terça-feira, 26 de março de 2013

A ESTÉTICA E O LÚDICO

"(...) tanto a estética como o lúdico, nos tiram do mundo prosaico, racional-utilitário, para nos colocar num segundo estado, tanto de ressonância de empatia, de harmonia, como de fervor, de comunicação, de exaltação."

“O Estado estético é um segundo estado de felicidade, graça, emoção, gozo, felicidade. A estética é aqui concebida não somente como um caráter próprio das obras de arte mas também a partir do sentido original do termo aisthètikos de aisthanesthai, ‘sentir’. 

É uma emoção, um sentimento de beleza, de admiração, de verdade, e no paroxismo, de sublime; ele nasce não somente dos espetáculos ou das artes, evidentemente aqueles da música, do canto, da dança, mas também dos odores, perfumes, gosto dos alimentos ou bebidas, e ele nasce do espetáculo da natureza, do encantamento diante do oceano, da montanha, do sol nascente. 

Ele pode também nascer das obras, que inicialmente não tinham nenhum objetivo estético, como os antigos moinhos de vento ou as antigas locomotivas a carvão. Também, os objetos mais técnicos, como o automóvel e o avião podem se tornar carregados de estética.

A estética e o lúdico tem como traço comum ser sua própria finalidade, aí subentendido quando eles comportam finalidades utilitárias. 

A estética e a consumação tem por traço comum atingir o segundo estado, que pode se tornar soberano. 

A estética e o imaginário tem uma parte comum: a estética alimenta o imaginário e é em parte, alimentado pelo imaginário (epopéias, romances, poesias, esculturas, etc.) 

A estética e a poesia vivida tem em comum o encantamento que pode proporcionar um e outro.

O mundo contemporâneo presenciou o desenvolvimento de um vasto setor estético feito para alimentar nossos psiquismos, nossas almas. O romance ocupou um lugar considerável no século XIX, seguido no século XX pelo filme e pelas seriados de televisão. 

A estética contemporânea cobre uma vasta gama, que vai do mundo imaginário dos romances e os filmes, aos espetáculos, às festas, às viagens turísticas para visitar monumentos e paisagens, e comportam mais de mil pequenos prazeres da vida, mil pequenas delicias gastronômicas e enológicas, mil pequenas gotas de divertimento no quotidiano dos costumes. (...)

Em todos os casos, tanto a estética como o lúdico, nos tiram do mundo prosaico, racional-utilitário, para nos colocar num segundo estado, tanto de ressonância de empatia, de harmonia, como de fervor, de comunicação, de exaltação. Ela nos coloca num estado de graça, onde nosso ser e o mundo são um e outro mutuamente transfigurados, o que podemos denominar de estado poético.”

Edgar Morin;
O Método 5. A humanidade da humanidade. A identidade humana.Paris, nov. 2001, Éditions du Seuil. Tradução livre de Nurimar Falci, São Paulo, 2001. 

http://www.edgarmorin.org.br/index.php