Mauro Santayana é um dos jornalistas mais eruditos do jornalismo brasileiro. Sempre comprometido com causas humanitárias, contundente e dotado de um estilo de grande elegância. Somos colegas como colunistas do Jornal do Brasil-on line. Recentemente, no dia 17/12/2013, publicou um artigo sob o título HABEMUS PAPAM com o qual me identifiquei imediantamente. Sofro ataques imbecis de que sou comunista e marxista, como se para um teólogo com 50 anos de atividade, fosse uma banalidade fazer esta acusação. Sou cristão, teólogo e escritor. Marx nunca foi pai nem padrinho da Teologia da Libertação que ajudei a formular.
O atual anticomunismo revela a anemia de espírito e a pobreza de pensamento que estão prevalecendo como disfarce para esconder o desastre que significa a economia de mercado, altamente predadora da natureza e agressora de todo tipo de direitos humanos e agora numa crise da qual não sabem como sair.
Há tempos o Zürcher Zeitung, o maior jornal suiço e pouco depois o Times diziam que o autor mais lido hoje é Marx. Não só por estudiosos, mas por banqueiros e financistas conscientes que querem saber por que seu sistema foi a falência e por que tem tantas dificuldades em sair dele, se é que encontram uma saída que não signifique mais sacrificio para a natureza (injustiça ecológica) e para a humanidade já sofredora (injustiça social).
Hoje mais e mais se percebe que este sistema é anti-vida, anti-democracia e anti-Terra. Se não cuidarmos poderá nos levar a um abismo fatal. É uma reflexão que faço contra meus acusadores gratuitos e faltos de razão. Penso às vezes que Einstein tinha razão quando disse:”Existem dois infinitos:um do universo e outro dos estultos; do primeiro tenho dúvidas, do segundo, absoluta certeza”. Estimo que muitos dos anticomunistas atuais se inscrevem nesse segundo infinito.
É fácil serrar árvore caída e convardia chutar cachorro morto. Pensemos, antes, no presente com sentido de responsabilidade, unidos face a um feixe de crises que nos poderá levar a uma tragédia ecológico-social. Como fazer tudo para evitá-la e garantir um futuro comum para todos, inclusive para a nossa civilização e para nossa Casa Comum. Essa é a questão maior a ser pensada e sobre ela inaugurar práticas salvadoras e não distrair-se com discutir um comunismo inexistente, morto e sepultado.
Leonardo Boff
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Habemus Papam
Acusado por um conservador norte-americano de ser marxista, Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco, negou sê-lo, mas disse que não se sentia ofendido, por ter conhecido ao longo de sua vida muitos marxistas que eram boas pessoas.
A declaração do papa, evitando atacar ou demonizar os marxistas, e atribuindo-lhes a condição de comuns mortais, com direito a ter sua visão de mundo e a defendê-la, é extremamente importante, no momento que estamos vivendo agora.
A ascensão irracional do anticomunismo mais obtuso e retrógrado, em todo o mundo — no Brasil, particularmente, está ficando chique ser de extrema direita — baseia-se em manipulação canalha, com que se tenta, por todos os meios, inverter e distorcer a história, a ponto de se estar criando uma absurda realidade paralela.
Estabelecem-se, financiados com dinheiro da direita fundamentalista, “museus do comunismo”; surgem por todo mundo, como nos piores tempos da Guerra Fria, redes de organizações anticomunistas, com a desculpa de se defender a democracia; atribuem-se, alucinadamente, de forma absolutamente fantasiosa, 100 milhões de mortos ao comunismo.
Busca-se associar, até do ponto de vista iconográfico, o marxismo ao nacional-socialismo, quando, se não fossem a Batalha de Stalingrado, em que os alemães e seus aliados perderam 850 mil homens, e a Batalha de Berlim, vencidas pelas tropas do Exército Vermelho — que cercaram e ocuparam a capital alemã e obrigaram Hitler a se matar, como um rato, em seu covil — a Alemanha nazista teria tido tempo de desenvolver sua própria bomba atômica e não teria sido derrotada.
Quem compara o socialismo ao nazismo, por uma questão de semântica, se esquece de que, sem a heroica resistência, o complexo industrial-militar, e o sacrifício dos povos da União Soviética — que perdeu na Segunda Guerra Mundial 30 milhões de habitantes — boa parte dos anticomunistas de hoje, incluídos católicos não arianos e sionistas, teriam virado sabão nas câmaras de gás e nos fornos crematórios de Auschwitz, Birkenau e outros campos de extermínio.
Espalha-se, na internet — e um monte de beócios, uns por ingenuidade, outros por falta de caráter mesmo, ajudam a divulgar isso — que o Golpe Militar de 1964 — apoiado e financiado por uma nação estrangeira, os Estados Unidos — foi uma contrarrevolução preventiva. O país era governado por um rico proprietário rural, João Goulart, que nunca foi comunista. Vivia-se em plena democracia, com imprensa livre e todas as garantias do Estado de Direito, e o povo preparava-se para reeleger Juscelino Kubitscheck presidente da República em 1965.
1964 foi uma aliança de oportunistas. Civis que há anos almejavam chegar à Presidência da República e não tinham votos para isso, segmentos conservadores que estavam alijados dos negócios do governo e oficiais — não todos, graças a Deus — golpistas que odiavam a democracia e não admitiam viver em um país livre.
Em um mundo em que há nações, como o Brasil, em que padres fascistas pregam abertamente, na internet e fora dela, o culto ao ódio, e a mentira da excomunhão automática de comunistas, as declarações do papa Francisco, lembrando que os marxistas são pessoas normais, como quaisquer outras — e não são os monstros apresentados pela extrema-direita fundamentalista e revisionista sob a farsa do “marxismo cultural” — representam um apelo à razão e um alento.
Depois de anos dominada pelo conservadorismo, podemos dizer, pelo menos até agora, que Habemus Papam, com a clareza da fumaça branca saindo, na Praça de São Pedro, em dia de conclave, das veneráveis chaminés do Vaticano.
Um Papa maiúsculo, preparado para fortalecer a Igreja, com o equilíbrio e o exemplo do Evangelho, e a inteligência, o sorriso, a determinação e a energia de um Pastor que merece ser amado e admirado pelo seu rebanho.
Mauro Santayana - Jornalista