quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

QUALIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL

'Para psicólogo americano, qualidade da educação infantil depende da relação professor-aluno. Em entrevista exclusiva, Hirokazu Yoshikawa fala sobre realidade e tendências da etapa no mundo.'

Hirokazu Yoshikawa: ênfase na qualidade 
do processo educacional
Nas últimas décadas, pesquisas nas áreas da economia e da neurociência ajudaram a fundamentar e ampliar a oferta de políticas públicas para a primeira infância em diversos países. Tornou-se comum afirmar que o investimento em educação infantil tem alta taxa de retorno social. A busca pela ampliação do acesso, entretanto, nem sempre foi acompanhada pela qualidade dos sistemas. A consequência é que estamos perdendo a chance de produzir os efeitos desejados.

As conclusões são do psicólogo Hirokazu Yoshikawa, que desde a década de 1990 conduz pesquisas sobre políticas públicas e programas para a primeira infância em países de baixa renda. Para Hiro, como é conhecido, chegou a hora de analisar como esses investimentos são realizados. “A pesquisa que deve guiar os próximos 15 anos é como apoiar os professores para realmente produzir a qualidade que todos gostaríamos de ver.” Para o pesquisador, o que mais importa para as crianças na educação infantil é a qualidade da interação e das atividades propostas pelos professores. 

Hiro, que leciona globalização e educação na Universidade de Nova York, conduziu recentemente projetos em duas regiões do Chile e na cidade americana de Boston. Nesses locais e no estado americano de Oklahoma, tutores passaram a acompanhar os professores, que recebiam devolutivas sobre o seu trabalho. Os resultados, combinados com outras estratégias, foram positivos. 

Na entrevista a seguir, concedida durante sua passagem por São Paulo para participar do V Simpósio Internacional de Desenvolvimento da Primeira Infância, Hiro fala sobre a importância de avaliar o processo educacional, e não apenas os insumos oferecidos nessa etapa de ensino.

Quais são os efeitos da educação pré-escolar para o desenvolvimento infantil? 

Há centenas de estudos conduzidos nos últimos 60 anos que avaliam de forma rigorosa como a pré-escola afeta o crescimento e o desenvolvimento das crianças. Mostram que, no curto prazo, pode melhorar o aprendizado e o desenvolvimento social. No longo prazo, pode reduzir o crescimento da repetência no ensino médio, aumentar a renda e diminuir a criminalidade. Mas isso acontece quando a educação pré-escolar é de alta qualidade.

Como definir o que significa qualidade nessa etapa?

O conceito de qualidade tem algumas dimensões. As mais fáceis de regulamentar pelas políticas públicas são as relacionadas a padrões de saúde e segurança, tamanho das turmas e qualificação dos professores. Mas as dimensões que mais importam são a qualidade da interação na sala de aula, dos materiais, e o tempo dedicado a atividades que construam habilidades e desenvolvam áreas específicas. É um desafio muito maior. E apenas algumas pesquisas recentes apontam como melhorar essa forma de qualidade, a do processo educacional.

Podemos dizer que esse é o grande desafio no momento? 

Diria que são dois: o acesso e a qualidade. Concordaria que num país como o Brasil, onde o acesso tem crescido nos últimos anos, a qualidade, provavelmente, é mais importante. As pesquisas que conheço do Brasil mostram que, assim como em muitos países, a escola pública pré-escolar tem qualidade relativamente baixa. Isso significa que não estamos tendo todos os benefícios que as pesquisas mostram. Para isso, precisamos focar a qualidade do processo educacional na sala de aula.

Os governos estão investindo recursos na educação pré-escolar sem alcançar os resultados desejados?

Na maioria dos países a quantidade de investimento no primeiro ano da educação pré-escolar é menor do que na educação primária. Muito porque os professores não têm o mesmo nível de qualificação. É um campo marginalizado, pouco profissionalizado. Nos países de baixa renda o investimento fica abaixo do desejado. Há muitos países em que os governos não estão investindo quase nada. Mas o Brasil entra no rol dos que investem bastante. Entre esses países, diria que sistemas de larga escala de educação pré-escolar estão alcançando os resultados que nós gostaríamos de ver.

Quais países têm alcançado práticas de alta qualidade? 

Em todos os países há lugares em que uma educação pré-escolar de qualidade está sendo implementada. Isso é verdade no Brasil e em vários países da América Latina. Não tenho certeza de que um país inteiro tenha uma estrutura política que possa ser importada como modelo, em detrimento de suas preferências culturais. Temos de pensar em sistemas descentralizados, e que possam funcionar. Há abordagens para melhorar o processo da qualidade que incluem primeiro ter uma ligação entre um padrão nacional de qualidade e o currículo. Normalmente não há essa relação. Os padrões estão lá, e talvez apareçam na formação dos professores, mas, uma vez que o professor está na sala de aula, o que acontece é que ele escolhe o que fazer, sem uma sequência de atividades ao longo do ano pré-escolar. As pesquisas mostram que sequências de atividades que constroem as habilidades das crianças ao longo do tempo em áreas especificas, como linguagem, desenvolvimento socioemocional, ou ciência, ajudam o desenvolvimento infantil. Além disso, se um tutor vem e observa a sala de aula, o seu ensino, pode dar apoio e fazer comentários.

Este sistema de tutoria foi testado? Quais os principais resultados?

Testamos isso em pequena escala no Chile. Boston implementou em toda a cidade, e foram detectados efeitos muito amplos em linguagens, vocabulário, assim como em habilidades socio-emocionais e autorregulação. Em Bogotá, na Colômbia, foi testado na cidade toda, também com bons resultados. Mas esse tipo de apoio depende das habilidades do tutor.

Como é realizado esse trabalho de tutoria?

É um apoio em serviço, na sala de aula. Na maioria dos países, a supervisão e a inspeção olham apenas aspectos estruturais da qualidade, como saúde, segurança e materiais. Há algumas interações, mas não há formação para os supervisores entenderem o que são boas instruções, ou boas interações. Ou para promover esse tipo de comentário de apoio aos professores. Sabemos que os adultos aprendem ao serem observados e recebendo comentários. E muitos professores da pré-escola estão isolados em suas aulas de aula. É uma profissão solitária. O notável em nosso trabalho no Chile é que os professores se sentiram apoiados e emocionalmente conectados com o seu trabalho porque alguém os engaja em uma discussão sobre a sua prática. Reuniões entre grupos de professores também são importantes. Mas os tutores têm de ter experiência em ajudar adultos a aprender, e não apenas no aprendizado das crianças. 

No Brasil, a brincadeira é norteadora das Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil. É assim em outros países? 

A brincadeira é o modo como as crianças aprendem na pré-escola. Mas às vezes as pessoas confundem essa ideia de brincadeira com uma completa falta de estrutura. Ao olhar para as práticas de alta qualidade baseadas em brincadeiras, como em Reggio Emilia, vemos abordagens sequenciadas muito sofisticadas. Os currículos mais efetivos conferem orientação sobre como os professores podem estruturar essas atividades e apoiar a brincadeira infantil, que pode assegurar o desenvolvimento das habilidades das crianças, que haja socialização, que possam gerar hipóteses. Mas isso requer, como qualquer outra abordagem pedagógica, apoio profissional. 

A abordagem de Reggio Emilia é muito popular no Brasil. Também é referência em outros países?

Nos Estados Unidos, infelizmente, os professores da pré-escola têm baixo nível educacional e baixos salários. E o sistema de Reggio requer treinamento, qualificação e sofisticação. É popular em certas áreas do país, mas em outras, as pessoas sugerem que pode ser muito difícil prover esse modelo em um estado inteiro, ou numa grande cidade. 

É possível promover uma educação pré-escolar de qualidade em larga escala?

Venho de um país que não foi capaz de fazer isso, mas Oklahoma, por exemplo, conseguiu, assim como a cidade de Boston. Em Oklahoma isso foi construído num período de dez anos. Boston foi capaz de fazer em um período bem menor, o que é bem impressionante. A cidade escolheu um currículo em particular e contratou tutores altamente habilitados. Em cerca de três anos produziu um sistema em que os níveis de qualidade passaram de bem baixos para bem altos.

É possível universalizar a educação pré-escolar com qualidade?

Uma das lições do “Education for All” 2000-2015 [metas globais da Unesco] foi a de que, mesmo em países de baixa renda, é possível alcançar altos índices de acesso. Mas o perigo é que essas crianças não estão se desenvolvendo porque não há um investimento simultâneo na qualidade. Minha esperança é a de que, com as Metas do Desenvolvimento Sustentável [da ONU], sobre qualidade no cuidado e educação da primeira infância, poderemos colocar ênfase nessa palavra, definir o que significa e desenvolver essas medidas. De forma que, quando um supervisor vá a um programa, ele não esteja checando apenas a segurança, ou a infraestrutura. Precisamos também começar a prestar atenção à qualidade da interação dos professores com as crianças na sala de aula.

No Brasil, o problema é mais crítico no atendimento às crianças dos 0 aos 3 anos. Esse é um problema global?

Sim, a etapa do 0 a 3 é outra agenda global, e deve envolver o apoio aos pais. Em muitos países isso depende de onde as crianças estão, porque em muitos países elas estão em centros de cuidado fora de casa, e essas questões de qualidade são muito mais desafiadoras. Nos Estados Unidos temos dois, ou três estudos, mostrando que o modelo de tutoria adotado nas creches também produz aumento na qualidade desses programas, assim como a baixa qualidade pode ter resultados negativos para as crianças. Como em qualquer outra profissão, os cuidadores merecem esse apoio. E a maioria das creches não pensa nesses trabalhadores como profissionais em que é preciso investir.

Seus estudos em Boston mostraram que a educação pré-escolar de qualidade pode beneficiar tanto crianças de baixa renda, quanto da classe média?

O sistema de Boston, como o de Oklahoma, é universal e gratuito. Nossa pesquisa mostrou que todos os grupos se beneficiaram, sendo que os grupos de mais baixa renda e de minoria racial se beneficiaram mais. Crianças de origem latina, imigrantes, se beneficiaram mais também. Um sistema universal de alta qualidade pode reduzir desigualdades. É um dado importante.

O senhor está liderando um projeto sobre o impacto da redução da pobreza para crianças nos 3 primeiros anos de vida. Já há algum resultado preliminar?

Sabemos que, no cérebro em desenvolvimento, o efeito do ambiente é um dos mais poderosos nos primeiros anos de vida. Mas não testamos se a redução da pobreza aumenta o desenvolvimento infantil e o aprendizado, ou a função cerebral até os 3 anos. É um projeto amplo, apenas começamos o projeto piloto, mas será importante para termos dados para as políticas públicas de proteção social para saber o quanto a redução da pobreza pode beneficiar as crianças nessa idade. Temos essas evidências em crianças mais velhas, mas faltam dados para o período do nascimento até os 3 anos. Esse projeto é excitante, em parte, por ser interdisciplinar: envolve psicólogos, economistas e analistas de politicas públicas. É um grande projeto e ainda estamos levantando fundos. Não sabemos ainda quando estará pronto. 

Por Juliana Holanda - Revista e Educação

sábado, 12 de dezembro de 2015

UMA ECONOMIA CENTRADA NO BIOREGIONALISMO

''O sentido originário da economia não é a acumulação de capital mas a criação e re-criação da vida. ''

A COP 21 que terminou seus trabalhos no sábado dia 11 em Paris, apresenta um inegável avanço face a todas as Convenções da Partees realizadas anteriormente. Só nesta se chegou a um acordo entre os 195 países de se esforçarem para não permitir que o aquecimento global chegue a 2º Celsius retrocedendo para 1,5º. Nada se diz como chegar a esses números, pelo fato de que todo o sistema mundial de produção e consumo ainda se basear em pelo menos 70% em energias fósseis (petróleo, gás e carvão), grandes produtores de gazes de efeito estufa. Os dados científicos vão numa outra direção: dentro de não muito tempo, a seguir o ritmo do sistema produtivo mundial, vamos ultrapassar os 2ºC chegando já aos 3º ou 4º C. 

Muita coisa tem que mudar especialmente nas políticas das grandes petroleiras e da indústria à base de carvão. Neste ponto somos céticos, pois o caminho está já há três séculos pavimentado para realizar a lógica do crescimento ilimitado à custa da exploração de todos os bens e serviços naturais com a produção crescente de CO2 lançado na atmosfera. O que propomos, neste pequeno estudo e no anterior, é um outro caminho, mais benevolente para com a natureza e a Mãe Terra, capaz de obviar um desastre ecológico-social que nos pode estar sendo preparado. Vajamos abreviadamente em que consiste uma economia não mais centrada no globismo mas no bioregionalismo, nos ecossistemas locais que parecem oferecer um caminho que nos pode tirar da crise ecológico-social mundial.

Notamos que por todas as partes buscam-se alternativas ao modo de produção industrialista/mercantilista/ consumista, pois os efeitos sobre as sociedades e sobre a natureza estão se mostrando cada vez mais desastrosos. O caos climático, a erosão da biodiversidade, a escassez de água potável, a quimicalização dos alimentos e o aquecimento global são os sintomas mais reveladores. Este modo de produção é ainda dominante mas não sem críticas.
Em contrapartida, comparecem por todas as partes formas alternativas de produção de base ecológica como a agricultura orgânica, cooperativas de alimentos agro-ecológicos, agricultura familiar, ecovilas e outras afins. A visão de uma eco-economia da suficiência ou do “bem viver e conviver” dá corpo ao bioregionalismo, como temos já explanado aqui.

A economia bioregional se propõe satisfazer as necessidades humanas (em contraste com a satisfação dos desejos) e realizar o bem viver e conviver, respeitando o alcance e os limites de cada ecossistema local.

Previamente temos que nos questionar sobre o sentido da riqueza e de seu uso. Ao invés de centrarmos-nos na acumulação material para além do necessário e do decente, precisamos buscar outro tipo de riqueza, esta sim, verdadeiramente humana, como o tempo para a família e os filhos, para os amigos, para desenvolver a criatividade, para nos encantar com o esplendor da natureza, para nos dedicar à meditação e ao lazer. 'O sentido originário da economia não é a acumulação de capital mas a criação e re-criação da vida.

Ela se ordena a satisfazer nossas necessidades materiais e criar as condições para a realização dos bens espirituais (não materiais) que não se encontram no mercado mas se derivam do coração e das corretas relações para com os outros e para com a natureza como a convivência pacífica, o sentido de justiça, de solidariedade, de compaixão, de amorização e de cuidado para com tudo o que vive.

Ao focarmos a produção bioregional, minimizamos as distâncias que os produtos têm que viajar, economizamos energia e diminuímos a poluição. O suprimento das necessidades pode ser atendido por indústrias de pequena escala e tecnologias sociais facilmente incorporadas pela comunidade. Os dejetos podem ser facilmente manejados ou transformados em bioenergia. O operários sentem-se ligados ao que a natureza local produz e por operarem em pequenas fábricas consideram seu trabalho mais significativo.

Aqui reside a singularidade da economia bioregional: ao invés de adaptar o meio ambiente às necessidades humanas, são estas que se adaptam e se harmonizam com a natureza e destarte asseguram o equilíbrio ecológico. A economia usa minimamente os recursos não renováveis e usa racionalmente os renováveis, dando-lhes tempo para repouso e regeneração. Os cidadãos acostumam-se a sentir-se parte da natureza e seus cuidadores. Daí nasce a verdadeira sustentabilidade.

No lugar de criar postos de trabalho, procura-se criar, como afirma a Carta da Terra “modos sustentáveis de vida” que sejam produtivos e deem satisfação às pessoas.

Os computadores e as modernas tecnologias de comunicação permitirão as pessoas de trabalharem em casa, com se fazia na era pré-industrial. A tecnologia serve não para aumentar a riqueza, mas para nos liberar e garantir mais tempo, como sempre enfatiza o líder indígena Ailton Krenak, para a convivência, para a recreação, para a restauração da natureza e a celebração das festas tribais.

A economia bioregional facilita a abolição da divisão do trabalho fundada no sexo. Homens e mulhere assumem juntos os trabalhos domésticos e a educação dos filhos e zelam pela beleza ambiental.

Esta renovação econômica propicia também uma renovação cultural. A cooperação e a solidariedade se tornam mais realizáveis e as pessoas se acostumam a agir corretamente entre elas e com a natureza porque fica mais claro que isso está em seu próprio interesse bem como da comunidade. A conexão com a Mãe Terra e seus ciclos suscita uma consciência de mútua pertença e de uma ética do cuidado.

O modelo bioregional, a partir da pequena cidade inglesa,Totnes, é assumido hoje por cerca de 8000 cidades, chamadas de Transition Towns: transição para o novo.Tais fatos geram esperança para o futuro.

Leonardo Boff escreveu com o cosmólogo Mark Hathaway O Tao da Libertação: explorando a ecologia da transformação, Vozes 2012

CARTA DE FIDEL CASTRO A NICOLAS MADURO

Querido Nicolás:

Junto-me à opinião unânime daqueles que o felicitaram por teu brilhante e valente discurso na noite de 6 de dezembro, tão logo se conheceu o veredito das urnas.

Na história do mundo, o mais alto nível de glória que um revolucionário poderia alcançar correspondeu ao ilustre combatente venezuelano e Libertador da América, Simón Bolívar, cujo nome não pertence apenas a este país irmão, e sim, a todos os povos da América Latina.
Outro oficial venezuelano de pura estirpe, Hugo Chávez, o compreendeu, admirou e lutou por seus ideais até o último minuto de sua vida. Desde criança, quando frequentava a escola primária, na pátria onde os herdeiros pobres de Bolívar também tinham de trabalhar para ajudar o sustento familiar, desenvolveu o espírito em que se forjou o Libertador de América.

Os milhões de crianças e jovens que hoje frequentam a maior e mais moderna rede de escolas públicas do mundo são os da Venezuela. Outro tanto pode-se dizer de sua rede de centros de assistência médica e atenção à saúde de um povo valente, porém empobrecido em virtude de séculos de rapinagem por parte da metrópole espanhola e, mais tarde, pelas grandes transnacionais que extraíram de suas entranhas, durante mais de 100 anos, o melhor do imenso caudal de petróleo com que a natureza dotou este país.

A história deve também marcar que os trabalhadores existem e são os que tornam possível o desfrute dos alimentos mais nutritivos, os medicamentos, a educação, a segurança, a moradia e a solidariedade do mundo. Se o desejarem, perguntem à oligarquia: sabe ela de tudo isso?

Os revolucionários cubanos – a poucos quilômetros dos Estados Unidos que sempre sonhou com apoderar-se de Cuba para convertê-la num híbrido de cassino e prostíbulo, como modo de vida para os filhos de José Martí – não renunciarão jamais a sua plena independência e ao respeito total de sua dignidade. Estou certo de que somente com a paz para todos os povos da Terra e o direito de converter em propriedade comum os recursos naturais do planeta, bem como as ciências e as tecnologias criadas pelo ser humano para benefício de todos seus habitantes, se poderá preservar a vida humana na Terra.

Se a humanidade prosseguir em seu caminho pelas sendas da exploração e continuar transnacionais e bancos imperialistas a saquear seus recursos, os representantes dos Estados que se reuniram em Paris tirarão as conclusões pertinentes.

Não existe segurança hoje para ninguém. São nove os Estados que contam com armas nucleares, e um deles, os Estados Unidos, lançou duas bombas que mataram centenas de milhares de pessoas em apenas três dias e causaram danos físicos e psíquicos a milhões de pessoas indefesas.

A República Popular da China e a Rússia conhecem melhor que os Estados Unidos os problemas do mundo, porque tiveram de suportar as terríveis guerras a elas impostas pelo egoísmo cego do fascismo. Não tenho dúvidas que por sua tradição histórica e sua própria experiência revolucionária farão o máximo de esforço para evitar a guerra e contribuir para o desenvolvimento pacífico da Venezuela, da América Latina, da Ásia e da África.

Fraternalmente,
Fidel Castro Ruz

sábado, 21 de novembro de 2015

O Ocidente escolheu o pior caminho: a guerra

''O caminho da guerra nunca trouxe paz, no máximo alguma pacificação, deixando um lastro macabro de raiva e de vontade de vindita por parte dos derrotados que nunca, na verdade, serão totalmente vencidos.''
Seguramente são abomináveis e de todo rejeitáveis os atentados terroristas perpetrados no último dia 13 de novembro em Paris por grupos terroristas de extração islâmica. Tais fatos nefastos não caem do céu. Possuem uma pré-história de raiva, humilhação e desejo de vingança.
Estudos acadêmicos feitos nos USA evidenciaram que as persistentes intervenções militares do Ocidente com sua geopolítica para a região e a fim de garantir o suprimento do sangue do sistema mundial que é o petróleo, rico no Oriente Médio, acrescido ainda pelo fato do apoio irrestrito dado pelos USA ao Estado de Israel com sua notória violência brutal contra os palestinos, constituem a principal motivação do terrorismo islâmico contra o Ocidente e contra os USA (veja a vasta literatura assinalada por Robert Barrowes: Terrorism: Ultimate Weapon of the Global Elite en seu site: War is a Crime.org).
A resposta que o Ocidente tem dado, a começar com George W. Bush, agora retomado vigorosamente por François Hollande e aliados europeus mais a Rússia e os EUA é o caminho da guerra implacável contra o terrorismo seja interno na Europa seja externo contra o Estado Islâmico na Síria e no Iraque. Mas esse é o pior dos caminhos, como criticou Edgar Morin, pois guerras não se combatem com outras guerras nem o fundamentalismo com outro fundamentalismo (o da cultura ocidental que se presume a melhor do mundo e com o direito de ser imposta a todos).
A resposta da guerra que, provavelmente, será interminável pela dificuldade de derrotar o fundamentalismo ou grupos que decidem fazer de seus próprios corpos bombas de alta destruição, insere-se ainda no velho paradigma pré-globalização, paradigma enclausurado nos estados-nações, sem se dar conta de que a história mudou e tornou coletivo o destino da espécie humana e da vida sobre o planeta Terra. O caminho da guerra nunca trouxe paz, no máximo alguma pacificação, deixando um lastro macabro de raiva e de vontade de vindita por parte dos derrotados que nunca, na verdade, serão totalmente vencidos.
O paradigma velho respondia guerra com guerra. O novo, da fase planetária da Terra e da Humanidade, responde com o paradigma da compreensão, da hospitalidade de todos com todos, do diálogo sem barreiras, das trocas sem fronteiras, do ganha-ganha e das alianças entre todos. Caso contrário, ao se generalizar as guerras cada vez mais destrutivas, poderemos pôr fim a nossa espécie ou tornar a Casa Comum inabitável.
Quem nos garante que os terroristas atuais não se apropriem de tecnologias sofisticadas e comecem a usar armas químicas e biológicas que, por exemplo, colocadas nos reservatórios de água de uma grande cidade, acabe produzindo um dizimação sem precedentes de vidas humanas? Sabemos que estão se habilitando para montar ataques cibernéticos e telemáticos que podem afetar todo o serviço de energia de uma grande cidade, dos hospitais, das escolas, dos aeroportos e dos serviços públicos. A opção pela guerra pode levar a estes extremos, todos possíveis.
Devemos tomar a sério o que sábios nos alertaram como Eric Hobswbam ao concluir seu conhecido A era dos extremos: o breve século XX (1995:562):”O mundo corre o risco de explosão e implosão; tem que mudar…a alternativa para a mudança é a escuridão”. Ou então do eminente historiador Arnold Toynbee, depois de escrever dez tomos sobre as grandes civilizações históricas, nos vem esta advertência em seu ensaio autobiográfico Experiências (1969:422):” Vivi para ver o fim da história humana tornar-se uma possibilidade intra-histórica, capaz de ser traduzida em fato não por um ato de Deus mas do próprio homem”.
O Ocidente optou pela guerra sem trégua. Mas nunca mais terá paz e viverá cheio de medo e refém de possíveis atentados que são a vingança dos islâmicos. Oxalá não se realize o cenário descrito por Jacques Attali em seu Uma breve história do futuro (2008): guerras regionais, numa espécie de balcanização do mundo, são cada vez mais destrutivas a ponto de ameaçarem a espécie humana  . Aí a humanidade, para sobreviver, pensará numa governança global com uma hiperdemocracia planetária. Será a última oportunidade que impedirá no mergulho num abismo que não conhece volta.
O que se impõe, assim nos parece, é o reconhecimento da existência de fato de um Estado Islâmico e em seguida formular uma coligação pluralista de nações e de meios diplomáticos e de paz para criar as condições de um diálogo para pensar o destino comum da Terra e da Humanidade.
Receio que a arrogância típica do Ocidente, com sua visão imperial e ao se julgar em tudo melhor, não acolha esse percurso pacificador mas prefira a guerra. Então torna a ganhar significado a sentença profética de M. Heidegger, conhecida depois de sua morte:” Nur noch ein Gott kann uns retten: então somente um Deus nos poderá salvar”.
Não devemos ingenuamente esperar a intervenção divina, pois o nosso destino está entregue à nossa responsabilidade. Seremos o que decidirmos: uma espécie que preferiu se auto-exterminar a renunciar à sua vontade absurda de poder sobre todos e sobre tudo ou então forjarmos as bases para uma paz perpétua (Kant) que nos conceda viver diferentes e unidos, na mesma Casa Comum.
Leonardo Boff é articulista do Jornal do Brasil on line, ecoteólogo e escritor.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Queridas Professoras, a vocês meu coração e minha memória

''Lembrarei de vocês porque a boa memória é um reflexo do sentido que dentro de nós se faz seiva que alimenta a história''

Há muito tempo queria escrever a vocês partes de minhas memórias, fragmentos de meus versos, o soldo de minhas palavras e parte de meu coração. Queria ilustrar etapas, lapidar narrativas com fatos ocorridos em sala de aula, descrever minhas histórias encravadas no tempo nestas três últimas décadas.

