''A vida é muito mais do que vemos, é fundamentalmente o que sentimos e fazemos, e sem esse respiro da essência a vela da existência se apaga no primeiro sopro.''
Vivemos uma época singular da história humana como viajantes na grande nave do tempo. Somos testemunhas da passagem de um século para outro, talvez o mais fecundo em transformações e deslumbramentos em toda odisseia da humanidade. Dos vultuosos avanços da ciência e produção tecnocientífico ao acúmulo exorbitante do capital. Do consumo desenfreado e desnecessário a liquidez de todos os valores essenciais a vida, como se tudo estivesse sendo conduzido por uma esteira do encantamento efêmero, ao encontro com o nada, com o absurdo.
Se por um lado, poderíamos afirmar que em nenhuma outra fase histórica da humanidade se produziu tanto para tornar a vida mais cômoda, atrativa, dinâmica e superficialmente feliz. Por outro, podemos dizer também que em nenhuma outra tivemos uma imensa massa de indivíduos mergulhados num abismal fosso vazio de sentido para a vida. É esse abismo que se abre no seio existencial dos seres humanos, protagonizadores no palco deste admirável mundo novo, tão plastificado na sua aparência e violentado na essência da vida. Se há um legado que a travessia do século nos trás é este: conviver com tudo e se sentir sem nada.
Porque ela nós trás uma silenciosa e letal crise de sentido, aquilo que o brilhante escritor russo Dostoiévski gestou em suas obras e grandes filósofos dissecaram como ''niilismo'' (nihil), o encontro com o nada. Pesquisas mensuradas em várias partes do mundo, apontam para índices alarmantes e devastadores de suicídios, depressões e estresse. Formando o bloco patológico das doenças existências.
O que falta? Falta a esperança, a essência que nos foi tirada, a vida roubada, o dia que nos foi tolhido, a ética suprimida. Falta a justiça, a felicidade como essência, o sonho como motor primevo, a poesia. Falta os versos na linguagem do encanto e espanto, falta algo que volte a nos preencher como humanos. Porque estamos mergulhados no absurdo do 'tudo pode e pouco determina', como barcos a deriva sob o olhar atônito do telespectador que nos vê sob o prisma da satisfação, de uma realização fictícia, insólita.
O escritor vienense Victor E. Frankl, sobrevivente dos campos de concentração nazista em Kaufering e Türkheim, foi um dos primeiros intelectuais do mundo a descrever o 'Ser Humano' como uma unidade apesar da totalidade. Rompendo com isso o determinismo reducionista da psicanálise freudiana que nos 'reduzia e reduz' a uma espécie de 'feixe de energia perversa'. Frankl tinha profundas razões como sobrevivente do holocausto, pois encontrar um sentido para vida está muito além da mera realização dos desejos, ela precisa da essência do todo, do significado. Sentir que a vida pode valer a pena apesar das tempestades, dos sonhos frustrados, do cansaço diário, da esperança vencida, do sofrimento e seus limites.
A vida é muito mais do que vemos, é fundamentalmente o que sentimos e fazemos, e sem esse respiro da essência a vela da existência se apaga no primeiro sopro.
Neuri Adilio Alves
Licenciado em Filosofia, Professor Pesquisador e Palestrante.