro,
concursos literários, incentivo à prosa, incentivo à poesia.
- A gente quer teatros, salas de encenação, incentivo aos existentes
e à criação de novos grupos de teatro, com formação de atores e
diretores. A gente quer balé, a gente quer dançar, a gente quer sambar,
a gente quer rir. A gente, que é palhaço, a gente quer circo, a gente
quer praça, a gente quer trapézio, a gente quer lona, a gente quer
público, e gente pra rir ainda mais.
- A gente quer fazer e ler poesia, quer mostrar nossos versos,
nossas rimas, nossos livros. A gente quer publicar nossos livros de
prosa e poesia.
- A gente quer fotografar, filmar, fazer roteiro, a gente quer fazer
cinema. A gente quer mais espaço para o cinema brasileiro, um cinema
criativo, não simples imitação de padrões impostos. A gente quer que
funcione o sistema de distribuição dos nossos filmes.
- A gente quer preservar nossa memória cultural: nosso folclore,
nossas festas, nossos reizados, nossos blocos, nosso samba, nosso
bumba-boi, nossas violas, nossas rezas, nossos cantos, nossas danças,
nossos cordéis, nossos terreiros, nossas toadas, nossas emboladas,
nossos sanfoneiros, nossos repentes, nossos raps, nossos artesãos,
nossos bonecos, nossas caretas, nossas máscaras, nossos carnavais,
nossas feijoadas, nossa cachaça, nossos trajes, nossas bombachas, nossas
galinhadas, nossos forrós, nossos são joãos, nossos jogos de futebol,
nossas gravuras, nossa pinturas, nossas folias, nossas alegorias,
nossas alegrias!
Para fazer um país rico, próspero, há que se voltar com todos os
olhos para a vida cultural brasileira e permitir a este povo criativo
que surja com suas cores, com seu canto, com sua raça, com sua graça.
Pois o ser humano sempre quererá ser maior do que é, sempre se voltará
contra as próprias limitações, sempre terá o anseio de tudo querer e
tudo poder.
Avançamos muito, enquanto Brasil no governo do presidente Lula, mas
podemos ir ainda mais longe. Podemos suplantar todas as incertezas
quanto ao dia de amanhã que rondou sempre a gente brasileira, criando
um novo país em que todo o povo também tenha tempo, disposição e desejo
de se por em contato mais íntimo com a Arte, em todas as suas formas
de manifestação.
Pois o ser humano “sempre necessitará da arte para se familiarizar
com a sua própria vida e com aquela parte do real que a sua imaginação
lhe diz ainda não ter sido devassada.” (Ernst Fischer)
A gente quer a vida como a vida quer*!
* trechos da música Comida, composição de Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Brito.
*
Artista plástica, membro do Atelier de Arte Realista de Maurício
Takiguthi, designer gráfica. Graduanda em Letras pela FFLCH-USP. Membro
da coordenação da Seção Paulista da Fundação Maurício Grabois.
Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna