quarta-feira, 7 de maio de 2014

“ESQUERDA” E DIREITA. INTOLERÂNCIA E IRRACIONALISMO

''A direita e certa “esquerda” alimentam seu irracionalismo com um nada leve fundo filosófico.'' 

Existe uma crise clara de pensamento que atinge a quase tudo e todos. Seria uma crise da própria filosofia? Estaria ela ameaçada pelo irracionalismo, ao ceticismo e ao misticismo? Será que a luta de ideias que opõe materialismo x idealismo está se reduzindo a uma doideira do tipo racionalismo x irracionalismo? O que diz o mundo, as pessoas e as relações ao seu (ao nosso) redor?

Vivemos a miséria da filosofia que um dia muitos pensaram ter superado. Não acredito que existe uma miséria da filosofia por aí. O que existe é a morte da própria filosofia. Filosofia pressupõe algum nível de pensamento e certa relação de camaradagem com o conhecimento. O mundo e as pessoas ao nosso redor exprimem exatamente determinado nível próximo de zero com algum nível de pensamento e uma inimizade terrível com a inteligência. Isso ocorre em todos níveis e toma de assalto tanto quem reivindica “ser de esquerda” quanto o mais empedernido conservador de tipo fascista.

A filosofia está sendo substituída pelo irracionalismo, o ceticismo e o misticismo. O debate econômico, por exemplo, em nosso país tem servido para alimentar esta perspectiva. Quase todos advogam a estabilidade monetária como uma conquista, acreditam de pés juntos que a poupança precede o investimento e, consequentemente, um dia o crescimento virá sob as hostes da “inflação sob controle”. Não seria isso tudo a primazia do misticismo e a completa derrota da ciência? Nunca tive dúvidas disso. E gosto sempre de lembrar que a ascensão de Hitler fora precedida por duros ajustes fiscais. 

O que existe hoje no Brasil não é um fascismo que campeia a olhos vistos em todos os segmentos da sociedade? E isso não tem nada a ver com superávit primário, “combate à inflação”, baixíssima relação entre investimentos x PIB? 

Fascismo gera fascismo e a ideologia fascista se esbalda naqueles que combatem o desenvolvimento. Seja pela direita, seja pela “esquerda”. Também nesse caso a ordem dos fatores não altera o produto. Ser contra a realização da Copa do Mundo não é um fim em si mesmo, principalmente entre militantes e acadêmicos dos “movimentos sociais”. São tão irracionais e pródigos da “filosofia” que substitui seu congênere clássico na Alemanha nazista sob os escritos de Heidegger, Spengler e Jünger. 

A direita nega o desenvolvimento como um princípio. Determinada esquerda milita contra o desenvolvimento sem nunca ter lido os brilhantes textos de Trotsky sobre o processo de desenvolvimento russo. São de uma esquerda dita “internacional” sem perceberem que quanto mais internacional, mais inofensiva se torna ao próprio imperialismo.

Na verdade, o imperialismo não foi somente capaz de liquidar fisicamente Torrijos (Panamá) e Roldós (Equador) em 1981, enquadrar a política monetária japonesa em 1985 (valorização do Yen), colocar de joelhos os dirigentes soviéticos com o programa de Guerra nas Estrelas e impor à América Latina o “combate à inflação” com teses reacionárias que ganharam a consciência de quase todo espectro político. 

No fundo a que serve determinadas teses “internacionais” de tipo dependentista e mesmo noções lúdicas do processo de desenvolvimento onde “o pobre é belo” e “o pequeno se opõe ao grande”? 

A direita e certa “esquerda” alimentam seu irracionalismo com um nada leve fundo filosófico. São tão alemães quanto a staff intelectual hitleriana até na negação da dialética como lógica explicativa do movimento. Isso explica demais a intolerância reinante não somente na sociedade, mas mesmo nos círculos que se dizem “acadêmicos” e de “pensamento”. Fico de cabelo em pé ao ver protestos contra a fascitoide profissional Rachel Sheherazade feito por muitos que pouco se diferenciam dela na militância, na “vida acadêmica” e no debate (mercado) de ideias. Já percebeu que uma discussão pode se encerrar com alguma citação sobre a “lógica do capital” dita ou escrita por Meszaros ou David Harvey como se fosse, antes de grandes besteiras, grandes novidades? Quantos não são linchados como a senhora suspeita de “magia negra” até a morte simplesmente por divergir, pensar diferente, polemizar? Você já olhou ao seu redor?

Também não estou livre de determinado grau de intolerância. Todos nós temos dificuldades. Como vivemos numa época em que Nelson Rodrigues dizia que “dinheiro compra até o amor verdadeiro”, impossível ser intolerante com tudo ao redor. Meu autolimite é a intolerância com aqueles incapazes de expressar uma opinião sobre questões de fronteira. Tem gente que nasceu para morrer, portanto não tem mesmo opinião sobre nada. Já quem pratica o câncer da autopreservação em nome de uma carreira, ao evitar polêmicas manda o seguinte recado: "estou à venda". Quando se trata de jovens picaretas a questão não seria "a que ponto ele chegou" e sim, "de que ponto está se partindo". 

Retorno ao início destas palavras. O que diz o mundo, as pessoas e as relações ao seu (ao nosso) redor? 

Elias Jabbour * Doutor e Mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP. Escritor de artigos sobre economia e  autor de dois Livros sobre a China.

Fonte: http://www.vermelho.org.br