O tempo está doido!
Escrito por Gabriel Perissé
Tenho ouvido várias vezes, e eu mesmo tenho
repetido sem pensar, uma frase cheia de perplexidade: - É, o tempo está doido!
Doido tempo porque simplesmente não quer obedecer
à nossa lógica. Ficamos espantados se chove demais, se o sol vem e vai embora sem
avisar, sem pedir licença.
Ficamos escandalizados se faz calor no inverno,
se faz frio no verão. Queremos, talvez, abrir um processo contra o tempo quando
ele, doido, não obedece às nossas previsões.
Mas doido o tempo não é. O tempo nunca foi sensato.
Não se pode fazer terapia com o tempo. Nem esperar que ele se comporte como
nós, seres tão sensatos que somos. O tempo e seus temporais não são surtos da
natureza. Não são manifestações hormonais. São, apenas, naturais.
Que idéia doida a nossa, querer que o tempo seja
um rapaz cordato, uma senhora recatada, um cidadão responsável, um funcionário
pontual, honesto, sem gestos bruscos, sem palavras intempestivas, um moço
ajuizado, de temperamento tranqüilo, uma moça com a cabeça no lugar. O tempo não
é gente, minha gente!
Dizem, e digo eu, que o tempo enlouqueceu, que o
tempo está maluco. Devemos então interná-lo num manicômio? Devemos prendê-lo em
camisa de força? Devemos ministrar remédios que o deixem calmo, sereno, sem
tremores, sem lágrimas, sem febres, falando em voz baixa, chuvisco em nosso
ouvido?
O tempo, com o passar do tempo, poderá ficar
ainda mais louco. Se não tomarmos providências imediatas, o tempo vai amanhecer
cada vez mais desgovernado. Poderá tornar-se um problema insolúvel.
Já é tempo de dizer ao tempo que ele administre
melhor suas emoções, peça conselhos, leia algum tipo de auto-ajuda. Não é
fácil, deve ele admitir, vivermos sob tamanho despautério, não é justo que nós,
tão prudentes, sejamos vítimas dessa loucura do tempo, de suas enchentes, suas
ventanias, manias.
Tempo lelé, tempo aloprado que ele é. Tempo
biruta, demente, capaz de matar a gente num acesso de fúria. Tempo que me
desatina, tempo destrambelhado, desvairado. Tempo mentecapto. Tempo pancada,
batendo até altas horas o seu tambor. Tempo pinel.
Saio de casa sem saber o que o tempo vai
aprontar. Levo guarda-chuva, roupa de inverno, desconfio das nuvens, não me
impressiono com a brandura do sol.
E, à noite, o tempo não dorme. Fica acordado,
tempo lunático, sua insônia me deixa agitado. Também não consigo dormir.
Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor. Website: http://www.perisse.com.br/
Fonte: http://www.correiocidadania.com.br