quarta-feira, 10 de junho de 2015

TROCA DE CARTAS: Uma forma de estimular a escrita em sala de aula

Proposta conquista os alunos ao pôr em cena um leitor real e mostra que a produção escrita na escola pode, sim, ir muito além da dissertação entregue ao professor.

Para quem escrevemos? Em sala de aula, muitas vezes apenas para o professor, encarregado de corrigir redações e provas. Na "vida real", no entanto, a escrita é muito mais do que a capacidade de encadear frases bem construídas - como ferramenta de diálogo e interação, ela expressa parte do que nós somos e cria uma ponte para o universo das outras pessoas. Mas como motivar a escrita no contexto escolar muito mais pela vontade do que pela obrigação? Muitos professores encontram a resposta em atividades que unem o exercício escolar à realidade fora dos muros da escola, como a troca de correspondências.

Não é difícil encontrar experiências que deram certo. Em Bariri (SP), cidade com cerca de 30 mil habitantes, a professora de língua portuguesa Meire Fiuza Canal promove as trocas entre alunos do ensino fundamental de duas escolas estaduais. Ao longo dos últimos dez anos, a professora testou vários formatos e hoje aponta o que funciona melhor: aquele que estimula de fato a curiosidade do aluno e a preocupação com o interlocutor. Por isso, trocar cartas entre estudantes de escolas ou cidades diferentes tende a dar melhores resultados do que, por exemplo, pedir que as correspondências sejam escritas para familiares, pessoas que os alunos já conhecem e que muitas vezes não participam ativamente da troca.

"O que estimula é essa possibilidade de pensar que o leitor existe", conta a professora. "Até quem não gosta ou diz que não sabe escrever bem acaba participando. É muito bom para ensinar as convenções da escrita, porque o aluno não quer escrever de forma errada para o outro. Ele tem interesse em apresentar o texto para correção do professor e, depois, em saber qual foi a reação do outro estudante à carta dele." No blog De Carta em Carta, Meire registra o dia-a-dia das atividades, apresenta reflexões e conta a história do projeto - que se tornou tema de livro e levou a professora a receber o Prêmio Professores do Brasil, criado pelo MEC, em 2009.

► REDES SOCIAIS x PAPEL

Em Minas Gerais, uma outra experiência de troca de cartas começou em 1997, com apenas quatro turmas, e hoje envolve cerca de 1,5 mil alunos de nove escolas de Belo Horizonte e cidades próximas. São, principalmente, estudantes do nono ano do ensino fundamental e do terceiro do ensino médio. A troca de cartas acontece ao longo do ano e tem como ponto alto um encontro em que todos se conhecem e realizam apresentações culturais. O projeto foi batizado de Intercâmbio Cultural BH-Jabó, em referência à capital mineira e a Jaboticatubas, as primeiras cidades envolvidas na troca de correspondências.

Para a professora Ilma Pereira Nunes Moreira, coordenadora do projeto, o principal atrativo está no mistério que a atividade envolve: nas cartas, os alunos usam pseudônimos, não trocam fotos e não revelam o local exato de onde escrevem. A atividade passou a ser desenhada dessa forma após uma experiência em que os alunos descobriram os perfis de seus pares em redes sociais - um ruído que, segundo Ilma, abalou a proposta original da atividade. Outro mérito da troca de cartas, avalia a professora, está em treinar a capacidade de esperar. "O aluno sabe que vai levar um tempo até ter uma resposta. Em meio à comunicação alucinante nos meios digitais, é muito interessante como essa proposta seduz."

É possível, entretanto, conduzir a atividade mesmo com uma comunicação paralela em redes sociais. "Não acho que atrapalhe", avalia Meire. "O aluno percebe que se trata de uma outra linguagem, que o virtual é mais um canal que pode e deve ser usado. Ele sabe que pode escrever ''pq'' no Whatsapp, por exemplo, mas que na carta deve usar ''porque''."

► ACIMA DE TUDO, UMA ATIVIDADE PEDAGÓGICA

Segundo as professoras Meire e Ilma, o docente não pode perder de vista que a atividade tem, em primeiro lugar, um propósito pedagógico: trabalhar aspectos da língua portuguesa e da construção textual. Por isso, é essencial que as cartas passem por um professor antes de serem enviadas. "Nós combinamos com os alunos que, nesse contexto, a carta é pessoal, mas não é confidencial", conta Ilma. Meire aponta que a leitura prévia do professor é importante também para evitar situações que possam causar mal-estar, como um aluno escrever xingamentos endereçados ao outro. Para que a dinâmica funcione, é preciso o comprometimento de todos os professores envolvidos.

Segundo a professora Regina Celi Pereira da Silva, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), o sucesso desse tipo de atividade depende justamente da forma como ela é estruturada pelo docente. "É preciso sempre tomar cuidado com o artificialismo. O objetivo é tentar aproximar essas práticas ao máximo de trocas autênticas", diz a professora. Para isso, o contexto em que a atividade será realizada é muito importante - o professor precisa estar atento às diferenças entre turmas, escolas e cidades.


► A DESCOBERTA DE OUTRAS REALIDADES

"Tia, já chegou a carta?" Os alunos do primeiro ano do ensino fundamental de uma escola particular de Cruzeiro (SP) ficam ansiosos pela resposta dos colegas. "Como já trabalhávamos com bilhetinhos, eles tinham noção do que deveriam fazer nessa atividade", conta a professora Mariana Aparecida. A escola participa do projeto Cartas pelo Brasil, do Sistema de Ensino Poliedro (SEP), que promove trocas de cartas entre crianças de diferentes cidades. Mariana conta que a distância instiga a curiosidade dos alunos e abre espaço para trabalhar com mapas na sala de aula.

João Puglisi, gerente editorial do SEP, diz que a atividade tem duas funções básicas nesse contexto: trabalhar a carta como apoio para a alfabetização e, ao mesmo tempo, despertar a curiosidade da criança em torno de questões "que não estão tão próximas dela, que se referem a lugares que ela nem imaginava existirem". A atividade é tratada como um projeto complementar, conta Puglisi. Cabe ao SEP cadastrar as instituições interessadas, mapear os alunos e indicar as escolas para a troca de cartas.

Patrícia Pereira Marques, professora de língua portuguesa em Jaboticatubas, participa do Intercâmbio Cultural BH/Jabó e tem experiência com a troca de cartas no nono ano do ensino fundamental e no terceiro ano do ensino médio. "Eu digo para meus alunos que o objetivo é conquistar o outro por meio das palavras. Noto que os estudantes do nono ano tendem a criar mais expectativas quanto ao amigo com quem eles se correspondem, enquanto o aluno do ensino médio é mais ''pé no chão'', embora também crie um vínculo muito forte", analisa a professora. "Um aluno do terceiro ano me contou que guarda até hoje as cartas do ensino fundamental."

Para a professora e pesquisadora Regina Celi Pereira da Silva, a importância da autenticidade é ainda maior no ensino médio. Uma possibilidade é estimular os alunos trabalhando com temas transversais e ligados à cidadania. Regina cita, como uma boa inspiração, a conversa entre alunos e idosos nos EUA promovida por uma escola de inglês e que ganhou grande visibilidade nas redes sociais.

Regina, que pesquisa as práticas sociais de escrita, vê com bons olhos as atividades que associam o ato de escrever à sua função interativa. "Apoio práticas que busquem sair do lugar comum. A escrita perpassa tudo e é muito limitador deixá-la só naquele ''pacotinho'' da redação tradicional, que o aluno escreve apenas para que o professor corrija. A redação escolar deve ter seu espaço, mas é importante possibilitar a produção de outros gêneros."

Meire conta que, com a troca de cartas, a melhora na capacidade escrita dos alunos é visível. "Basta comparar a primeira e a última carta que o aluno escreveu no ano", diz a professora. "Além disso, percebemos um empenho maior. Casos de alunos que, por exemplo, entregam pouquíssimas das demais atividades, mas participam de toda a troca de cartas." Ilma tem a mesma percepção: "Estudantes considerados apáticos conseguem escrever duas, três páginas. O envolvimento na aula é outro".

► COMO ESTRUTURAR A ATIVIDADE?


Rascunho de carta feito em caderno e pacote com as correspondências dos alunos pronto para ser entregue a outra turma (imagens: blog De Carta em Carta)

Não existe receita para desenhar uma atividade de troca de cartas, mas muitas vezes a experiência de outros professores pode ser útil. Veja, nos tópicos a seguir, como a professora Meire, de Bariri, organiza atualmente a atividade:

1. A professora pergunta aos alunos de uma determinada sala se eles aceitam participar da troca de cartas. Com a resposta positiva, ela convida uma sala de outra escola - pode ser tanto uma turma dela mesma quanto a de outro professor.

2. É preciso, então, listar os nomes dos alunos e definir os pares. O estudante pode escolher se corresponder com mais de um colega.

3. É hora de planejar a escrita. Normalmente, a professora apresenta a estrutura para a redação de uma carta e um roteiro de temas para que os alunos se apresentem na primeira correspondência. Os alunos começam com um rascunho da carta que pretendem enviar e depois chegam a uma redação final, apresentada à professora. Com o tempo e mais trocas, o diálogo entre os pares vai se desenvolvendo, cada um por um caminho.

4. Todas as cartas são reunidas em um pacote, que será entregue à outra sala. "É preciso tomar cuidado para não perder nenhuma carta", diz Meire.

5. Para organizar a leitura, a professora pede que os alunos leiam as cartas de resposta apenas quando todas estiverem entregues. "Nesse momento há um silêncio absoluto, em que todos estão lendo. Em seguida, é preciso conter a ansiedade - muitos alunos já querem responder -, mas a próxima etapa precisa ser planejada."


terça-feira, 2 de junho de 2015

Os 4 principais desafios do coordenador pedagógico

Apesar de estar ganhando espaço na escola, o coordenador pedagógico ainda tem de lidar com desafios que testam seus limites todos os dias. Saiba como trabalhar com a pressão e superar esses obstáculos

Por Luciana Alvarez

Articulador do projeto pedagógico, formador do corpo docente, transformador do ambiente escolar. Em sua função plena, o coordenador pedagógico se assemelha a um regente: conduz a orquestra com gestos claros e instiga um intenso senso de união entre seus pares. Mas a realidade nas escolas brasileiras ainda desafina. Sem plano de carreira específico, sem formação adequada, com demandas diversas que o desviam da função, o coordenador pedagógico enfrenta, ainda, diversos tipos de pressão. 

A formação docente, que deveria estar no centro de suas funções de articulador, é relegada a segundo plano pela falta de tempo e planejamento. A relação com a família, vitrine do projeto pedagógico da escola, sofre com mal-entendidos gerados por estereótipos consagrados. Os resultados de avaliações externas pressionam por resultados imediatos do trabalho cotidiano, que muitas vezes precisa ser regido em outro tempo. E o modelo de gestão escolar, se não é descentralizado, gera inevitáveis desgastes com a direção da escola. Coordenadores pedagógicos e especialistas em educação descortinam esses cenários e propõem possíveis caminhos de escape para essa panela não explodir. A conclusão é a de que, com diálogo, trabalho em equipe e clareza de funções, é possível, sim, afinar a orquestra.


► Desvio de função

A boa notícia é que, apesar de tantos problemas persistentes, a identidade desse profissional está cada vez mais fortalecida e seu papel dentro da escola vem ganhando reconhecimento. Mas, afinal, qual cenário tem levado os coordenadores a estarem em um ambiente tão complexo?

Nos documentos legais e nos estudos acadêmicos, a discriminação das funções do coordenador pedagógico é muito clara, mas a prática é bem diferente do que o descrito no papel, explica Vera Placco, professora da pós-graduação em psicologia da educação na PUC-SP e uma das organizadoras da coleção O coordenador pedagógico (Editora Loyola). 

Para a professora, o fato de as demandas do próprio sistema de educação, dos diretores, dos pais e alunos serem diferentes acaba contribuindo para desviar o coordenador de sua função original. "Uma escola tem sempre urgências, e o coordenador pedagógico acaba solicitado nesses momentos. Há um descompasso muito grande, com demandas contraditórias", afirma.

A falta de clareza do próprio coordenador sobre suas responsabilidades ajuda a acentuar o desvio de sua prática profissional. "A própria não formação faz com que, às vezes, o coordenador não tenha certeza de como desempenhar seu papel. Ele não se sente seguro e acaba se dedicando a outras tarefas", diz Vera. 

A falta de formação específica para o cargo seria, então, o primeiro obstáculo a ser superado. A formação inicial dos cursos de pedagogia - que seria o momento mais indicado para entrar em contato com as atribuições desse profissional - mal toca na questão. O coordenador se vê diante do desafio de buscar sua própria formação teórica, sob a necessidade de se especializar constantemente. Experiências práticas na sala de aula também são importantes, mas sabe-se que nem todo bom docente se torna um bom coordenador. "Um professor da escola que assume a função de coordenação muitas vezes não teve em seu percurso formativo algo que lhe permita ver a necessidade de interlocução com a comunidade. Isso é essencial para o trabalho", afirma o professor Guilherme Prado, da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). 


► Mas, afinal, qual a sua função?

Prado acredita que o centro do trabalho do coordenador pedagógico seja potencializar o repertório dos professores a favor da aprendizagem das crianças e jovens. "O trabalho se dá a partir da interlocução das necessidades da comunidade que a escola atende, com as necessidades formativas daqueles professores e as exigências do currículo", define.

Vera defende que o profissional tenha perfil apoiado em três pilares: ser um formador, um articulador e um transformador. Formador porque vai ajudar o corpo docente a se aprimorar. "Para ser um formador e ajudar o professor a lidar com seu próprio conhecimento é preciso entender de didática e metodologias. Mas não precisa ser especialista em física para discutir com o professor de física sobre como ajudar os alunos a aprenderem mais", exemplifica. O coordenador deve ainda articular as pessoas, os processos de aprendizagem e o projeto pedagógico da escola. 

Por fim, o caráter transformador visa incentivar - ou até mesmo provocar - a todos na escola a buscarem avançar constantemente. "É uma questão de atitude, que tem a ver com uma visão de educação, de sociedade e de pessoas, que implique reconhecer que estamos sempre em mudança. O coordenador deve cutucar o professor - porque fazer a mesma coisa no ano seguinte é um retrocesso", afirma Vera. 


► Batalha pela carreira

Por ser, na maior parte das vezes, uma função assumida por um professor, o coordenador muitas vezes sofre por não ter uma carreira específica. No sistema estadual do Rio de Janeiro, por exemplo, até 2011 nem sequer a função de coordenador estava regulamentada - os diretores escolhiam de maneira informal algum professor de sua confiança para assumir o papel. Mesmo instituída nas redes públicas, a questão da carreira, de forma geral, continua mal resolvida, também na rede particular. "Por não ter garantia, o coordenador fica numa posição frágil, sem certeza de continuidade, sem saber se vai estar lá amanhã", afirma Cecilia Hanna Mate, docente da Faculdade de Educação da USP. Para ela, essa é uma questão trabalhista que acaba se refletindo nos processos de ensino-aprendizagem da escola. "Mas mesmo na precariedade, há coordenadores que abraçam sua função e fazem um trabalho excelente", ressalta. 

A carreira do coordenador pedagógico deveria ser atraente, com previsão de formação continuada, e reconhecida pelos seus pares. "É preciso uma mobilização dos professores pela valorização do trabalho do coordenador. A função precisa ser cuidada porque é fundamental", defende. Cecília lembra que, quando começou sua carreira nos anos 80, os professores faziam suas aulas sozinhos, sem nenhum auxílio. O que se tem hoje, com horários de reunião previstos na semana de trabalho, embora ainda insuficiente, representa um avanço enorme. 

A negligência de muitas escolas em olhar para esse papel importante contribui para a distorção da função. "Quanto mais a escola tiver um projeto político pedagógico bem construído, mais alinhavado, mais claros os papéis de cada ator - e mais interessantes os resultados", avalia. 

E quanto mais democrática for a escola, maior a necessidade de um bom coordenador pedagógico, acredita Luiza Christov, professora do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (Unesp). "Nos anos 70 já havia um profissional com nome semelhante, mas era outra concepção. Ele era um técnico que preparava apostilas, nada era discutido. O coordenador se faz necessário sob uma perspectiva democrática de escolas, em que ela vai sendo construída por professores, alunos, pais, funcionários." 


► Um novo lugar

Assim, é a partir dos anos 80, com o processo de redemocratização depois da ditadura militar, que esse profissional começa a conquistar o seu lugar. Desde então, os documentos oficiais dos sistemas escolares insistem na construção coletiva do projeto de escola. Segundo Luiza, na equipe de gestão, o diretor deve garantir as condições de infraestrutura, e os coordenadores devem promover o desenvolvimento das reflexões sobre a aprendizagem.

Mas embora a necessidade da gestão democrática seja conhecida e debatida há três décadas, o desafio prático ainda se faz presente, sobretudo quanto a se criar um tempo para encontros e elaborações coletivas, pois elas exigem "negociações, enfrentamento de conflitos, superação de vaidades e cultivo da escuta". E mesmo escolas que foram concebidas de forma democrática têm de continuar cuidando de seus espaços coletivos, para atualizar suas práticas, currículos e gestão. "A escola é movimento sempre", lembra Luiza. 

O resultado é que, quando os obstáculos são superados, todos se beneficiam. Como um efeito cascata, funcionários e professores que são ouvidos estarão mais predispostos a ouvir seus alunos dentro da sala de aula, promovendo um aprendizado mais dialogado e significativo. Alunos mais ouvidos por professores e gestores tendem a participar de forma mais construtiva, sentindo-se de fato pertencentes à escola. 

Nesse sentido, entra a questão da reorganização dos tempos escolares, para que o coordenador possa estar junto dos professores, tanto individual quanto coletivamente, de forma tranquila, que possibilite uma reflexão aprofundada. O imediatismo das respostas aos sistemas, a burocratização dos documentos e das ações, a hierarquização das relações e as condições precárias de trabalho acabam tomando grande parte dos tempos que seriam destinados à construção coletiva do currículo e projeto de escola, afirma a professora da Unesp. 

Por fim, todos os coordenadores deveriam também ter um acompanhamento à sua disposição. "Os coordenadores cuidam dos professores, mas precisam de alguém que cuide deles", defende Luiza. Esse olhar próximo seria tanto para lhes cobrar ações, quanto para auxiliá-los - assim como eles devem fazer com os professores. 

Embora o caminho seja longo, os que estudam o tema reconhecem que nessas três décadas de lutas por uma escola democrática, os coordenadores pedagógicos acumulam inúmeras conquistas. Mesmo em face de tantas adversidades, os coordenadores normalmente se mostram um grupo interessado e dedicado, observa Vera Placco, da PUC. "O que vejo é que os coordenadores querem se aperfeiçoar, pesquisar, ir para a prática. Eles estão cada vez mais preocupados, reivindicando mais espaços e formação para si próprios", relata. A batalha tem se mostrado longa, mas a maioria segue disposta a lutar.




Coordenador pedagógico: como superar os desafios


1. FORMAÇÃO CONTINUADA

■ Estar aberto ao diálogo
■ Levantar questões junto aos docentes
■ Instituir devolutivas como uma constante
■ Abandonar a "fiscalização" de salas de aula
■ Dar palavra aos professores durante reuniões
■ Destacar os acertos para só então tratar dos problemas
■ Fundamentar teoricamente suas observações
■ Definir os instrumentos que vão guiar o seu acompanhamento
■ Ajudar os professores na reflexão de sua prática, com atitude parceira
■ Variar as formações com temas que extrapolem o âmbito pedagógico

2. Relação com as famílias

■ Entender a lógica das famílias: para muitas, ainda há uma visão distorcida dos papéis da escola
■ Evitar situações de embate
■ Trabalhar educativamente, também com os adultos
■ Trazer a família para o centro da escola
■ Envolver os pais em eventos relacionados aos projetos desenvolvidos em sala de aula
■ Aproximar a família dos processos de aprendizagem das crianças
■ Ter abertura para escutar, mas nunca ferir o projeto pedagógico da escola
■ Apresentar o PPP na primeira reunião e cada ciclo


3. Avaliação externa

■ Relativizar os resultados - eles não são uma sentença final
■ Levar as informações aos professores, mas ao mesmo tempo escutá-los
■ Escapar da lógica do ranqueamento e da padronização
■ Articular ações que fortaleçam práticas pedagógicas que promovam a autonomia e a criatividade
■ Buscar caminhos próprios com a equipe
■ Estimular a gestão democrática

4. Lidar com a direção

■ Manter um bom relacionamento interpessoal, lembrando que a equipe gestora não tem posições iguais
■ Buscar posições coincidentes sobre a importância de ensinar e aprender e do papel da escola
■ Estar aberto ao diálogo, respeitando as diferentes funções
■ Valorizar o trabalho dos outros membros da equipe

domingo, 31 de maio de 2015

PEDAGOGIA DA DIFERENÇA

''As escolas têm de avaliar seu próprio ensino, entender para quê serve a avaliação e adotar formas mais evoluídas de avaliar alguém no processo educativo.''
Por, Maria Marta Avancini

Maria Teresa: educação especial deve ser complementar,
e não substitutiva.
A inclusão escolar não depende de infraestrutura ou de adaptações curriculares que atendam às necessidades individuais dos alunos com deficiência. Para ser plena e efetiva, a inclusão requer, antes de tudo, a compreensão de que a diferença é inerente ao ser humano - diferença entendida aqui não como as características específicas de uma categoria de pessoas, por exemplo, as pessoas com deficiência, mas a diferença que permeia a humanidade e que torna cada ser um único em suas capacidades e habilidades. 

Dar conta dessa característica da humanidade é o desafio que se coloca a uma escola que se pretenda inclusiva, como destaca a pedagoga Maria Teresa Eglér Mantoan, professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (Leped). A especialista, que acaba de lançar Inclusão escolar - O que é? Por quê? Como fazer? (Summus), ressalta nesta entrevista a importância, os desafios e a obrigatoriedade, por parte das escolas, de acolher todos os alunos por meio de formas mais solidárias e plurais de convivência. 

Sendo uma das maiores especialistas na área, como a senhora define a inclusão?

A inclusão vem justamente da ideia de que nós não temos o direito, de forma alguma, de tratar algumas pessoas de forma diferente e, em função disso, estabelecer um mundo diferente para elas - uma sociedade diferente, uma escola diferente. A inclusão é justamente a compreensão de que é a diferença o que nos constitui, não a igualdade. Nós temos igualdade perante a lei, o que não significa que sejamos iguais. Um erro comum dos professores, da escola e até dos pais é pensar que a inclusão é a inclusão da criança com deficiência. Mas e aquele menino que entrou na escola naquele ano, veio de outro estado, tinha uma linguagem diferente, não deu conta de todos os conteúdos? Ele também está em um processo inclusivo.




A senhora está lançando um novo livro sobre o tema. Qual é a proposta da obra?

Meu objetivo é tornar acessíveis ideias que possam parecer complexas e que, por serem inovadoras, costumam gerar uma resistência por parte das pessoas. A inclusão é uma ideia dessas, uma ideia que rompe paradigmas, que traz para a escola um grande desafio: abandonar esse padrão de pseudo-homogeneidade que ela almeja. Isso, evidentemente dentro dos cânones da escola, que são conservadores, significa alguma coisa que não só desafia, como também amedronta. As pessoas perdem a segurança de atuar dentro de determinados padrões, porque se veem diante de um cenário novo em que as crianças que estão lá não são as crianças dominadas pela escola. São crianças que mostram, principalmente, o que está faltando na escola. 

A pesquisa Conselho de Classe - a visão do professor no Brasil, da Fundação Lemann, mostrou que 7% dos professores consideram como tema mais urgente a falta de estrutura para atender as crianças de inclusão na escola. Como os professores podem ajudar na política de educação inclusiva se eles ainda se sentem desamparados?