Porém, faz algum tempo que entendi que as meras palavras sem profundidade e sentido são como lições descritas no 'quadro negro' que ao serem apagadas desaparecem como registros e manifestos. Então, recebam no sarapatel de fatos aqui descritos um pedaço de meu coração e uma cesta com minhas curtas, mas belas memórias.

Hoje acordei pensando em vocês embora talvez alguns de vocês não consigam lembrar que foram meus mestres, afinal são milhares de alunos que ao longa da vida passam em nossas cadernetas, em nossas salas de aula. Lembrarei de vocês porque a boa memória é um reflexo do sentido que dentro de nós se faz seiva que alimenta a história, as nossas escolhas de vida e as grandes paixões pelo conhecimento acumulados ao longo da existência.

Acordei lembrando de você minha querida professora Carmem Santin Busatto, a primeira a me receber em ambiente escolar para o 1º ano naquela tarde de verão do hoje distante ano de 1982 na Escola Irene Stonoga. Eu, menino pobre, baixa estima, espectador final de um tempo de ditadura, acolhido com sua imensa ternura, a docilidade de quem nasceu para ensinar cidadania, salvar da indigência social e plantar a semente da esperança em solos ainda incertos. A você minha gratidão e minha memória apaixonada que ficou cravado no tempo do não esquecimento para todo o sempre. Após de você ter aprendido o caminho das primeiras palavras, o mundo e os grandes desafios ao longo da vida parecem ter se tornado pequenos para mim, porque seu gesto de amor se fez estrada longa, a mesma que traz até aqui.

Queria lembrar com gratidão de ti querida professora Alda Zuffo, ternura e competência em sala de aula desde que cheguei como estranho, franzino menino pobre, transferido para escola Antônio Morandini no bairro Saic em meados dos anos 80 para cursar o quarto ano. Não dá para esquecer de você a professora que me preparas-te na transição do ensino básico para o fundamental, aquela fase que me levaria a conclusão do primeiro grau. Não dá para esquecer que foi nessa escola onde sedimentei o caminho da cidadania através do esporte também com inesquecíveis, memoráveis professores como professor Eliseu (fumaça) e tranquilidade singular de um professor Werner.

Queria lembrar também de ti professora Ivone Fusinato parte da minha memória na escola Municipal Rolim de Moura, no início do ensino fundamental. Contigo minha memória é marcada como um espelho dupla face: a primeira da professora exigente, excelência no ensino diante de adolescentes como eu ainda perdidos no sentido especial de estar ali naquela sala de aula. A segunda memória, de ter sido você a primeira e única professora a reprovar-me em minha vida escolar ainda no 6º ano, lição que fez a diferença em minha vida posterior. Digo isso, porque ao passar dos anos entendi a importância do esforço, da entrega da dedicação e amor por estudar.

Queria lembrar também de você professora Maria Rocha, singeleza e paixão por ensinar na difícil tarefa de nossa língua mãe, também na mesma escola municipal do bairro Santo Antônio nos anos seguinte. Marca-me que embora minhas dificuldades fruto também da pouca vontade naquele inicio de anos 90 nos apresentou a leitura, a literatura a produção de texto, a língua estrangeira e a paciência da professora nutrida de convicção e sonhos vinha ao encontro da periferia excluída para solidificar colunas no edifício da cidadania. Com você entendemos que era possível pensar algo para além da vida sofrida de trabalho árduos tão somente em ambiente hostil de frigoríficos por que ali aprendemos que quando atingíssemos a idade teríamos emprego na indústria vizinha a comunidade, porque assim era a história dos que ali viviam.

De igual modo lembrar de você querida professora Marcia Rejane Vanin, tão menina, jovem mulher iniciando a vida em sala de aula como professora de biologia ainda estudante na Faculdade de Palmas. Como não lembrar da linda professora jovem, loira, olhos claros e paixão de estudantes em fase das descobertas, dos sonhos. Mais que a biologia acadêmica, de ti certamente aprendemos a biologia das paixões pelas escolhas de vida, afinal uma jovem professora estava ali para nos dizer também que valia a pena sonhar em ser professor também. Isso talvez justifique em partes o meu estar aqui.

Queria sim também fazer memória de ti professora Marília Bartolamey, mestra na arte da simpatia, singeleza que conquistava ao adentrar em sala de aula para nos inserir no universo da desconhecida, mas depois apaixonante disciplina de PPT, era como a Arte a serviço da vida, e então a vida a serviço da cidadania. Ninguém esquece os olhos do mestre que brilham para a vida, para os sonhos e esperanças que cada aluno possa ser multiplicador de valores ético, morais na grande teia da cultura social. Você nos deixou esse legado também.

Como não lembrar de você minha professora de história Vania Barcellos, aquela jovem, critica e inteligentíssima. Que em ato de nossas peraltices foste vítima de brincadeira irresponsável precisando procedimento odontológico após queda provocada. Mas saibas que a fundamental das memórias é lembrar de ti como a professora que me mostrou a necessidade de fazer a leitura crítica da história. A professora que começa a lapidar as pedras rústicas moldadas por uma história narrada como verdade pela colonização do homem branco. Depois de ti, olhar o horizonte da história como busca da justiça passou ter outro fim.

Como não lembrar de ti querida professora Ivete Fontana, articulista de ideias e provocadora da sociologia no curso do magistério no Colégio Bom Pastor em meados nos anos noventa quando eu seminarista menor era o bendito fruto entre as mulheres. Ali entre vocês nas aulas que tivemos entendi a grandeza de valores fundamentais da cidadania, do convivo social e as provocações que me levaram ao longe na vida acadêmica. Lembranças assim são pedras preciosas, que não precisam ser lapidadas porque a eternidade as fará pérolas perfeitas que não se vende, não se troca mas se mostra como exemplo de beleza.

Enfim! Acordei hoje como faço há 20 anos pensando criticamente o mundo, nos desafios presentes, nas grandes batalhas da vida e no sentido da história. Acordei tateando a geografia de minha existência e nela a sempre presença sua querida mestra professora Annelise Schimitz como mapa destacado, território provocativo, propositivo e desafiador. Nunca lhes esqueci desde as primeiras aulas de geografia critica em meados dos anos 90 como seminarista, estudante de magistério, coração utópico e olhar simplista. Contigo conheci o caminho para o senso crítico, a cura de miopias históricas provocada em nós por uma educação secular colonialista, impositiva, de cartilha. Minha gratidão por seus estímulos provocados, seus exemplos partilhados e o digno reconhecimento pela diferença que fiz na universidade. 

Queria lembrar de tantos mestres também da universidade, mas assim faço como memória representativa de meu grande mestre na Universidade Católica e no IVF, marco fundamental em minha paixão pela filosofia o inesquecível Filósofo 'Pós TUDO' Prof. Cléverson Leites Bastos. Não tenho dúvidas, que após o magistério, foste com ele já na universidade que despertei para a grande paixão e sonho de ser um bom professor. E ser bom professor na filosofia não é carregar dois ou três mil anos de conteúdo na cabeça, mas é sim, ser um provocador de ideias, ser um articulista de crise no pensar, um provocador de estímulos a curiosidade esse tesouro que é parte de nós enquanto espécie e o que faz do conhecimento substância que transporta para além.

Confesso – Eu queria descrever tudo o quanto sentes meu coração, esse turbilhão de belas memórias provindas de cada um de vocês como pilares que sustentaram parte do grande edifício de minha história de vida. Mas farei isso em outro projeto pessoal a caminho. Aproveito esse dia para agradecer aos nomes aqui mencionados, em nome de vocês agradecer as demais professoras e professores que um dia tive a grata satisfação, a necessidade, o imenso privilégio de ter encontrado e apreendido algo para vida. Sem vocês esse caminho por mim percorrido não teria o mesmo sentido, o mesmo resultado, as mesmas paixões, os mesmos amores e o mesmo sentido neste dia.

Parabéns queridas professoras e professores! 
Do ex aluno, aprendiz continuo e amigo de sempre.


Neuri Adilio Alves
Filósofo, Professor, Pesquisador.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Publicação do IBGE traça um panorama da administração educacional

O número de municípios com secretaria municipal exclusiva de Educação está aumentando no Brasil. Em 2009, eles representavam 43,1% do total, enquanto hoje já são 59,2%. A razão disso pode ser a crescente complexidade e diversidade das políticas educacionais a cargo dos municípios, como aponta a Pesquisa de Informações Básicas Estaduais (Estadic) e Municipais (Munic), publicada recentemente pelo IBGE. Em relação aos estados, o levantamento mostrou que somente sete das 27 unidades da federação ainda não possuem secretaria estadual exclusiva de Educação. Como esta edição da pesquisa é a primeira a incluir o dado, não foi possível comparar o resultado com anos anteriores.

O levantamento, feito entre julho de 2014 e março de 2015 nas 27 unidades federativas e 5.570 municípios, também mostrou que a profissionalização das estruturas administrativas está avançando. Em 2006, o percentual de gestores municipais com cursos de pós-graduação era de 47,3%. Hoje, eles respondem por 65,2% do total. No nível federal, esse indicador chega a 81%.

A qualificação prévia desses gestores é uma das hipóteses listadas no documento para o baixo interesse por cursos de capacitação. Os municípios mais populosos são justamente aqueles com menor proporção de secretários que realizaram curso específico em gestão educacional nos últimos cinco anos (veja à esq.). A situação também pode estar sendo influenciada pela presença de estruturas administrativas mais desenvolvidas nessas cidades.

Quanto ao perfil dos gestores, no nível municipal, a maioria é do sexo feminino (70,6%) com formação em pedagogia (48,7%). Já no plano estadual, as formações são bem variadas. Há apenas seis pedagogos entre os 27 secretários. Além disso, a maioria é homem - 18 dos 27. "Esse perfil, que também ocorre entre os gestores municipais dos municípios mais populosos, indica que há predominância masculina nos cargos de maior prestígio da gestão educacional", aponta a pesquisa.

Outro dado relevante destacado pelo IBGE é o percentual de diretores escolares que ainda são nomeados por indicação política. Em escolas da rede municipal, esse indicador é de 75%. Formas mais democráticas, como o concurso e a eleição, somam juntas 11% apenas. Nas escolas estaduais, as indicações políticas também têm maioria: 40%.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

A CRIANÇA QUE VIVE EM MIM NUNCA MORRE

''... sonhar é alma própria da criança, aliás, crianças não sonham, elas são feitas de sonhos, são os sonhos com pernas, braços, cabeça e risos.''

Dentro de mim brinca uma criança que nunca morre. Há décadas,
todos os dias juntos sorrimos, choramos, sonhamos, brincamos e dormimos. Somos inseparáveis, mesmo quando se avança no tempo, na idade e as pessoas parecem contemplar em meus gestos, minhas palavras e expressões uma imagem rígida de matéria infeliz, séria e com pouca luz. Porque criança é luz, energia que não dissipa, sabor de vida que não perde gosto.

Dentro de mim há um parque de diversões, um piquenique em tarde sem fim, há uma casinha na árvore que abriga a vida toda em lembranças, alegrias, tristezas, recomeços, renovados sorrisos. Porque criança infeliz é dia sem sol. Há anos entendi que a criança vive em mim e eu vivo nela, que triste a vida adulta sem a criança e a criança sem uma vida adulta por si. Pois a beleza da vida esta nesta mescla terna que ignora o fim, unificando as pontas do nascer ao tarde da existência.

Dentro de mim há um mundo de sonhos, porque sonhar é alma própria da criança, aliás, crianças não sonham, elas são feitas de sonhos, são os sonhos com pernas, braços, cabeça e risos. Porque sonhar é Ser, é se reinventar, é se recriar é reviver. Bom é ser criança pois embora os pesadelos tentem nos atormentar, morrem eles também de tédio quando recorremos aos nossos heróis da fantasia ou mesmo a fantasia de nossos heróis da vida real.

Dentro de mim há um livro com belas histórias, porque histórias belas somente as crianças sabem contar. E narrativas épicas, imaginárias ou reais somente crianças podem, sabem e conseguem ilustrar. O mundo dos adultos é triste, gélido, sombrio e pragmático na soma, multiplicação, divisão e subtração – enquanto esse Eu Criança é sempre mais!

Dentro de mim moram constelações de estrelas, rios de alegrias, tempestades de amigos, porque criança nasce amigo para ser eterno. Tal vez isso explique porque criança não quer, não tem e não faz inimigos. Crianças são singelezas, jardins que perfumam, embelezam e dão cores em um mundo triste, embora tantos mundos felizes com jardins abandonados, cores tristes e sem perfume.

Dentro de mim há um campo de futebol, uma casinha de bonecas, uma pista de carros, um balanço no galho da árvore. Há um sítio de peraltices, um vale de esperanças, uma escola educativa. Há rostos felizes e tristes porque a vida também é espelho a refletir ninares em noite com sono perdido.

Dentro de mim há um tempo que passa em direção ao tarde da vida, embora tarde possa parecer o dia que nos damos conta que a criança deixou de morar em nós. Crianças não morrem, morrem quem velho se faz: aborrecidos, desanimados, desacreditados, sem sonhos, sem risos, sem sol, sem peraltices. Sem as brincadeiras de rodas, as canções de ninares, as histórias passadas e as presentes, as que ainda inventarei para descrever o futuro.

Dentro de mim há tudo isso é um pouco mais: do dia de ontem, hoje amanhã e a eternidade. Eu não quero morrer triste e pobre: porque tristeza é o que envelhece a vida, a torna cansada e sem amanhã. E pobreza mesmo é perder o direito sonhar. Crianças são eternas, desde que a eternidade não deixe de viver e nisso somente eu e você podemos escolher. Eu sei! Dentro de mim há uma criança que vive, tão sonhadora, agitada, peralta e feliz – E VOCÊ?


Neuri Adilio Alves 
Filósofo, Professor, Pesquisador

terça-feira, 6 de outubro de 2015

A HOSPITALIDADE: DIREITO DE TODOS E DEVER PARA TODOS

''A boa vontade é a última tábua de salvação que nos resta. A situação mundial é uma calamidade.''


A questão mundial dos refugiados nos recoloca sempre de novo o imperativo ético da hospitalidade, no nível internacional e também no nível nacional. Há migração de povos como nos tempos da decadência do império romano. São milhões que buscam novas pátrias para sobreviver ou simplesmente para fugir das guerras e encontrar um mínimo de paz.

A hospitalidade é um direito de todos e um dever para todos. Immanuel Kant (1724-1804) viu claramente a imbricação entre direitos e deveres humanos e a hospitalidade para a construção daquilo que ele chama de “paz perpétua”(Zum ewigen Frieden de 1795; veja Jacó Guinsburg, A paz perpétua, Ed. Perspectiva, São Paulo 2004).

Antecipando-se ao seu tempo, Kant propõe a república mundial (Weltrepublik) ou o Estado dos povos (Völkerstaat) fundada no direito da cidadania mundial (Weltbürgerrecht). Esta, diz Kant, tem como primeira característica a “hospitalidade geral” (algemeine Hospitalität: § 357).

Por que exatamente a hospitalidade? O próprio filósofo responde: “porque todos os seres humanos estão sobre o planeta Terra e todos, sem exceção, têm o direito de estar nele e visitar seus lugares e os povos que o habitam. A Terra pertence comunitariamente a todos (§358) “.

Esta cidadania materializada pela hospitalidade geral se rege pelo direito e jamais pela violência. Kant postula a desmontagem de todos os aparatos bélicos e a supressão de todos os exércitos, assim como o faz modernamente a Carta da Terra. Pois, enquanto existiram tais meios de violência, continuam as ameaças dos fortes sobre os fracos e as tensões entre os Estados, minando as bases de uma paz duradoura.

O império do direito e a difusão da hospitalidade generalizada devem criar uma cultura dos direitos que penetra as mentes e os corações de todos os cidadãos mundializados, gerando de fato a “comunidade dos povos”(Gemeinschaft der Völker). Esta comunidade dos povos, assevera Kant, pode crescer tanto em sua consciência que a violação de um direito num lugar é sentida em todos os lugares (§360), coisa que mais tarde repetirá por sua conta Ernesto Che Guevara. Tanta é a solidariedade e o espírito de hospitalidade que o sofrimento de um é o sofrimento de todos e o avanço de um é o avanço de todos. Parece o Papa Francisco falando dos seres humanos como seres de relação e que participam das dores dos outros.

Se queremos uma paz perene e não apenas uma trégua ou uma pacificação momentânea, devemos viver a hospitalidade universal e respeitar os direitos universais.

A paz, segundo Kant, resulta da vigência do direito, da cooperação juridicamente ordenada e institucionalizada entre todos os estados e povos. Os direitos são para ele, “a menina-dos-olhos de Deus” ou ainda “o mais sagrado que Deus colocou na Terra”. O respeito aos direitos faz nascer uma comunidade de paz que põe um fim definitivo “ao infame beligerar”.

Nos tempos atuais foi J. Derrida que retomou a questão da hospitalidade (De l’hospitalité, Paris 1977) conferindo-lhe o caráter incondicional para todos.

Mas foi ainda Kant que lhe deu a melhor fundamentação. Sua base é a boa vontade que, para ele, é a única virtude que não tem defeito nenhum. Na sua Fundamentação para uma metafísica dos costumes(1785) faz uma afirmação de grandes consequências: 


“Não é possível se pensar algo que, em qualquer lugar no mundo e mesmo fora dele, possa ser tido irrestritamente como bom senão a boa vontade (der gute Wille)”. Traduzindo seu difícil linguajar: a boa vontade é o único bem que é somente bom e ao qual não cabe nenhuma restrição. A boa vontade ou é só boa ou então não é boa vontade. Se ela carrega suspeitas, logo não é boa. Ela supõe total abertura do outro ao outro e a confiança incondicional. Isso é factível para os seres humanos. Se não nos revestirmos desta boa-vontade, não vamos encontrar uma saída para a desesperadora crise social que dilacera as sociedades periféricas e os milhões de refugiados que se dirigem à Europa.

'A boa vontade é a última tábua de salvação que nos resta. A situação mundial é uma calamidade.' Vivemos em permanente estado de sítio ou de guerra civil mundial. Não há ninguém, nem as duas Santidades, o Papa Francisco e o Dalai Lama, nem as elites intelectuais e morais, nem a tecno-ciência que forneçam uma chave de encaminhamento global. Na verdade, dependemos uicamente da nossa boa vontade. Vale recordar o que escreveu Dostoievski em sua narrativa fantástica O sonho de um homem ridículo de 1877:”Se todos quisessem de fato tudo mudaria sobre a Terra num momento”.

O Brasil reproduz em miniatura a dramaticidade mundial. A chaga social produzida em quinhentos anos de descaso com a coisa do povo significa uma sangria desatada. Grande parte de nossas elites nunca pensou uma solução para o Brasil como um todo mas somente para si. Estão mais empenhadas em defender seus privilégios que garantir direitos para todos. Por mil manobras políticas, até com ameaças de empeachment, conseguem manipular os governos democraticamente eleitos para que assumam a agenda que lhes interessa e impossibilitar ou protelar as transformações sociais necessárias. Contrariamente à maior parte do povo brasileiro que mostrou imensa boa vontade, boa parte das elites se nega saldar a hipoteca de boa vontade que deve ao país.

Se a boa vontade é assim tão decisiva, então urge suscitá-la em todos. Todos têm o dever de hospedar e o direito de ser hospedado porque vivemos na mesma Casa Comum.

Fonte: https://leonardoboff.wordpress.com/

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Das datas que marcam: o aniversário!

''(...) plantar no jardim da alma exige silêncio, para que a colheita possa ser o tempo de festejar.'' 

Aos amigos minha renovada alegria de poder visitar pelo menos em espirito cada palavra a mim dirigida na passagem de meu aniversário. Cada sentimento compartilhado publicamente ou na reservada caixa de mensagem, na voz do outro lado da linha telefônica ou no perfume e na beleza das flores da primavera a mim presenteada. Viver por vezes, pode até parecer inapreensível e indecifrável - mas como não entender a beleza multiplicada de tantos gestos de carinho? 

Não temos controle sobre tudo ou até mesmo sobre nada, mas podemos ter uma certeza: a de que o tempo passa com a peculiar naturalidade que lhe compete, fazendo do existir um reflexo do biológico e do viver um mero espectro no social se a ele não damos sentido, significado. Razões pelas quais a vida possa valer a pena em qualquer circunstância a qual sejamos submetidos.

Já faz alguns anos me convenci que nem todos os amigos valem a confiança, nem todos os amores são verdadeiros, nem todos os sonhos sobrevivem aos obstáculos, nem todos os irmãos valem o carinho que por uma vida nutrimos, nem toda esperança merece a espera. Pois nunca fará sentido os laços encharcados de infelicidades, friezas e a fragilidade desse tecido gélido de afetos que o mundo a nossa volta muitas vezes tendem compartilhar.

Digo isso, porque ao completar mais um ano de vida eu tenho a certeza que na grande festa da existência o vinho bom é aquele servido primeiro. Servido em grande taça aos amigos de verdade, aos amores e seus sentidos, as belas experiências cotidianas como arte nobre de viver. Tudo mais pode não passar de ornamentos, ilusões e desserviços a existência.

Lembrar de tantos dias acrescidos a vida, é também lembrar de tantos como vocês que ao longo de minha existência tem sido parte do significado que preenche a minha alma humana. É provar o sabor doce ou amargo de viver, porque viver é também conviver com as adversidades do tempo, do lugar, dos sentimentos, das imprevisões e dos mistérios. Viver é sorrir e chorar, gritar e silenciar, falar e calar, dormir sem acordar, acordar e não mais dormir sem antes reescrever os sonhos a luz do dia.

Completei neste 27 de setembro quase quinze mil dias de meu nascimento, nem todos vividos como cheguei a imaginar, como eu gostaria, porque viver não significa apenas estar aqui, embora estar aqui possa ser medida na escala de bilhões de anos de nossa natureza. Mas confesso, ao longo de tanto tempo quantas belas memórias, quantas históricas alegres e felizes a serem contadas. Quantos tropeços, quantas lágrimas, quantos risos, quantos bons amigos que se foram, quantos bons amigos novos chegaram e com é bom estar aqui com vocês.

Obrigado por cada palavra dirigida, pelas lembranças que recebi, pelos manifestos de afeto, cada presença e não se preocupem: porque naqueles momentos que desapareço, que silencio, que me calo, na essência é o tempo que uso para plantar. Porque plantar no jardim da alma exige silêncio, para que a colheita possa ser o tempo de festejar.

Viver é a arte da invenção, da reinvenção constante, das datas que marcam, das memórias que ilustram, dos sabores que ficam, dos gestos ternos e eternos e da vontade inconfundível de dividir ontem, hoje e amanhã com vocês os imprescindíveis o bolo da festa – parabéns para vocês que me aceitam como sou: humano, de qualidades e defeitos!

Do amigo de sempre Neuri Adilio Alves
Assessor de Formação - Filósofo Pesquisador.


domingo, 27 de setembro de 2015

Qual destino para o Brasil: recolonização ou projeto próprio?

''O propósito dos países centrais que dispõem de várias formas de poder, especialmente, a militar de recolonizar toda a América Latina.''

Há uma indagação que se faz no Brasil mas também no exterior que se expressa por esta pergunta: qual o destino da sétima economia mundial e qual o futuro de sua incomensurável riqueza de bens naturais?

Analistas dos cenários mundiais do talante de Noam Chomsky ou de Jacques Attali nos advertem: a potência imperial norte-americana segue esse motto, elaborado nos salões dos estrategistas do Pentâgono:”um só mundo e um só império”. Não se toleram países, em qualquer parte do planeta, que possam pôr em xeque seus interesses globais e sua hegemonia universal. Curiosamente, o Papa Francisco em sua encíclicla “sobre o cuidado da Casa Comum”, como que revidando o Pentágono propõe:”um só mundo e um só projeto coletivo”.

No Brasil esse debate se dá principalmente no campo da macroeconomia: o Brasil se alinhará às estratégias político-sociais-economico-ideológicas impostas pelo Império e com isso terá vantagens significativas em todos os campos, mas aceitando ser sócio menor e agregado (opção dos neoliberais e dos conservadores) ou o Brasil procurará um caminho próprio, consciente de suas vantagens ecológicas, do peso de seu mercado interno com uma população de mais de duzentos milhões de pessoas e da criatividade de seu povo. Aprende a resistir às pressões que vêm de cima, a lidar inteligentemente com as tensões, a praticar uma política do ganha-ganha (o que supõe fazer conceções) e assim a manter o caminho aberto para um projeto nacional próprio que contará para o devenir da nossa e da futura civilização (opção do PT, das esquerdas e dos movimentos sociais).

Isso deve ficar claro: há um propósito dos países centrais que dispõem de várias formas de poder, especialmente, a militar (podem matar a todos) de recolonizar toda a América Latina para ser um reserva de bens e serviços naturais (água potável, milhões de hectares férteis, grãos de todo tipo, imensa biodiversidade, grandes florestas úmidas, reservas minerais incomensuráveis etc). Ela deve servir principalmente os países ricos, já que em seus territórios quase se esgotaram tais “bondades da natureza” como dizem os povos originários. E vão precisar delas para manterem seu nível de vida.

Estimamos que dentro de um futuro não muito distante, a economia mundial será de base ecológica. Finalmente não nos alimentamos de computadores e de máquinas, mas de água, de grãos e de tudo o que a vida humana e a comunidade de vida demandam. Daí a importância de manter a América Latina, especialmente, o Brasil no estágio o mais natural possível, não favorecendo a industrialização nem algum valor agregado a suas commodities.

