Tucanos criaram em MG governo de falsos resultados,
diz analista
Doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), professor da Escola de Governo da Fundação João Pinheiro, em
Belo Horizonte, e coordenador do Centro de Estudos de Conjuntura da
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), o professor Fabrício
Augusto de Oliveira é autor de vários livros sobre economia e finanças
públicas. Em 2010, produziu o artigo “Contabilidade Criativa: como
chegar ao paraíso, cometendo pecados contábeis – o caso do governo do
Estado de Minas Gerais“.
Este trabalho examina o significado e
a prática da Contabilidade Criativa, instrumento usado por
administrações públicas e privadas para maquiar e apresentar resultados
mais favoráveis de seu desempenho.
Nesta entrevista a Brasília Confidencial
(www.brasiliaconfidencial.com.br), Fabrício Oliveira identifica práticas
do Governo de Minas, então sob comando de Aécio Neves (PSDB), onde essa
manipulação se manifesta.
Brasília Confidencial - O que é a Contabilidade Criativa?
Fabrício de Oliveira – É um artifício contábil usado pelos
administradores públicos e privados para ocultar resultados negativos de
suas atividades ou para produzir melhores resultados em relação aos que
foram efetivamente alcançados. Trata-se, assim, mais claramente, de uma
maquiagem da realidade patrimonial de uma entidade, por meio da
manipulação de dados contábeis, para apresentar uma imagem mais
favorável de seu desempenho. A não ser nos casos em que essa prática
contábil provoca prejuízos para investidores, acionistas ou
fornecedores, ela não se configura legalmente como crime, apenas se vale
de brechas, omissões e falta de melhor regulamentação das regras
contábeis para produzir resultados mais favoráveis para a entidade
privada ou pública. Mas, ao prejudicar a credibilidade das informações
apresentadas, induzindo seus usuários a erros de avaliação, representa
uma prática eticamente condenável.
Os Relatórios do Tribunal de Contas de Minas Gerais constatam que,
entre 2003 e 2006, os cálculos da Receita Corrente Líquida (RCL)
realizados pelo governo estadual foram sempre superiores aos do
Tribunal. Significa que o governo de Minas se valeu da Contabilidade
Criativa para inflar sua receita e os resultados do programa “Choque de
Gestão”?
De fato, entre 2003 e 2006, e, em menor dimensão, também em 2007, o
cálculo da Receita Corrente Líquida (RCL) realizado pelo Poder Executivo
de Minas Gerais foi sempre superior ao realizado pelo Tribunal de
Contas do Estado (TCE-MG). Isso se explica porque o Executivo deixou,
durante este período, de considerar várias deduções previstas em lei
para a realização deste cálculo, incorrendo em duplicidade na
contabilização de algumas de suas receitas e alargando, indevidamente,
essa base. Só a partir de 2007 é que começou, efetivamente, a haver uma
convergência desses valores, provavelmente devido a um acerto da
metodologia entre as duas instituições. Ao inflar essa base, todos os
indicadores da Lei de Responsabilidade Fiscal apresentaram resultados
bem melhores do que os que vinham sendo alcançados.
Ao alargar indevidamente a base da Receita Corrente Líquida, quais
foram os benefícios alcançados pelo governo do Estado?
O conceito de Receita Corrente Líquida dos governos é usado como
parâmetro para o cálculo dos principais indicadores das finanças
públicas previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal, como, por exemplo,
os de gastos com pessoal e de endividamento. No caso das despesas com
pessoal, esse limite é de 60% para os gastos do Executivo, Legislativo,
Judiciário e Ministério Público, mas o limite prudencial é de 57%. No da
dívida, o limite atual é de duas vezes o valor dessa receita para o
governo se considerar perfeitamente enquadrado nas normas da Lei. Quando
ocorre esse enquadramento, ele passa a ter condições legais de voltar a
tomar empréstimos no mercado, ou seja, de lançar mão do endividamento
como forma complementar de financiamento de seus gastos. Pelos cálculos
do TCE, isso só teria ocorrido a partir de 2006. Pelos do Executivo, em
2005, ano em que recebeu autorização para retornar ao mercado de crédito
e para voltar a contratar dívida. Sem dúvida, um grande benefício, além
do fato de que tal situação foi vendida para a população como resultado
de uma administração competente no manejo e administração das contas
públicas.
O governo de Minas usa o critério do Resultado Orçamentário para
mostrar que as contas públicas têm se apresentado superavitárias desde
2004. O senhor diz que este critério pode esconder desequilíbrios que
não estão à vista. Quais são esses desequilíbrios?