Essa questão remete a uma parte do meu livro, o "como fazer", como os professores devem atuar numa perspectiva inclusiva para atender toda e qualquer criança. Nessa lógica, as crianças incluídas não são aquelas que precisam de uma pedagogia diferente, de uma atividade diferente, de um currículo adaptado para darem conta na escola. É a escola que tem de se modificar para atender as crianças, e não as crianças que têm de se modificar para atender a escola. Um resultado como esse mostra que a escola não entendeu isso ainda. Que estrutura é essa que os professores estão esperando? É uma estrutura de escola especial que vem para não mudar nada, e esses meninos ficarem sob a responsabilidade dela? Ou é uma nova estrutura na qual os professores têm de trabalhar a partir de um referencial de ensino e aprendizagem que não é o mesmo que a escola utiliza para dar conta do processo educativo das crianças que ela considera dignas de estarem lá? 

A escola tem de mudar?

Sim, e mudar não significa exclusivamente ter uma estrutura para atender essas crianças. Mudar, dentro do ponto de vista inclusivo de educação, é mudar para que a escola possa atender a todos sem diferenciar pela deficiência de alguns alunos. A avaliação muda, mas não muda só para essas crianças, muda para todo mundo. As atividades também. A organização curricular muda, mas não muda só para essas crianças, com adaptações à capacidade delas. À luz da Política [de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva], a educação especial deixou de ter a função de auxiliar essas crianças nos conteúdos escolares. Cabe, agora, oferecer recursos que tornem as crianças, o máximo possível, autônomas e independentes para aprender aquilo que é oferecido na escola. É difícil porque os professores e a escola querem que o professor da sala de multirrecursos assuma o papel que é do professor de sala. Os professores querem saber o que devem fazer para ensinar tabuada, para alfabetizar o menino que é deficiente. Esse é o ponto. Ninguém quer mudar aí: se há alguma dificuldade para a criança aprender tabuada, este é visto como um problema do professor de educação especial. Então o professor de classe vai até ele perguntar como fazer. 

Nessa linha de raciocínio, a Política, que prevê, por exemplo, as salas de recursos multifuncionais, não reforça essa expectativa da escola regular?

Ao contrário. A Política estabelece que a educação especial não é mais substitutiva, ela é complementar. Ela não pode substituir conteúdo, atividade, o ensino de uma classe comum. Isso era atribuição das escolas especiais e das classes especiais. Na perspectiva atual, a educação especial é complementar porque ela oferece conhecimentos para alguns alunos que a escola comum não dá, como aulas de Libras, por exemplo. O currículo da sala de recursos multifuncionais - que são as salas de educação especial - não é o currículo escolar. Qual a vantagem disso para o professor da sala comum? Ele passa a ter um esclarecimento das necessidades da criança e pode pensar, em conjunto com o professor da sala de recursos, como atuar com este aluno.

Mas por que permanece a mentalidade de usar a sala de recursos como espaço de aprendizagem de conteúdos que deveriam ser dados na sala de aula regular?

Essa mentalidade não muda por causa das cobranças ao sistema de ensino. Os sistemas de ensino se dizem inclusivos, mas a cobrança é sobre a educação especial, e não sobre a escola comum. Isso ocorre desde a esfera federal até a municipal. A esfera federal tem uma política avançada em termos de educação inclusiva, mas a Secretaria de Educação Básica do MEC continua sinalizando o contrário ao dizer: "esperamos que todas as escolas atinjam a meta do Ideb". Mas se pensarmos numa educação democrática, educação para todos, que qualidade de ensino deveríamos sinalizar para a escola? Temos de sinalizar uma pedagogia da diferença, em oposição à pedagogia da homogeneidade, que é aquela em que todos têm de aprender as mesmas coisas, no mesmo tempo e tenham resultados de aprendizagem que correspondam ao que o outro quer, e não àquilo que elas próprias definiram como seu interesse e necessidade.

Algumas escolas privadas têm adotado cota para alunos de inclusão e exigido um acompanhante para estes alunos. O que a senhora pensa sobre isso?

Isso é um absurdo. Conforme a necessidade da criança, ela tem direito a um acompanhante, mas a escola é que deve providenciar. Não é o pai que tem de pagar. Além disso, o cuidador - que deve estar disponível para qualquer aluno - pode até apoiar o professor numa situação específica, mas ele não tem uma função pedagógica. As cotas também são um absurdo. Muitas vezes isso acontece porque há alguns professores que recebem toda e qualquer criança e quando a turma dele está fechada, a escola se recusa a receber a criança. Isso não pode acontecer. Ninguém pode ter matrícula negada por qualquer diferença na escola brasileira. É o que diz a lei.

Pensando nas condições e problemas enfrentados por boa parte das escolas brasileiras, como operacionalizar a inclusão?

Primeiro, a escola precisa estar ciente de suas obrigações. Oferecer educação especial através do atendimento educacional especializado não é uma benesse de algumas escolas; é obrigação dos sistemas de ensino. A escola tem de buscar esse atendimento, os recursos e instalá-los. Também deve buscar professores especializados, embora muitos deles ainda prefiram atuar como professores de educação especial à moda antiga, dando aulas de reforço de matemática, por exemplo. Outra coisa muito importante: os professores que reclamam de seus alunos. É preciso que eles se avaliem com perguntas do tipo: Por que meus alunos não aprendem? O que estou ensinando? Como estou avaliando? Que material tenho usado para que os meus alunos tenham acesso a conteúdos que não estão apenas no livro didático? As escolas têm de avaliar seu próprio ensino, entender para quê serve a avaliação e adotar formas mais evoluídas de avaliar alguém no processo educativo. Não é avaliação formativa, não é avaliação da disciplina. Estamos falando aqui de uma avaliação que gere melhorias. Finalmente, é preciso mudar a mentalidade de que somente os alunos com deficiência são diferentes. Cada um pode evoluir de acordo com o meio onde vive, com a capacidade que tem para ser desenvolvida. Temos de fazer dos nossos alunos os mais diferentes, de modo que eles tenham consciência de que são diferentes, que nós somos diferentes. Somos pessoas que nos distinguimos pela diferença.

Maria Teresa Eglér Mantoan, uma das maiores especialistas em inclusão escolar no país, defende uma ampla transformação das escolas regulares para atender a todos, indistintamente.


quarta-feira, 27 de maio de 2015

O que professores têm feito para formar bons escritores

Um dos maiores desafios dos educadores, o ensino da escrita deve estar associado a diferentes habilidades de comunicação e socialização, como a prática dos debates em sala.

Por Márcio Venciguerra

Desafio: ensinar o domínio do código e, ao mesmo tempo, a escrita como expressão.
"As professoras mandam eu fazer redação. E eu faço, só que na maioria das vezes eles não consideram porque acham que não foi de minha autoria, acham que não fui eu que fiz. Não dão nota boa, porque acham que eu peguei de algum lugar, por algum autor, por alguma coisa parecida. Mas eles nunca acreditaram que fui eu que fiz." O relato trazido por Valéria Fagundes no filme Pro dia nascer feliz, de João Jardim, lançado em 2005, quando tinha 16 anos, ainda pode descortinar uma das dificuldades da educação brasileira? Aluna da Escola Estadual Cel. Souza Neto, do município de Manari (PE), então considerado o mais pobre do Brasil, Valéria relatava no filme ser leitora assídua da poesia de Vinicius de Moraes, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. Admitia que os colegas a achavam "diferente" por gostar de ler, e não encontrava seu lugar na escola. Valéria tocava em um ponto que permanece atual: estamos conseguindo ensinar bem redação nas escolas brasileiras?


No começo do ano, o Ministério da Educação divulgou o resultado do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Um dos dados que mais repercutiram na imprensa foi o de que, dos mais de seis milhões de alunos que fizeram a prova, 529 mil obtiveram nota zero na redação (8,5% dos candidatos). Deste número, 248 mil redações foram anuladas. Fazem parte desse caso não atender à proposta solicitada ou possuir outra estrutura textual que não seja a do tipo dissertativo-argumentativo; apresentar texto de até sete linhas, copiar linhas dos textos motivadores, que servem apenas como referência, ou escrever "impropérios", desenhos e outras formas propositais de anulação.