Seu lugar deve ser aquele que foi pensado desde o início da colonização: o de ser uma grande empresa colonial que sustenta o projeto dos povos opulentos do Norte para continurem sua dominação que vem desde o século XVI quando se iniciaram as grandes navegações de conquista de territórios pelo mundo afora. Analiticamente, esse processo foi denunciado por Caio Prado Jr, por Darcy Ribeiro e, ultimamente, com grande força teórica, por Luiz Gonzaga de Souza Lima com seu livro ainda não devidamente acolhido A refundação do Brasil: rumo à sociedade biocentrada (RiMa, São Bernardo 2011).

Em razão desta estratégia global, as políticas ambientais dominantes reduzem o sentido da biodiversidade e da natureza a um valor econômico. A tão propalada “economia verdade” serve a este propósito econômico e menos à preservação e ao resgate de áreas devastadas. Mesmo quando isso ocorre, se destina à macroeconomia de acumulação e não à busca de um outro tipo de relação para com a natureza.

O que cabe constatar é o fato de que o Brasil não está só. As experiências recentes dos movimentos populares socioambientais se recusam a assumir simplesmente a dominação da razão econômica, instrumental e utilitarista que tudo uniformiza. Por todas as partes estão irrompendo outras modalidades de habitar a Casa Comum a partir de identidades culturais diferentes. Os conhecimentos tradicionais, oprimidos e marginalizados pelo pensamento único técnico-científico, estão ganhando força na medida em que mostram que podemos nos relacionar com a natureza e cuidar da Mãe Terra de uma forma mais benevolente e cuidadosa. Exemplo disso é o “bien vivier y convivir” dos andinos, paradigma de um modo de produção de vida em harmonia com o Todo, com os seres humanos entre si e com a natureza circundante.

Aqui funciona a racionalidade cordial e sensível que enriquece e, ao mesmo tempo, impõe limites à voracidade da fria razão instrumenal-analítica que, deixada em seu livre curso, pode pôr em risco nosso projeto civilizatório. Trata-se de uma nova compreensão do mundo e da missão do ser humano dentro dele, como seu guardador e cuidador. Oxalá este seja o caminho a ser trilhado pela humanidade e pelo Brasil.

Fonte: https://leonardoboff.wordpress.com/

sábado, 26 de setembro de 2015

Frei Betto encontra Fidel Castro

Para azar dos meus inimigos, continuo vivo’, diz Fidel a Frei Betto

Em visita de uma hora e meia, escritor brasileiro constata que, embora mais magro, ex-presidente cubano, de 88 anos e desde janeiro de 2014 sem aparecer em público, está muito lúcido, desmentindo os rumores sobre sua morte. Fidel Castro se mostrou otimista.
O escritor Frei Betto esteve com Fidel e, em entrevista a SANDRA COHEN, disse que o ex-líder cubano está bem de saúde, lúcido e elogiou Obama e o Papa. O escritor Frei Betto desembarcou semana passada em Havana, empolgado com as primeiras negociações entre representantes dos governos de Cuba e EUA e também apreensivo com rumores de que a saúde do ex-presidente Fidel Castro, de 88 anos e que não é visto em público desde janeiro de 2014, havia se deteriorado.
Anteontem à tarde, no entanto, após uma visita que durou uma hora e meia, saiu aliviado da casa de Fidel: encontrou-o bem mais magro, em relação à ultima vez em que se viram em fevereiro passado, mas “absolutamente lúcido”, como relatou ao GLOBO. Acompanhados o tempo inteiro por Dalia, mulher do ex-presidente, os dois conversaram sobre a reaproximação com os EUA, boatos de sua morte e até física quântica.
Em Havana, para o Congresso Mundial de Pedagogia e palestras, Frei Betto, que é colunista do GLOBO, ouviu elogios de Fidel ao presidente americano, Barack Obama, e ao Papa Francisco. A visita ganhou destaque ontem na imprensa cubana. “O encontro aconteceu em um clima afetuoso, característico das amplas e fraternais relações existentes entre Fidel e Betto”, noticiou o “Granma”, o jornal oficial, em sua edição on-line. Fidel só não quis tirar foto: “As chances de não sairmos bem são bem maiores do que as de sairmos bem”, alegou ao amigo.

Como se deu o encontro com Fidel Castro? 

Frei Betto: Toda vez que venho a Cuba, Fidel me convida à sua casa, estive com ele em fevereiro passado. Ontem (27/01/2015) ele mandou me buscar no hotel e fiquei lá durante uma hora e meia. Há muito tempo ele não aparece em público. E no dia 3, morreu o Fidel Castro Odinga, filho de Raila Odinga ex-premier do Quênia, gerando também rumores de que ele havia morrido. Comentei com ele sobre essa coincidência. Fidel riu e disse que já morreu várias vezes, e acrescentou: “Para azar dos meus inimigos, continuo vivo.”
Ele está muito bem e bem mais magro. A cabeça está perfeita. Fidel é muito detalhista, anota tudo. Quis saber onde estou hospedado, o que eu fiz, com quem falei, e sempre anotando. Ele é o homem do detalhe. Me perguntou sobre o Papa Francisco, com quem estive em abril do ano passado, e quis um relato detalhado do encontro. Disse que tinha lido meu livro “A obra do artista, uma visão holística do Universo” (José Olympio), que foi traduzido em Cuba. E mostrou-se entusiasmado. Fidel gosta muito de cosmologia e física quântica, e o livro aborda isso. Conversou sobre as hipóteses de universos paralelos. Estava muito empolgado com o assunto e me pediu mais bibliografia sobre essa linha. Eu me comprometi a buscar mais livros sobre a evolução do Universo, e de física quântica para ele.
Comentei sobre a carta que ele mandou para a Federação dos Estudantes Universitários, em que aborda o reatamento das relações com os Estados Unidos. Eu disse que o diálogo é importante, é o encontro do caminhão consumista com o Lada (marca de veículos russos) da austeridade. Por enquanto, vai ser muito difícil a sintonia, porque um fala em FM e outro em AM. Ele concordou.
O que mais ele disse sobre o movimento de aproximação entre Cuba e EUA?

Frei Betto: Ele acha fundamental, mas disse que não pode perder de vista que os EUA ainda continuam com o objetivo de colonizar Cuba. Por outro lado, avaliou que primeiro é preciso acabar com o bloqueio econômico e tirar o país da lista dos países terroristas, que os EUA demonstrem medidas concretas de boa vontade. Ele está muito feliz com o prestígio que Obama está tendo nessa segunda gestão, e com o fato de o Congresso americano estar com baixa popularidade.
Ele se mostrou entusiasmado com Obama?

Frei Betto: Exatamente. Ele é um entusiasta do Obama e acha muito positivo o que o presidente americano vem fazendo. Mas, ao mesmo tempo, diz que o processo é muito longo. Os EUA tomaram uma série de medidas contra Cuba, que precisam ser canceladas.
Ele mencionou alguma dificuldade nessas primeiras negociações ocorridas semana passada em Havana?
Frei Betto: Não, mas se disse muito otimista. E ressaltou: “Mesmo sendo inimigos, nós temos que dialogar”. Mas sempre observando que é um longo caminho.
Vocês conversaram sobre as mudanças internas em Cuba?

Frei Betto: Não. Abordamos muito política a internacional. Falamos sobre o atentado na França e ele disse que gostou muito da reação do Papa Francisco. Concordou com Francisco e disse: “A liberdade de expressão tem limites. Você pode se expressar, mas não tem o direito de humilhar ou ofender”. Fidel elogiou a atitude do Papa, quando disse que, se xingassem sua mãe, devolveria com um murro.
E quais foram suas outras impressões sobre o estado de saúde de Fidel?

Frei Betto: Ele estava tão bem que eu lhe propus tirar uma foto. Ele não quis, mas brincou: “As chances de não sairmos bem são bem maiores do que as de sairmos bem”. Eu acredito que ele não quis porque não havia fotógrafo oficial e a foto teria que ser improvisada por alguém. Mas me autorizou a divulgar o teor da nossa conversa. Foi um alívio para mim tê-lo encontrado tão bem. Muitos amigos daqui diziam que há muito tempo não tinham notícias dele, e especulavam que poderia ter piorado, estar doente ou no hospital. Quando os prisioneiros cubanos regressaram ao país, esperava-se que aparecessem em fotos com Fidel, e isso não aconteceu. Disseram-me que eles se encontraram com Fidel, mas em privado. 
Minha interpretação para isso é de que Cuba está tendo uma atitude muito respeitosa diante do reconhecimento de Obama de que o bloqueio não funcionou. Eles não querem tripudiar em cima disso. Estão tratando esse assunto com muito respeito. Interessa para Cuba o fim do bloqueio, interessa o reatamento com os EUA. A previsão é de que virão três milhões de americanos por ano para o país. E a preocupação é que não haja infraestrutura para absorver tanta gente.
Fidel estava andando?

