quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Queridas Professoras, a vocês meu coração e minha memória

''Lembrarei de vocês porque a boa memória é um reflexo do sentido que dentro de nós se faz seiva que alimenta a história''

Há muito tempo queria escrever a vocês partes de minhas memórias, fragmentos de meus versos, o soldo de minhas palavras e parte de meu coração. Queria ilustrar etapas, lapidar narrativas com fatos ocorridos em sala de aula, descrever minhas histórias encravadas no tempo nestas três últimas décadas.

Porém, faz algum tempo que entendi que as meras palavras sem profundidade e sentido são como lições descritas no 'quadro negro' que ao serem apagadas desaparecem como registros e manifestos. Então, recebam no sarapatel de fatos aqui descritos um pedaço de meu coração e uma cesta com minhas curtas, mas belas memórias.

Hoje acordei pensando em vocês embora talvez alguns de vocês não consigam lembrar que foram meus mestres, afinal são milhares de alunos que ao longa da vida passam em nossas cadernetas, em nossas salas de aula. Lembrarei de vocês porque a boa memória é um reflexo do sentido que dentro de nós se faz seiva que alimenta a história, as nossas escolhas de vida e as grandes paixões pelo conhecimento acumulados ao longo da existência.

Acordei lembrando de você minha querida professora Carmem Santin Busatto, a primeira a me receber em ambiente escolar para o 1º ano naquela tarde de verão do hoje distante ano de 1982 na Escola Irene Stonoga. Eu, menino pobre, baixa estima, espectador final de um tempo de ditadura, acolhido com sua imensa ternura, a docilidade de quem nasceu para ensinar cidadania, salvar da indigência social e plantar a semente da esperança em solos ainda incertos. A você minha gratidão e minha memória apaixonada que ficou cravado no tempo do não esquecimento para todo o sempre. Após de você ter aprendido o caminho das primeiras palavras, o mundo e os grandes desafios ao longo da vida parecem ter se tornado pequenos para mim, porque seu gesto de amor se fez estrada longa, a mesma que traz até aqui.

Queria lembrar com gratidão de ti querida professora Alda Zuffo, ternura e competência em sala de aula desde que cheguei como estranho, franzino menino pobre, transferido para escola Antônio Morandini no bairro Saic em meados dos anos 80 para cursar o quarto ano. Não dá para esquecer de você a professora que me preparas-te na transição do ensino básico para o fundamental, aquela fase que me levaria a conclusão do primeiro grau. Não dá para esquecer que foi nessa escola onde sedimentei o caminho da cidadania através do esporte também com inesquecíveis, memoráveis professores como professor Eliseu (fumaça) e tranquilidade singular de um professor Werner.

Queria lembrar também de ti professora Ivone Fusinato parte da minha memória na escola Municipal Rolim de Moura, no início do ensino fundamental. Contigo minha memória é marcada como um espelho dupla face: a primeira da professora exigente, excelência no ensino diante de adolescentes como eu ainda perdidos no sentido especial de estar ali naquela sala de aula. A segunda memória, de ter sido você a primeira e única professora a reprovar-me em minha vida escolar ainda no 6º ano, lição que fez a diferença em minha vida posterior. Digo isso, porque ao passar dos anos entendi a importância do esforço, da entrega da dedicação e amor por estudar.

Queria lembrar também de você professora Maria Rocha, singeleza e paixão por ensinar na difícil tarefa de nossa língua mãe, também na mesma escola municipal do bairro Santo Antônio nos anos seguinte. Marca-me que embora minhas dificuldades fruto também da pouca vontade naquele inicio de anos 90 nos apresentou a leitura, a literatura a produção de texto, a língua estrangeira e a paciência da professora nutrida de convicção e sonhos vinha ao encontro da periferia excluída para solidificar colunas no edifício da cidadania. Com você entendemos que era possível pensar algo para além da vida sofrida de trabalho árduos tão somente em ambiente hostil de frigoríficos por que ali aprendemos que quando atingíssemos a idade teríamos emprego na indústria vizinha a comunidade, porque assim era a história dos que ali viviam.

