sábado, 26 de junho de 2010

Fome de coerência, o gesto de Manoel da Conceição


“Os valores do PT não podem ser negociados. Devem ser reafirmados como princípios da reconstrução partidária e ideal dos movimentos sociais” (Manoel da Conceição).

por Wagner Cabral da Costa*

Muito tem se falado sobre a greve de fome, iniciada em 11 de junho, do fundador do PT, Manoel da Conceição, do deputado Domingos Dutra e da ex-deputada Terezinha Fernandes, contra a intervenção do Diretório Nacional que revogou a decisão estadual de apoiar Flávio Dino (PCdoB) para governador do Maranhão, aprovando, em substituição, o nome de Roseana Sarney (PMDB). Parcela expressiva da opinião pública e da imprensa tomou contato (quase) pela primeira vez com a pessoa de Manoel da Conceição. Afinal, quem seria esse “desconhecido”, esse Mané, que ousou desafiar, em gesto radical, a direção do partido no poder e a Presidência, em mais uma capitulação cínica diante da mais velha oligarquia da República?

Filho de lavradores do vale do rio Itapecuru, Manoel vivenciou experiências que lhe propiciaram uma sólida convicção ética, humanista e socialista, de dedicação à causa dos trabalhadores. A começar, ainda na juventude, pela expulsão de sua família por proprietários rurais, violência presenciada ainda em inúmeros outros massacres; depois, a migração em busca de “terra liberta”; a crença evangélica e o início da militância; o envolvimento com o Movimento de Educação de Base (MEB), ligado à Igreja progressista; o engajamento na Ação Popular (AP) e a luta pelas Reformas de Base; até o golpe de 1964, quando sofreu as primeiras prisões.

Durante a ditadura militar, Mané se dedicou à organização e educação de trabalhadores rurais na região do rio Pindaré em sua luta contra o latifúndio e pela conquista da terra. Foi alvo de violenta repressão da polícia militar do governo José Sarney (1966-70), sendo baleado e preso em julho de 1968, ocasião em que teve parte da perna direita amputada por falta de atendimento médico. Na seqüência, foi preso pela polícia política (1972) e dado como “desaparecido”, quando foi submetido a sessões de interrogatório e tortura, sendo solto graças à intervenção da AP e da Anistia Internacional. Liberdade breve, pois, mais uma vez, os militares o prenderam, desta vez em São Paulo, com mais torturas e sevícias (1975). Novamente a solidariedade – da Anistia e das Igrejas católica e protestante – conseguiu resgatá-lo das mãos assassinas da ditadura, com o que Manoel partiu para a Suíça (1976), onde permaneceu até a decretação da Lei da Anistia (1979).

No exílio, lançou o livro-denúncia Essa terra é nossa, contando sua história de luta pela reforma agrária e de resistência à ditadura, uma leitura necessária e fundamental para compreender os “anos de chumbo”. Livro que acaba de ser reeditado pela UFMG (com o título: Chão de minha utopia), através do Projeto República, com o apoio do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). A ironia não podia ser mais evidente: o mesmo governo petista que, por um lado, promove o resgate de sua memória e história; por outro, lhe recusa o direito de, aos 75 anos, continuar sendo um militante ativo das lutas sociais e políticas – defendendo a democracia interna do partido e a democratização do Maranhão contra a oligarquia patrimonial e golpista. Que resposta obteve Manoel após lançar duas cartas abertas ao companheiro e presidente Lula?

Esse silêncio, no entanto, inexistia em fevereiro de 1980. Pois, na fundação do Partido dos Trabalhadores se pretendeu vinculá-lo organicamente às diversas tradições de luta do povo brasileiro, sendo convidados seis signatários que representavam simbolicamente essas vertentes da esquerda: 1) Mário Pedrosa, escritor, crítico e líder socialista; 2) Manoel da Conceição, líder camponês; 3) Sérgio Buarque de Holanda, historiador; 4) Lélia Abramo, do Sindicato dos Artistas de SP; 5) Moacir Gadoti, que assinou em nome do educador Paulo Freire; e 6) Apolônio de Carvalho, combatente na Guerra Civil Espanhola e na Resistência Francesa, um dos líderes dos movimentos da resistência popular (Ata da reunião no Colégio Sion – site da Fundação Perseu Abramo).

