Livraria como lugar de terapia
Entrar numa livraria é, em si mesmo, um ato
terapêutico. Tudo ali converge para a cura do tédio e outras doenças: livros
que querem gente e gente que gosta de livros, gente que trabalha com livros e
gente buscando livros, cheiro de livro, livros em exposição, suas capas, a
sensação incontestável de que o mundo é feito de papel e palavras.
Pelo menos uma vez por semana, saia da cama
com a idéia fixa: entrar numa livraria. Fique ali durante meia hora, ou mais.
Toque os livros e se deixe observar por eles.
Escolha um, leia algumas páginas ao acaso.
Visite autores conhecidos. Conheça novos autores. Não pisque, não hesite,
arrisque, molhe os pés nas águas frias de algum livro.
Não é preciso comprar nenhum livro no dia em
que estiver na livraria. Basta ficar ali dentro, experimentando o clima livral,
como se o mundo fosse aquilo só, aquela fosse a paisagem em que nos coube
viver.
Escolha um dia qualquer, entre na livraria,
para ouvir a respiração dos livros, seus sussurros, seus chamados silenciosos,
sentir no ar a aflição dos livros — porque eles querem sair dali para conhecer
a realidade aqui fora.
Se algum livro conquistar você, compre-o
então, tire-o dali, daquela prisão, daquela redoma, daquele orfanato, daquele
abismo. Leve-o para fora, prometa-lhe a leitura mais intensa, as descobertas
mais empolgantes, os delírios de quem lê. Leve-o para fora dali. Para dentro da
sua vida.
O livro comprado e levado é mais do que uma
nova companhia. É compromisso para sempre, na euforia e na depressão, na
miséria e na abundância, sem possibilidade de empréstimos, pois bem sabemos que
livro não se empresta... Nem se devolve.
Ao chegar em casa, deixe o livro descansar um
pouco, não tenha pressa. Deixe que ele se sinta à vontade. Mais tarde, quando enfim vocês dois estiverem juntos e puderem conversar em paz,
esqueça-se de tudo, para lembrar o essencial.
Contudo, muitos outros livros estão ainda na
livraria, sem destino, correndo o risco do encalhe, abandonados à própria
sorte, ameaçados pelo esquecimento, pela morte. É preciso, portanto, voltar até
lá, mergulhar outra vez na livraria.
Entre na livraria qualquer dia desses. Lá
estão eles, os livros. Não queira saber se são caros ou baratos, famosos ou
modestos, compreensíveis ou obscuros. Entre lá. Eles estão esperando por você,
ansiosamente.
Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor.
Website: http://www.perisse.com.br/
Escrito por Gabriel Perissé - 22-Mar-2010