De igual modo lembrar de você querida professora Marcia Rejane Vanin, tão menina, jovem mulher iniciando a vida em sala de aula como professora de biologia ainda estudante na Faculdade de Palmas. Como não lembrar da linda professora jovem, loira, olhos claros e paixão de estudantes em fase das descobertas, dos sonhos. Mais que a biologia acadêmica, de ti certamente aprendemos a biologia das paixões pelas escolhas de vida, afinal uma jovem professora estava ali para nos dizer também que valia a pena sonhar em ser professor também. Isso talvez justifique em partes o meu estar aqui.

Queria sim também fazer memória de ti professora Marília Bartolamey, mestra na arte da simpatia, singeleza que conquistava ao adentrar em sala de aula para nos inserir no universo da desconhecida, mas depois apaixonante disciplina de PPT, era como a Arte a serviço da vida, e então a vida a serviço da cidadania. Ninguém esquece os olhos do mestre que brilham para a vida, para os sonhos e esperanças que cada aluno possa ser multiplicador de valores ético, morais na grande teia da cultura social. Você nos deixou esse legado também.

Como não lembrar de você minha professora de história Vania Barcellos, aquela jovem, critica e inteligentíssima. Que em ato de nossas peraltices foste vítima de brincadeira irresponsável precisando procedimento odontológico após queda provocada. Mas saibas que a fundamental das memórias é lembrar de ti como a professora que me mostrou a necessidade de fazer a leitura crítica da história. A professora que começa a lapidar as pedras rústicas moldadas por uma história narrada como verdade pela colonização do homem branco. Depois de ti, olhar o horizonte da história como busca da justiça passou ter outro fim.

Como não lembrar de ti querida professora Ivete Fontana, articulista de ideias e provocadora da sociologia no curso do magistério no Colégio Bom Pastor em meados nos anos noventa quando eu seminarista menor era o bendito fruto entre as mulheres. Ali entre vocês nas aulas que tivemos entendi a grandeza de valores fundamentais da cidadania, do convivo social e as provocações que me levaram ao longe na vida acadêmica. Lembranças assim são pedras preciosas, que não precisam ser lapidadas porque a eternidade as fará pérolas perfeitas que não se vende, não se troca mas se mostra como exemplo de beleza.

Enfim! Acordei hoje como faço há 20 anos pensando criticamente o mundo, nos desafios presentes, nas grandes batalhas da vida e no sentido da história. Acordei tateando a geografia de minha existência e nela a sempre presença sua querida mestra professora Annelise Schimitz como mapa destacado, território provocativo, propositivo e desafiador. Nunca lhes esqueci desde as primeiras aulas de geografia critica em meados dos anos 90 como seminarista, estudante de magistério, coração utópico e olhar simplista. Contigo conheci o caminho para o senso crítico, a cura de miopias históricas provocada em nós por uma educação secular colonialista, impositiva, de cartilha. Minha gratidão por seus estímulos provocados, seus exemplos partilhados e o digno reconhecimento pela diferença que fiz na universidade. 

Queria lembrar de tantos mestres também da universidade, mas assim faço como memória representativa de meu grande mestre na Universidade Católica e no IVF, marco fundamental em minha paixão pela filosofia o inesquecível Filósofo 'Pós TUDO' Prof. Cléverson Leites Bastos. Não tenho dúvidas, que após o magistério, foste com ele já na universidade que despertei para a grande paixão e sonho de ser um bom professor. E ser bom professor na filosofia não é carregar dois ou três mil anos de conteúdo na cabeça, mas é sim, ser um provocador de ideias, ser um articulista de crise no pensar, um provocador de estímulos a curiosidade esse tesouro que é parte de nós enquanto espécie e o que faz do conhecimento substância que transporta para além.

Confesso – Eu queria descrever tudo o quanto sentes meu coração, esse turbilhão de belas memórias provindas de cada um de vocês como pilares que sustentaram parte do grande edifício de minha história de vida. Mas farei isso em outro projeto pessoal a caminho. Aproveito esse dia para agradecer aos nomes aqui mencionados, em nome de vocês agradecer as demais professoras e professores que um dia tive a grata satisfação, a necessidade, o imenso privilégio de ter encontrado e apreendido algo para vida. Sem vocês esse caminho por mim percorrido não teria o mesmo sentido, o mesmo resultado, as mesmas paixões, os mesmos amores e o mesmo sentido neste dia.

