O pensamento vivo de José Saramago
Carlos Pompe *
Deixou de
bater, dia 18 de junho, o coração do escritor, pensador, jornalista e
político (filiado e, por um período, dirigente do Partido Comunista
Português) José Saramago. Grande leitor e admirador da obra de Karl
Marx, atuava também como um militante ateísta, combatendo o pensamento
religioso. Perseguido pelo governo português e pela Igreja Católica,
criticado por sionistas e obscurantistas de toda a sorte, dizia ter a
“pele dura” para aguentar – e responder – os ataques que sofria. Um
pouco de seu pensamento:
"Eu sou um comunista hormonal, meu corpo contém hormônios que fazem
crescer minha barba e outros que me tornam um comunista. Mudar, para
quê? Eu ficaria envergonhado, eu não quero me tornar outra pessoa". (ao
repórter da BBC Alfonso Daniels, junho de 2009).
“Você sabe, eu nunca escondi minhas convicções. Sou comunista e por
isso sou tratado como inimigo da democracia. Pelo contrário, eu quero é
salvar a democracia e para isso é preciso criticar esse simulacro de
democracia em que vivemos. As democracias ocidentais são fachadas
políticas do poder econômico. Fachadas com cores, bandeiras, discursos
intermináveis sobre a democracia.” “Foi o poder econômico que enfiou nas
consciências que o mercado deve agir de mãos livres e, assim fazendo,
levou à conclusão de que o pleno emprego é um obstáculo”. (entrevista a
Didier Jacob, Le Nouvel Observateur, novembro de 2006)
"Que Ratzinger tenha a coragem de invocar Deus para reforçar seu
neomedievalismo universal, um Deus que ele jamais viu, com o qual nunca
se sentou para tomar um café, mostra apenas o absoluto cinismo
intelectual desta pessoa."
“Deus não existe fora da cabeça das pessoas que nele creem.
Pessoalmente, não tenho nenhuma conta a ajustar com uma entidade que
durante a eternidade anterior ao aparecimento do universo nada tinha
feito (pelo menos não consta) e que depois decidiu sumir-se não se sabe
para onde. O cérebro humano é um grande criador de absurdos. E Deus é o
maior deles”.
“Caim (sua última publicação) é um livro escrito contra toda e
qualquer religião. Ao longo da História, as religiões, todas elas, sem
exceção, fizeram à humanidade mais mal que bem. Todos o sabemos, mas
não extraímos daí a conclusão óbvia: acabar com elas. Não será
possível, mas ao menos tentêmo-lo. Pela análise, pela crítica
implacável. A liberdade do ser humano assim o exige”.
(entrevista a Ubiratan Brasil, O Estado de São Paulo, outubro de 2009)
“O poder de cada um de nós limita-se na esfera política a tirar um
governo de que não gosta e colocar outro de que talvez venha a gostar.
Mas as grandes decisões são tomadas em outra esfera. E todos sabemos
qual é: as grandes relações financeiras internacionais.” (Folha de S.
Paulo, 2008)
"Estamos afundados na merda do mundo e não se pode ser otimista. O
otimista, ou é estúpido, ou insensível ou milionário". (dezembro de
2008, na apresentação em Madri de "As pequenas memórias").
“Hoje, existe uma espécie de menosprezo por essa coisa tão simples
que antes era falar com propriedade. Quando eu era trabalhador, sempre
tinhas as ferramentas limpas e em bom estado. Não conheço uma
ferramenta mais rica e capaz que o idioma. E isso significa que se deve
ser elegante na dicção. Falar bem é um sinal de pensar bem”.
(entrevista coletiva no lançamento do As pequenas memórias, 2006)
“Uma vez que foi dito e do dito se fez escrito para valer e dar fé”.
(História do cerco de Lisboa, 1989)
“... cada um de nós é, acima de tudo, filho das suas obras, daquilo
que vai fazendo durante o tempo que cá anda”. (Crônica Retrato de
antepassados, in Os apontamentos, 1976)
“... aos jornais e demais meios de comunicação sociais pela
facilidade com que passam dos aplausos do capitólio às precipitações da
rocha tarpeia, como se eles não fossem uma parte activa na preparação
do desastre”. (Ensaio sobre a lucidez, 2004)
“Eu digo de outra maneira aquilo que a minha avó disse, já devia
estar farta de viver, e disse: o mundo é tão bonito e eu tenho tanta
pena de morrer”. (frase dita ao cineasta Fernando Meirelles, que
adaptou “Ensaio sobre a cegueira” para o cinema)
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* Jornalista e curioso do mundo.
Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna
Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna