sexta-feira, 18 de setembro de 2009

18 de Setembro de 2009 - 10h58

Emir Sader: Migração, o maior drama humanitário contemporâneo

Semanalmente chegam às costas espanholas embarcações dos tipos mais elementares, de africanos tentando chegar a território europeu, na busca de alguma forma de trabalho para poderem sobreviver em condições menos penosas que as que enfrentam nos seus países de origem. Uma proporção grande deles já chega morta, pelas difíceis condições da travessia pelo mar.

Todos são devolvidos aos seus países. Nem sequer se tem a estatística de quantos chegaram, quantos morreram, o que se passou com os que foram devolvidos aos seus países.

A situação é clara: africanos, vítimas do colonialismo europeu e do imperialismo contemporâneo, buscam formas de sobrevivência nos países ricos, que enriqueceram na base da exploração colonial e da escravidão. Países onde impera o racismo, que se consideram “civilizados”, porque mais ricos, justamente porque exploraram os que consideram “bárbaros”.

A mão-de-obra imigrante interessa-lhes para as tarefas em que não há nacionais dispostos a trabalhar, especialmente a construção civil, a limpeza de ruas, o trabalho doméstico. Interessam-se mais pelos latino-americanos, porque brancos, católicos, que falam espanhol. Mesmo durante o período de crescimento da economia, rejeitavam os africanos. Agora, com a lei que Evo Morales chamou de “lei da vergonha”, estabelecem quotas para expulsão de imigrantes.

A situação dos africanos é, de longe, a pior. Tentam formas de chegar a território europeu, em condições de extremo risco, com a esperança de conseguir formas de sobrevivência e poder mandar alguns recursos para as famílias. Quando não morrem, são tratados da pior forma possível, rejeitados e depositados nas costas da África de volta. Nem sequer há estatísticas sobre quantos chegam semanalmente, menos ainda sobre quantos e quais morreram. Não se sabe tampouco o que se faz com os seus corpos – dos já milhares de cadáveres deste ano, por exemplo.

Acaba de suceder de novo algo similar com imigrantes haitianos, tentando chegar aos EUA. A precária embarcação afundou, varias dezenas morreram, em caso similar ao dos africanos na Europa.

Responsáveis pela miséria a que ficaram relegados os países africanos e vários da América Latina, os países do centro do capitalismo – todos ex-potências coloniais e actuais potências imperialistas e globalizadoras – continuam a exploração desses países, interessando-se apenas pelas riquezas naturais que possuam, sem fazer nada para que melhorem substancialmente as condições de vida – emprego, habitação, saúde, saneamento básico – das suas populações, que tentam emigrar para fugir das condições a que são submetidas nos seus próprios países.

Actualmente, a piora da situação dos trabalhadores imigrantes, os quais se tenta fazer passar como responsáveis pelo desemprego, é ainda mais injusta, porque a crise foi produzida justamente pelos países do centro do capitalismo, os que os utilizaram quando necessitavam de mais mão-de-obra e agora os rejeitam e expulsam. São tratados da forma que o capitalismo trata os trabalhadores – como mercadoria descartável.

Na Espanha e nos EUA, de forma mais directa, quem sustentou o boom económico que desembocou na crise actual foi a indústria da construção, com mão-de-obra imigrante. A crise afecta particularmente o sector, que rejeita e expulsa quem sustentou o crescimento durante vários anos.

Países de onde vieram tantas levas de imigrantes para os países latino-americanos, onde nunca foram rejeitados, que agora se interessam pela livre circulação de capitais e mercadorias, mas não de trabalhadores, aplicam aos originários dos países que foram colonizados por eles, a discriminação e a rejeição. Não se sentem responsáveis pela situação dos países que exploraram e ainda exploram.

Enquanto países como o Brasil legalizam a situação de milhões de estrangeiros, os países europeus e os EUA tomam atitude oposta, revelando o grau de desumanização a que os seus governos e populações chegaram. Porque não é um caso de escândalo, de indignação e de medidas de emergência. Quem se identifica com eles são alguns governos dos países da periferia, que sabem o que foi o colonialismo, o que é o imperialismo e a globalização, o que é a discriminação e o capitalismo.


Fonte: Blog do Emir