Parabéns queridas professoras e professores! 
Do ex aluno, aprendiz continuo e amigo de sempre.


Neuri Adilio Alves
Filósofo, Professor, Pesquisador.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Publicação do IBGE traça um panorama da administração educacional

O número de municípios com secretaria municipal exclusiva de Educação está aumentando no Brasil. Em 2009, eles representavam 43,1% do total, enquanto hoje já são 59,2%. A razão disso pode ser a crescente complexidade e diversidade das políticas educacionais a cargo dos municípios, como aponta a Pesquisa de Informações Básicas Estaduais (Estadic) e Municipais (Munic), publicada recentemente pelo IBGE. Em relação aos estados, o levantamento mostrou que somente sete das 27 unidades da federação ainda não possuem secretaria estadual exclusiva de Educação. Como esta edição da pesquisa é a primeira a incluir o dado, não foi possível comparar o resultado com anos anteriores.

O levantamento, feito entre julho de 2014 e março de 2015 nas 27 unidades federativas e 5.570 municípios, também mostrou que a profissionalização das estruturas administrativas está avançando. Em 2006, o percentual de gestores municipais com cursos de pós-graduação era de 47,3%. Hoje, eles respondem por 65,2% do total. No nível federal, esse indicador chega a 81%.

A qualificação prévia desses gestores é uma das hipóteses listadas no documento para o baixo interesse por cursos de capacitação. Os municípios mais populosos são justamente aqueles com menor proporção de secretários que realizaram curso específico em gestão educacional nos últimos cinco anos (veja à esq.). A situação também pode estar sendo influenciada pela presença de estruturas administrativas mais desenvolvidas nessas cidades.

Quanto ao perfil dos gestores, no nível municipal, a maioria é do sexo feminino (70,6%) com formação em pedagogia (48,7%). Já no plano estadual, as formações são bem variadas. Há apenas seis pedagogos entre os 27 secretários. Além disso, a maioria é homem - 18 dos 27. "Esse perfil, que também ocorre entre os gestores municipais dos municípios mais populosos, indica que há predominância masculina nos cargos de maior prestígio da gestão educacional", aponta a pesquisa.

Outro dado relevante destacado pelo IBGE é o percentual de diretores escolares que ainda são nomeados por indicação política. Em escolas da rede municipal, esse indicador é de 75%. Formas mais democráticas, como o concurso e a eleição, somam juntas 11% apenas. Nas escolas estaduais, as indicações políticas também têm maioria: 40%.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

A CRIANÇA QUE VIVE EM MIM NUNCA MORRE

''... sonhar é alma própria da criança, aliás, crianças não sonham, elas são feitas de sonhos, são os sonhos com pernas, braços, cabeça e risos.''

Dentro de mim brinca uma criança que nunca morre. Há décadas,
todos os dias juntos sorrimos, choramos, sonhamos, brincamos e dormimos. Somos inseparáveis, mesmo quando se avança no tempo, na idade e as pessoas parecem contemplar em meus gestos, minhas palavras e expressões uma imagem rígida de matéria infeliz, séria e com pouca luz. Porque criança é luz, energia que não dissipa, sabor de vida que não perde gosto.

Dentro de mim há um parque de diversões, um piquenique em tarde sem fim, há uma casinha na árvore que abriga a vida toda em lembranças, alegrias, tristezas, recomeços, renovados sorrisos. Porque criança infeliz é dia sem sol. Há anos entendi que a criança vive em mim e eu vivo nela, que triste a vida adulta sem a criança e a criança sem uma vida adulta por si. Pois a beleza da vida esta nesta mescla terna que ignora o fim, unificando as pontas do nascer ao tarde da existência.

Dentro de mim há um mundo de sonhos, porque sonhar é alma própria da criança, aliás, crianças não sonham, elas são feitas de sonhos, são os sonhos com pernas, braços, cabeça e risos. Porque sonhar é Ser, é se reinventar, é se recriar é reviver. Bom é ser criança pois embora os pesadelos tentem nos atormentar, morrem eles também de tédio quando recorremos aos nossos heróis da fantasia ou mesmo a fantasia de nossos heróis da vida real.

