sábado, 1 de novembro de 2014

QUÃO “CORDIAL” É O POVO BRASILEIRO?

''Quem seguiu as redes sociais, se deu conta dos níveis baixíssimos de polidez, de desrespeito mútuo e até falta de sentido democrático como convivência com as diferenças. (...) Não devemos nem rir nem chorar, mas procurar entender.''

Dizer que o brasileiro é um “homem cordial” vem do escritor Ribeiro Couto, expressão generalizada por Sérgio Buarque de Holanda em seu conhecido livro: “Raizes do Brasil” de 1936 que lhe dedica o inteiro capítulo Vº. Mas esclarece, contrariando Cassiano Ricardo que entendia a “cordialidade”como bondade e a polidez, que “nossa forma ordinária de convívio social é no fundo, justamente o contrário da polidez”(da 21ª edição de 1989 p. 107). Sergio Buarque assume a cordialidade no sentido estritamente etimológico: vem de coração. O brasileiro se orienta muito mais pelo coração do que pela razão. Do coração podem provir o amor e o ódio. Bem diz o autor:”a inimizade bem pode ser tão cordial como a amizade, visto que uma e outra nascem do coração”(p.107).

Escrevo tudo isso para entender os sentimentos “cordiais” que irromperam na campanha presidencial de 2014. Houve por uma parte declarações de entusiasmo e de amor até ao fanatismo para os dois candidatos e por outra, de ódios profundos, expressões chulas por parte de ambas as partes do eleitorado. Verificou-se o que Buarque de Holanda escreveu: a falta de polidez no nosso convívio social.

Talvez em nenhuma campanha anterior se expressaram os gestos “cordiais” dos brasileiros no sentido de amor e ódio contidos nesta palavra. Quem seguiu as redes sociais, se deu conta dos níveis baixíssimos de polidez, de desrespeito mútuo e até falta de sentido democrático como convivência com as diferenças. Essa falta de respeito repercutiu também nos debates entre os candidatos, transmitidos pela TV. Por exemplo, que um dos candidatos chame a Presidenta do país de “leviana e mentirosa” se inscreve dentro desta lógica “cordial”, embora revele grande falta de respeito diante da dignidade do mais alto cargo da nação.

Para entender melhor esta nossa “cordialidade” cabe referir duas heranças que oneram nossa cidadania: a colonização e a escravidão. A colonização produziu em nós o sentimento de submissão, tendo que assumir as formas políticas, a lingua, a religião e os hábitos do colonizador português. Em consequência criou-se a Casa Grande e a Senzala. Como bem o mostrou Gilberto Freyre não se trata de instituições sociais exteriores. Elas foram internalizadas na forma de um dualismo perverso: de um lado os senhor que tudo possui e manda e do outro o servo que pouco tem e obedece ou também a hierarquização social que se revela pela divisão entre ricos e pobres. Essa estrutura subsiste na cabeça das pessoas e se tornou um código de interpretação da realidade e aparece claramente nas formas como as pessoas se tratam nas redes sociais.

Outra tradição muito perversa foi a escravidão. Cabe recordar que houve uma época, entre 1817-1818, em que mais da metade do Brasil era composta de escravos (50,6%). Hoje cerca de 60% possui algo em seu sangue de escravos afro-descendentes. O catecismo que os padres ensinavam aos escravos era “paciência, resignação e obediência”; aos escravocratas se ensinava “moderação e benevolência” coisa que, de fato, pouco se praticava.

A escravidão foi internalizada na forma de discriminação e preconceito contra o negro que devia sempre servir. Pagar o salário é entendido por muitos ainda como uma caridade e não um dever, porque os escravos antes faziam tudo de graça e, imaginam que devem continuar assim. Pois desta forma se tratam, em muitos casos, os empregados e empregadas domésticas ou os peões de fazendas. Ouvi de um amigo da Bahia que escutou uma senhora, moradora de um condomínio de alta classe dizer:”os pobres já recebem a bolsa-família e além disso creem que têm direitos”. Eis a mentalidade da Casa Grande.

As consequências destas duas tradições estão no inconsciente coletivo brasileiro em termos, não tanto de conflito de classe (que também existe) mas antes de conflitos de status social. Diz-se que o negro é preguiçoso quando sabemos que foi ele quem construiu quase tudo que temos em nossas cidades. O nordestino é ignorante, porque vive no semi-árido sob pesados constrangimentos ambientais, quando é um povo altamente criativo, desperto e trabalhador. Do nordeste nos vêm grandes escritores, poetas, atores e atrizes. No Brasil de hoje é a região que mais cresce economicamente na ordem de 2-3%, portanto, acima da média nacional. Mas os preconceitos os castigam à inferioridade.

Todas essas contradições de nossa “cordialidade” apareceram nos twitters, facebooks e outras redes sociais. Somos seres contraditórios em demasia.

Acrescento ainda um argumento de ordem antropológico-filosófica para compreender a irrupção dos amores e ódios nesta campanha eleitoral. Trata-se da ambiguidade frontal da condição humana. Cada um possui a sua dimensão de luz e de sombra, de sim-bólica (que une) e de dia-bólica (que divide). Os modernos falam que somos simultaneamente dementes e sapientes (Morin), quer dizer, pessoas de racionalidade e bondade e ao mesmo tempo de irraconalidade e maldade. 

A tradição cristã fala que somos simultaneamente santos e pecadores. Na feliz expressão de Santo Agostinho: cada um é Adão, cada um é Cristo, vale dizer, cada um é cheio de limitações e vícios e ao mesmo tempo é portador de virtudes e de uma dimensão divina. Esta situação não é um defeito mas uma característica da condition humaine. Cada um deve saber equilibrar estas duas forças e na melhor das hipóteses, dar primazia às dimensões de luz sobre as de sombras, as de Cristo sobre as do velho Adão.

Nestes meses de campanha eleitoral se mostrou quem somos por dentro, “cordiais” mas no duplo sentido: cheios de raiva e de indignação e ao mesmo tempo de exaltação positiva e de militância séria e auto-controlada.

Não devemos nem rir nem chorar, mas procurar entender. Mas não é suficiente entender; urge buscar formas civilizadas da “cordialidade” na qual predomine a vontade de cooperação em vista do bem comum, se respeite o legítimo espaço de uma oposição inteligente e se acolham as diferentes opções políticas. 

O Brasil precisa se unir para que todos juntos enfrentemos os graves problemas internos e externos (guerras de grande devastação e a grave crise no sistema-Terra e no sistema-vida), num projeto por todos assumido para que se crie o que se chamou de o Brasil como a “Terra da boa Esperança”(Ignacy Sachs).

Leonardo Boff escreveu “O despertar da águia: o dia-bólico e o sim-bólico na consstrução da realidade”, Vozes, Petrópolis 1998.

Fonte: http://leonardoboff.wordpress.com
Publicado 31/10/2014

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

OS LEGISTUCANO CHAPAS NEGRAS DA OAB

"(...) eles querem ser mais direito de estado que o próprio 'Direito de Estado', ... são a negação da democracia, uma fraude afirmativa de demagogia. Eles parecem ser a vergonha da Instituição.''

Como usuário da ferramenta filosófica um amante da dialética este instrumento fundamental tenho como predileção o analise, o debate e o indispensável combate ao

legalismo sujo, putrefato, arrogante.

Costumo dizer que certificado de graduação superior não é atestado de inteligência, capacidade, educação para vida e cidadania, ainda mais quando o mesmo serve apenas como arma para ferir com vilania. Temos claro que Educação é algo mais profundo, sedimentado no seio da família, no terreno da cultura, no amadurecimento para a vida e os limites estabelecidos nas relações sociais para além de nós mesmos.

Remeto a inicial provocação ao fato que fazem alguns anos que acompanho um lamaçal de idiotices publicadas por gente graduada de modo especial na área de direito. De estudantes a advogados com 'Carteira da Ordem' agredindo de forma gratuita, vil e covarde a dignidade de pessoas comuns (como nordestinos, operários, pobres etc ) aos chefes de Estado como o Ex presidente Lula, a atual presidenta Dilma entre outros. E assim fazem abertamente pelos mais diversos perfis ou grupos de fascistoides espalhados nas redes sociais.

São arrogantes que se proclamam imunes a qualquer punição interna da entidade (código de ética da ordem) ou externa ( as leis) e assim passam os dias militando como fascistas nas redes sociais. Fazem questão de legitimar a estupidez, proporcional ao pouco que são assinando nome e número da 'Ordem dos Advogados do Brasil' como se isso fosse um atestado de 'direito' ao '’faço tudo isso por que posso fazer e nada pode me deter’’.

Porém, todo cidadão tem o compromisso e o dever de lutar pela dignidade sem se sentir coagido por quem quer que seja. Nós não nascemos para o silêncio, ao servilismo e não devemos nos calar. Principalmente para aqueles que deveriam estar a serviço da justiça e do direito a dignidade que qualquer cidadão tem num estado democrático como vivemos. Direito a dignidade não é Direito ao insulto gratuito, leviano que salta da insanidade de graduados.

Porque esses advogados 'Chapas Negras' , ou ainda estudantes de direito, tem ancorado nas redes sociais um legalismo putrefato de sentimentos como: inveja, rancor, vingança e preconceito pela vitória de Dilma nas eleições. O principio de justiça usado é o insulto, a degradação levianamente do outro por ser oponente ideológico, nascido em outro Estado ou região do país, em especifico o declarado eleitor da presidenta Dilma Rousseff.

Fato concluso! ... eles querem ser mais direito de estado que o próprio 'Direito de Estado', se acham os primeiros teóricos do Estado Democrático. Eles são a negação da democracia, uma fraude afirmativa de demagogia - Eles parecem ser a vergonha da Instituição.

Neuri A. Alves - Professor e Pesquisador Licenciado em Filosofia e História. Um atento curioso do mundo!

 

NOVA DIREITA SURGIU APÓS JUNHO

"Desaprendemos a esperar. Isso é que mudou. Mudou a relação entre tempo e política (...)''

O "surto de impaciência" revelado pelas manifestações de junho de 2013 "provocou um surto simétrico e antagônico que é o surgimento de uma nova direita, um dos fenômenos mais importantes do Brasil contemporâneo. Uma direita não convencional, que não está contemplada pelos esquemas tradicionais da política".

Quem faz a análise é o filósofo Paulo Eduardo Arantes, professor aposentado da USP (Universidade de São Paulo). Ele compara o que acontece aqui com a dinâmica nos Estados Unidos:

"A direita norte-americana não está mais interessada em constituir maiorias de governo. Está interessada em impedir que aconteçam governos. Não quer constituir políticas no Legislativo e ignora o voto do eleitor médio. Ela não precisa de voto porque está sendo financiada diretamente pelas grandes corporações", afirma.

Por isso, seus integrantes podem "se dar ao luxo de ter posições nítidas e inegociáveis. E partem para cima, tornando impossível qualquer mudança de status quo. Há uma direita no Brasil que está indo nessa direção", diz o filósofo.

Segundo ele, "a esquerda não pode fazer isso porque tem que governar, constituir maiorias, transigir, negociar, transformar tudo em um mingau". Nesse confronto, surge o que sociólogos nos EUA classificam como uma "polarização assimétrica", com um lado sem freios e outro tentando contemporizar.

Na avaliação de Arantes, o conceito de polarização assimétrica se aplica ao Brasil. "A lenga-lenga do Brasil polarizado é apenas uma lenga-lenga, um teatro. Nos Estados Unidos, democratas e liberais se caracterizam pela moderação - como a esquerda oficial no Brasil, que é moderada. O outro lado não é moderado. Por isso a polarização é assimétrica".

"Fora o período da eleição que é um teatro em se engalfinham para ganhar um lado só quer paz, amor, beijos, diálogo, tudo. Uma vez que se ganha, as cortinas se fecham e todo mundo troca beijos, ministérios e governa-se. Mas há um lado que não está mais interessado em governar", afirma.

JUNHO DE 2013

Arantes fez essa análise no final da tarde da quarta-feira (29), em palestra sobre as manifestações de junho de 2013 no 16º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação de Filosofia, que acontece nesta semana em Campos do Jordão (SP).

O filósofo contestou a visão de protagonistas dos protestos, para quem o movimento não foi um raio em céu azul, já que foi precedido por várias rebeliões por melhoria no transporte público pelo país afora nos últimos anos.

Na opinião de Arantes, todos foram apanhados de surpresa: "Ninguém esperava que isso acontecesse, nem os próprios protagonistas, nessas proporções. Foi absolutamente inesperado. Não temos mais ouvido para decifrar qualquer sinal de alarme".

Ele criticou o que considerou uma tentativa de sufocar a originalidade do movimento de junho. Discutiu também a visão de que os protestos tiveram fôlego curto.

Citando o compositor Geraldo Vandré, o pensador Ernst Bloch (1885-1977), texto literário, documentário, o filósofo fez um desenho do país: "Desaprendemos a esperar. Isso é que mudou. Mudou a relação entre tempo e política", disse.

Para ele, essa mudança se reflete em esgotamento de paciência: não dá mais para esperar. "E houve uma reviravolta também do outro lado". Daí a nova direita.

Paulo Eduardo Arantes, professor aposentado da USP, Doutorado de Troisième Cycle - Université de Paris X, Nanterre (1973). Conferencista nas áreas de Filosofia clássica alemã, Filosofia francesa contemporânea, Filosofia no Brasil, Cultura e Sociedade brasileira, Teoria Crítica do mundo contemporâneo.

Fonte: 
http://www.bancariospb.com.br

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

DIRETO AO PONTO: sou e somos privilegiados na democracia!


Não escrevo para contentar ou colonizar ninguém senão para expressar o que penso. O simples fato de saber que antes de ficar magoado comigo me questionou do contrário com a lucidez madura de um virtuoso já é de grande satisfação, porque sei que estou crescendo com você e não o colonizei com minhas horizontais ou paralelas opiniões.

Portanto, no dia de ontem encerramos apenas um capitulo especial em nossa democracia ao eleger a presidenta da república e eu particularmente não carrego magoas de ninguém. Continuarei fazendo o que sempre fiz ao escrever, ler e refletir. Inclusive reverenciando com apreço qualquer 'crítica' fundamentada racionalmente em relação a mim, mas não as 'magoas' silenciadas e posteriormente manifestas com desprovimento de razão.

Não é com o 'figado' que pensamos o mundo, mas com um órgão muito especial que levou milhões de anos para ficar pronto e ser devidamente utilizado por nós que é o nosso cérebro. Embora este órgão tenha aparência repugnante nada é mais repugnante que a incoerência com que alguns habitam a própria bolha existencial.

O mundo segue enquanto lhes for possível, mas nós passamos inevitavelmente, assim como passa o tempo daqueles que um dia ao governar esqueceram do seu povo em detrimento das elites minoritárias - o resultado de ontem expressou isso. 

Fica minhas saudações aos que aceitam ou não essa verdade, porque a democracia me possibilita dizer isso - o que Dilma não teve nos calabouço da ditadura!

Do amigo de sempre;

Neuri Adilio Alves
Professor, Pesquisador.

A URGÊNCIA DE REFUNDAR A ÉTICA E A MORAL

''O que foi verdadeiro ontem, continua sendo verdadeiro também hoje. É o que mais nos falta no mundo que se rege mais pela competição do que pela cooperação.'' 

Uma das demandas maiores atualmente nos grupos, nas escolas, nas universidades, nas empresas, nos seminários de distinta ordem é a questão da ética. As solicitações que mais recebo são exatamente para abordar este tema.

Hoje ele é especialmente difícil, pois não podemos impor a toda a humanidade a ética elaborada pelo Ocidente na esteira dos grandes mestres como Aristóteles, Tomás de Aquino, Kant e Habermas. No encontro das culturas pela globalização somos confrontados com outros paradigmas de ética. Como encontrar para além das diversidades, um consenso ético mínimo, válido para todos? A saída é buscar na própria essência humana, da qual todos são portadores, o seu fundamento: como nos devemos nos relacionar entre nós seres pessoais e sociais, com a natureza e com a Mãe Terra. A ética é da ordem prática, embora se embase numa visão teoricamente bem fundada. Se não agirmos nos limites de um consenso mínimo em questões éticas, podemos produzir catástrofes sócio-ambientais de magnitude nunca antes vista.

Vale a observação do apreciado psicanalista norte-americano Rollo May que escreveu:”Na atual confusão de episódios racionalistas e técnicos perdemos de vista e nos despreocupamos do ser humano; precisamos agora voltar humildemente ao simples cuidado; creio, muitas vezes, que somente o cuidado nos permite resistir ao cinismo e à apatia que são as doenças psicológicas do nosso tempo”(Eros e Repressão, Vozes 1973 p. 318, toda a parte 318-340).

Tenho me dedicado intensamente ao tema do cuidado (Saber Cuidar,1999; O cuidado necessário, 2013 pela Vozes). Segundo o famoso mito do escravo romano Higino sobre o cuidado, o deus Cuidado teve a feliz ideia de fazer um boneco no formato de um ser humano. Chamou Jupiter para lhe infundir espírito, o que foi feito. Quando este quis impor-lhe um nome, se levantou a deusa Terra dizendo que a tal figura foi feita com o seu material e assim teria mais direito de dar-lhe um nome. Não se chegou a nenhum acordo. Saturno, o pais dos deuses, foi invocado e ele decidiu a questão chamando-o de homem que vem de húmus, terra fértil. E ordenou ao deus Cuidado: “você que teve a ideia, cuidará do ser humano por todos os dias de sua vida”. Pelo que se vê, a concepção do ser humano como composto de espírito e de corpo não é originária. O mito diz:”O cuidado foi o primeiro que moldou o ser humano”.

O cuidado, portanto, é um a priori ontológico, explicando: está na origem da existência do ser humano. Essa origem não deve ser entendida temporalmente, mas filosoficamente, como a fonte de onde permanentemente brota a existência do ser humano. Temos a ver com uma energia amorosa que jorra ininterruptamente, em cada momento e em cada circunstância. Sem o cuidado o ser humano continuaria uma porção de argila como qualquer outra à margem do rio, ou um espírito angelical desencarnado e fora do tempo histórico.

Quando se diz que o deus Cuidado moldou, por primeiro, o ser humano visa-se a enfatizar que ele empenhou nisso dedicação, amor, ternura, sentimento e coração. Com isso assumiu a responsabilidade de fazer com que estas virtudes constituíssem a natureza do ser humano, sem as quais perderia sua estatura humana. O cuidado deve se transformar em carne e sangue de nossa existência.

O próprio universo se rege pelo cuidado. Se nos primeiros momentos após o big bang não tivesse havido um sutilíssimo cuidado de as energias fundamentais se equilibrarem adequadamente, não teriam surgido a matéria, as galáxias, o Sol, a Terra e nós mesmos. Todos nós somos filhos e filhas do cuidado. Se nossas mães não tivessem tido infinito cuidado em nos acolher e alimentar, não saberíamos como deixar o berço e buscar nosso alimento. Morreríamos em pouco tempo.

Tudo o que cuidamos também amamos e tudo o que amamos também cuidamos.
Junto com o cuidado nasce naturalmente a responsabilidade, outro princípio fundador da ética universal. Ser responsável é cuidar que nossas ações não sejam maléficas para nós e para os outros mas, ao contrário, sejam benéficas e promovam a vida.

Tudo precisa ser cuidado. Caso contrário se deteriora e lentamente desaparece. O cuidado é maior força que se opõe à entropia universal: faz as coisas durarem muito mais tempo.

Como somos seres sociais, não vivemos mas convivemos, precisamos da colaboração de todos para que o cuidado e a responsabilidade se tornem forças plasmadores do ser humano. Quando nossos ancestrais antropoides iam em busca de alimento, não o comiam logo como fazem, geralmente, os animais. Colhiam-no e o levavam ao grupo e cooperativa e solidariamente comiam juntos, começando pelos mais jovens e os idosos e em seguida os demais. Foi essa cooperação que nos permitiu dar o salto da animalidade para a humanidade. O que foi verdadeiro ontem, continua sendo verdadeiro também hoje. É o que mais nos falta no mundo que se rege mais pela competição do que pela cooperação. Por isso somos insensíveis face ao sofrimento de milhões e milhões de pessoas e deixamos de cuidar e de nos responsabilizar pelo futuro comum, de nossa espécie e da vida no planeta Terra.

Importa reinventar esse consenso mínimo ao redor desses princípios e valores se quisermos garantir nossa sobrevivência e de nossa civilização.

Por Leonardo Foff, - Filósofo, Teólogo, Professor e Escritor
Públicado em seu Site em 27/10/2014

Fonte: http://leonardoboff.wordpress.com

sábado, 18 de outubro de 2014

BEBERÁS DO CÁLICE DA ILUSÃO DA CONVENIÊNCIA E CINISMO?

''(...) a vida segue com gente como eu: católico relaxado, envergonhado e pecador!''

Sinceramente esse documento final produzido pelos bispos alegoricamente falando em uma 'Igreja aberta para todos', mas ressaltando restrições ao acolhimento/aceitação dos casais divorciados (recasados) e dos homossexuais é um espécie de anedota ridícula contada por Santo Agostinho (zoneiro confesso), para forçar o riso da comunhão num tomista focado na realidade terrena.

Fato mesmo, é que a instituição faz 'merchandising pastoral' para tratar de questões de nossa realidade social como se fossem externo aos seus próprios muros. Ou para ser direto, macular o vultuoso numero de homossexuais que se escondem nos armários do celibato, do sacerdócio coberto pelo hábito, pela alva, pela casula, pela mitra e cajado.

- Ou nunca teve e ainda tem homossexuais dentro da instituição, inclusive formando casais em mosteiros, seminários e casas religiosas?

- Ou são poucos os casos de padres, freiras, bispos que separam famílias (levando ao divórcio) para se unir a uma das partes e viver no anonimato?

- Ou são poucos os casos de FAMÍLIAS destruídas pela covardia de um sacerdote pedófilo tutelado pela própria instituição?

Me poupem... Mas quero ver esse 'cavalo de troia' (documento final) assim que chegar nas livrarias católicas. Pois enquanto uns brincam de ser Deus, outros apenas querem (merecem) ser reconhecidos com dignidade, respeito, infelizmente por aqueles não teriam para dar e ser exemplo. 

Enfim! A vida segue com gente como eu: católico relaxado, envergonhado e pecador!

Por, Neuri Adilio Alves

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

FILOSOFIA E POLITICA: escolher entre a realidade concreta e a ilusão oportunista.

''Filosofia e politica são fundamentalmente parte da natureza humana, assim como a verdade um patrimônio da dignidade por isso não há tempo no agora para invenção.''

A via mais usada, ou a via de maior confiabilidade do conhecimento é o método na 'filosofia moderna'. Portanto, a validade do conhecimento e na defesa do mesmo vai depender do método usado. Se nós somos produtos de nosso meio e provamos das realidades concretas presente nele não só podemos, mas devemos apresentar, falar, justificar e defender diante de todas as ilusões que vão sendo propostas tão desconexas da realidade.

Na disputa eleitoral deste ano este mesmo método cientifico é caminho necessário da razão sábia, apresentado em números positivos, diga-se inquestionáveis apontando os avanços sociais, estruturais e politico. Eles nos dizem o porque Dilma é a mais preparada neste momento para continuar governando o país. Negar o óbvio é negar a verdade, negar a história e condenar o futuro.

- Miséria: 36 milhões de pessoas saíram da linha da miséria em todo país;

- Emprego: 21 milhões de emprego foram criados;

- Salário mínimo: 70% de crescimento real em toda sua história;

- Moradia: 3,4 milhões de Brasileiros já podem dizer que possuem casa própria porque o governo lhes possibilitou;

- Educação Superior: 7 milhões de estudantes tiveram a oportunidade de chegar a universidade;

- Educação Básica: 49 mil escolas em tempo integral;

- Escola Técnica Profissionalizante: 8 milhões de vagas para ensino técnico, PRONATEC

- (...) (...) (...)

Esta claro para todos nós (ou pelo menos aos que querem ver) que a 'Verdade' não esta na 'Mudança Oportunista' proposta por Aécio e sua trupe de saqueadores, no parasitismo dos candidatos do primeiro turno e agora aliados na armadinha neoliberal do tucano. Ou no terrorismo midiático da Rede Plim Plim, maior aparelho fascista do país.

A VERDADE que tratamos esta nas 'MUDANÇAS CONCRETAS' realizadas na continuidade de um governo comprometido com as mudanças do país como fez Lula, deu continuidade neste primeiro governo da DILMA e continuará avançando de forma qualitativa e quantitativa sendo reeleita.

Filosofia e politica são fundamentalmente parte da natureza humana, assim como a verdade um patrimônio da dignidade por isso não há tempo no agora para invenção. Pensar o Brasil de amanhã passa pelo crivo criterioso de avaliar e concluir que Dilma 13 é o projeto politico vital a ser defendido para o meu país neste momento e o Brasil das gerações futuras! Por isso, é fundamental combater a 'ilusão oportunista' proposta por Aécio e seus exército de parasitas. E acima de tudo defender com unhas e dentes a 'realidade concreta' dos avanços conclusos até aqui, os que estão em andamento e tudo o que ainda virá.

Professor Neuri Adilio Alves: -  Pesquisador e Palestrante. - Graduado em Filosofia, Esp Antropologia Filosófica - PUCCmp.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Escolas sem Bibliotecas: 'Um lugar sem sentido'

A carência generalizada de bibliotecas nas escolas brasileiras está inscrita num contexto em que pesam a desvalorização da cultura leitora e o modelo educacional adotado historicamente pelo país

Em 2010, apenas 35% das escolas brasileiras contavam com bibliotecas
Brasileiro não gosta de ler. Na era digital, o livro é dispensável. Bi­blioteca é lugar para onde vai quem está de castigo. Inevitavelmente imerso na cultura de desvalorização da leitura e na relação do brasileiro com o objeto livro, o ambiente escolar é o local em que chavões como esses convivem com a falta de acesso a espaços compartilhados de leitura. Como, então, a escola consegue cumprir seu papel de propulsora da democratização da cultura leitora no Brasil? 

Os números falam por si: mais de 15 milhões de alunos brasileiros estudam em escolas sem bi­bliotecas, um equipamento bá­si­co. Diante do quadro, cabe questionar: qual a importância da biblioteca para a formação educacional? Entre as consequências de sua ausência no espaço escolar são apontadas dificuldades no período de alfabetização, no desenvolvimento da autonomia para a aprendizagem e no acesso a outros conhecimentos, diminuindo a capacidade de abstração e argumentação. 

É verdade que aquele ambiente silencioso e sacralizado não parece mais fazer sentido nos tempos atuais. Mas, ao invés de descartar o volume de informação ali acumulado, é preciso ressignificá-lo, de modo que esse espaço faça sentido para os jovens contemporâneos. Por outro lado, se o Brasil ainda não conseguiu nem igualar a oportunidade de acesso a um espaco compartilhado de livros, a questão é urgente: uma escola sem biblioteca continua sendo uma escola? A legislação, ao menos, tenta indicar que não. A partir de 2020, todas as escolas de ensino fundamental e médio no Brasil devem ter uma biblioteca, segundo a lei federal 12.244/10. Serão seis anos de muito trabalho. 

Educação e cultura 

O cenário atual é grave e não há qualquer sinal de que uma evolução rápida esteja a caminho, mesmo após a sanção da lei da universalisação das bibliotecas. Em 2010, o número de escolas (públicas e particulares) de nível fundamental com bibliotecas era de 35% e, no ensino médio, de 72% – houve apenas um ponto percentual de melhoria em cada nível de ensino. 

É no ensino fundamental que a falta de bibliotecas encontra uma realidade mais dramática: apenas 30% das escolas públicas oferecem o equipamento nessa etapa de ensino, e 43% dos alunos estudam sem ela. Na escola privada elas também fazem falta: 28% das escolas não oferecem esse equipamento e 18% dos alunos estudam sem ele. Em âmbito nacional, as escolas municipais são as mais deficitárias – só 22% contam com acervos organizados. 

Com o tempo passando, a legislação parece cada dia mais longe de chegar a ser cumprida. O Censo Escolar mostra que, em dois anos, foram implantadas 317 bibliotecas em escolas fundamentais e 650 em instituições de nível médio. Ainda faltam mais de 99 mil. Em 2010, era necessário construir 28 novas bibliotecas por dia no país para chegar em 2020 com 100% de cobertura. Dois anos mais tarde, o ritmo precisa ser de 34 bibliotecas por dia. 

Para Ivete Pieruccini, professora do curso de biblioteconomia e coordenadora do laboratório de infoeducação da Universidade de São Paulo (USP), a carência generalizada desse espaço está inscrita em um contexto sociocultural complexo, em que pesam a falta de uma cultura de bibliotecas e o modelo educacional adotado historicamente pelo Brasil. 

“Nos países anglo-saxões, por razões históricas ligadas à religião e à leitura da Bíblia, o livro é visto como uma fonte de conhecimento e informação, assim como o professor”, explica Ivete. “Aqui nós usamos as bibliotecas para preservação do patrimônio cultural escrito, dentro de uma outra lógica. A biblioteca não é vista como indispensável porque a educação não a incorporou como fonte de informação. O professor é a fonte única, que responde por todos os problemas de preenchimento de conteúdo.” 

Efeitos na educação 

A lógica educacional transmis­siva, diz Ivete, embora esteja sendo repensada atualmente por causa das novas teconologias, ainda é bem aceita em quase todos os meios, e é por isso que certos pais aceitam pagar mensalidades para que seus filhos estudem em instituições sem bibliotecas. “A população, mesmo a que faz parte de circuitos econômicos privilegiados, não tem ideia da importância do papel da biblioteca na formação educacional. Para eles, um bom professor com um livro didático dão conta.” 

Para Carlos da Fonseca Brandão, professor da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), do campus de Assis, a falta de bibliotecas reflete a deficiência no processo de alfabetização e colabora com ele. “Uma criança bem alfabetizada gosta de ler; as com dificuldade, não querem ler.” Ao ter uma biblioteca disponível, é mais provável que a criança pequena tenha seu desejo de conhecer o mundo das letras despertado, o que torna a alfabetização mais fácil. 

Gustavo Gouveia, coordenador da Rede de Bibliotecas do Instituto Brasil Leitor (IBL), lembra que a falta de um espaço para consulta e leitura não dirigida afeta diretamente a capacidade da escola de formar um cidadão leitor, assim como atrapalha o desenvolvimento da autonomia na aprendizagem. 

“Um aluno sem acesso a uma biblioteca fica impossibilitado de se habituar a esse espaço que concentra informações. Ele vai para a sala de aula, aos laboratórios, sempre coordenado, dirigido”, afirma. “É na biblioteca que ele tem a oportunidade de adquirir conhecimento de maneira informal, acessar a informação que ele deseja, não necessariamente direcionado”, explica. 

Repensando o espaço 

Mas para que investir recursos humanos e financeiros em um local tão pouco utilizado pelos alunos hoje em dia? Mesmo num mundo cada vez mais digital, com os jovens procurando novas plataformas, ainda faz sentido brigar para que bibliotecas sejam criadas, acredita Christine Fontelles, do Instituto Ecofuturo, voltado para a promoção da leitura e escrita. “É preciso haver um local para acessar livros, não importa se o suporte seja impresso ou digital. Em Madri, já existe uma biblioteca que empresta tablets. O importante é que todos possam se tornar íntimos da ação da leitura”, afirma ela. 

De fato, uma mídia não exclui a outra. Mas, como o país ainda não foi capaz de universalizar sequer as bibliotecas tradicionais, a discussão sobre a convivência do livro em papel com o digital parece um problema distante da maioria dos alunos Brasil afora. O importante, segundo Christine, é que a biblioteca faça sentido, seja entendida e projetada como um local para o despertar de um novo prazer. Portanto, não basta o acesso aos livros, embora ele seja uma pré-condição. É preciso ir além. “Se a leitura é impositiva, fica chata. É preciso, por exemplo, dar liberdade para os alunos escolherem um título – por que todo mundo tem de ler a mesma coisa ao mesmo tempo? Ninguém nasce leitor, tudo é aprendizado”, diz. 

Para Ivani Nacked, diretora de projetos do IBL, o déficit de bibliotecas e a falta movimentação em torno do tema refletem a desvalorização do ato de ler na sociedade brasileira. “A biblioteca é vista como um lugar sisudo, fechado. O livro por vezes é endeusado, proibido de estar no chão, tem de estar na estante. Isso causa um distanciamento”, acredita. 

