Uso e abuso dos professores
Escrito por Gabriel Perissé
Li na Folha de S. Paulo, no dia 23 de janeiro de
2010, matéria assim intitulada: "SP admite ter de usar professor
reprovado".
O verbo "usar" entra pelos olhos,
assalta as mentes, espanca o coração, cai torto no estômago e nos faz mal.
O verbo "usar", bem conhecemos. Eu,
você, todos nós usamos o verbo "usar". Usamos e abusamos. Faço uso
desse verbo porque muitas coisas eu aprendi a usar.
Uso roupa, uso computador, uso escada para subir,
uso papel para escrever, uso dinheiro para comprar, uso carro para me
transportar, uso de tudo que é lícito para viver humanamente.
Usar não é errado quando uso e manipulo o que é
usável e manipulável: objetos a meu dispor, simples ou complexos, caros ou
baratos, de qualidade ou vagabundos.
Mas usar pessoas, isso não; isso é demais da
conta. Usar pessoas, jamais! Usar alguém para escalar. Usar alguém para ganhar.
Usar alguém para gozar. Usar alguém para vencer. Usar alguém é coisa que
ninguém deveria fazer. Usar alguém não é do bem. Usar alguém faz mal, e faz mal
aos dois: a quem é usado, e também àquele que usa!
Dirão, talvez, que entendi mal. Que o título da
matéria não tem maldade. Que "usar" é assim mesmo, usamos sem pensar.
Que temos aí um modo de escrever inofensivo. Que estou exagerando a força da palavra.
Que estou usando mal a minha capacidade de ler o jornal. Que estou vendo
coisas.
Contudo, lá está, a matéria diz: os professores
reprovados serão usados. Usados, concluo, porque foram reprovados. E foram
reprovados porque sempre foram usados. Porque têm sido objeto de uso e abuso.
O professor fez a prova e foi reprovado. O que
será que essa prova provará? Será essa prova eliminatória ou
"humilhatória"? O governo de São Paulo garante que o professor, mesmo
reprovado, será usado. E ele, o professor, que já se habituou a ser usado faz
tanto tempo, voltará a ser temporário. Por quanto tempo?
Usado e mal pago, de manhã, à tarde e à noite, o
professor se sente manipulado como uma coisa. Sem aplauso, excluso, mero
parafuso, o professor aceita ser usado.
E aqueles que, useiros e vezeiros em usar os
professores, humilham o docente, provam, na verdade, que não sabem servir a
sociedade. E se não vivem para servir, para que servem?
Gabriel Perissé é Doutor em Educação pela USP
e escritor.