Dentro de mim há um livro com belas histórias, porque histórias belas somente as crianças sabem contar. E narrativas épicas, imaginárias ou reais somente crianças podem, sabem e conseguem ilustrar. O mundo dos adultos é triste, gélido, sombrio e pragmático na soma, multiplicação, divisão e subtração – enquanto esse Eu Criança é sempre mais!

Dentro de mim moram constelações de estrelas, rios de alegrias, tempestades de amigos, porque criança nasce amigo para ser eterno. Tal vez isso explique porque criança não quer, não tem e não faz inimigos. Crianças são singelezas, jardins que perfumam, embelezam e dão cores em um mundo triste, embora tantos mundos felizes com jardins abandonados, cores tristes e sem perfume.

Dentro de mim há um campo de futebol, uma casinha de bonecas, uma pista de carros, um balanço no galho da árvore. Há um sítio de peraltices, um vale de esperanças, uma escola educativa. Há rostos felizes e tristes porque a vida também é espelho a refletir ninares em noite com sono perdido.

Dentro de mim há um tempo que passa em direção ao tarde da vida, embora tarde possa parecer o dia que nos damos conta que a criança deixou de morar em nós. Crianças não morrem, morrem quem velho se faz: aborrecidos, desanimados, desacreditados, sem sonhos, sem risos, sem sol, sem peraltices. Sem as brincadeiras de rodas, as canções de ninares, as histórias passadas e as presentes, as que ainda inventarei para descrever o futuro.

Dentro de mim há tudo isso é um pouco mais: do dia de ontem, hoje amanhã e a eternidade. Eu não quero morrer triste e pobre: porque tristeza é o que envelhece a vida, a torna cansada e sem amanhã. E pobreza mesmo é perder o direito sonhar. Crianças são eternas, desde que a eternidade não deixe de viver e nisso somente eu e você podemos escolher. Eu sei! Dentro de mim há uma criança que vive, tão sonhadora, agitada, peralta e feliz – E VOCÊ?


Neuri Adilio Alves 
Filósofo, Professor, Pesquisador

terça-feira, 6 de outubro de 2015

A HOSPITALIDADE: DIREITO DE TODOS E DEVER PARA TODOS

''A boa vontade é a última tábua de salvação que nos resta. A situação mundial é uma calamidade.''


A questão mundial dos refugiados nos recoloca sempre de novo o imperativo ético da hospitalidade, no nível internacional e também no nível nacional. Há migração de povos como nos tempos da decadência do império romano. São milhões que buscam novas pátrias para sobreviver ou simplesmente para fugir das guerras e encontrar um mínimo de paz.

A hospitalidade é um direito de todos e um dever para todos. Immanuel Kant (1724-1804) viu claramente a imbricação entre direitos e deveres humanos e a hospitalidade para a construção daquilo que ele chama de “paz perpétua”(Zum ewigen Frieden de 1795; veja Jacó Guinsburg, A paz perpétua, Ed. Perspectiva, São Paulo 2004).

Antecipando-se ao seu tempo, Kant propõe a república mundial (Weltrepublik) ou o Estado dos povos (Völkerstaat) fundada no direito da cidadania mundial (Weltbürgerrecht). Esta, diz Kant, tem como primeira característica a “hospitalidade geral” (algemeine Hospitalität: § 357).

Por que exatamente a hospitalidade? O próprio filósofo responde: “porque todos os seres humanos estão sobre o planeta Terra e todos, sem exceção, têm o direito de estar nele e visitar seus lugares e os povos que o habitam. A Terra pertence comunitariamente a todos (§358) “.

Esta cidadania materializada pela hospitalidade geral se rege pelo direito e jamais pela violência. Kant postula a desmontagem de todos os aparatos bélicos e a supressão de todos os exércitos, assim como o faz modernamente a Carta da Terra. Pois, enquanto existiram tais meios de violência, continuam as ameaças dos fortes sobre os fracos e as tensões entre os Estados, minando as bases de uma paz duradoura.

O império do direito e a difusão da hospitalidade generalizada devem criar uma cultura dos direitos que penetra as mentes e os corações de todos os cidadãos mundializados, gerando de fato a “comunidade dos povos”(Gemeinschaft der Völker). Esta comunidade dos povos, assevera Kant, pode crescer tanto em sua consciência que a violação de um direito num lugar é sentida em todos os lugares (§360), coisa que mais tarde repetirá por sua conta Ernesto Che Guevara. Tanta é a solidariedade e o espírito de hospitalidade que o sofrimento de um é o sofrimento de todos e o avanço de um é o avanço de todos. Parece o Papa Francisco falando dos seres humanos como seres de relação e que participam das dores dos outros.

Se queremos uma paz perene e não apenas uma trégua ou uma pacificação momentânea, devemos viver a hospitalidade universal e respeitar os direitos universais.

A paz, segundo Kant, resulta da vigência do direito, da cooperação juridicamente ordenada e institucionalizada entre todos os estados e povos. Os direitos são para ele, “a menina-dos-olhos de Deus” ou ainda “o mais sagrado que Deus colocou na Terra”. O respeito aos direitos faz nascer uma comunidade de paz que põe um fim definitivo “ao infame beligerar”.

Nos tempos atuais foi J. Derrida que retomou a questão da hospitalidade (De l’hospitalité, Paris 1977) conferindo-lhe o caráter incondicional para todos.

Mas foi ainda Kant que lhe deu a melhor fundamentação. Sua base é a boa vontade que, para ele, é a única virtude que não tem defeito nenhum. Na sua Fundamentação para uma metafísica dos costumes(1785) faz uma afirmação de grandes consequências: 


“Não é possível se pensar algo que, em qualquer lugar no mundo e mesmo fora dele, possa ser tido irrestritamente como bom senão a boa vontade (der gute Wille)”. Traduzindo seu difícil linguajar: a boa vontade é o único bem que é somente bom e ao qual não cabe nenhuma restrição. A boa vontade ou é só boa ou então não é boa vontade. Se ela carrega suspeitas, logo não é boa. Ela supõe total abertura do outro ao outro e a confiança incondicional. Isso é factível para os seres humanos. Se não nos revestirmos desta boa-vontade, não vamos encontrar uma saída para a desesperadora crise social que dilacera as sociedades periféricas e os milhões de refugiados que se dirigem à Europa.

'A boa vontade é a última tábua de salvação que nos resta. A situação mundial é uma calamidade.' Vivemos em permanente estado de sítio ou de guerra civil mundial. Não há ninguém, nem as duas Santidades, o Papa Francisco e o Dalai Lama, nem as elites intelectuais e morais, nem a tecno-ciência que forneçam uma chave de encaminhamento global. Na verdade, dependemos uicamente da nossa boa vontade. Vale recordar o que escreveu Dostoievski em sua narrativa fantástica O sonho de um homem ridículo de 1877:”Se todos quisessem de fato tudo mudaria sobre a Terra num momento”.

O Brasil reproduz em miniatura a dramaticidade mundial. A chaga social produzida em quinhentos anos de descaso com a coisa do povo significa uma sangria desatada. Grande parte de nossas elites nunca pensou uma solução para o Brasil como um todo mas somente para si. Estão mais empenhadas em defender seus privilégios que garantir direitos para todos. Por mil manobras políticas, até com ameaças de empeachment, conseguem manipular os governos democraticamente eleitos para que assumam a agenda que lhes interessa e impossibilitar ou protelar as transformações sociais necessárias. Contrariamente à maior parte do povo brasileiro que mostrou imensa boa vontade, boa parte das elites se nega saldar a hipoteca de boa vontade que deve ao país.

Se a boa vontade é assim tão decisiva, então urge suscitá-la em todos. Todos têm o dever de hospedar e o direito de ser hospedado porque vivemos na mesma Casa Comum.

Fonte: https://leonardoboff.wordpress.com/

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Das datas que marcam: o aniversário!

''(...) plantar no jardim da alma exige silêncio, para que a colheita possa ser o tempo de festejar.'' 