Portanto, antes de discutir a implantação de uma nova biblioteca, é preciso um processo de reflexão sobre esse espaço, recomenda Ivani. “O que é um acervo? Uma estante com livros? O silêncio tem de imperar? Uma biblioteca não pode ter um acervo musical? O foco não é só a palavra escrita. Deve ser uma sala onde todos possam se encontrar para aumentar seu repertório cultural.” 

A biblioteca pode, portanto, ser um ambiente que integre várias manifestações, um lugar agradável que dois amigos escolhem para se encontrar para desenhar enquanto ouvem música, por exemplo. Para trazer as crianças e jovens para dentro desse ambiente rico, é necessário ouvir a opinião deles sobre o assunto, em vez de haver decisões exclusivas dos dirigentes. “O jovem sempre traz algo desconhecido para a escola; ele tem muito a contribuir. Perguntar o que ele deseja da biblioteca, para que seja um espaço que pertença a todos, não seja excludente, é um bom primeiro passo”, afirma Ivani. 

Exemplo dos professores 

Mesmo tão ausentes, as bibliotecas escolares ainda são a principal fonte de acesso a livros para crianças e jovens com idades entre 5 e 17 anos, revela a pesquisa Retratos da leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro. Foram elas as responsáveis por 47% dos títulos lidos por essa faixa etária. 

No levantamento mais recente, divulgado em 2012, os estudantes haviam lido em média 3,41 livros nos três meses anteriores ao questionário, sendo que 2,21 foram indicados pela escola e apenas 1,20 por iniciativa própria (aqui estão incluídos todos os tipos de livro, de literatura, didáticos e até a Bíblia). Apesar do índice baixo, quem está estudando lê bem mais do que quem já saiu da escola: 74% dos estudantes leem, contra 31% dos não estudantes. 

E o professor se mostra o principal agente influenciador da leitura; dos cinco mil entrevistados, 45% apontaram seus mestres como quem mais influenciou seu hábito de leitura. Nas edições anteriores, as mães foram as mais citadas. 

Mas os docentes, de forma geral, não se mostram bons exemplos de leitores. Compilação de dados da plataforma educacional QEdu, com base no questionário socioeconômico da Prova Brasil, apontou que nem metade dos professores da rede pública leem no seu tempo livre – apenas 45% disseram ler sempre ou quase sempre. 

Para Andrea Berenblum, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), é urgente preparar os professores para esse cenário. A professora do Instituto de Educação fez, a pedido do MEC, em 2005, uma avaliação diagnóstica do Programa Nacional da Biblioteca Escolar (PNBE). Suas conclusões foram de que a distribuição de acervos é “bem necessária”, porém, insuficiente como política de formação de leitores. Uma medida conjunta, acredita ela, seria a capacitação dos docentes. 

“É fundamental considerar e refletir sobre as inúmeras dificuldades dos professores para trabalhar com os livros nas escolas, a ausência de formação que lhes permita pensar criticamente sobre sua prática pedagógica e discutir diferentes concepções de linguagem, de leitura e de escrita, os limites no aproveitamento do material disponível e a angústia pela falta de tempo para exercitar a própria leitura”, diz a pesquisadora. 

Segundo Andrea, políticas de fomento à leitura e de formação de leitores precisam se centrar não apenas na distribuição de acervos, mas em garantir a qualidade do trabalho pedagógico com a leitura e a escrita. “Isso envolve levar em consideração, ademais e principalmente, as reais condições em que os profissionais da educação estão desenvolvendo o seu trabalho cotidiano nas instituições educacionais.” 

Esses fatores poderiam explicar por que, quando chegam à escola, os livros são ‘escondidos’, sem serem disponibilizados para a comunidade (leia mais na página 43). Para Brandão, da Unesp, o triste cenário atual só vai melhorar se houver vontade política em todas as esferas. “É preciso entender as responsabilidades dos níveis da federação. O governo federal tem o PNBE, os municípios têm a obrigação de gastar 25% da receita dentro da escola. Agora é preciso usar esses recursos disponíveis”, afirma. 

Trabalho de longo prazo 

No ranking de escolas com e sem bibliotecas no Brasil, o estado em melhor situação, o Rio Grande do Sul, tem 74% das escolas de nível fundamental e 95% das de nível médio com bibliotecas. O bom resultado, no entanto, vem de um trabalho bem anterior à legislação de 2010. 

Na década de 1950 foi criado dentro da secretaria de Educação um setor responsável pelas bibliotecas. Em 1988, foi estabelecido um “horário semanal de leitura” no currículo da rede estadual. Em 1989, a Constituição Estadual determinou que as escolas públicas e particulares deveriam ter bibliotecas. Desde então, o Conselho Estadual de Educação só aprova a abertura de novas instituições se elas tiverem o equipamento. Pela lei estadual, o acervo mínimo é de quatro volumes por estudante. 

“A continuidade das políticas públicas faz a diferença”, afirma a bibliotecária Maria do Carmo Ferreira Mizetti, coordenadora do Sistema Estadual de Bibliotecas Escolares. 

Mesmo assim, apesar das décadas seguidas de esforço, ainda faltam 1.700 bibliotecas escolares no Rio Grande do Sul. Maria do Carmo aponta algumas dificuldades. “Em algumas escolas, o número de alunos aumentou e a biblioteca acabou virando sala de aula. Em escolas muito pequenas, o acervo fica inteiro numa estante, não há uma biblioteca de fato.” 

A coordenadora também cita a falta de biblioteconomistas como entrave para a evolução das já existentes. “Estamos terminando um manual sobre o funcionamento de uma biblioteca, para que o profissional que assumir possa ter métodos eficientes de trabalho.” 

Confusão de nomes 

O estado mais rico do Brasil, São Paulo, contraditoriamente aparece no Censo Escolar como um dos menos equipados, ficando abaixo da média nacional, com bibliotecas em 29% dos estabelecimentos de ensino de nível fundamental. A rede estadual é a de pior índice entre os 26 estados e Distrito Federal: somente 9% das escolas oferecem bibliotecas a seus alunos. No ensino fundamental, são 433 escolas com bibliotecas e um déficit de 4.455. 

Segundo a secretaria estadual de Educação, porém, todas as escolas possuem acervo disponível aos alunos para consulta e leitura. O baixo índice alcançado no levantamento oficial do MEC seria um problema de nomeclatura. Existe um programa oficial da secretaria chamado Salas de Leitura – mas na prática elas funcionam como bibliotecas normais. 

No entanto, ao responder o Censo, os dirigentes das escolas assinalam que elas possuem “salas de leitura” em vez de “bibliotecas”. Segundo a secretaria, quase três mil escolas participam do programa Salas de Leitura, número que equivale a 65% de todas as unidades da rede. 

Aberta das 7h às 23h, durante todos os turnos de aula, a sala de leitura da Escola Estadual João Octavio dos Santos, no morro do Bufo, em Santos, se parece com uma biblioteca tradicional. Estantes de livros separados por temas e indicação de faixa etária recobrem as paredes. No meio da sala, decorada com desenhos de alunos, estão dispostas seis mesas circulares com cadeiras. Há também uma TV com aparelho de DVD e um data-show, além de mesa para atendimento. 

“Não temos a figura do bibliotecário, mas dois professores ficam responsáveis pela sala. Eles receberam treinamento para a função e trabalham muito o lado pedagógico”, afirma a diretora, Maria Madalena de Almeida Serralva. “Se um aluno teve uma aula sobre a Segunda Guerra e se interessou pelo assunto, eles podem indicar os livros de história, ou de literatura, que tratem do tema”, exemplifica Maria Madalena sobre como o trabalho da sala é naturalmente articulado com o currículo. 

Com livre acesso a todos os alunos, e também aos pais, a sala possui um acervo que atende desde o primeiro ciclo do fundamental ao ensino médio. “As crianças menores são as que mais leem. Muitas vêm aqui no recreio e leem um depois do outro. É importante para formar o hábito”, afirma a diretora. 

Os controles de empréstimos ainda são feitos em cadernos de papel, escritos à mão. A informatização da sala está prevista para este ano. A secretaria de Educação informou que há um sistema específico para as bibliotecas da rede, em que é possível consultar o acervo de todas as escolas já conectadas e, se for preciso, o estudante pode buscar um livro em uma outra unidade. A reportagem da revista Educação visitou também salas de leitura de outras quatro escolas na capital paulista e todas seguem o mesmo padrão. 

