'Para psicólogo americano, qualidade da educação infantil depende da relação professor-aluno. Em entrevista exclusiva, Hirokazu Yoshikawa fala sobre realidade e tendências da etapa no mundo.'
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Hirokazu Yoshikawa: ênfase na qualidade
do processo educacional
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Nas últimas décadas, pesquisas nas áreas da economia e da neurociência ajudaram a fundamentar e ampliar a oferta de políticas públicas para a primeira infância em diversos países. Tornou-se comum afirmar que o investimento em educação infantil tem alta taxa de retorno social. A busca pela ampliação do acesso, entretanto, nem sempre foi acompanhada pela qualidade dos sistemas. A consequência é que estamos perdendo a chance de produzir os efeitos desejados.
As conclusões são do psicólogo Hirokazu Yoshikawa, que desde a década de 1990 conduz pesquisas sobre políticas públicas e programas para a primeira infância em países de baixa renda. Para Hiro, como é conhecido, chegou a hora de analisar como esses investimentos são realizados. “A pesquisa que deve guiar os próximos 15 anos é como apoiar os professores para realmente produzir a qualidade que todos gostaríamos de ver.” Para o pesquisador, o que mais importa para as crianças na educação infantil é a qualidade da interação e das atividades propostas pelos professores.
Hiro, que leciona globalização e educação na Universidade de Nova York, conduziu recentemente projetos em duas regiões do Chile e na cidade americana de Boston. Nesses locais e no estado americano de Oklahoma, tutores passaram a acompanhar os professores, que recebiam devolutivas sobre o seu trabalho. Os resultados, combinados com outras estratégias, foram positivos.
Na entrevista a seguir, concedida durante sua passagem por São Paulo para participar do V Simpósio Internacional de Desenvolvimento da Primeira Infância, Hiro fala sobre a importância de avaliar o processo educacional, e não apenas os insumos oferecidos nessa etapa de ensino.
Quais são os efeitos da educação pré-escolar para o desenvolvimento infantil?
Há centenas de estudos conduzidos nos últimos 60 anos que avaliam de forma rigorosa como a pré-escola afeta o crescimento e o desenvolvimento das crianças. Mostram que, no curto prazo, pode melhorar o aprendizado e o desenvolvimento social. No longo prazo, pode reduzir o crescimento da repetência no ensino médio, aumentar a renda e diminuir a criminalidade. Mas isso acontece quando a educação pré-escolar é de alta qualidade.
Como definir o que significa qualidade nessa etapa?
O conceito de qualidade tem algumas dimensões. As mais fáceis de regulamentar pelas políticas públicas são as relacionadas a padrões de saúde e segurança, tamanho das turmas e qualificação dos professores. Mas as dimensões que mais importam são a qualidade da interação na sala de aula, dos materiais, e o tempo dedicado a atividades que construam habilidades e desenvolvam áreas específicas. É um desafio muito maior. E apenas algumas pesquisas recentes apontam como melhorar essa forma de qualidade, a do processo educacional.
Podemos dizer que esse é o grande desafio no momento?
Diria que são dois: o acesso e a qualidade. Concordaria que num país como o Brasil, onde o acesso tem crescido nos últimos anos, a qualidade, provavelmente, é mais importante. As pesquisas que conheço do Brasil mostram que, assim como em muitos países, a escola pública pré-escolar tem qualidade relativamente baixa. Isso significa que não estamos tendo todos os benefícios que as pesquisas mostram. Para isso, precisamos focar a qualidade do processo educacional na sala de aula.
Os governos estão investindo recursos na educação pré-escolar sem alcançar os resultados desejados?
Na maioria dos países a quantidade de investimento no primeiro ano da educação pré-escolar é menor do que na educação primária. Muito porque os professores não têm o mesmo nível de qualificação. É um campo marginalizado, pouco profissionalizado. Nos países de baixa renda o investimento fica abaixo do desejado. Há muitos países em que os governos não estão investindo quase nada. Mas o Brasil entra no rol dos que investem bastante. Entre esses países, diria que sistemas de larga escala de educação pré-escolar estão alcançando os resultados que nós gostaríamos de ver.
Quais países têm alcançado práticas de alta qualidade?
Em todos os países há lugares em que uma educação pré-escolar de qualidade está sendo implementada. Isso é verdade no Brasil e em vários países da América Latina. Não tenho certeza de que um país inteiro tenha uma estrutura política que possa ser importada como modelo, em detrimento de suas preferências culturais. Temos de pensar em sistemas descentralizados, e que possam funcionar. Há abordagens para melhorar o processo da qualidade que incluem primeiro ter uma ligação entre um padrão nacional de qualidade e o currículo. Normalmente não há essa relação. Os padrões estão lá, e talvez apareçam na formação dos professores, mas, uma vez que o professor está na sala de aula, o que acontece é que ele escolhe o que fazer, sem uma sequência de atividades ao longo do ano pré-escolar. As pesquisas mostram que sequências de atividades que constroem as habilidades das crianças ao longo do tempo em áreas especificas, como linguagem, desenvolvimento socioemocional, ou ciência, ajudam o desenvolvimento infantil. Além disso, se um tutor vem e observa a sala de aula, o seu ensino, pode dar apoio e fazer comentários.
Este sistema de tutoria foi testado? Quais os principais resultados?
Testamos isso em pequena escala no Chile. Boston implementou em toda a cidade, e foram detectados efeitos muito amplos em linguagens, vocabulário, assim como em habilidades socio-emocionais e autorregulação. Em Bogotá, na Colômbia, foi testado na cidade toda, também com bons resultados. Mas esse tipo de apoio depende das habilidades do tutor.