Aos amigos minha renovada alegria de poder visitar pelo menos em espirito cada palavra a mim dirigida na passagem de meu aniversário. Cada sentimento compartilhado publicamente ou na reservada caixa de mensagem, na voz do outro lado da linha telefônica ou no perfume e na beleza das flores da primavera a mim presenteada. Viver por vezes, pode até parecer inapreensível e indecifrável - mas como não entender a beleza multiplicada de tantos gestos de carinho? 

Não temos controle sobre tudo ou até mesmo sobre nada, mas podemos ter uma certeza: a de que o tempo passa com a peculiar naturalidade que lhe compete, fazendo do existir um reflexo do biológico e do viver um mero espectro no social se a ele não damos sentido, significado. Razões pelas quais a vida possa valer a pena em qualquer circunstância a qual sejamos submetidos.

Já faz alguns anos me convenci que nem todos os amigos valem a confiança, nem todos os amores são verdadeiros, nem todos os sonhos sobrevivem aos obstáculos, nem todos os irmãos valem o carinho que por uma vida nutrimos, nem toda esperança merece a espera. Pois nunca fará sentido os laços encharcados de infelicidades, friezas e a fragilidade desse tecido gélido de afetos que o mundo a nossa volta muitas vezes tendem compartilhar.

Digo isso, porque ao completar mais um ano de vida eu tenho a certeza que na grande festa da existência o vinho bom é aquele servido primeiro. Servido em grande taça aos amigos de verdade, aos amores e seus sentidos, as belas experiências cotidianas como arte nobre de viver. Tudo mais pode não passar de ornamentos, ilusões e desserviços a existência.

Lembrar de tantos dias acrescidos a vida, é também lembrar de tantos como vocês que ao longo de minha existência tem sido parte do significado que preenche a minha alma humana. É provar o sabor doce ou amargo de viver, porque viver é também conviver com as adversidades do tempo, do lugar, dos sentimentos, das imprevisões e dos mistérios. Viver é sorrir e chorar, gritar e silenciar, falar e calar, dormir sem acordar, acordar e não mais dormir sem antes reescrever os sonhos a luz do dia.

Completei neste 27 de setembro quase quinze mil dias de meu nascimento, nem todos vividos como cheguei a imaginar, como eu gostaria, porque viver não significa apenas estar aqui, embora estar aqui possa ser medida na escala de bilhões de anos de nossa natureza. Mas confesso, ao longo de tanto tempo quantas belas memórias, quantas históricas alegres e felizes a serem contadas. Quantos tropeços, quantas lágrimas, quantos risos, quantos bons amigos que se foram, quantos bons amigos novos chegaram e com é bom estar aqui com vocês.

Obrigado por cada palavra dirigida, pelas lembranças que recebi, pelos manifestos de afeto, cada presença e não se preocupem: porque naqueles momentos que desapareço, que silencio, que me calo, na essência é o tempo que uso para plantar. Porque plantar no jardim da alma exige silêncio, para que a colheita possa ser o tempo de festejar.

Viver é a arte da invenção, da reinvenção constante, das datas que marcam, das memórias que ilustram, dos sabores que ficam, dos gestos ternos e eternos e da vontade inconfundível de dividir ontem, hoje e amanhã com vocês os imprescindíveis o bolo da festa – parabéns para vocês que me aceitam como sou: humano, de qualidades e defeitos!

Do amigo de sempre Neuri Adilio Alves
Assessor de Formação - Filósofo Pesquisador.


domingo, 27 de setembro de 2015

Qual destino para o Brasil: recolonização ou projeto próprio?

''O propósito dos países centrais que dispõem de várias formas de poder, especialmente, a militar de recolonizar toda a América Latina.''

Há uma indagação que se faz no Brasil mas também no exterior que se expressa por esta pergunta: qual o destino da sétima economia mundial e qual o futuro de sua incomensurável riqueza de bens naturais?

Analistas dos cenários mundiais do talante de Noam Chomsky ou de Jacques Attali nos advertem: a potência imperial norte-americana segue esse motto, elaborado nos salões dos estrategistas do Pentâgono:”um só mundo e um só império”. Não se toleram países, em qualquer parte do planeta, que possam pôr em xeque seus interesses globais e sua hegemonia universal. Curiosamente, o Papa Francisco em sua encíclicla “sobre o cuidado da Casa Comum”, como que revidando o Pentágono propõe:”um só mundo e um só projeto coletivo”.