Cabe perguntar se, independemente da nomenclatura, os alunos brasileiros apartados do mundo da leitura poderão enfrentar deficiências não apenas na vida escolar, mas na vida prática, e no seu papel como cidadãos. 

Por Luciana Alvarez 

Fonte: Revista Educação

segunda-feira, 23 de junho de 2014

A RAIZ DA EQUIDADE

O pesquisador argentino Axel Rivas passou mais de dez anos visitando escolas e analisando sistemas educacionais em todo o mundo. Para ele, as desigualdades mais profundas são de aprendizado, e a alfabetização é o momento que deveria concentrar os melhores professores. (Ricardo Braginski, de Buenos Aires)

Axel Rivas: a competição entre as escolas não
 produz melhores resultados

Atualmente é difícil encontrar na Argentina especialistas interessados em pesquisar o que acontece em sala de aula e o que se passa entre professores e alunos. Também são raros aqueles que têm uma perspectiva ampla e pluralista da educação e que defendam a redução das desigualdades sem enredar-se em discussões ideológicas. Axel Rivas, 39, uma das vozes jovens mais ouvidas nos dias de hoje no campo da educação, é um desses pesquisadores.

À frente da área de Educação do Centro de Implementação de Políticas Públicas para a Equidade e o Crescimento (CIPPEC), organização argentina dedicada à formulação de políticas públicas para reduzir as desigualdades sociais, Rivas passou mais de dez anos percorrendo escolas e ministérios educacionais de vários países e de todas as províncias argentinas.

Doutor em Ciências Sociais e professor universitário, Rivas recentemente escreveu Caminos para la educación, Viajes al futuro de la educación e Revivir las aulas, os três ainda sem tradução para o português. Em um típico café de Buenos Aires, Rivas recebeu a revista Educação para falar sobre os principais desafios da educação na América do Sul, como reduzir as desigualdades e o futuro da sala de aula.

Quais são as principais causas da desigualdade educacional? E quais as melhores políticas educacionais para superar esse problema?

A oferta continua desigual, favorecendo os que têm mais recursos. O que o Estado pode fazer é melhorar a infraestrutura, melhorar a proporção de alunos por professor e valorizar os professores com mais tempo de serviço. Mas as desigualdades mais profundas são de aprendizado e estão organizadas a partir da exclusão das classes mais baixas, especialmente no ensino médio. Aqui as transformações necessárias são mais complexas e envolveriam ações como a criação de um regime especial para as alunas grávidas, por exemplo. As desigualdades também têm uma relação muito estreita com o contexto familiar. A escola frequentemente envolve a realização de deveres e atividades em casa, mas o resultado disso varia muito de acordo com o nível sociocultural de cada aluno.

Pela sua experiência, quais são os aspectos fundamentais que devem ser enfatizados pelos sistemas educacionais da América Latina para oferecer uma educação de qualidade e, ao mesmo tempo, inclusiva?

Os três principais aspectos são a docência, os conteúdos temáticos que compõem o currículo e a dimensão institucional das escolas. A valorização da docência é um eixo que todos os países da região já reconhecem como uma prioridade. Sabe-se que qualquer proposta de reforma curricular que prescinda da participação dos professores não terá sucesso. Quanto aos conteúdos, sabe-se que eles requerem revisão contínua. Agora, na Argentina, contamos com uma ampla lista de conteúdos temáticos e metas de aprendizagem que correspondem a uma visão enciclopédica da aprendizagem – memorização e quantidade como elementos mais importantes que a reflexão. Estamos caminhando para uma situação em que teremos de ensinar menos e melhor. Deve haver conteúdos estruturantes fundamentais e eles devem ser claros para todas as escolas, além de constituírem o princípio organizador de um trabalho muito mais amplo, em torno do qual se concentrarão diversos tipos de atividades. Finalmente, o terceiro eixo está ligado à necessidade de termos uma estrutura institucional diferente que possibilite a personalização do ensino. Hoje temos horários muito rígidos, muito estritos, que impedem, por exemplo, que uma aula de matemática de 40 minutos possa se desdobrar em desafio a ser trabalhado durante toda a semana. Tudo é muito fixo.

Por que você propõe a priorização da primeira série e como isso deve ser feito?

Há muitos estudos que mostram que a primeira série é a mais importante do primário e de toda a educação. É o momento de configuração da relação do aluno com a escola – uma ligação que irá durar por muitos anos – e também quando se dá o que alguns educadores chamam de a mais longa sequência da escolaridade, que é a alfabetização. A primeira série deveria concentrar os melhores professores e ter uma maior continuidade pedagógica. Mas isso exigiria que o professor trabalhasse com o mesmo grupo de estudantes por muitos dias seguidos, provavelmente por mais de um ano. Isso explica a tendência de unir o primeiro e o segundo ano. A ênfase nessa etapa pode se produzir com a ação dos diretores, que devem fazer da primeira série a mais desafiante para os professores. Os melhores devem estar ali. Também é possível exigir uma experiência mais consistente desses educadores. Além disso, a primeira série também deve ser uma prioridade para toda a escola, institucionalmente. Na Finlândia, as atenções são voltadas aos dois primeiros anos. Todos na escola estão comprometidos em prover às crianças o sentimento de que elas são bem-vindas e de que nada pode excluí-las. Essa concepção é totalmente contrária à ideia de que a repetência pode ser justificada. Independentemente de qualquer motivo pedagógico, a repetência nessa época pode gerar um dano à subjetividade do aluno muitas vezes irreversível. Muitas pesquisas mostram que aqueles que repetem não aprendem mais. Pelo contrário, eles tendem a repetir novamente e a abandonar a escola. Na Argentina, 10% das crianças repetem a primeira série. No Brasil, esse índice é de cerca de 20%. É um mecanismo que exclui em um momento que deveria ser de inclusão, de boas-vindas para os alunos.

Alguns países da região, como o Chile, estão criando rankings de escolas e divulgando seus resultados. Qual sua opinião sobre isso?

Os pesquisadores estão inclinados a dizer que a competição entre as escolas não gera melhores resultados, mas sim frustração, evasão, sentimento de desproteção, vantagens para as famílias de maior nível cultural, etc. Acredito que a educação não deve ser projetada com finalidades de competição. Pelo contrário, cada sistema tem de evoluir com seus próprios erros e acertos, deve trabalhar de forma colaborativa e tomar decisões com base em suas convicções e capacidades, e não por pressão externa. Os sistemas com melhores desempenhos não estimulam a competição entre as escolas. Nem na Coreia do Sul nem em Cingapura, onde as escolas trabalham de forma integrada. Boa parte do trabalho é feito em comunidade, o que é muito difícil de acontecer quando você está competindo o tempo todo pelos mesmos resultados e pelos mesmos alunos.

Você conheceu sistemas educacionais de várias partes do mundo. O que aprendeu com eles?

Mais do que peças isoladas de sistemas, há exemplos de boas práticas que podem ser seguidas. Vou citar dois países com sistemas antagônicos: a Finlândia e a Coreia do Sul. Ambos obtêm bons resultados e são líderes mundiais no Pisa, o que mostra a fragilidade de provas como essa. A Coreia do Sul tem índices elevadíssimos, mas lá os alunos estudam, em média, 12 horas por dia, sendo oito horas em sala de aula e mais quatro com professor particular. Eles dormem pouco, não têm infância, não se divertem e não têm tempo livre. Enfim, são jovens fadados ao estudo. A estrutura social e cultural deles está baseada nos resultados de um teste realizado ao final do ensino médio que, praticamente, define a vida da pessoa: o quanto ela vai ganhar, com o que vai trabalhar e com quem vai se relacionar. Queremos este modelo educacional? A minha resposta é não. Eu não quero viver em um país que tem a maior taxa de suicídio infantil. Felizmente temos o exemplo da Finlândia, que evidencia o poder que pode ter o ensino personalizado baseado na autonomia e na formação dos professores. Este modelo tem bons resultados e gera um desejo de aprender sem pressionar os alunos com provas. A situação é inversa: os alunos têm poucas horas de estudo na escola. Se eles tivessem maus resultados, alguém poderia dizer “prefiro um modelo assim apesar dos maus resultados”. Mas os resultados são bons, então dá para defender o modelo e seus resultados.