O conceito usado pelo governo pouco nos diz sobre a situação e o
desempenho das suas contas, porque ele contabiliza, do lado das
receitas, as operações de crédito, que se referem a empréstimos
contratados exatamente para fechar o orçamento. Assim, uma situação de
superávit ou equilíbrio pode estar ocultando uma situação de
desequilíbrio das contas. Em segundo lugar, os governos que renegociaram
a dívida com a União, em 1998, não têm mais registrado, no orçamento, a
parcela dos juros dessa dívida que não são pagos, transferindo-os
diretamente para o seu estoque. Como o pagamento desses encargos está
limitado em 13% de sua Líquida Real e, no caso de Minas Gerais, o
estoque dessa dívida, que atualmente supera os R$ 50 bilhões, é
corrigido pela variação do IGP-DI acrescentado de juros reais de 7,5% ao
ano, os juros pagos, que aparecem no orçamento, têm sido sempre bem
inferiores aos efetivamente devidos. Essa diferença não aparece no
orçamento, sendo diretamente incorporada ao estoque da dívida. Se
inscrita no orçamento, em lugar do superávit que o governo tanto
alardeia na sua estratégia de marketing, apareceria um déficit, às vezes
bem elevado, indicando que não foi realizado nenhum ajuste estrutural
de suas contas e que, ao contrário, o passivo do governo é crescente no
tempo.
Quais fatores contribuíram para o aumento da Dívida Líquida
Consolidada (DCL) do estado de Minas Gerais, que evoluiu de R$ 30,5
bilhões, em 2002, para R$ 52,2 bilhões em 2009?
Não restam dúvidas de que são os encargos da dívida do governo
renegociada com a União que têm alimentado e devem continuar alimentando
o crescimento de seu estoque no tempo, já que os juros que são
anualmente pagos, limitados em 13% de sua receita corrente líquida, são
insuficientes para cobrir os juros totais, o que termina aumentando o
seu estoque. Nesse estoque não estão contabilizados muitos precatórios e
outras dívidas e também outros passivos ocultos ainda não reconhecidos,
o que nos permite inferir que o endividamento do governo do estado é
bem maior do que os números atualmente divulgados da Dívida Líquida
Consolidada. Além disso, desde 2005 o governo voltou a contratar novos
empréstimos para financiar investimentos, o que deve agravar sua
situação financeira nos próximos anos e aumentar o comprometimento da
receita com o pagamento de seus encargos, engessando ainda mais o
orçamento estadual.
O Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS)
diz que, ao contrário do que informa o governo de Minas, o estado
destina para a saúde menos recursos do que exige a Emenda Constitucional
29, não raro figurando entre os estados que apresentam a pior
performance no cumprimento desta determinação constitucional. Por que há
essa discordância entre os cálculos do SIOPS e do governo do estado?
Isso também é verdade. Desde 2004, o governo do estado tem divulgado que
os gastos que destina para a saúde têm sido superiores ao índice mínimo
estabelecido pela Emenda Constitucional n. 29, que é de 12% da receita
de impostos e transferências constitcionais. O SIOPS, que é um órgão do
Ministério da Saúde criado para fazer o acompanhamento da implementação
da Emenda 29 e verificar o seu cumprimento, não concorda com os cálculos
do governo, pois considera que neste cálculo estão incluídas várias
despesas que não representam gastos especificamente com as “ações e
serviços de saúde”, de acordo com as diretrizes estabelecidas pela
Resolução 322, do Conselho Nacional da Saúde, de 08/05/2003. Gastos com
inativos do setor da saúde, com oferta de serviços para clientelas
fechadas, com saneamento básico e mesmo com medicamentos/vacinas para
animais são geralmente excluídos do cálculo deste índice pelo SIOPS. Em
2007, por exemplo, enquanto o governo do estado de Minas calculou que
despendeu 13,3% de suas receitas com o setor da saúde, para o SIOPS esse
percentual foi de apenas 7,09%. Em 2008, último ano de que se dispõe de
cálculo deste órgão, o índice de Minas Gerais foi de apenas 8,65%. Para
o governo do estado, de 12,2%. A inexistência de regulamentação dessa
matéria, ainda em tramitação no Congresso Nacional, permite estes
malabarismos contábeis sem nenhuma punição para o governo e ainda lhe dá
argumentos para realizar propagandas sobre seu compromisso com o
social, já que os números do SIOPS são desconhecidos.
Fonte: Brasília Confidencial
http://www.vermelho.org.br/noticia