No Brasil esse debate se dá principalmente no campo da macroeconomia: o Brasil se alinhará às estratégias político-sociais-economico-ideológicas impostas pelo Império e com isso terá vantagens significativas em todos os campos, mas aceitando ser sócio menor e agregado (opção dos neoliberais e dos conservadores) ou o Brasil procurará um caminho próprio, consciente de suas vantagens ecológicas, do peso de seu mercado interno com uma população de mais de duzentos milhões de pessoas e da criatividade de seu povo. Aprende a resistir às pressões que vêm de cima, a lidar inteligentemente com as tensões, a praticar uma política do ganha-ganha (o que supõe fazer conceções) e assim a manter o caminho aberto para um projeto nacional próprio que contará para o devenir da nossa e da futura civilização (opção do PT, das esquerdas e dos movimentos sociais).

Isso deve ficar claro: há um propósito dos países centrais que dispõem de várias formas de poder, especialmente, a militar (podem matar a todos) de recolonizar toda a América Latina para ser um reserva de bens e serviços naturais (água potável, milhões de hectares férteis, grãos de todo tipo, imensa biodiversidade, grandes florestas úmidas, reservas minerais incomensuráveis etc). Ela deve servir principalmente os países ricos, já que em seus territórios quase se esgotaram tais “bondades da natureza” como dizem os povos originários. E vão precisar delas para manterem seu nível de vida.

Estimamos que dentro de um futuro não muito distante, a economia mundial será de base ecológica. Finalmente não nos alimentamos de computadores e de máquinas, mas de água, de grãos e de tudo o que a vida humana e a comunidade de vida demandam. Daí a importância de manter a América Latina, especialmente, o Brasil no estágio o mais natural possível, não favorecendo a industrialização nem algum valor agregado a suas commodities.

Seu lugar deve ser aquele que foi pensado desde o início da colonização: o de ser uma grande empresa colonial que sustenta o projeto dos povos opulentos do Norte para continurem sua dominação que vem desde o século XVI quando se iniciaram as grandes navegações de conquista de territórios pelo mundo afora. Analiticamente, esse processo foi denunciado por Caio Prado Jr, por Darcy Ribeiro e, ultimamente, com grande força teórica, por Luiz Gonzaga de Souza Lima com seu livro ainda não devidamente acolhido A refundação do Brasil: rumo à sociedade biocentrada (RiMa, São Bernardo 2011).

Em razão desta estratégia global, as políticas ambientais dominantes reduzem o sentido da biodiversidade e da natureza a um valor econômico. A tão propalada “economia verdade” serve a este propósito econômico e menos à preservação e ao resgate de áreas devastadas. Mesmo quando isso ocorre, se destina à macroeconomia de acumulação e não à busca de um outro tipo de relação para com a natureza.

O que cabe constatar é o fato de que o Brasil não está só. As experiências recentes dos movimentos populares socioambientais se recusam a assumir simplesmente a dominação da razão econômica, instrumental e utilitarista que tudo uniformiza. Por todas as partes estão irrompendo outras modalidades de habitar a Casa Comum a partir de identidades culturais diferentes. Os conhecimentos tradicionais, oprimidos e marginalizados pelo pensamento único técnico-científico, estão ganhando força na medida em que mostram que podemos nos relacionar com a natureza e cuidar da Mãe Terra de uma forma mais benevolente e cuidadosa. Exemplo disso é o “bien vivier y convivir” dos andinos, paradigma de um modo de produção de vida em harmonia com o Todo, com os seres humanos entre si e com a natureza circundante.

Aqui funciona a racionalidade cordial e sensível que enriquece e, ao mesmo tempo, impõe limites à voracidade da fria razão instrumenal-analítica que, deixada em seu livre curso, pode pôr em risco nosso projeto civilizatório. Trata-se de uma nova compreensão do mundo e da missão do ser humano dentro dele, como seu guardador e cuidador. Oxalá este seja o caminho a ser trilhado pela humanidade e pelo Brasil.

Fonte: https://leonardoboff.wordpress.com/