Como é realizado esse trabalho de tutoria?
É um apoio em serviço, na sala de aula. Na maioria dos países, a supervisão e a inspeção olham apenas aspectos estruturais da qualidade, como saúde, segurança e materiais. Há algumas interações, mas não há formação para os supervisores entenderem o que são boas instruções, ou boas interações. Ou para promover esse tipo de comentário de apoio aos professores. Sabemos que os adultos aprendem ao serem observados e recebendo comentários. E muitos professores da pré-escola estão isolados em suas aulas de aula. É uma profissão solitária. O notável em nosso trabalho no Chile é que os professores se sentiram apoiados e emocionalmente conectados com o seu trabalho porque alguém os engaja em uma discussão sobre a sua prática. Reuniões entre grupos de professores também são importantes. Mas os tutores têm de ter experiência em ajudar adultos a aprender, e não apenas no aprendizado das crianças.
No Brasil, a brincadeira é norteadora das Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil. É assim em outros países?
A brincadeira é o modo como as crianças aprendem na pré-escola. Mas às vezes as pessoas confundem essa ideia de brincadeira com uma completa falta de estrutura. Ao olhar para as práticas de alta qualidade baseadas em brincadeiras, como em Reggio Emilia, vemos abordagens sequenciadas muito sofisticadas. Os currículos mais efetivos conferem orientação sobre como os professores podem estruturar essas atividades e apoiar a brincadeira infantil, que pode assegurar o desenvolvimento das habilidades das crianças, que haja socialização, que possam gerar hipóteses. Mas isso requer, como qualquer outra abordagem pedagógica, apoio profissional.
A abordagem de Reggio Emilia é muito popular no Brasil. Também é referência em outros países?
Nos Estados Unidos, infelizmente, os professores da pré-escola têm baixo nível educacional e baixos salários. E o sistema de Reggio requer treinamento, qualificação e sofisticação. É popular em certas áreas do país, mas em outras, as pessoas sugerem que pode ser muito difícil prover esse modelo em um estado inteiro, ou numa grande cidade.
É possível promover uma educação pré-escolar de qualidade em larga escala?
Venho de um país que não foi capaz de fazer isso, mas Oklahoma, por exemplo, conseguiu, assim como a cidade de Boston. Em Oklahoma isso foi construído num período de dez anos. Boston foi capaz de fazer em um período bem menor, o que é bem impressionante. A cidade escolheu um currículo em particular e contratou tutores altamente habilitados. Em cerca de três anos produziu um sistema em que os níveis de qualidade passaram de bem baixos para bem altos.
É possível universalizar a educação pré-escolar com qualidade?
Uma das lições do “Education for All” 2000-2015 [metas globais da Unesco] foi a de que, mesmo em países de baixa renda, é possível alcançar altos índices de acesso. Mas o perigo é que essas crianças não estão se desenvolvendo porque não há um investimento simultâneo na qualidade. Minha esperança é a de que, com as Metas do Desenvolvimento Sustentável [da ONU], sobre qualidade no cuidado e educação da primeira infância, poderemos colocar ênfase nessa palavra, definir o que significa e desenvolver essas medidas. De forma que, quando um supervisor vá a um programa, ele não esteja checando apenas a segurança, ou a infraestrutura. Precisamos também começar a prestar atenção à qualidade da interação dos professores com as crianças na sala de aula.
No Brasil, o problema é mais crítico no atendimento às crianças dos 0 aos 3 anos. Esse é um problema global?
Sim, a etapa do 0 a 3 é outra agenda global, e deve envolver o apoio aos pais. Em muitos países isso depende de onde as crianças estão, porque em muitos países elas estão em centros de cuidado fora de casa, e essas questões de qualidade são muito mais desafiadoras. Nos Estados Unidos temos dois, ou três estudos, mostrando que o modelo de tutoria adotado nas creches também produz aumento na qualidade desses programas, assim como a baixa qualidade pode ter resultados negativos para as crianças. Como em qualquer outra profissão, os cuidadores merecem esse apoio. E a maioria das creches não pensa nesses trabalhadores como profissionais em que é preciso investir.
Seus estudos em Boston mostraram que a educação pré-escolar de qualidade pode beneficiar tanto crianças de baixa renda, quanto da classe média?
O sistema de Boston, como o de Oklahoma, é universal e gratuito. Nossa pesquisa mostrou que todos os grupos se beneficiaram, sendo que os grupos de mais baixa renda e de minoria racial se beneficiaram mais. Crianças de origem latina, imigrantes, se beneficiaram mais também. Um sistema universal de alta qualidade pode reduzir desigualdades. É um dado importante.
O senhor está liderando um projeto sobre o impacto da redução da pobreza para crianças nos 3 primeiros anos de vida. Já há algum resultado preliminar?
Sabemos que, no cérebro em desenvolvimento, o efeito do ambiente é um dos mais poderosos nos primeiros anos de vida. Mas não testamos se a redução da pobreza aumenta o desenvolvimento infantil e o aprendizado, ou a função cerebral até os 3 anos. É um projeto amplo, apenas começamos o projeto piloto, mas será importante para termos dados para as políticas públicas de proteção social para saber o quanto a redução da pobreza pode beneficiar as crianças nessa idade. Temos essas evidências em crianças mais velhas, mas faltam dados para o período do nascimento até os 3 anos. Esse projeto é excitante, em parte, por ser interdisciplinar: envolve psicólogos, economistas e analistas de politicas públicas. É um grande projeto e ainda estamos levantando fundos. Não sabemos ainda quando estará pronto.
Por Juliana Holanda - Revista e Educação