Atualmente, quais são as habilidades necessárias para exercer o papel de liderança na escola? Os diretores estão suficientemente preparados?

A formação dos gestores é algo que vem sendo muito debatido nos países da América Latina, como Equador, Brasil, Peru, Colômbia e Argentina. A formação dos gestores finalmente, embora tardiamente, teve sua importância reconhecida, pois até então ela nunca tinha sido incorporada como uma variável importante do sistema de ensino. Formar bons gestores e selecioná-los bem é um dos pressupostos mais importantes das reformas educacionais, pois aqueles bem preparados têm capacidade de gerar projetos, de motivar em contextos de crise, de inovar, de provocar engajamento. A figura do líder ganhou uma importância que não existia há 30 ou 40 anos, quando a escola era parte de um sistema que se autorregulava.

Quais são as mudanças concretas introduzidas pela internet e pela utilização de novas tecnologias em sala de aula? E que mudanças pedagógicas são necessárias para enfrentar essa transformação?

Fala-se em substituir a escola tradicional pela escola virtual. Acho que essa é uma ameaça real, diferente das surgidas em outras épocas. No entanto, isso não vai acontecer no curto prazo. A revolução digital, a possibilidade de acesso ao conhecimento por um baixo custo, pode ter muitas implicações. Nos próximos cinco ou dez anos, a mudança deveria ser o foco da discussão e não a possível melhora que ela trará para o sistema. Mas estamos lamentavelmente despreparados para essa reflexão. Mas por que isso? A resposta está no mercado: sistemas privados, educação virtual, livros digitais, tablets, sistemas virtuais de aprendizagem, para tudo isso você tem de pagar. As empresas se movem mais rápido e geram desigualdades. A questão é como o estado reconfigura seu sistema para não perder o caminho da distribuição da riqueza, que é uma de suas missões. A grande questão é se estamos à altura desse desafio, que é muito complexo e que está por vir...

Axel Rivas - Es Licenciado en Ciencias de la Comunicación de la UBA, Master en Ciencias Sociales y Educación de FLACSO. Se doctoró en Ciencias Sociales por la Universidad de Buenos Aires.  Es Profesor adjunto a cargo de Política Educativa en la Universidad Pedagógica de Buenos Aires. Es Profesor Titular de materias de grado y posgrado de Política Educativa en la Universidad de San Andrés (UdeSA) y Universidad Torcuato Di Tella (UTDT). Dicta cursos sobre Federalismo y Economía de la Educación en FLACSO-Argentina. Ha sido profesor en escuelas secundarias y durante doce años fue profesor de Sociología de la Educación en la UBA.


Fonte: http://revistaeducacao.uol.com.br

terça-feira, 17 de junho de 2014

CIÊNCIA POLÍTICA: EDUCAÇÃO PÚBLICA VERSUS EDUCAÇÃO PRIVADA

Robert Dahl é um cientista político norte-americano bastante conhecido por ter introduzido o conceito de "poliarquia", que reflete as características de regimes democráticos existentes com mais realismo. Em Who governs? – Democracy and power in an American city (Quem governa? Democracia e poder em uma cidade norte-america, sem tradução para o português), um trabalho não menos importante do autor publicado em 1961, um estudo de caso da cidade de New Haven, no estado de Conneticut, é usado para a investigação da seguinte pergunta: como os regimes democráticos funcionam em um sistema político no qual há desigualdade de recursos (de diversos tipos)? Uma das políticas públicas analisadas por Dahl é a educação.

Uma lei estadual de 1869 exigia que todos os municípios oferecessem escolas públicas, mas muitos pais matriculavam seus filhos em escolas particulares ou ligadas à igreja católica. Dados apresentados no livro indicam que uma em cada cinco crianças estava matriculada em estabelecimentos particulares. Quando faz o recorte socioeconômico, o autor mostra que apenas uma em cada dez crianças que moravam em bairros pobres estava em escolas particulares, número que subia para quatro no casos dos bairros ricos.

Dahl identifica dois impasses imediatos para líderes políticos gerados a partir da matrícula em escolas particulares. O primeiro é a redução da preocupação com a qualidade da escola pública por parte dos pais com nível de escolaridade alto. "Muitos pais mais educados, que normalmente apoiariam a instituição de melhores padrões para as escolas públicas, provavelmente dão mais atenção às escolas privadas onde seus filhos estudam", escreve. O outro impasse é a sobreposição de custos no caso dos pais que optam pela rede particular, que pagam, ao mesmo tempo, impostos para ter acesso à educação pública e mensalidades para ter acesso ao ensino privado. Tal sobreposição, segundo o autor, pode originar oposição a maiores investimentos em educação pública.

No Brasil, entre 2009 e 2012, houve um crescimento de aproximadamente 13,8% no total de matrículas em educação básica na rede particular (em valores absolutos, saímos de 7,3 milhões para 8,3 milhões de matrículas). As matrículas em escola pública, em contrapartida, caíram aproximadamente 6,7% no período: passaram de 45,2 milhões para 42,2 milhões. Em 2012, dos 50,5 milhões de alunos matriculados, 83,5% (ou 42,2 milhões) estavam em escolas públicas e 16,5% (ou 8,3 milhões) estavam na rede particular. 
Os dados são do Censo Escolar, realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais Anísio Teixeira.
grafico blog final








Fonte: http://www.educacaoepesquisa.blog.br/

A lógica global - Como a globalização está impactando a educação ao redor do mundo?

Pesquisador da Universidade Autônoma de Barcelona, Antoni Verger analisa como a globalização está impactando a educação ao redor do mundo e os atores que influenciam a agenda educacional mundial.

A influência exercida pelo setor privado e pelas or­ga­nizações internacio­nais nas políticas educacionais é um dos principais temas de estudo de Antoni Verger, pesquisador da Universidade Autônoma de Barcelona (UAB) que, em março, esteve no Brasil para participar do II Seminário Regional sobre a Privatização da Educação, realizado pela Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (Clade). Ph.D. em Sociologia, Verger explora como tais instituições estão moldando ou tentando moldar a agenda educacional ao redor do mundo, e os impactos das políticas globais criadas a partir dessas influências.

Na entrevista a seguir, Verger explica como, direta ou indiretamente, esses organismos tentam impor aos governos mudanças em seus sistemas educacionais sob o argumento de que melhorarão o acesso da população à educação e de que tornarão o setor mais eficiente e desburocratizado, movimento percebido principalmente nos países em desenvolvimento. Mas o pesquisador alerta: as nações ricas não estão imunes a esse processo, principalmente quando contam com a presença de instituições de prestígio, como a Fundação Bill e Melinda Gates.

Uma das conclusões de seu estudo é que a globalização está afetando drasticamente o cenário das políticas educacionais ao redor do mundo. O que estamos testemunhando hoje em dia?

A globalização afeta a educação de muitas maneiras e por razões de naturezas diversas. Sobre isso, podemos mencionar desde a revitalização do papel desempenhado pelas organizações internacionais nas políticas educacionais – papel tradicionalmente reservado para os governos nacionais ou locais – até os avanços tecnológicos que têm permitido a disseminação de formas de educação transfronteiriças, como os Moocs [Massive Online Open Courses, sigla em inglês para cursos online massivos e abertos]. No entanto, os efeitos mais significativos da globalização têm uma natureza bastante indireta. Refiro-me a todas as mudanças sociais e econômicas trazidas por esse processo, como o crescimento das desigualdades sociais ou a aceleração da dinâmica da competitividade econômica entre os países. São mudanças importantes que transformam significativamente as prioridades educacionais dos governos, bem como o ambiente socioeconômico onde os agentes educacionais atuam. E não é só isso. A globalização gera novos desafios para os sistemas educacionais e altera a capacidade dos Estados e dos organismos de segurança social de responder a esses problemas por meio de políticas educativas. Por exemplo, no contexto de uma economia globalizada, muitos governos têm dificuldade para responder diretamente às novas demandas educacionais, o que facilita ao setor privado assumir um papel maior na prestação e no financiamento da educação.

Quais organizações internacionais e políticas estão moldando a agenda educacional e disseminando práticas educativas globais?

Sobre esta questão é inevitável começar pelo famoso Pisa [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes] da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico], que avalia e compara as competências adquiridas por alunos de 15 anos em uma ampla gama de países. Esse relatório exerce nos governos uma pressão sutil, mas ao mesmo tempo muito eficaz, para que modifiquem seus sistemas educacionais. Ele, inclusive, tem gerado modelos de referência, como o da Finlândia, que muitos governos têm buscado imitar. A própria OCDE, por meio de periódicos como o Pisa em Foco, também recomenda aos países quais práticas e políticas podem levar ao sucesso educativo tomando como base os resultados da prova. Os países que levam mais a sério os desafios deste relatório têm tentado melhorar a sua educação por meio da equidade. Em contrapartida, aqueles que procuram resultados mais imediatos se limitam a intensificar a carga curricular nas áreas de conhecimento avaliadas pelo Pisa. Também cabe mencionar, principalmente nos países dependentes financeiramente, a grande influência exercida pelas instituições financeiras internacionais e pelos bancos de desenvolvimento em função da capacidade deles de condicionar a concessão de crédito. Ainda sobre esta questão, é importante referir novamente os efeitos indiretos da globalização e, em particular, as organizações internacionais. Por exemplo, em países europeus, especialmente nos países do sul da Europa, as políticas macroeconômicas e a austeridade impostas pela União Europeia – e pelo FMI – tiveram um efeito mais significativo sobre os sistemas de ensino dos países-membros que a própria “agenda educacional europeia”. Essas políticas de austeridade impuseram cortes orçamentários muito graves na educação e, claramente, limitaram a margem de ação política dos governos nesta área.

Quais fatores motivam os governos a adotar novas políticas?

Para responder a esta pergunta é melhor partir de um exemplo concreto como a privatização da educação, uma política que ocupa, sem dúvida, uma posição central na agenda global da educação. Mas, na realidade, não é possível identificar um único padrão que explique por que os países importam ou adotam políticas educacionais de privatização em escala global. As razões que impulsionam os governos variam muito.

Desde os anos 80, com o surgimento do neoliberalimo, a privatização da educação tem tido grande aceitação entre os governos conservadores e liberais, que acreditam que o setor privado é inerentemente superior ao público na gestão de todos os tipos de serviços, incluindo a educação. No entanto, nos últimos anos, estamos vendo a privatização avançar também em países com uma tradição social-democrata, onde os governos adotam medidas de privatização educacional não porque eles achem que o setor privado é melhor do que o público, mas porque eles pensam que a privatização pode ser um bom caminho para a desburocratização dos sistemas de segurança social e para a promoção de oferta educativa mais diversificada. Em países de baixa renda, por outro lado, a privatização avança sob lógicas muito diversas. Nas últimas décadas, muitos têm recebido pressões internas e externas para expandir a educação, o que, a priori, é muito positivo. O problema surge quando, diante de restrições financeiras, os gestores pensam que a única forma de expandir o acesso à educação é por meio do setor privado. Sob uma lógica semelhante, a privatização também avançou nos países mais desenvolvidos em profunda crise econômica. 

Também acrescentaria que em países europeus com uma presença significativa de escolas religiosas, como Bélgica, Holanda, Espanha e muitos países da América Latina, as políticas de terceirização do setor privado são comuns. Estas políticas de “aliança” com o setor de ensino privado, principalmente o religioso, são rea­lizadas por uma série de razões, entre elas para conferir eficiência ao setor, para garantir a liberdade na oferta de ensino para a população e para responder a um lobby que costumava ser muito poderoso, como o da Igreja Católica ou Protestante. Finalmente, outra razão para o avanço da privatização é a existência de uma série de organismos internacionais e consultorias influentes que, como mencionei acima, estão promovendo de forma entusiástica tais políticas e tentando convencer os governos de seus potenciais benefícios. No entanto, vale dizer que a privatização geralmente é promovida por razões ideológicas, já que não há evidências acadêmicas suficientes para justificar a política a favor da privatização.

Quais são as principais diferenças desse processo nos países desenvolvidos e nos países em desenvolvimento? 

Hoje em dia estão muito diluídas as diferenças na forma como operam os mecanismos da globalização. O exemplo que acabei de colocar sobre o sul da Europa – sobre as condicionalidades e imposições das organizações internacionais – mostra isso. Outros exemplos podem ser extraídos das fundações filantrópicas que atuam não só em países pobres, mas também em países ricos. Nos Estados Unidos, a Fundação Bill e Melinda Gates tem uma grande capacidade de influenciar a agenda educacional do governo federal e de muitos de seus membros e, entre outras coisas, está conseguindo promover eficazmente o modelo das escolas charter. Apesar disso, os países de baixa renda, que continuam dependentes de financiamento externo, são sim mais vulneráveis ​​aos critérios e prioridades estabelecidos pelos países ricos e organizações doadoras. Em muitos países onde houve uma descentralização da educação, sem garantia de transferência de competências para o nível local, se abriu um grande mercado para as consultorias internacionais, como a Pearson ou a Cambridge Education, que vendem pacotes curriculares e de reformas educativas com os quais prometem resolver muitos problemas educacionais. Esse mercado de consultoria internacional não prospera, pelo menos com tanto êxito, nos países mais ricos, pois eles contam com uma maior capacidade técnica nos governos regionais e locais para resolver certos problemas sem a necessidade de recorrer a intermediários externos.

Quais são os impactos dessas políticas na prática educacional? 

Muitos estudos sobre a relação entre globalização e educação, especialmente aqueles com uma visão mais antropológica, mostram que a adoção formal de políticas globais pelos governos nem sempre se traduz em mudanças reais nas práticas educativas aplicadas em escolas ou na sala de aula. Outros estudiosos da globalização educacional, como Gita Steiner-Khamsi e seus colegas do Teachers College [Faculdade de Educação da Universidade de Columbia], têm mostrado que muitos governos podem estar adotando políticas educacionais globais para aderir às exigências das organizações internacionais a fim de legitimar suas políticas ou, especialmente no caso dos países em desenvolvimento, para obter financiamento externo. Mas, uma vez alcançados os recursos, os governos continuam­ com suas práticas habituais. Essa visão é muito interessante e relevante, pois, de fato, os sistemas educacionais formam redes de agentes, instituições e interesses muito amplos e complexos de tal forma que tendem a ser resistentes a mudanças bruscas ou às constantes demandas por reforma, tanto externa como interna, que recebem. No entanto, não podemos subestimar o fato de que muitas organizações internacionais têm sido muito eficazes tanto em alterar as prioridades e os objetivos educacionais de muitos governos como em divulgar soluções e políticas educacionais.

Há algum efeito positivo das políticas educacionais? Elas podem melhorar o acesso global à educação? 

É claro que o simples fato de que há cada vez mais países procurando melhorar a educação a partir de boas práticas internacionais é positivo em si – desde que essa melhoria não esteja relacionada exclusivamente com os resultados dos testes padronizados. Além disso, há agendas educacionais internacionais, como a Educação para Todos, lançada no Congresso Mundial de Educação, realizado em Jomtien (Tailândia), em 1990, que tiveram e têm impactos muito positivos no campo da educação para o desenvolvimento. Agendas como essas se tornaram aliadas de movimentos e grupos sociais que defendem o direito universal à educação e possibilitaram que muitos governos de países em desenvolvimento e agências internacionais de desenvolvimento concentrassem seus esforços para viabilizar e ampliar o acesso de crianças e jovens a uma educação de qualidade.

Você cita em seus textos um estudo, feito por três pesquisadores, sobre transferência condicionada de renda no Brasil. Poderia dar mais detalhes ? 

Conheço bem o trabalho de Bonal, Tarabini e Rambla, já que fizemos parte do mesmo grupo de pesquisa, o GEPS (Globalização, Educação e Política Social). O mecanismo estudado por eles é um bom exemplo de política que passou a integrar fortemente a agenda global e, sobretudo, um grande exemplo de como uma política global pode se recontextualizar e ter impactos distintos em diferentes territórios. Eles apontam que, no Brasil, o mesmo programa de transferência de renda condicionada, o Bolsa Escola, foi adotado de forma diferente pelos governos locais. Especificamente sobre isso, eles mostraram que em função de alguns aspectos, como a intensidade da transferência monetária ou o nível de componentes educacionais incluído no projeto final, a Bolsa Escola teve efeitos sociais e educativos muito variados.

Antoni Verger - Ph.D. em Sociologia, Pesquisador da Universidade Autônoma de Barcelona.

Fonte: http://revistaeducacao.uol.com.br