domingo, 24 de maio de 2015

EDUCAÇÃO: Período integral é parte da estratégia para reduzir desigualdades

Por Flávia Siqueira

“Não se pode tomar a educação integral como uma tábua de salvação, mas ela é uma pauta que faz parte de uma agenda de consolidação de direitos”, diz a professora.

Jaqueline Moll pesquisadora e professora associada da 
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Jaqueline Moll é pesquisadora e professora associada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Coordenou no Ministério da Educação a implantação do Programa Mais Educação, no período de 2008 a 2013, como estratégia para a indução da política de educação em tempo integral no Brasil.

A professora conversou com a reportagem do site da revista Educação pouco antes de sua palestra na Bett Brasil Educar 2015. Veja, a seguir, algumas reflexões da educadora sobre o papel da escola em período integral e as estratégias para ampliar esse modelo no Brasil.

Muitos veem a educação em tempo integral como uma solução social que vai tirar as crianças da rua, de espaços de violência. Essa é realmente uma das funções da escola de período integral?

O debate sobre a escola em tempo integral e de uma formação humana que não ocorra apenas no campo intelectual, embora ele seja muito importante, não é uma ideia nova no Brasil – ela passa por Anísio Teixeira, pelas Escolas Classe em Brasília, pelos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) no Rio, por experiências de vários municípios do Brasil a partir do que foi o artigo 34 da Lei de Diretrizes e Bases (LDB). É uma ideia que vem sendo trazida sobretudo de países ocidentais que de fato construíram o sentido da escola como espaço de oportunidades sociais.

Numa sociedade desigual como a nossa, a escola é um dos espaços importantes para construir uma perspectiva de equidade, seguindo aquela ideia do Mário Quintana de que democracia é dar a todos o mesmo ponto de partida. A escola pode ser um espaço para oferecer as mesmas condições. Sabe-se que crianças que vivem em contextos mais pobres, cujos pais são herdeiros da tradição de não escolarização no Brasil, chegam à escola em condições aquém das que poderiam ter.

► Só isso é capaz de quebrar o ciclo de pobreza e violência?

Não vamos encontrar, nos países que se destacam no Pisa, escolas com menos de sete horas diárias. Antes de comparar resultados, é preciso analisar as condições que produzem os resultados. Entre elas está, sim, uma escola de mais tempo, com professores de dedicação exclusiva e boas condições no espaço escolar. Outro elemento é a inserção quase completa das mulheres no mundo do trabalho. Nesse contexto, onde estarão as crianças? Na escola.

Nossa situação de desigualdade no Brasil é muito aviltante. Nós bebemos numa tradição escravocrata, em que há uma visão sempre muito diminuída sobre o outro. Somos um país com um déficit enorme do ponto de vista do desenvolvimento humano. E, sim, há aqueles que veem na escola de período integral um jeito de tirar as crianças da rua, de colocá-las num ambiente de segurança enquanto as mães trabalham – que é um argumento importante. Mas não é essa a visão que nós temos.

► Qual é a sua visão?

Na construção do programa Mais Educação, nós pensamos a escola de tempo integral como um dos elementos importantes no enfrentamento das desigualdades sociais e educacionais. Os filhos das famílias médias e altas não têm só quatro horas de aula, não têm só o turno. Praticamente todos têm atividades complementares, seja no campo da música, dos esportes, das línguas estrangeiras, das artes. Esse é um dos elementos que aprofundam as diferenças entre jovens de crianças de classe média e alta e as crianças das classes populares.

Não se trata de ter mais horas para ensinar a mesma coisa, não se trata de replicar o absurdo de uma escola com os tempos divididos em 45 ou 50 minutos, com as áreas de conhecimento divididas como se estivéssemos no início da modernidade.

Trabalhamos com uma perspectiva de horizontes ampliados, de redesenho dos tempos educativos, com projetos que façam sentido para os jovens e as crianças. Com projetos que nos anos finais dos ensinos fundamental e médio já caminhem para escolhas laborais, para a consciência cidadã e dos problemas que temos como sociedade.

Há muita violência quando uma criança cresce sem ter acesso a um espaço educativo decente, organizado, limpo, acolhedor. Nossa perspectiva nunca foi de guardar as crianças, mas de buscar a escola como um dos instrumentos que caminham para o enfrentamento das desigualdades sociais. Não se pode tomar a educação integral como uma tábua de salvação do trabalho escolar e para os problemas da sociedade, mas ela é uma pauta que faz parte de uma agenda de consolidação de direitos.

► E do ponto de vista operacional? Para ampliar o acesso à educação integral, teremos que enfrentar um déficit de professores?

Em qualquer lugar do mundo, ninguém completa o tempo só com professores. Evidentemente que temos que caminhar para ter professores de dedicação exclusiva nas escolas, mas não é preciso montar um modelo baseado apenas nisso. O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), por exemplo, tem articulado com as escolas do Mais Educação e doEnsino Médio Inovador a presença na escola de estudantes do ensino superior.

O Mais Educação trabalhou com monitores como uma estratégia de transição. Ele vai fazer o trabalho do professor? Não. Ele será um dos atores desse processo sob a coordenação do professor. Nenhuma escola, em nenhum lugar do mundo, tem só professores o tempo todo. Se, no Mais Educação, tivéssemos dito que seria necessário dobrar imediatamente o tempo de uma parte dos professores, nós não teríamos conseguido avançar nessa agenda.

► Existem outras alternativas?

Não se pode falar em um modelo só. O Brasil tem 190 mil escolas de educação básica, em sua grande maioria públicas. Então nós vamos ter vários modelos. Na Espanha, por exemplo, eles têm os professores tutores, que acompanham grupos de estudantes. Porque a ideia é mudar a própria organização da trajetória educativa. Não se trata de sair de aulas de 45 minutos para aulas de 5 horas, mas de engajar os alunos em projetos de estudo que englobem várias áreas do conhecimento, que deem uma dimensão prática para o que se trabalha na escola.