quarta-feira, 10 de junho de 2020

Entre os 1300 mortos, perdi o grande mestre


Prof. Dr Cleverson Leite Bastos 
Talvez pudesse me conformar que a morte é uma invenção da vida – eu disse talvez. Mas o dia terminou mais triste, não perdi (e entre colegas perdemos) apenas um professor de filosofia que teria cruzado os corredores de uma sala de aula em minha vida. Perdi o grande mestre Professor Cleverson Leite Bastos. Perdi, quem aguçou-me a curiosidade para mergulhar em grandes obras, a curiosidade por estudar sem me apegar apenas por escolas filosóficas, porque filosofia é mais do que escolas, é totalidade. Dele, os incentivos ao mergulho na complexidade, na grande bolha interrogativa deste mundo – estudar, estudar, estudar.  

Difícil esquecer suas aulas de metafisica, ética, estética, filosofia da ciência, cosmologia e lógica – aliás, meu grande terror os estudos da lógica, uma de suas grandes paixões e reconhecido escritor e pesquisador. Quem não lembra dos temerosos dias de prova, em meio a seus risos, sarcasmos de uma mente perturbada, genial, de quem produziu uma tese de doutorado com quase mil página, (dez com louvor na banca na UFSCAR/SP) discutindo os paradoxos de Zenão de Eleia, o ‘Infinito dentro do Finito’ – monstruoso. Aquele excêntrico professor que aplicava a prova de Lógica I, II ou III no início da manhã, então pegava suas coisas e ia embora, voltando perto do meio dia para recolher. – Colar o que? E de quem? Que nota tirar? – Que terror!!!  

Partiu vítima do infortúnio deste momento (COVID19), encontrou-se com o limite do tempo, retornando à diluição cósmica, causa de tantas discussões em suas peripatéticas aulas de metafisica. Difícil esquecer aquele epistêmico e amargo conformismo em Filosofia da ciência: ‘da entropia ninguém escapa’, em Cosmologia: ‘tudo neste universo é só perda’, na aula de Metafisica: ‘tudo é ente, tudo existe’. E a dureza de afirmações do tipo: ‘a morte é a prova de que não somos necessários neste mundo’. - Difícil esquecer os momentos que vivi em suas aulas no Instituto Vicentino de Filosofia e também na Pontifícia Universidade Católica em Curitiba (PUCPR).

Se a genialidade o diferenciava, o vício do cigarro o denunciava quase como um sarcasmo a inteligência, uma dose de demência perdoada. Partiu vítima de um vírus, algo que emerge de suas afirmações: ‘contra a natureza não se luta’, e por uma ironia do destino ou não, a criatura invisível o levou, aproveitando-se da única brecha de estupidez, manifesta em um pulmão fragilizado pelo vício. Costumava dizer que o filósofo é uma espécie de poeta frustrado com cientista inacabado, de inteligência exacerbada e demências oportunizadas – Ele foi um pouco deste todo. 

Foi poeta da vida contando versos de amor a canoagem, das aventuras ajudando o pai pescador em alto mar, foi cientista dedicado nos estudos da ‘filosofia da mente’ ‘matrimoniando’ duas paixões: neurociência e psicanálise. Se não fosse pelos milhares de alunos, de suas quase três décadas na PUC/PR partiria no anonimato, sem o espetáculo da filosofia show dos grandes palcos aplaudidas neste país – aliás, que tanto odiava. Deixa um legado de grandes histórias, reconhecidas publicações no campo da Lógica, turbilhão de belas lembranças e exemplo de dedicação a filosofia. Sim, talvez vai cedo demais, mas como ele mesmo diria: 'tudo aqui é só perda'. 

– O vírus que o levou neste dia entre os 1300 mortos, já levou outros 39.797 especiais também, vítimas da ‘gripinha’ mais cruel do século. De tudo, fica a lição necessária de cuidarmo-nos com um brinde amargo no licor de Sigmund Freud: ‘a morte é a única dor que não se encontrou e se encontrará remédio algum’. – Carpe Diem, et memento mori!

Aqui uma pequena oportunidade de ouvir sua reflexão sobre o 'Livre Arbitrio'

Prof. Neuri A. Alves – Filósofo Pesquisador em Antropologia Filosófica Existencial e Assessor de Formação e Elaboração na Fetraf Santa Catarina