Dos personagens-símbolo da identidade e dos valores do PT, o único que permanece vivo é Manoel da Conceição Santos, marido amoroso, pai e avô dedicado, brasileiro nascido em 1935 no distrito de Pirapemas, em Coroatá, Maranhão. Era esse “desconhecido”, esse Mané, que se encontrava em greve de fome no plenário da Câmara dos Deputados. Por cima de quantos cadáveres (reais e simbólicos) o PT terá que passar em seu processo de transformação em Partido da Ordem?

Ps.: Poucas horas após o fechamento deste artigo, Manoel da Conceição e Domingos Dutra foram internados inconscientes em Brasília, com risco de vida. A situação forçou o Diretório Nacional do PT a fazer um acordo pelo qual os petistas maranhenses ficaram liberados de apoiar a oligarquia Sarney e ter campanha independente em favor de Flávio Dino. Este acordo encerrou a greve de fome, após uma semana, em 18 de junho de 2010, continuando ambos sob cuidados médicos.

* Wagner Cabral da Costa é Historiador e professor da UFMA. Autor de “Sob o signo da morte: o poder oligárquico de Vitorino a Sarney” (2006); co-organizador de “A terceira margem do rio: ensaios sobre a realidade do Maranhão no novo milênio” (2009). Este artigo foi publicado no jornal O Estado de São Paulo, suplemento Aliás, domingo, 20 de junho de 2010.

Fonte:  Estado de São Paulo

quinta-feira, 24 de junho de 2010

                Saramago: um crítico da democracia formal                  


Morre José Saramago (1922-2010), um dos maiores romancistas da língua portuguesa (prêmio Nobel de Literatura de 1998). Além de escritor, Saramago foi conhecido também como um crítico da humanidade contemporânea (por andar sem racionalidade) e do sistema de governo democrático vigente no mundo. Nas palavras do escritor: "Todos estamos de acordo que vivemos em um sistema democrático; portanto, somos cidadãos, somos eleitores, há eleições, votamos, forma-se um parlamento e, a partir desse parlamento, forma-se uma maioria parlamentar. Temos os juízes, tribunais, temos todo o esquema montado. Este esquema é formal. Mas até que ponto se permite que esse sistema seja substancial?".
 
Saramago leva-nos a refletir sobre o papel da democracia contemporânea também debatida em duas diferentes correntes da Ciência Política: a institucionalista e a participativa. A corrente institucionalista é conhecida também como teoria democrática elitista, competitiva, procedimental ou pluralista, teoria realista ou ainda teoria democrática descritiva, ou seja, uma democracia formal.
 
Para os teóricos que defendem esta teoria, somente cabe aos cidadãos, periodicamente, referendar ou mudar as elites que fazem parte dos governos por intermédio do processo eleitoral. A vertente institucionalista (teoria política das elites) foi inaugurada por Max Weber e Schumpeter, a qual define a democracia como um arranjo institucional para chegar a decisões políticas e se constituiu, antes de tudo, numa competição entre elites. No institucionalismo, a política é estruturada pelas instituições que influenciam os indivíduos e modificam o comportamento.
 
Por outro lado, temos a corrente teórica que defende a teoria participativa. Carole Pateman e C. B. Macpherson são os principais representantes. Os participacionistas buscam multiplicar as práticas democráticas, institucionalizando-as dentro de uma maior diversidade de relações sociais, dentro de novos âmbitos e contextos: instituições educativas e culturais, serviços de saúde, agências de bem-estar e serviços sociais, centros de pesquisa científica, meios de comunicação, entidades desportivas, organizações religiosas, instituições de caridade, em síntese, na ampla gama de associações voluntárias existentes nas sociedades atuais.
 
No entendimento de Pateman, para que exista uma forma de governo democrático, é imprescindível a existência de uma sociedade participativa, isto é, uma sociedade onde todos os sistemas políticos tenham sido democratizados e a socialização possa ocorrer em todas as áreas. Para a autora, a área mais importante de participação é o seu próprio lugar de trabalho, ou seja, a indústria, pois é exatamente ali que a maioria dos indivíduos despende grande parte de suas vidas e pode propiciar uma educação na administração dos assuntos coletivos praticamente sem paralelo em outros lugares.
 
Saramago tinha bem presente estas duas correntes teóricas da democracia. Optou claramente pela segunda, a democracia participativa (substancial). Fez uma crítica ao sistema democrático formal na medida em que os cidadãos são meros expectadores, pois quem toma as decisões são as elites políticas e econômicas. Nas palavras de Saramago: "Os governos que elegemos, no fundo, são correias de transmissão das decisões e das necessidades do poder econômico (representado pelo FMI, OMC e pelo Banco Mundial), e os governos não só funcionam como correias de transmissão, mas também como os agentes que preparam as leis, como as que levam ao emprego precário".
 