À época do filme de João Jardim, as avaliações do MEC apontavam que a metade dos estudantes do ensino fundamental não conseguiam ler ou escrever corretamente. Hoje, apenas um em cada quatro brasileiros atinge um nível pleno de habilidades no uso da leitura, escrita e matemática, segundo os últimos dados do Inaf Brasil 2011 (Indicador de Analfabetismo Funcional), realizado pelo Instituto Paulo Montenegro e a ONG Ação Educativa. Numa avaliação sobre a capacidade de leitura e escrita de alunos do 4.º e 7.º anos do ensino fundamental, divulgada em 2014 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), o Brasil aparece na sexta posição, entre 15 países da América Latina e do Caribe.

Os dados são conhecidos. Mas, em meio a tantos índices desanimadores, o que está acontecendo com a redação dos alunos? Um dos motivos apontados por educadores para as dificuldades está no duplo desafio de ensinar o domínio do código e, ao mesmo tempo, fomentar o uso da escrita como forma de expressão. Outra preocupação compartilhada por professores é a familiaridade dessa geração com textos curtos, como os digitais, e a dificuldade de entrar em contato com textos mais longos e reflexivos.

► Falta repertório

Ao invés de paralisarem o trabalho do professor, essas constatações podem servir de aliadas no desenvolvimento de processos de aprendizagem que partam do universo dos alunos. 

Nesse sentido, a professora Tamine Cauchioli Rodrigues, da Escola Classe no Paranoá, no Distrito Federal, relata um caso para justificar sua crença de que esses desafios podem ser vencidos. No ano passado, ela se deparou com um adolescente numa turma de 5.º ano do ensino fundamental. Ele era cinco anos mais velho do que os demais. "Era o estereótipo da frustração escolar", diz Tamine. "Retrato de tudo o que leva à desistência, como baixa autoestima e notas de reprovação ano após ano." 

Ao trocar mensagens de celular para marcar uma conversa com a mãe do garoto, Tamine teve uma surpresa: "opa, esse menino sabe escrever!" Mas por que então não demonstrava isso na sala de aula? "Se você não está motivado, escrever é muito mais difícil", constata Tamine. "Isso vale para todo mundo." 

Para a professora, na fase do domínio do código escrito, há dezenas de ferramentas à mão do professor, já tornar a escrita um espaço de expressão exige estratégias escolhidas caso a caso. No geral, entretanto, Tamine escolhe uma: antes, é preciso trabalhar a leitura do mundo, para que o aluno tenha repertório e seja motivado a escrever sobre suas experiências.

Soleima Cardoso, diretora da Escola Classe 415 Norte, de Brasília, diz que gostaria de ouvir a expressão dos alunos, seja na fala ou na escrita, porém, ela avalia que as crianças estão cada vez mais rápidas, tanto ao escrever como em diálogo. Ela conta ouvir frequentemente os alunos dizerem "já entendi", apenas porque estão com alguma pressa.

Para Soleima, a sala de aula está sendo pressionada a suprir a crescente falta de conversa, no esforço de formar jovens capazes de se comunicar, tanto oralmente como por escrito. "Quando comecei a trabalhar, há 18 anos, a situação era diferente", conta. "De uns cinco anos para cá, noto claramente que os alunos estão mais impacientes, não se apropriam dos conceitos e informações e têm menos vocabulário." 

A professora atende a um público variado, que vai dos filhos da classe média aos de famílias de baixa renda. Ela acredita que os pais de todas as origens poderiam ajudar se conversassem mais. Gestos aparentemente simples, mas muito importantes, como incentivar que os filhos contem como foi a visita à casa de um amigo. "Nós vivemos num mundo que exige "ir direto ao ponto", no qual as pessoas não têm mais tempo para respostas longas, e isso acaba limitando as crianças", acredita.

► Notas baixas 

Dois vetores puxam para baixo a média das provas de escrita de crianças e jovens brasileiros, na opinião da pedagoga Daniele Nunes Henrique Silva, do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB). O principal é a estrutura precária da rede pública de ensino, com baixos salários e salas lotadas. "O professor faz o possível", diz ela, que ensinou na Educação Básica por dez anos e hoje forma profissionais e pesquisa formas de fomentar a criatividade nas escolas. "O Brasil precisa de uma grande revolução na rede pública, como aconteceu no Canadá, Cuba e Coreia", defende.

A outra força que conspira para não se formarem bons escritores na sala de aula é o ritmo da vida atual: além da pressa, surgiram muitas tentações. À margem da grande quantidade de estímulos oferecidos para entreter, o professor precisa levar seus alunos a praticar uma atividade que demanda perseverança, trabalho duro e determinação. "Leitura e escrita não dão prazer sempre, apenas eventualmente", constata Daniele.

A professora de literatura Eva Pereira concorda que há novos elementos de sedução que afastam os alunos do ensino médio e fundamental do universo letrado. "O objetivo de saber escrever é de longo prazo e concorre com os estímulos de resultado no curto prazo", avalia a doutora em Letras pela Universidade de São Paulo (USP).

Ela vê pouco incentivo à escrita na rotina dos jovens. "O acesso à internet é fácil, mas o livro continua com uma aura que afasta", diz. E, apesar de as redes sociais e outros sítios virtuais ampliarem a troca de mensagens de texto, Eva observa que se trata de uma expansão da oralidade, e não propriamente uma experiência de escrita. 

Eva formou essa opinião não apenas por causa dos frequentes erros de grafia ou concordância que vê nos textos de seus alunos, mas devido à falta de pontuação. "Pontuar é estabelecer relações lógicas entre as orações e sintagmas, mas também é uma forma de marcar a entonação, que nas mensagens é dada pelos rostinhos (emoticons)." Os comentários de notícias na internet, outra forma bastante usual de escrita, na opinião de Eva costumam revelar a falta de desenvolvimento de uma argumentação, o que caracterizaria linguagem escrita. "Acaba se tornando uma troca de preconceitos e provocações", avalia. 

► Laboratórios

Para Daniele Nunes, da UnB, só ensina bem quem vivencia as dificuldades de escrever. Por isso, ela defende que laboratórios de escrita façam parte da formação 

continuada dos profissionais de educação. "Não temos professores formados para a construção laboratorial escrita", lamenta. "Não temos pauta no currículo para formar um escritor desde o fundamental, a meta é praticar apenas alguns gêneros literários", reflete. 

A proposta de Daniele vai ao encontro de um dos eixos do trabalho do professor titular de teoria e história da educação na Universidade de Barcelona, Jorge Larrosa Bondía. Para ele, o professor deveria ser um "ensaísta", ou seja, ter entre suas atribuições praticar a escrita de ensaios. Em entrevista à revista Educação de maio de 2013 (Ed. 193), Larrosa disse que mesmo na Espanha, "em um país onde a maioria dos jovens tem sido altamente escolarizada", eles, no entanto, "não sabem escrever". Para Larrosa, ao escrever ensaios, o professor treina a capacidade de escrever, "algo que não é nada fácil", ao mesmo tempo que pode exercer uma forma de autoavaliação, "porque a escrita de qualquer tipo produz certa exteriorização do próprio pensamento".

Daniele prefere chamar as atividades de produção de texto de "laboratório" porque o termo reforça o caráter "laboral" da escrita. O enfoque na transpiração e não na inspiração é também um modo de combater um mito que dificulta a formação dos escritores. "Há a figura do criador genial, que tem um dom especial", diz Daniele. "Enquanto persistir essa noção de talento nato, a prática formativa não tem como existir", acredita. 

A pedagoga usa uma imagem semelhante à do poeta para explicar a arte de alinhar palavras. "Comparo com a escavação arqueológica: poucas atividades são tão metódicas e vão do trabalho pesado com a pá, à delicada limpeza da poeira com um pincel." A metáfora também permite imaginar que a tarefa não se limita à colheita da peça no campo. Há também uma outra fase na bancada, depois de o texto inicial ficar guardado um tempo longe dos olhos do autor. 