Frei Betto: Desde que cheguei, ele permaneceu o tempo inteiro sentado à mesa de trabalho, vestido com traje esportivo, e sempre fazendo anotações. Está bem magro, mas absolutamente lúcido. Durante a conversa, fomos acompanhados pela Dalia, sua mulher.
Como o senhor acha que os cubanos estão encarando o degelo nas relações com os EUA?

Frei Betto: Os cubanos, em geral, estão otimistas e ao mesmo tempo apreensivos. Sabem que será um grande choque cultural. Às vezes eu pergunto se estão preparados para a tsunami e recebo de volto uma pergunta: será que estamos preparados? A questão agora é saber como os valores da Revolução serão preservados.
Quais as mudanças que o senhor notou em Cuba em relação à sua última viagem, no ano passado?

Frei Betto: Noto que Cuba vive um momento de euforia, o prestígio de Raul é impressionante. Ouvi várias vezes frases do tipo: “A nossa sorte é que os dois estão vivos, pois sabem como conduzir esse momento”. O processo de abertura econômica é inicial, está começando. Mas sinto otimismo de que isso vai melhorar as condições de vida do país.

"A FUNÇÃO DA ESCOLA NÃO É INSTRUIR. É DESCOBRIR"

Aluno e parceiro de Paulo Freire, o professor Moacir Gadotti defende: o educador precisa se reinventar constantemente.


Aluno e parceiro do mestre em pedagogia Paulo Freire, o professor Moacir Gadotti defende a ideia de que o educador precisa se reinventar constantemente. Referência em educação, Gadotti faz uma análise atual da escola no país e diz que não há uma idade certa para se aprender. Na próxima quarta-feira, dia 23, ele participa como conferencista do 13º Congresso Internacional de Tecnologia na Educação, que acontece até sexta-feira, no Centro de Convenções de Pernambuco. Na conferência, ele falará sobre Educar para um outro mundo possível. O Diario conversou com Gadotti, que adiantou detalhes da palestra e também comentou sobre analfabetismo e a formação de educadores. Fez ainda uma reflexão sobre o papel do professor para fazer com que os alunos se sintam cada vez mais envolvidos no processo de aprendizagem. “Temos que nos reinventar diante de múltiplas metamorfoses provocadas pelo advento das novas tecnologias da informação e do mundo digital”, resume o educador, que lecionou da pré-escola a pós graduação em 46 anos de magistério.

O senhor diz que a escola precisa ser reencantada, encontrar motivos para que o aluno vá para os bancos escolares com satisfação, alegria. Como fazer isso, em lugares onde a realidade é bem complicada com problemas estruturais graves, como por exemplo, a falta de material escolar?

O grande educador pernambucano Paulo Freire nos ensinou que aprender é gostoso, mas exige esforço. Por isso, o papel da escola é despertar o desejo de aprender. O professor precisa saber muitas coisas para ensinar. Mas, o mais importante não é o que é preciso saber para ensinar, mas, como devemos ser para ensinar. O aluno quer saber, mas nem sempre quer aprender o que lhes é ensinado. O aluno precisa ser autor, ser rebelde, criador. A função da escola não é instruir. É descobrir. A escola do futuro será ousada, corajosa, formando para a autonomia, para o sonho e para a liberdade. A escola precisa, para ser eficaz, perguntar-se mais, despertar novas perguntas e não oferecer respostas para perguntas que ninguém fez. Se não temos perguntas que nos desafiem, não acharemos o caminho, não aprenderemos a superar as dificuldades da realidade desafiadora do presente.

Educar é também aproximar o ser humano do que a humanidade produziu. Se isso era importante no passado, hoje é ainda mais decisivo numa sociedade baseada no conhecimento e na tecnologia. Então como o professor deve agir?

Todos temos o direito de nos apropriar do que a humanidade já conquistou. As novas tecnologias estão nestas conquistas. Hoje é difícil imaginar que já vivemos sem Internet e sem celular. Se nos tirarem isso, hoje, certamente nosso mundo entraria em colapso. Com a rapidez com que ocorrem as mudanças, é difícil imaginar o que vem por aí. Devemos estar abertos a profundas mudanças. Nesse contexto, o papel do professor está mudando de lecionador para organizador da aprendizagem. Torna-se fundamental aprender a pensar autonomamente, saber comunicar-se, saber pesquisar, aprender a trabalhar colaborativamente, saber organizar o próprio trabalho, ter disciplina, ser sujeito da construção do conhecimento, estar aberto a novas aprendizagens, saber articular o conhecimento científico com o saber sensível, o saber técnico e o saber popular.

O ofício de professor corre risco de extinção?

Não. Muito pelo contrário. Mas, sim, um certo professor desaparecerá: o professor lecionador, como disse antes. Porque o professor, hoje, deve ser um problematizador do futuro e não um facilitador do presente, um repassador de conteúdos. Aprender não é ter acesso a computadores, a uma informação. Aprender é contextualizar a informação, atribuir-lhe sentido, construir conhecimento. O professor não é um aplicador de textos, um repassador de informações, um “facilitador”. É muito mais um “problematizador”. Facilitador é o computador. O que distingue um professor é a autoria. O multiplicador apenas replica o que aprendeu. Um computador pode fazer melhor isso do que um ser humano. O papel do professor não é repetir mecanicamente dados, informações e processos. É produzir conhecimento e reinventar a realidade.

Então como o professor pode fazer para evitar que seja um mero executor do currículo oficial?

Essa é uma pergunta complicada porque vivemos numa época em que os governos, nas suas três esferas, vêm perdendo a hegemonia do projeto educacional. Empresas e fundações privadas estão impondo políticas de educação instrucionistas a governos que não têm projetos pedagógicos. Não discutem valores, projeto de democracia, não formam para a cidadania mas apenas para o mercado. Sistemas educacionais privados transformaram os professores das redes públicas em máquinas de ensinar, meros executores de tarefas previamente apostiladas. Devemos reagir a essa mercantilização da educação. Esses sistemas desvalorizam o professor, a professora. Os professores estão excluídos de toda discussão do tema da qualidade. Eles não têm voz. O que se busca é uma estandardização da qualidade, da avaliação, da aprendizagem.

Qual a diferença do professor de hoje e daquele professor do passado?

Ser professor hoje, no século 21, não é nem mais difícil nem mais fácil do que era no século passado. É diferente. Diante da velocidade com que a informação obsolesce e morre, seu papel está mudando: ele não só transforma a informação em conhecimento e em consciência crítica, mas também forma pessoas. Ele faz fluir o saber, porque constrói sentido para a vida das pessoas e para a humanidade. Por isso, ele continuará imprescindível. Seu papel continua sendo “ensinar”, no seu sentido etimológico, do latim “insignare”, que significa “marcar com um sinal”, indicar um caminho, um sentido. Ser professor é, essencialmente, ser profissional do sentido.

Por que o senhor diz que não há tempo próprio para aprender?

Não foram poucas as iniciativas governamentais nos últimos 60 anos, que tentaram eliminar o analfabetismo no Brasil. Apesar disso, continuamos com milhões de jovens, adultos e idosos que não sabem ler e escrever um bilhete simples. E aí se introduz o conceito de “alfabetização na idade certa” como se existisse uma idade apropriada para aprender. Para mim, isso foi um grande equívoco, gerando preconceito contra os que não conseguirem se alfabetizar nesta idade. Cria-se o mito de que existe uma idade certa para aprender, contrariando tudo o que a Unesco defende: uma aprendizagem ao longo de toda a vida.

Apesar dos avanços registrados, ainda convivemos com atrasos como o analfabetismo. O que o senhor aconselha para superarmos esse grande desafio?

Sabemos que, entre nós, o direito à educação não é garantido para todos e todas. Apenas um em cada quatro brasileiros, acima de 15 anos, tem domínio completo da leitura e da escrita. Mas, felizmente, esse desafio foi equacionado pelo Plano Nacional de Educação (PNE). A saída está em executá-lo. A garantia desse direito depende muito, hoje, da mobilização em favor do cumprimento das metas 9 e 10 do PNE. Vivemos uma democracia na qual muitas promessas são feitas e não cumpridas. A Constituição de 1988 garantia que o analfabetismo seria eliminado em 10 anos. O PNE 2001-2011 fez a mesma promessa que não foi cumprida. O PNE 2014-2024 retoma essa meta. Resta saber agora se novo PNE é para valer. Depende de nós.