Por fim, Saramago conclui: "ou a democracia transcende o poder (sai da bolha), tendo uma ação fora dela, ou vamos continuar a viver na ilusão do mundo democrático". Com a morte de Saramago o mundo certamente fica um pouco mais pobre de saber e de crítica...
 
Dejalma Cremonese é professor do Instituto de Sociologia e Política da UFPel–RS. 

Fonte: http://www.correiocidadania.com.br 
 Almas Secas: A Perpetuação do Genocídio (2)

Oh! Deus, perdoe este pobre coitado
Que de joelhos rezou um bocado
Pedindo pra chuva cair sem parar
("Súplica cearense", Gordurinha/Nelinho/Luiz Gonzaga)

Sabidamente, a desnutrição, a subalimentação e a fome são elementos de voraz impacto no corpo, seja no âmbito físico, seja nos interstícios psicológicos. A miséria é o monstruoso produto principal da concentração excludente de riquezas. Moradores de zonas de habitação precária, por exemplo, em momentos de destruição causada por desastres ambientais, são tratados como indigentes ou párias sociais. Em áreas de violência endêmica como nas favelas que margeiam os grandes centros econômicos, em nome do combate ao narcotráfico, sucedem-se cenas de assassinato de pobres pelo poder de coerção policial com a benção velada do Estado e aplausos disfarçados de segmentos da sociedade mais abastados (uma forma fascista de minimizar a pobreza: matando os pobres). 

O cataclismo da fome ainda é muito mais latente em zonas esquecidas pelo Poder Público e somente lembrado em período eleitoral, acentuadamente no Norte e Nordeste do Brasil. Aplicar indiscriminadamente políticas de renda mínima (as populares bolsas assistencialistas), sem construir um aporte de recursos que possa criar um circuito auto-sustentável de riquezas materiais e humanas, é perpetuar a endemia famélica. A fome urge e se faz necessária sua eliminação como matriz fundamental de ações do Estado. Privatizar as ações sociais, deixando-as em mãos de ONGs ou empresas similares (geralmente movidas por duvidosos interesses "humanitários"), é covardemente fugir do princípio básico do Estado, que é garantir a vida dos seus cidadãos. Pensar o desenvolvimento local é necessariamente criar um conjunto de agregados que privilegie a auto-sustentação dos ambientes de endemia famélica. Políticas de promoção ao emprego e a ampliação de cooperativas de trabalhadores sob a forma de auto-gestão poderão ser usadas como um contraponto à fábrica de espoliação e acumulação capitalista. 

Calando a veracidade dos intelectuais capitalistas, algumas experiências de cooperativas auto-gestoras mostram a viabilidade real deste sistema. 

A política de promoção do ser humano deverá enfaticamente ser sempre a meta de qualquer governo em detrimento da mediocridade atávica gerada pelos favores de campanhas políticas para o grande capital. É muito simples beijar a mão do grande empresário (às vezes, literalmente!), sorrir escancaradamente em luxuosos coquetéis para angariar "fundos de campanha" e preparar planos de governo em que a prioridade é sempre a manutenção da ordem do capital. Apesar da exaustão dos discursos, a fome nunca foi de fato um problema político a ser enfrentado, mas simplesmente é sempre deixada propositadamente de lado. Neste ínterim, Josué de Castro redige: "Mais grave ainda que a fome aguda e total, devido às suas repercussões sociais e econômicas, é o fenômeno da fome crônica ou parcial, que corrói silenciosamente inúmeras populações do mundo". A brutal desigualdade dos recursos materiais somente não é pior do que a estupidez dos que acreditam que ela é fruto tão natural quanto a fusão permanente de átomos dentro do interior do Sol. 

Uma sociedade que priva pela competição selvagem somente parirá seu subproduto maior: a cegueira da barbárie. Podemos nos amparar por várias justificativas, porém é inegável o apego à desagregação e o poder de destruição que as sociedades operam no inconsciente social. Muito mais fácil destinar bilhões de dólares à supostas usinas atômicas em nome de "energia limpa" ao invés de investir em estruturas que busquem operar para a dinâmica de trabalho e desenvolvimento local (o caso da construção de usinas nucleares nas terras fluminenses de Angra dos Reis é emblemático). Os arautos do desenvolvimentismo às cegas dirão que a energia é fundamental para a economia, que por sua vez propicia a criação de riquezas. 