Esse é também um problema para ensinar, já que demorar mais em uma tarefa contradiz o ritmo da vida moderna, que todos querem acelerar. Daniele relata que atualmente é difícil convencer alguém a deixar o texto na gaveta por alguns dias para revisar e reescrever - uma dica sempre presente quando grandes escritores contam seu método de trabalho. Para ela, a fase da correção, autocrítica e melhoria dos trabalhos é negligenciada nas escolas. "Nós deveríamos começar essa prática já na fase anterior à alfabetização", defende, "costumamos achar lindos todos os desenhos das crianças, quando poderia ser um momento de aperfeiçoamento das habilidades." 

Ao orientar teses e dissertações, Daniele se bate contra a urgência dos alunos que prometem redigir e entregar em dois ou três dias. "Essa é uma contradição porque temos sempre a pressão para publicar cada vez mais, porém, a fase da gaveta é importante", diz. 

Por outro lado, lembra a pesquisadora, as escolas usam pouco ou quase nada as vantagens da informatização na produção escrita - que podem aliviar e muito a carga de trabalho. Os programas de edição de texto proporcionam o aspecto limpo do trabalho final, mesmo depois de mudar parágrafos de lugar e rearranjar as palavras. E a facilidade de acesso a dicionários não se compara ao trabalho com papel e caneta. 

► Formas de expressão 

O ensino de escrita deve estar atrelado às outras habilidades de comunicação e socialização, no ponto de vista de Eva Pereira - que, além de ter ensinado na Educação Básica e superior, atua como ativista cultural e coordena oficinas literárias. 

Associar ler a escrever é o mais comum, mas a redação também não pode ser dissociada de falar e ouvir. A prática dos debates em sala de aula é um passo para a organização das informações, elaborar a narrativa e se expressar. "A voz da criança tem de ser respeitada, mesmo se for problemática", lembra a professora. 

Ela cita como exemplo uma roda que coordenou, na qual um aluno mentiu e um colega expôs a mentira. Ao invés de reprimir o mentiroso, como os meninos esperavam, ela disse que também gostava de mentir e criou uma atividade em torno da invenção de histórias. "A brincadeira de mentir revelou os desejos das crianças", conta ela. "Como o menino, todos mentiam para se valorizar", diz Eva, ao lembrar ter explicado à turma que não defendia a mentira fora de seu papel na fabulação. 

A quinta dimensão que deve estar associada ao ensino da escrita é o brincar. Além dos jogos de palavras, a brincadeira no ambiente da oficina literária é mais uma forma de favorecer a expressão dos alunos. "Brincar implica o corpo completo envolvido na comunicação, o que inclui também outros modos de expressão, como dançar", diz. 

Eva conta o exemplo de uma menina do Uruguai que tinha atitudes violentas na classe, mas que trazia um histórico dramático: o pai matara a mãe e agora ela era criada pela avó, que traficava drogas. Por meio de brincadeiras de rua tradicionais, a menina foi levada a aprender a respeitar regras e assim passou a se integrar na oficina de produção de textos. "Mais tarde, quando já tinha deixado aquela escola, fiquei sabendo que ela voltou a ser agressiva com os colegas", conta. "Na época, junto com os outros professores envolvidos no projeto, fiz parte da rede de apoio à menina, mas a escola tem seus limites."

► Ler em voz alta 

Como diretora, Soleima Cardoso tem incentivado as colegas a voltar com a prática da leitura em voz alta nas salas de aula. "Há um modismo de acabar com tudo que era característico da escola tradicional", diz. No entanto, para ela, a dinâmica tradicional de cada aluno ler um parágrafo de um texto não deveria ter sido eliminada, pois resultou na falta de fluência verbal dos alunos.

Embora não tenha relação direta com escrever bem, Eva concorda com a necessidade do exercício da leitura em voz alta e defende que deva ser acompanhada de conversa sobre os textos lidos e acontecimentos do cotidiano. "De novo, a participação do corpo é importante. Ler em voz alta exige a atenção à altura da voz, ao domínio das possibilidades da acústica do ambiente, a uma postura corporal específica. Também tem a ver com a fala e a escuta das narrativas, das histórias que o professor e os outros colegas trazem para contar."

Eva defende que a escrita não seja necessariamente o foco central do ensino, mas parte de um trabalho com essas cinco dimensões (brincar, falar, ouvir, ler e escrever), embora o escrever é o que será cobrado em prova. "Isso tudo envolvendo o contexto, como ensinou Paulo Freire", diz.

O foco na necessidade humana de se expressar falando, interagindo em grupo e escrevendo é visto por Eva como a melhor forma de fomentar o gosto pela tal atividade "triste", como definiu Carlos Drummond de Andrade (em O poder ultrajovem): "O que você perde em viver, escrevinhando sobre a vida. Não apenas o sol, mas tudo que ele ilumina", ensina o poeta. E olha que no tempo dele não havia a dose de adrenalina programada nos jogos eletrônicos e nem mesmo uma rede social para fofocar.



 Narrar e poetar para bem dissertar
A precocidade com que as crianças estão sendo preparadas para o vestibular é um problema de difícil solução para o ensino da escrita, na opinião da professora de literatura Eva Pereira. O enfoque, que antes ficava restrito ao ensino médio, acaba por tomar o espaço da narrativa, que é o gênero mais empolgante para iniciar o trabalho com literatura, por ser próximo da oralidade. "Esse excesso de exercícios de dissertação acaba por contribuir para a dificuldade da escrita e da leitura", avalia. "As crianças - e os adultos também - gostam de contar histórias, gostam de ouvir histórias, e gostam de brincar com as palavras. O gênero literário que mais brinca com as palavras é a poesia."

Para ela, é preciso lembrar que os tipos de redação não são estanques. Numa dissertação, o domínio da narração ou da descrição é necessário. "Mesmo que a estrutura geral seja dissertativa, a redação joga com os outros tipos de redação", diz. "O contato com a narração e com a descrição pode contribuir para o aproveitamento dos recursos próprios desses gêneros, inclusive na dissertação."

A professora de ensino fundamental Tamine Cauchioli Rodrigues avalia que essa é mais uma das características da visão da escola conteudista, voltada para o vestibular. "Não posso privar as crianças da dissertação, pois isso será cobrado delas mais tarde, mas posso usar poemas para ensinar a dissertar."



Fonte: http://revistaeducacao.uol.com.br

domingo, 24 de maio de 2015

SEMPRE É POSSÍVEL UMA AUTO-CORREÇÃO E UM RECOMEÇO

''No expectro político atual não vislumbramos nenhum projeto que fuja da submissão ao capitalismo neoliberal, que faça a sociedade menos malvada e que apresente lideranças confiáveis que tornem melhor a vida do povo. ''

Nem toda crise, nem todo caos são necessariamente ruins. A crise acrisola, funciona como um crisol que purifica o ouro das gangas e o libera para um novo uso. O caos não é só caótico; ele pode ser generativo. É caótico porque destrói certa ordem que não atende mais as demandas de um povo; é generativo porque a partir de um novo rearranjo dos fatores, instaura uma nova ordem que faz a vida do povo melhor. Dizem cosmólogos que a vida surgiu do caos. Este organizou internamente os elementos de alta complexidade que desta complexidade fez eclodir a vida na Terra e mais tarde a nossa vida consciente (Prigogine, Swimme, Morin e outros).

A atual crise política e o caos social obedecem à lógica descrita acima. Oferecem uma oportunidade de refundação da ordem social a partir do caos social e dos elementos depurados da crise. Como no Brasil fazemos tudo pela metade e não concluímos quase nenhum projeto (independência, abolição da escravatura, a república, a democracia representativa, a nova democracia pós ditadura militar, a anistia) há o risco de que percamos novamente a oportunidade atual de fazermos algo realmente profundo e cabal ou continuaremos com a costumeira ilusão de que colocando esparadrapos curamos a ferida que gangrena a vida social já por tanto tempo.

Antes de qualquer iniciativa nova, o PT que hegemonizou o processo novo na política brasileira, deve fazer o que até agora nunca fez: uma auto-crítica pública e humilde dos erros cometidos, de não ter sabido usar do poder realmente como instrumento de mudanças e não de vantagens corporativas e de ter perdido a conexão orgânica com os movimento sociais. Precisa fazer o seu mea-culpa porque alguns com poder traíram milhões de filiados e por ter maculado e rasgado sua principal bandeira: a moralidade pública e a transparência em tudo o que faria. Aquele pequeno punhado de corruptos e de ladrões do dinheiro público, dentro da Petrobrás, que atraiçoaram os mais de um milhão de filiados do PT e envergonharam a nação deverão ser banidos da memória.

Cito frei Betto que esteve dentro do poder central e que ideou a Fome Zero. Ao perceber os desvios, deixou o governo comentando: ”O PT em 12 anos, não promoveu nenhuma reforma da estrutura, nem agrária, nem tributária, nem política. Havia alternativa para o PT? Sim, se não houvesse jogado a sua garantia de governabilidade nos braços do mercado e do Congresso; se tivesse promovido a reforma agrária, de modo a tornar o Brasil menos dependente da exportação de commodities e favorecido mais o mercado interno; se ousasse fazer a reforma tributária recomendada por Piketty, priorizando a produção e não a especulação; se houvesse enfim assegurado a governabilidade prioritariamente pelo apoio dos movimento sociais, como fez Evo Morales na Bolívia…Se o governo não voltar a beber na sua fonte de origem – os movimento sociais e as propostas originários do PT – as forças conservadoras voltarão a ocupar o Planalto”.

E agora concluo eu: temos posto a perder a revolução pacífica e popular feita a partir de 2003 quando ocorreu não a troca do poder, mas a troca da base social que sustenta o Estado: o povo organizado, antes à margem e agora colocado no centro. O PT pode suportar a rejeição dos poderosos. O que não pode é defraudar o povo e os humildes que tanta confiança e esperança colocaram nele. E muitos, como eu e Frei Betto que nunca nos inscrevemos no PT (preferimos o todo e não a parte que é o partido) mas sempre apoiamos sua causa, por vê-la justa e afim às propostas sociais da Igreja da Libertação, sentimos abatimento e decepção. Não precisava ser assim. E foi pela imoralidade, pela falta de amor ao povo e pela ausência de conexão orgânica com os movimento sociais.

Nem por isso desistiremos. No expectro político atual não vislumbramos nenhum projeto que fuja da submissão ao capitalismo neoliberal, que faça a sociedade menos malvada e que apresente lideranças confiáveis que tornem melhor a vida do povo. A vida nos ensina e as Escrituras cristãs não se cansam de repetir: quem caiu sempre pode se levantar; quem pecou sempre pode se redimir depois de clara conversão para o primeiro amor. Até se diz que quem estava morto, pode ser ressuscitado, como Lázaro e o jovem de Naim.

O PT tem que recomeçar lá em baixo, humilde e aberto a aprender dos erros e da sabedoria do povo trabalhador. Valem ainda os ideais primeiros: inclusão social de milhões de marginalizados, desenvolvimento social com distribuição de renda e redistribuição da riqueza nacional, cuidado para com a natureza com seus bens e serviços ameaçados e a sempre ansiada justiça social. Mas tudo isso não terá sustentabilidade se não vier acompanhado por uma reforma política, tributária e pesado investimento na agroecologia na impossibilidade atual de fazer a reforma agrária.

Para que isso ocorra, precisamos acreditar na justeza desta causa; fortalecer-se face à batalha que será travada contra o PT por aqueles que vivem batendo panelas cheias porque nunca querem mudanças por medo de perder benefícios; mas jamais usar as armas que eles usam – mentiras e distorções – mas usar aquelas que eles não podem usar: a verdade, a transparência, a humildade de reconhecer os erros e a vontade de melhorar dia a dia, de querer um Brasil soberano e um povo feliz porque justo, não mais destinado a penar nas perifierias existenciais mas a brilhar.Vale o que o Dom Quixote sentenciou: “não devemos aceitar as derrotas sem antes dar as batalhas”.

Leonardo Boff é teólogo, ecólogo e escritor, veja A Grande Transformação, Vozes, Petrópolis 2014.

EDUCAÇÃO: Período integral é parte da estratégia para reduzir desigualdades

Por Flávia Siqueira

“Não se pode tomar a educação integral como uma tábua de salvação, mas ela é uma pauta que faz parte de uma agenda de consolidação de direitos”, diz a professora.

Jaqueline Moll pesquisadora e professora associada da 
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Jaqueline Moll é pesquisadora e professora associada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Coordenou no Ministério da Educação a implantação do Programa Mais Educação, no período de 2008 a 2013, como estratégia para a indução da política de educação em tempo integral no Brasil.

A professora conversou com a reportagem do site da revista Educação pouco antes de sua palestra na Bett Brasil Educar 2015. Veja, a seguir, algumas reflexões da educadora sobre o papel da escola em período integral e as estratégias para ampliar esse modelo no Brasil.

Muitos veem a educação em tempo integral como uma solução social que vai tirar as crianças da rua, de espaços de violência. Essa é realmente uma das funções da escola de período integral?

O debate sobre a escola em tempo integral e de uma formação humana que não ocorra apenas no campo intelectual, embora ele seja muito importante, não é uma ideia nova no Brasil – ela passa por Anísio Teixeira, pelas Escolas Classe em Brasília, pelos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) no Rio, por experiências de vários municípios do Brasil a partir do que foi o artigo 34 da Lei de Diretrizes e Bases (LDB). É uma ideia que vem sendo trazida sobretudo de países ocidentais que de fato construíram o sentido da escola como espaço de oportunidades sociais.

Numa sociedade desigual como a nossa, a escola é um dos espaços importantes para construir uma perspectiva de equidade, seguindo aquela ideia do Mário Quintana de que democracia é dar a todos o mesmo ponto de partida. A escola pode ser um espaço para oferecer as mesmas condições. Sabe-se que crianças que vivem em contextos mais pobres, cujos pais são herdeiros da tradição de não escolarização no Brasil, chegam à escola em condições aquém das que poderiam ter.

► Só isso é capaz de quebrar o ciclo de pobreza e violência?

Não vamos encontrar, nos países que se destacam no Pisa, escolas com menos de sete horas diárias. Antes de comparar resultados, é preciso analisar as condições que produzem os resultados. Entre elas está, sim, uma escola de mais tempo, com professores de dedicação exclusiva e boas condições no espaço escolar. Outro elemento é a inserção quase completa das mulheres no mundo do trabalho. Nesse contexto, onde estarão as crianças? Na escola.

Nossa situação de desigualdade no Brasil é muito aviltante. Nós bebemos numa tradição escravocrata, em que há uma visão sempre muito diminuída sobre o outro. Somos um país com um déficit enorme do ponto de vista do desenvolvimento humano. E, sim, há aqueles que veem na escola de período integral um jeito de tirar as crianças da rua, de colocá-las num ambiente de segurança enquanto as mães trabalham – que é um argumento importante. Mas não é essa a visão que nós temos.

► Qual é a sua visão?

Na construção do programa Mais Educação, nós pensamos a escola de tempo integral como um dos elementos importantes no enfrentamento das desigualdades sociais e educacionais. Os filhos das famílias médias e altas não têm só quatro horas de aula, não têm só o turno. Praticamente todos têm atividades complementares, seja no campo da música, dos esportes, das línguas estrangeiras, das artes. Esse é um dos elementos que aprofundam as diferenças entre jovens de crianças de classe média e alta e as crianças das classes populares.

Não se trata de ter mais horas para ensinar a mesma coisa, não se trata de replicar o absurdo de uma escola com os tempos divididos em 45 ou 50 minutos, com as áreas de conhecimento divididas como se estivéssemos no início da modernidade.

Trabalhamos com uma perspectiva de horizontes ampliados, de redesenho dos tempos educativos, com projetos que façam sentido para os jovens e as crianças. Com projetos que nos anos finais dos ensinos fundamental e médio já caminhem para escolhas laborais, para a consciência cidadã e dos problemas que temos como sociedade.

Há muita violência quando uma criança cresce sem ter acesso a um espaço educativo decente, organizado, limpo, acolhedor. Nossa perspectiva nunca foi de guardar as crianças, mas de buscar a escola como um dos instrumentos que caminham para o enfrentamento das desigualdades sociais. Não se pode tomar a educação integral como uma tábua de salvação do trabalho escolar e para os problemas da sociedade, mas ela é uma pauta que faz parte de uma agenda de consolidação de direitos.

► E do ponto de vista operacional? Para ampliar o acesso à educação integral, teremos que enfrentar um déficit de professores?

Em qualquer lugar do mundo, ninguém completa o tempo só com professores. Evidentemente que temos que caminhar para ter professores de dedicação exclusiva nas escolas, mas não é preciso montar um modelo baseado apenas nisso. O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), por exemplo, tem articulado com as escolas do Mais Educação e doEnsino Médio Inovador a presença na escola de estudantes do ensino superior.

O Mais Educação trabalhou com monitores como uma estratégia de transição. Ele vai fazer o trabalho do professor? Não. Ele será um dos atores desse processo sob a coordenação do professor. Nenhuma escola, em nenhum lugar do mundo, tem só professores o tempo todo. Se, no Mais Educação, tivéssemos dito que seria necessário dobrar imediatamente o tempo de uma parte dos professores, nós não teríamos conseguido avançar nessa agenda.

► Existem outras alternativas?

Não se pode falar em um modelo só. O Brasil tem 190 mil escolas de educação básica, em sua grande maioria públicas. Então nós vamos ter vários modelos. Na Espanha, por exemplo, eles têm os professores tutores, que acompanham grupos de estudantes. Porque a ideia é mudar a própria organização da trajetória educativa. Não se trata de sair de aulas de 45 minutos para aulas de 5 horas, mas de engajar os alunos em projetos de estudo que englobem várias áreas do conhecimento, que deem uma dimensão prática para o que se trabalha na escola.

7 desafios para quem quer criar uma startup de educação

Por Carmen Guerreiro

Alexandre Sayad, do Media Education Lab
Em palestra na Bett Brasil Educar, Alexandre Sayad, do Media Education Lab, dividiu sua experiência como empreendedor da área.

Muito se discute sobre como uma carreira em educação é pouco atrativa, pela falta de valorização do profissional. Mas será esse o caso para todos os profissionais de educação? Assim como em outras áreas, o empreendedorismo em educação tem sido a veia da área que faz brilhar os olhos de muitos jovens em início de carreira. É o que explicou Alexandre Sayad, sócio-fundador do Media Education Lab, em sua palestra sobre startups de educação na Bett Brasil Educar na última quinta-feira, 21.

A maioria dos que se aventuram em criar uma nova empresa que alia educação e tecnologia, segundo Sayad, tem menos de 25 anos. E até mesmo por isso, muitas startups falham no início - segundo ele, por falta de experiência de muitos jovens, e defasagem entre expectativa e realidade.

Pensando nisso, o especialista destacou os maiores desafios para quem quer empreender em educação:

1. Educação para todos e para cada um: "A gente sabe que os alunos Pedro, João, José, Maria e Letícia aprendem de maneira diferente, mas temos que ensinar todos eles", observa. "É uma briga de foice, mas talvez o ponto mais promissor das startups é da personalização do ensino, porque é um caminho que não tem volta diante do cenário de tecnologia hoje, e é uma tendência que de fato vai resolver algumas questões que um ser humano sozinho, diante de uma sala com 30, 40 pessoas, não consegue."

2. A lógica de gestão da escola não é a mesma de qualquer empresa. É preciso conhecer seu funcionamento, na ponta. Segundo Sayad, só quem está na sala de aula sabe realmente como a educação funciona.

3. Ter um olhar sistêmico. É importante, para o empreendedor, não acreditar que as inovações são panaceias, ou seja, soluções absolutas para determinado problema. "Se você tem o olhar sistêmico, entender que cada problema é muito complexo e que não vai conseguir acabar com ele todo com uma só tacada."

4. Conhecer outros players, evitar a sobreposição e aprender a colaborar. Para Sayad, é importante tecer uma rede de parceiros, especialmente de fora da educação. "Areja o diálogo", diz. Sobre a colaboração, ele defende que 
não é algo inato às pessoas, e sim uma habilidade. "E é uma habilidade que vc desenvolve na escola."

5. Usar a tecnologia como meio e se apoderar dela: o digital deve ser uma ferramenta, não o objetivo de uma atividade ou projeto pedagógico.

6. Errar cedo e acertar o percurso: arriscar e errar faz parte da educação.

7. Não podemos desprezar a nossa experiência com a educação, mas é preciso ouvir quem está vivendo ela hoje. "A educação é uma plataforma segurada por muitos atores, e um deles é o aluno, que a gente precisa escutar", diz.

sábado, 23 de maio de 2015

Tecnologia: aliada ou inimiga do pensamento crítico?

Por Flávia Siqueira

'Debate analisa se essa ainda é uma questão válida na educação'

A tecnologia é um estímulo ou um obstáculo para o pensamento crítico? Essa pergunta pautou a mesa de debate que reuniu os professores e pesquisadores David Cavallo, Lucio Teles e Christian Di Maggio na Bett Brasil Educar 2015.

Cavallo, pesquisador norte-americano do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e referência no tema, é um entusiasta do uso de tecnologia na educação. Para ele, não é possível desenvolver o pensamento crítico apenas ouvindo - é necessário fazer e criar e, para isso, a tecnologia é essencial.

Ele ilustra com um exemplo típico das aulas de física: é mais eficiente ensinar os princípios do atrito estático em um plano inclinado por meio de um projeto em que os alunos construam um modelo real do que usando apenas desenhos na lousa.

“Nesse caso, o projeto provavelmente não dará certo na primeira vez. Então, o aluno terá que recorrer ao pensamento crítico para descobrir por que o que ele fez não está funcionando e como resolver”, afirma o pesquisador.

Em seguida, o professor Lucio Teles, da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), apresentou reflexões de estudiosos sobre a ligação entre pensamento crítico e acesso à tecnologia. Não há consenso: enquanto parte dos acadêmicos veem os recursos digitais como ferramentas cognitivas úteis, outros os apontam como fonte de declínio do pensamento e de superficialidade.

Cavallo afirma que não há como romper com a tecnologia: ela está sendo usada, por bem ou por mal. “A tecnologia é muitas coisas, não é uma só. Tecnologia é o novo, qualquer coisa criada após nascermos.” No passado, por exemplo, a caneta e a impressão tipográfica foram (ou poderiam ser) consideradas novas tecnologias.

É o uso que fazemos da tecnologia, portanto, que está em questão. E, se quisermos ter uma visão menos fragmentada do tema, é necessário fazer um exercício e tentar observar a realidade com os olhos das novas gerações. “Falamos muito em nativos digitais, mas para um nativo digital essa definição dele mesmo faz sentido?”, questiona Di Maggio, consultor e funcionário técnico do Ministério da Educação italiano. “Não, pois é o mundo dele. Decidir entre dizer sim ou não à tecnologia não é um problema verdadeiro.”

A questão, afirma Cavallo, é que a abordagem “industrial” da alfabetização e do ensino em massa não está mais funcionando. Di Maggio argumenta no mesmo sentido: décadas atrás, a escola nos dava acesso a informações que não tínhamos em casa; hoje, o cenário se inverteu – os jovens vão para a escola e não encontram lá o que eles têm em casa ou na tela de um celular.

Mas o cenário brasileiro não é árido como muitos podem pensar, aponta Cavallo. Segundo o professor, não faltam bons professores, boas ideias e bons projetos no Brasil. O problema está na distribuição dessas soluções, que ainda estão longe de chegar a todos.

Por fim, partiu do público uma das reflexões mais claras sobre o tema: não cabe ao professor optar ou não pela tecnologia, mas orientar os alunos sobre como usá-la para construir conhecimento e não cair na superficialidade.