A pergunta é: quem se beneficia do emprego massivo de recursos públicos destinados a operar dentro das engrenagens da iniciativa privada (seja via direta de investimentos, ou indireta da renúncia fiscal/tributária) em nome do santo rótulo do "progresso material"? Se a abundância material é a marca que se projeta do progresso capitalista, qual o motivo da persistência da miséria e da fome? Notadamente, o progresso material na ordem capitalista é profundamente excludente. 

Almas Secas: A Perpetuação do Genocídio (1)
 
Wellington Fontes Menezes é mestrando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), bacharel e licenciado em Física pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Rede Pública do estado de São Paulo.
Contato: wfmenezes@uol.com.brEste endereço de e-mail está protegido contra spam bots, pelo que o Javascript terá de estar activado para poder visualizar o endereço de email
Blog do autor: http://www.wfmenezes.blogspot.com/

Fonte: http://www.correiocidadania.com.br


sexta-feira, 18 de junho de 2010

Almas Secas: A Perpetuação do Genocídio (1)

Estou no cansaço da vida
Estou no descanso da fé

Estou em guerra com a fome
("Terra, Vida e Esperança", Jurandir da Feira/Luiz Gonzaga)

A fome é um tema recorrente. Seja pelo desgraçado som das barrigas roncando dos famélicos, seja pelo espetáculo de sordidez hipócrita como o tema é debatido (e sempre amenizado ou esquecido). Segundo uma estimativa atual da Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 920 milhões de pessoas sofrem de fome crônica no mundo. Sem maiores adjetivações, a fome é muito mais que uma particularidade de uma dada região endêmica, mas sobretudo uma questão profundamente inserida no modo de produção e partilha de riquezas materiais, ideológicas e culturais de uma sociedade. 180610_genocidio_wellington.jpg
 
Para quem vive nos suntuosos escritórios da Avenida Paulista, símbolo lustroso da "locomotiva" paulista, acomodando o farto glúteo em densas poltronas de couro "legítimo", entre um olho nos índices da BOVESPA e o outro olho em algum catálogo em busca da próxima garota de programa para o descontraído "happy hour", a fome seria uma coisa de pobre, preto ou nordestino (geralmente um misto destas três derivações!). Claro, a tal "fome" não passa nem de longe na cabeça de algum agiota financeiro ou um empresário "bem sucedido" no capitalismo à brasileira.
 
Não seria a ética ascética do trabalho que agracia seu crédulo com beatitude do lucro e leva para debaixo do tapete qualquer excrescência a este processo? Na limitada dimensão do mundo e no alto de imponentes edifícios, a ótica do especulador das finanças do engenho capitalista, a fome e a degradação humana são problemas do "gueto" (leia-se, "aquelas criaturas que ficam pedindo esmola nos faróis da cidade" e ponto final!). Para as classes médias e remediadas, a questão da fome oscila entre a caridade recalcada e a "punição merecida" aos lenientes ao trabalho (logo, riqueza e pobreza é uma questão meramente de "sorte para os esforçados"!). Para os burocratas formadores de políticas públicas, os chamados "policymakes", a fome precisa se enquadrar dentro dos padrões orçamentários governamentais. Já para os políticos de amplo espectro partidário, a fome é sempre um mote que angaria um bocado jocoso de votos.
 
Josué de Castro (1908-1973) se debruçou com maior afinco e destaque no estudo da fome no Brasil. Pernambucano de nascimento, médico e sociólogo, conheceu bem de perto o drama existencial do conceito de fome. A definição para as origens da fome merece o destaque das palavras de Castro: "A fome é, conforme tantas vezes tenho afirmado, a expressão biológica de males sociológicos. Está intimamente ligada com as distorções econômicas, a que dei, antes de ninguém, a designação de ‘subdesenvolvimento’".
 
É muito mais simples culpar os miseráveis pela sua própria miséria humana do que querer discutir os reais fundamentos da desequilibrada distribuição de renda entre os indivíduos vivendo numa mesma sociedade. Há ainda aqueles supostos "especialistas" que tratam do tema como se fosse praticamente "profano" a tal ponto que qualquer tentativa de debatê-lo seria em vão (sempre suscitando uma expressão semelhante ao "muito complexo" compondo a discussão da fome). Para os partidários do "complexismo da fome", deveriam perguntar aos que passam fome qual a sensação de não terem absolutamente nada para comer durante horas ou dias (certamente a resposta seria inequívoca!).
 
Naturalmente, dentro dos teares do que o economista austríaco, Karl Polanyi, batizou de "moinho satânico", está o sistema de regulação da natureza capitalista do mercado, que possui na sua gênese a ordem imperativa da desagregação social. O que causa certa perplexidade quando alguns pesquisadores buscam justificar o "ambiente caótico" do capitalismo na aproximação de teorias naturais de caos e complexidade (alguns destes "bombeiros intelectuais" têm a insensatez de adornar tais estudos com um rótulo fantástico de "Econofísica", ou seja, o que seria uma prosaica "Física da Economia"!).
 
Logo, o que sobra para amenizar os conflitos de classes e não proporcionar maiores empecilhos ao capital (por exemplo, revoltas e revoluções por parte dos excluídos do processo deste sistema)? Uma forma muito bem oportuna é patrocinar a querela cristã da piedade ou caridade. Destaca-se no "Novo Testamento" a importância da doação como oferenda divina e não como necessidade de justiça social: "O poder divino deu-nos tudo o que contribui para a vida e a piedade, fazendo-nos conhecer aquele que nos chamou por sua glória e sua virtude" (Segunda Epístola de Pedro, 1:3).
 
A piedade sob a forma de caridade é uma vil promessa de cura que apenas sustenta a linha entre a vida e a morte. Atos de caridade podem ser muito salutares como dogmas religiosos (salvação da alma avarenta em busca de bonança na Terra Prometida), porém, são um nefasto caminho para justificar a suposta amenização da fome. Tratar a questão da fome como um problema isolado e passível tão somente da assistência providencial da caridade na esfera pública é proporcionar a perpetuação latente da degradação humana. A miséria não pode ser estancada com cômodas medidas circenses de piedade contemplativa cujos resultados são paliativos ou inócuos.
 
Excetuando períodos de guerra ou profundas calamidades naturais, é permanente o desequilíbrio social em praticamente todos os países, sejam os mais desenvolvidos, em desenvolvimento ou subdesenvolvidos. O que difere tais blocos de países em diferentes condições de progresso material é o apoio logístico que o Estado concede em cada um destes países, alguns mais propensos à amenização da pobreza, enquanto outros relegam seus habitantes à própria sorte. A fome é o símbolo máximo do lento genocídio do descarte humano.
 
Wellington Fontes Menezes é mestrando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), bacharel e licenciado em Física pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Rede Pública do estado de São Paulo.


Fonte: http://www.correiocidadania.com.br 

terça-feira, 15 de junho de 2010

 Biologia sintética: novas soluções ou problemas?

Fatima Oliveira *

Transformamos uma célula em outra. É a primeira forma de vida na Terra cujo pai é um computador”. Falou John Craig Venter sobre o feito do Instituto John Craig Venter, que substituiu o DNA natural da bactéria Mycoplasma mycoides por um artificial, criado aleatoriamente por computador, e que assumiu o comando da célula!

 

A façanha éa primeira espécie criada por cientistas e consolida a biologia sintética: biotecnologia que, usando saberes da transgenia, da genômica e outros conhecimentos da biologia, da química, da física, da matemática, da engenharia, da biotecnologia e da informática, cria organismos sob medida: com um novo código genético a partir de DNA artificial  (Science,  20.05.2010).

Quem é John Craig Venter? Geneticista norte-americano, 63 anos, fundador da Celera Genomics (1998, Rockville, Maryland, EUA), empresa privada que mapeou o genoma humano, competindo com o Programa Genoma Humano (PGH); é ex-chefe de uma das equipes do PGH, do qual se desligou alegando divergências “técnicas”, porém o centro das polêmicas era o patenteamento do genoma humano, que ele defendia.

Em 1992 esteve na Conferência Sul-Norte do Genoma Humano (Caxambu-MG), ocasião em já solicitara patentes de 3.000 genes, via Institutos Nacionais de Saúde. Declarou ao Jornal do Brasil que a pesquisa do genoma humano não era uma aventura para países pobres. Ao sair do PGH, fundou uma instituição beneficente de pesquisa, a TIGR que sequenciou o genoma do Haemophilus influenza (1995), o primeiro ser vivo sequenciado. Desde então recebeu vultosos financiamentos privados para competir com a equipe do PGH. E  levou!

Ao criar a Celera Genomics, disse que com US$ 200 milhões, e em três anos, realizaria o sequenciamento total do genoma humano. Àquela época o PGH, consumira quase US$ 1 bilhão, entre fundos governamentais e doações, e prometia a sequência completa apenas para 2005. Venter acusou a equipe do PGH de desperdiçar dinheiro público, utilizando uma técnica lenta, quando já estava disponível um processo mais rápido, criado por ele... Em 2006, saiu da Celera Genomics e fundou o Instituto John Craig Venter, agora é um dos deuses da biologia sintética.

Conforme Silvia Ribeiro, pesquisadora do Grupo ETC, “A biologia sintética é uma nova rubrica científica e industrial cujo objetivo é criar formas de vida artificiais a fim cumprir tarefas ao gosto do desenhista. Não satisfeitos com os problemas criados com os transgênicos – seres vivos nos quais se inserem genes de outras espécies –, trata-se agora de construir organismos vivos a partir do zero, desenhados à la carte, a partir da fabricação de módulos de DNA artificial, programados para serem montados uns com os outros”. (Em “Biologia sintética: a vida descartável”).

Para Charbel Niño El-Hani e Vitor Passos Rios, do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia: “A biologia sintética pode ser entendida como a criação de organismos feitos sob medida, sejam eles geneticamente modificados ou construídos a partir do zero (...) O principal objetivo da biologia sintética, bem como sua maior dificuldade, é domesticar o mecanismo de replicação e transcrição de DNA de modo a controlar seu funcionamento, do mesmo modo que um engenheiro elétrico constrói e controla um circuito. É claro que esta empreitada traz consigo toda uma série de questões éticas e sociopolíticas, que não podem ser perdidas de vista. (Em “Vida sintética: uma nova revolução?”).

            Na mesa novas soluções ou problemas?
* Médica e escritora. É do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução e do Conselho da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe. Indicada ao Prêmio Nobel da paz 2005.

Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna

As quatro grandes dívidas

Eduardo Bomfim *

 O Brasil vive uma época de crescimento acelerado em plena crise econômica internacional, quando a Europa patina e vários países da sua comunidade vivem um inferno financeiro de larga magnitude.

De tal maneira que já se chega a comentar o esfacelamento da União Europeia. O que é, acho eu, uma possibilidade remotíssima, senão praticamente nula.

De concreto mesmo é que a onda da bancarrota financeira varreu todos os continentes em uma escala só comparável à grande depressão de 1929. Em comum é que a origem tanto de uma quanto da outra se deu nos Estados Unidos da América.

Quando a atual crise atingiu o País a grande mídia hegemônica nacional, sempre catastrofista e irredutivelmente oposicionista em relação ao governo Lula, esmerou-se em anunciar a derrocada total do desenvolvimento nacional.

Na verdade é o de sempre, o inconformismo de cunho ideológico e político, pelo fato de que o Brasil cresce e, mais que crescer, desenvolve-se com acelerado processo de inclusão social de dezenas de milhões de famílias que saem da linha de pobreza relativa ou absoluta, forjando inclusive uma nova cara da classe média, mais mestiça e mais autenticamente nacional.

Em decorrência desse crescimento e dos projetos estratégicos do Estado brasileiro, coisa abominada pelos neoliberais de Fernando Henrique Cardoso, do papel decisivo do Estado nos destinos do País, o Nordeste também cresceu e avançou em grande ritmo que superou em vários aspectos as regiões mais desenvolvidas, como o Sul e o Sudeste.

No entanto, o bravo Estado de Alagoas é um dos que menos cresceu ou que não acompanhou em mesma escala os outros Estados nordestinos irmãos. E não se pode dizer que não recebeu fartos investimentos do governo federal.

O presidente Lula acaba de liberar nesta terça-feira 1,5 bilhão de reais para obras de duplicação da BR 101 em território alagoano. O que vai implicar em extraordinária injeção de capital, direto e indireto.

Mas apesar de tanto investimento ao longo dos últimos quatro anos nosso Estado encontra-se atolado em quatro grandes graves dívidas. São elas as da educação, da saúde, da insegurança e violência generalizada e das altas e persistentes taxas de desemprego.

As próximas eleições em Alagoas não podem deixar de diagnosticar e apresentar soluções para essas chagas abertas no seio da nossa população. Que são em última instância problemas estruturais fundamentais para a superação de uma realidade que todos nós alagoanos vivenciamos.

* Advogado, Secretário de Cultura de Maceió - AL
Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna.