quarta-feira, 13 de julho de 2016

O valor do reconhecimento

Diretor do Instituto Nacional de Educação (NIE) de Cingapura, Lee Sing Kong defende a valorização do professor como a principal forma de incentivar os educadores a prosseguir com a missão de transformar o futuro de uma nação


Por, Daniele Pechi

Há pouco menos de 60 anos, Cingapura deu início a uma reforma educacional que possibilitou a essa cidade-estado figurar no 2º lugar do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) e transformar uma sociedade que possuía índices altíssimos de analfabetismo e abandono escolar em um fornecedor de mão de obra qualificada para empresas de todo o mundo.

Apesar de ter alcançado um nível de excelência educacional já no final dos anos 1990, o governo local promoveu recentemente, entre os anos de 2006 e 2015, uma revisão sistemática dos programas de formação de professores tendo por base orientadora o currículo nacional. Essa revisão originou um modelo batizado de Thinking teachers, cujo objetivo é desenvolver valores, habilidades e conhecimentos que respondam aos desafios da educação no mundo contemporâneo.

Além de diretor do organismo responsável pela formação local de professores, Lee Sing Kong é membro do Centro Nacional para Educação e Economia (NCEE) dos Estados Unidos, órgão que tem como objetivo analisar a economia e a educação no mundo, identificando os melhores caminhos para a política educacional dos Estados Unidos.

Em entrevista durante visita a São Paulo, Lee falou sobre outros avanços obtidos por meio da reforma educacional realizada em Cingapura, e ressaltou a importância da valorização docente como condição para o desenvolvimento de uma nação.

Desde o ano passado, a base nacional curricular brasileira está sendo elaborada e discutida em todo o país. Como esse processo foi desenvolvido em Cingapura?

Antes de falar sobre o desenvolvimento do currículo, gostaria de dizer que o nosso sistema funciona muito por meio da identificação do que os estudantes precisam aprender e que a organização de um documento como esse deve ser um processo muito participativo. No caso de Cingapura, consultamos educadores, gestores, organizações da sociedade civil e pais de alunos. Depois que recebemos todos os feedbacks, nós os cristalizamos e decidimos quais conhecimentos as crianças precisariam ter, em quais áreas e assim por diante. Então, o currículo, no fim das contas, é o documento em que constam os conceitos fundamentais com os quais nossos alunos devem ser educados antes de chegarem à universidade.

Qual é o grande desafio da educação de Cingapura?

Considero que o desafio de qualquer sistema educacional hoje é formular um currículo que seja capaz de atender às mudanças das demandas, que estão cada vez mais rápidas. A tecnologia se transforma de forma muito acelerada e, conforme isso se dá, as habilidades requeridas nos empregos também mudam. Então, a pergunta que todos devemos fazer é: como elaborar um sistema educacional que forme estudantes relevantes para as novas necessidades? O que precisamos que os estudantes saibam? Eles precisam dominar os conteúdos em detalhes? Quais são os conhecimentos fundamentais que precisamos fornecer? Na minha opinião, alguns muito básicos: linguagem, conceitos de ciências e de matemática.

Em Cingapura, o salário do professor pode ser equiparado ao de um médico ou engenheiro. O salário inicial de um professor brasileiro é menos da metade do de um engenheiro, por exemplo. Como tornar essa carreira atrativa, tendo em vista os baixos salários e as condições de trabalho ainda precárias?

Creio que a questão salarial não é mais importante do que a valorização dos profissionais da educação pela sociedade. Isso determina muito o moral dos professores de um país. O salário é um componente importante, sem dúvida. Porém, se a remuneração é baixa e a sociedade atribui muito respeito aos professores, pela contribuição que dão para a construção e o desenvolvimento de uma nação, acredito que isso seja capaz de levantar o moral deles e fazê-los seguir em frente. A sociedade e os líderes precisam começar a celebrar o bom trabalho dos professores e ajudá-los a serem reconhecidos positivamente pela contribuição que dão na educação das crianças, que serão o futuro da nação. Isso, obviamente, tem de ser uma política de governo. Em Cingapura, em toda primeira sexta-feira de setembro é comemorado o Dia do Professor. Nessa data, o presidente convida os educadores para uma cerimônia em seu palácio, na qual alguns deles são premiados.

E como funciona o plano de carreira docente?

Há três caminhos possíveis. No passado, havia apenas uma possibilidade de carreira, na qual o professor só podia ascender a cargos de gestão escolar, deixando assim o dia a dia da sala de aula. Isso significava que os professores que tinham os melhores desempenhos não eram promovidos. Agora, eles podem ocupar os cargos de professores seniores, professores líderes, mestres e assim por diante. Financeiramente falando, o salário de um professor mestre e de um diretor escolar podem ser equiparados. Há ainda uma situação mais específica, para educadores que são muito habilidosos em desenvolver currículo, elaborar sequências didáticas e dar consultorias. A evolução da carreira depende, portanto, da expertise do profissional e, claro, do desempenho deles.

Como funciona o processo seletivo dos professores em Cingapura?

Temos um processo seletivo muito rigoroso. Antes de um professor ser contratado, ele tem de passar por uma entrevista, como acontece em quase todas as outras profissões. Depois de aprovado na primeira triagem, ele é encaminhado ao Instituto Nacional de Educação para receber treinamento. Nessa etapa, ele participa de estágios em escolas; 35% do tempo de todo o treinamento é realizado em instituições de ensino. Se durante esse período de testes diante dos alunos ele falhar nas práticas, fica definido que esse profissional não será admitido.

Como funciona o Thinking teachers (programa de formação de professores do país)?

Os professores precisam ter as competências para ajudar os alunos a atingir as expectativas de aprendizagem, porém, o papel desses profissionais mudou muito nos últimos anos e é por isso que passamos quase dez anos reformando nossa forma de ensinar. Quando eu era estudante, sentava na carteira e ficava ouvindo o professor e não fazia muita coisa durante o processo de aprendizagem. Hoje, os alunos conseguem fazer isso por poucos minutos e logo ficam entediados. Chamamos os estudantes da atualidade de epic, ou seja, eles gostam da experiên­cia, de compreender o que estão aprendendo passo a passo. Sentem necessidade de participação no processo de aprendizagem, guiados pelo imediatismo, e gostam de ficar conectados enquanto grupo para estudar.

Então, nossos professores são treinados para promover o aprendizado de modo colaborativo, de forma a incentivar os estudantes a aprenderem juntos.

Qual é o papel dos gestores?

Os gestores devem entender como desenvolver os professores para fazer deles melhores educadores, precisam elaborar novos programas para engajar os estudantes e ajudá-los no processo de aprendizagem. E o ministro, embora tenhamos um sistema educacional centralizado, dá muita autonomia aos líderes escolares. Toda instituição recebe uma verba calculada a partir do número de alunos que possui. O diretor tem o poder de decidir como esse dinheiro será usado, sem precisar consultar o ministro para aprovar as ações.



Quão próximos eles são?


Muito próximos. Todas as políticas desenvolvidas pelo ministro são comunicadas aos líderes e os líderes são consultados no desenvolvimento das políticas.

De que forma o abandono escolar foi superado?

Isso era um problema nos anos 70 em Cingapura. No período, 20% dos estudantes não completavam dez anos de educação. Já nos anos 80 foram desenvolvidos programas de recuperação para esses alunos, que podiam condensar dez anos de estudos em quatro ou cinco, dependendo do caso. Com essa medida, reduzimos o abandono escolar de 20% para 2%, em dez anos.

Quais ações o senhor acha que poderiam ser reproduzidas em países como o Brasil?

Não acho que existam modelos que possam dar conta de toda e qualquer situação. O que precisa ser avaliado, caso a caso, é o porquê de os alunos deixarem a escola. Acham estudar desinteressante? Ou eles não conseguem acompanhar o que é ensinado por alguma falha cometida em etapas anteriores? Para os entediados, é necessário ter professores que façam das aulas algo mais interessante, que os engaje. Quando um país possui problemas educacionais, é preciso entender as razões disso. Só depois de um exame aprofundado do cenário é possível transformá-lo.

Fonte: Revista Educacao

À procura de um modelo para o Ensino Médio

Em meio às discussões sobre a Base Nacional Comum Curricular, debate coloca em pauta modelos de flexibilização e o temido aprofundamento de desigualdades


Por, Flávia Siqueira


Quais os modelos possíveis para o ensino médio? Não é possível discutir ajustes ou reformas na etapa final da educação básica sem considerar a heterogeneidade na origem, nas necessidades e nos desejos de seus estudantes, nas diferentes trajetórias e regimes de trabalho dos docentes, nas particularidades do local e da região em que cada escola está instalada. É preciso tratar o ensino médio no plural e, justamente por isso, é quase consenso que a etapa deve ter algum grau de flexibilidade curricular. Por outro lado, também é necessário cuidado para que o conjunto de opções e sua estrutura não aprofundem ainda mais as desigualdades.

Segundo a proposta preliminar da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), 40% do conteúdo da educação básica deverá ser determinado regionalmente, considerando as escolhas de cada sistema educacional. O Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) divulgou, no começo de março, seu posicionamento sobre a Base. A organização defende que o documento seja “um ponto de partida para o desenvolvimento de diferentes arranjos curriculares” e que as competências e os objetivos de aprendizagem relativos ao ensino médio não estejam seriados, mas “apresentados de forma a deixar clara sua progressão”.

Para o Consed, as competências descritas pela Base devem ocupar, no máximo, 1.600 horas da carga horária total do ensino médio – considerando-se uma carga horária total mínima de 2.400 horas. O restante do currículo deve ser preenchido por “opções de aprofundamento e formação”, considerando possibilidades de formação técnica e aprofundamento em uma de quatro áreas de conhecimento: linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas. Para estruturar o modelo, o Consed propõe a construção de uma referência para a flexibilização no prazo de dois anos após a aprovação da BNCC, em parceria com o MEC. Na mesma linha, o Conselho também apresentou suas propostas dentro do Projeto de Lei nº 6.840, de 2013, que altera a Lei de Diretrizes e Bases e formaliza a visão que os secretários têm para o ensino médio.

Rossieli Soares da Silva, secretário-coordenador da Iniciativa Ensino Médio do Consed e secretário de Educação do Amazonas, diz que o ensino médio atual tem ênfase em generalidades e se tornou excessivamente conteudista. Ao defender a proposta de aprofundamento por áreas de conhecimento, exemplifica: “se o aluno vai muito bem em matemática, mas tem dificuldades em português, a escola o colocaria para ter aulas de reforço em português, quando ele poderia ser lapidado em matemática”. A possibilidade de o estudante se aprofundar no que faz de melhor, afirma o secretário, aumentaria a motivação do aluno e ajudaria a “despontar talentos”. A proposta foi criada a partir das percepções das redes estaduais, que respondem pela maioria das turmas de ensino médio no país.

O “enciclopedismo” é outro ponto abordado pelo Consed. Em sua lista de recomendações, o conselho defende que a Base se limite “ao que for essencial ao desenvolvimento de todos os estudantes”, com a definição de padrões de desempenho. Antônio José Vieira Neto, secretário estadual de Educação do Rio de Janeiro e coordenador da iniciativa Base Nacional Curricular no Consed, diz que, enquanto a primeira versão da Base apresenta, no caso do ensino fundamental, conteúdos ainda passíveis de ajustes, mas mais coesos, o documento ainda repete a “estrutura conteudista demais” para o ensino médio. “A Base Nacional não pode ser um currículo. É a partir dela que nascerá o currículo.”

Agora, é preciso esperar o documento final da BNCC para verificar o quanto essa e as demais propostas e contribuições recebidas serão incorporadas. Após a publicação da segunda versão, ocorrida em 3 de maio, estava prevista a realização de seminários para que as secretarias estaduais e municipais façam observações. O Plano Nacional de Educação (PNE) determina que o documento final seja encaminhado para análise e votação do Conselho Nacional de Educação (CNE) até 24 de junho. Há expectativa, no entanto, sobre a manutenção do calendário após o afastamento da presidente Dilma Rousseff.

► Desigualdades

Também no começo de março, o Centro de Pesquisas e Estudos em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) divulgou os resultados preliminares da pesquisa Ensino Médio, Qualidade e Equidade: Avanços e Desafios em Quatro Estados: CE, GO, PE e SP. O estudo apresenta dois objetivos centrais: descrever e analisar políticas implantadas pelos quatro estados brasileiros para o ensino médio e avaliar como escolas situadas em territórios vulneráveis “respondem aos desafios e às possibilidades criadas por essas políticas”. Os estados do Ceará, Goiás, Pernambuco e São Paulo foram escolhidos pelo avanço em indicadores como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e por implementarem, de forma mais abrangente, “medidas que outros estados vêm colocando em prática de forma mais restrita” – entre elas, oferta de matrícula em tempo integral, investimento em reformas curriculares, monitoramento de processos pedagógicos e formação continuada de docentes.







Sobre o risco de um novo modelo de ensino médio aprofundar desigualdades, Antônio Neto e Rossieli da Silva, do Consed, afirmam que é justamente o formato atual que faz isso – e, portanto, é preciso mudar. “Desigualdade está em tratar os desiguais de forma igual. Sabemos que nossa proposta é divergente, mas o importante é que, no meio do silêncio, surgiu uma proposta”, afirma Silva. “A desigualdade existe com o ensino médio que temos hoje, com uma disparidade muito grande entre os períodos integral, parcial e noturno”, complementa o secretário do Rio de Janeiro. Os integrantes do Consed afirmam que é necessário começar as mudanças por algum ponto – no caso, o currículo – e que outras questões relacionadas devem ser tratadas em diferentes âmbitos e momentos.

Uma das conclusões a que chegaram os pesquisadores é que “a execução das políticas de diversificação da oferta de ensino médio produz desigualdades educacionais”. Segundo Antônio Augusto Batista, coordenador de pesquisas do Cenpec, em alguns casos a disparidade é tão grande que chegam a se formar “sub-redes dentro da rede”. Um dos exemplos mais claros está na comparação entre o ensino médio noturno e o cursado em tempo integral: neste último, é maior o nível socioeconômico dos estudantes, e quase 80% dos alunos apontam como razão para frequentar sua escola o fato de ela ser considerada boa. No noturno, o nível socioeconômico é mais baixo e quase 65% dos alunos dizem frequentar a escola por ser perto de casa ou a única em seu bairro ou município. O resultado dessas diferenças pode ser uma “seleção social”.

Ao comparar os períodos parcial e integral, apenas no Estado de Pernambuco não foi encontrada a mesma correlação quando considerado o nível socioeconômico – ou seja, os dados indicam que “as escolas de tempo integral pernambucanas não tendem a recrutar predominantemente alunos de nível socioeconômico mais alto”, como aponta o relatório da pesquisa. Segundo dados do Censo Escolar de 2014, todos os municípios do estado têm escola integral – e talvez esteja aí um dos motivos de sua rede ser uma exceção no critério estudado. Como mesmo os municípios pequenos e de renda menor têm pelo menos uma escola integral, isso garante que alunos de menor nível socioeconômico tenham acesso a ela. As turmas, assim, tendem a ser mais heterogêneas.

Nos demais estados, os municípios que não têm escolas integrais são maioria e, em seu conjunto, apresentam média de renda familiar per capita menor do que o conjunto de cidades com uma ou mais instituições com ensino médio em período integral.

“A flexibilização por si só não é um problema. O jovem tem o anseio de escolher”, afirma Batista. A questão é como esses modelos são estruturados e se, ao mesmo tempo, é dada aos jovens a chance de pensar de maneira crítica sobre suas opções. Nem sempre as decisões que tomamos são feitas de maneira totalmente livre. “As escolhas que os jovens fazem muitas vezes são ditadas pelas condições de vida”, explica o pesquisador. “É preciso falar sobre isso. Quanto mais conhecemos o modo como a sociedade nos constrange, mais nos libertamos desse constrangimento.”

Embora ainda estejamos no começo da discussão sobre o que queremos para o ensino médio, a pesquisa do Cenpec alerta para não perdermos de vista questões importantes. Será que todos os estudantes terão, realmente, a chance de escolher entre todas as opções disponíveis? Ou para alguns – provavelmente os mais pobres – sobrarão as opções menos “valorizadas”? Ou, talvez, o que a escola mais próxima tem condições (limitadas) de oferecer?

Antônio Batista também põe em questão o tema da especialização. “Não acho que seja um caminho. O próprio mercado de trabalho quer pessoas adaptáveis a diferentes ambientes e contextos.”



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► Experiências

Batista, do Cenpec, afirma que há o que aprender com as experiências dos estados pesquisados. Ele dá como exemplo a disciplina Projeto de Vida, inserida nas escolas em tempo integral de São Paulo. “Desde que as pessoas tenham conhecimento dos determinantes sociais e de que essa abordagem não seja feita de maneira burocrática, pode apontar, sim, um caminho.”

Maria Sílvia Sanchez Bortolozzo, coordenadora de Ensino Integral de São Paulo, diz que o objetivo do programa é formar alunos “autônomos, solidários e competentes”. Ela explica que as atividades da disciplina Projeto de Vida começam no ingresso dos alunos. Eles expõem seus planos e conversam com o professor. Depois, o trabalho segue com duas aulas semanais. Segundo Maria Sílvia, os professores responsáveis pela disciplina são escolhidos pelos diretores, por perfil. Não há uma formação específica, mas os docentes passam por orientação.

Outras características do programa em São Paulo incluem disciplinas eletivas, que podem ser criadas pelos professores em discussão com os alunos – como exemplo, Maria Sílvia cita uma disciplina de maquetes – e uma matriz curricular integrada, em que não há uma divisão por turno de disciplinas obrigatórias e eletivas.

► Trabalho e ensino superior

Uma crítica recorrente ao formato atual do ensino médio é de que é muito pautado pelos vestibulares e pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Nesse sentido, o Consed propõe que o Enem seja revisado como consequência da BNCC, “de tal forma que não inviabilize a proposta do Novo Modelo de Ensino Médio”. Em sua carta de princípios sobre o ensino médio, destaca que menos de 20% dos jovens de 18 a 24 anos frequentam o ensino superior.

Fonte: Revista Educacao
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Emmi Pikler, a narratividade e a compreensão da criança

''Médica desenvolveu técnicas de cuidado para criar uma experiência de vida para as crianças que estimulassem seu desenvolvimento e evitassem as faltas dramáticas provocadas pela ausência dos pais''

Por, Myriam Chinalli*

A médica Emmi Pikler (1902-1984) atuou co­mo pediatra em Budapeste, na Hungria, a partir dos anos 1930. Desde seus primeiros trabalhos com as famílias, afirmava que a criança pequena era uma pessoa ativa, competente, capaz de tomar iniciativas. Mostrou-se muito atenta à qualidade da relação entre adulto e criança, principalmente nos momentos de cuidados, que, segundo ela, deveriam ser vivenciados de forma íntima e profunda.

Em 1946, na Budapeste profundamente atingida pela Segunda Guerra Mundial, assumiu a direção de uma instituição hoje chamada Instituto Pikler, que tinha a função de acolher crianças órfãs ou abandonadas pelas famílias, sem, no entanto, procurar reproduzir o comportamento maternal – trabalho vão numa instituição. Na mesma linha de seu trabalho com as famílias, Emmi Pikler procurou desenvolver ali técnicas para criar uma experiência de vida para as crianças que estimulassem seu desenvolvimento e evitassem as faltas dramáticas provocadas pela ausência dos pais.

Sua equipe de colaboradoras, coordenada por Judith Falk, oferecia cuidados que permitiam a construção de vínculos fortes entre a criança e sua cuidadora, principalmente em decorrência de uma atenção exclusiva oferecida a cada uma durante os cuidados cotidianos – banho, troca de roupa, alimentação –, de uma rotina coerente e respeitosa com a criança, de uma estabilidade dos adultos e de respostas justamente adaptadas às necessidades individuais. Como consequência, graças a essa atenção e a essa sustentação, a criança se percebia como competente, digna de atenção e reconhecida em sua individualidade. 

Emmi Pikler dirigiu esse instituto até 1979, alguns anos antes de sua morte. Ainda hoje, mais de cem anos após o nascimento da médica, as técnicas desenvolvidas ali continuam sendo referência de atenção à criança, iluminando experiências, principalmente europeias, de educação em creches e escolas infantis. 


Muitas ideias da psicanálise foram utilizadas para o desenvolvimento desses procedimentos com a criança e com a equipe cuidadora. Uma das ações centrais das profissionais do Instituto Pikler é a narratividade, que constrói um espaço de trocas verbais entre o cuidador e a criança, em que ambos são convocados mais a compreender do que a sentir. A criança e seu cuidador compartilham experiências em sintonia afetiva, mas compreendidas por ambos. A narração das ações realizadas pelo adulto cuidador evita a tensão aniquiladora, vivida pela criança como intrusiva e invasiva.


Para o psicanalista Didier Anzieu, que desenvolveu o conceito de eu-pele, a palavra, o som da voz apaziguadora do adulto, é uma espécie de envelope narcísico, que serve de apoio ao eu da criança durante suas fases precoces de desenvolvimento. Esse envelope inclui também o estímulo à parte sensorial, com o toque respeitoso, o olhar atento, ao lado das palavras descritivas das ações que estão sendo realizadas.


Um exemplo de cuidado respeitoso está na narração detalhada e afetuosa pelo adulto de como será sua atuação com a criança: “Agora vou tomar você em meus braços. Vou acomodar bem a sua cabecinha para trocarmos a sua camiseta. Vou levantar um pouco esse braço, para retirar essa manga. Vamos ao outro braço?”. Também é importante convocar delicadamente a criança a interagir com o adulto cuidador: “Você está confortável? Vamos esperar um pouco antes de retirar suas meias? Obrigada por colaborar com esse momento tão gostoso...”.


sábado, 14 de maio de 2016

PADRE JOSÉ O. BEOZZO HUMILHA MARTA SUPLICY

Resposta ao artigo ‘PELO BRASIL’ da Senadora Marta Suplicy PMDB no dia 13 de maio na Folha de São Paulo.

Pe. José Oscar Beozzo
Parabéns, senadora Marta Suplicy, pelo seu artigo na Folha de São Paulo, com seu apelo “Pelo Brasil” e pela união em torno ao governo interino de Michel Temer e ao seu programa de ordem e progresso.

A guerra sem tréguas movida ao governo da presidenta Dilma acabou.
Instauremos a ordem e a paz dos cemitérios.

Para salvaguardá-las, que as mulheres banidas do ministério formado só por homens, não protestem mais: abandonem a cena pública, voltem aos seus afazeres domésticos e calem a boca; que os negros e negras, maioria da sociedade brasileira deixem as ruas e praças e retornem, nesse 13 de maio, à invisibilidade das senzalas; que os sem terra se conformem com a dilatação e dominação do latifúndio e parem de lutar por reforma agrária e por terra para quem trabalha; que os sem teto, se acomodem debaixo das pontes e viadutos, até que a policia os enxote; que estudantes não ocupem mais as escolas por educação de qualidade e pela merenda roubada.

Que a luta contra as desigualdades de gênero, raça, cor e classes sociais cesse por completo, pois o governo da Casa Grande decretou que a Ordem é sua prioridade e que a luta por igualdade de direitos e oportunidades desapareceu de sua agenda e do programa da senadora por São Paulo e candidata à Prefeitura da cidade, Marta Suplicy.

Pe. José Oscar Beozzo
Seminário João XXIII – fundos
Rua Mario Vicente, 1108
Vila Dom Pedro I
SÃO PAULO SP
04270-001

Sítio do CESEP: http://www.ceseep.org.br


Fonte: http://novo.ceseep.org.br




quarta-feira, 11 de maio de 2016

QUAL A SAÍDA POLÍTICA?

''É preciso romper o ciclo viciado da política de resultados e redefinir uma política de princípios capaz de mirar além das urnas, do neoliberalismo e dessa fase histórica do capitalismo''


Frei Betto
A deposição de Dilma me cheira a golpe parlamentar, à semelhança do que ocorreu em Honduras e no Paraguai. O governo dela, neste início do segundo mandato, não corresponde ao êxito alcançado no primeiro. Contudo, foi democraticamente eleito e eu, que o critico, não cedo ao oportunismo que se empenha em quebrar os limites entre oposição e deposição.

Aceitar que antipatia e fracasso administrativo devam ter mais peso que princípios constitucionais é admitir o retrocesso, e jogar o Brasil e a América Latina na cartografia das “repúblicas de bananas”, tão em voga no continente na primeira metade do século XX.

Meu desconforto é óbvio. Não vejo saída para a emancipação brasileira dentro de nossa atual institucionalidade política. Eleições gerais? Seria uma boa medida se um Tiririca não pudesse alçar ao parlamento figuras que se valem da distorção do quociente eleitoral sem sequer terem contado com os votos da própria família!

E, entre tantos candidatos, quem encarna um programa consistente de reformas estruturais? Vale trocar o seis por meia dúzia?

Tivesse o PT valorizado, ao longo dos últimos 13 anos, as lideranças populares de esquerda, hoje teríamos um Congresso progressista e com muito menos figuras ridículas. No entanto, preferiu alianças não confiáveis das quais agora é vítima.

As forças políticas progressistas precisam se redefinir no Brasil. Estabelecer um programa mínimo de libertação nacional, sem o que continuaremos reféns dessa política de efeitos, e não da política capaz de alterar as causas das anomalias nacionais.

É preciso romper o ciclo viciado da política de resultados e redefinir uma política de princípios capaz de mirar além das urnas, do neoliberalismo e dessa fase histórica do capitalismo.

Se a esquerda brasileira não resgatar a utopia libertária, nosso horizonte ficará limitado a este ou aquele candidato, num círculo dantesco de êxitos e decepções, avanços e recuos.

A idade adulta de democracia tem nome: socialismo. Mas de tal maneira o inimigo esconjura tal nome, que temos medo de pronunciá-lo. Ainda não nos recuperamos da queda do Muro de Berlim. Coramos de vergonha frente ao capitalismo de Estado adotado pela China e o hermetismo idólatra da Coreia do Norte.

Ora, não se trata de suportar o peso da culpa de tantos erros cometidos pelo socialismo, embora a América Latina abrigue a única experiência vitoriosa, Cuba. Trata-se de dissecar a verdadeira face do capitalismo repleta de atrocidades, misérias, exploração neocolonial, guerras e degradação ambiental.

Qual é o “outro mundo possível”? Onde estará a senda do “bem viver”? O caminho se faz ao caminhar. E uma certeza eu guardo: fora do mundo dos pobres e de seu protagonismo político os progressistas sempre correrão o risco de segurar o violino com a esquerda e tocá-lo com a direita.

Frei Betto é escritor, autor de “Reinventar a vida” (Vozes), entre outros livros.


Fonte: http://hojeemdia.com.br

terça-feira, 26 de abril de 2016

LEI VISA BENEFICIAR OS MICROPRODUTORES RURAIS CATARINENSES


'Audiência pública garante ampliação do limite de isenção de ICMS'

Na audiência pública realizada na tarde desta 2ª feira (25) para debater o Projeto de Lei 35/2016, que garante legislação simplificada e isenção de imposto para microprodutores rurais, representantes da Secretaria de Estado da Fazenda aceitaram rever o limite de isenção fiscal proposto no projeto, passando de R$ 60 mil para até R$80 mil nas vendas diretas ao consumidor final. 
Foi uma audiência importante, com um encaminhamento concreto.

Além do aumento do teto de faturamento, o governo do Estado também vai rever o valor da renda bruta anual do produtor para enquadramento no programa, que passaria a ser de R$ 360 mil, em vez de R$ 120 mil. 

Assim, adequamos o projeto à Lei Federal 11.326 e 97% dos agricultores familiares catarinenses poderão aderir aos benefícios da lei. O incentivo vai garantir que as pessoas continuem no meio rural evai diminuir a informalidade, este é o papel da política pública.

Agradeço a todas as entidades e lideranças que vieram até o legislativo, colaborar com o debate e mostrar ao governo a importância de melhorar o projeto, que é um grande anseio dos Agricultores Familiares.

Fonte: Informações Deputado Dirceu Dresch

segunda-feira, 18 de abril de 2016

'Um golpe parlamentar e a volta reacionária contra a corrupção'

“Ela não roubou nada, mas está sendo julgada por uma quadrilha de ladrões”.

Um golpe parlamentar e a volta reacionária da religião, da família, de Deus e contra a corrupção.

Observando o comportamento dos parlamentares nos três dias em que discutiram a admissibilidade do impedimento da presidenta Dilma Rousseff parecia-nos ver criançolas se divertindo num jardim da infância. Gritarias por todo canto. Coros recitando seus mantras contra ou a favor do impedimento. Alguns vinham fantasiados com os símbolos de suas causas. Pessoas vestidas com a bandeira nacional como se estivessem num dia de carnaval. Placas com seus slogans repetitivos. Enfim, um espetáculo indigno de pessoas decentes de quem se esperaria um mínimo de seriedade. Chegou-se a fazer até um bolão de apostas como se fora um jogo do bicho ou de futebol.

Mas o que mais causou estranheza foi a figura do presidente da Câmara que presidiu a sessão, o deputado Eduardo Cunha. Ele vem acusado de muitos crimes e é réu pelo Supremo Tribunal Federal: um gangster julgando uma mulher decente contra a qual ninguém ousou lhe atribuir qualquer crime.

Precisamos questionar a responsabilidade do Supremo Tribunal Federal por ter permitido esse ato que nos envergonhou nacional e internacionalmente a ponto de o New York Times de 15 de abril escrever: “Ela não roubou nada, mas está sendo julgada por uma quadrilha de ladrões”. Que interesse secreto alimenta a Suprema Corte face a tão escandalosa omissão? Recusamos a idéia de que esteja participando de alguma conspiração.

Ocorreu na declaração de voto algo absolutamente desviante. Tratava-se de julgar se a presidenta havia cometido um crime de irresponsabilidade fiscal junto a outros manejos administrativos das finanças, base jurídica para um processo político de impedimento que implica destituir a presidenta de seu cargo, conseguido pelo voto popular majoritário. Grande parte dos deputados sequer se referiu a essa base jurídica, as famosas pedaladas fiscais etc. Ao invés de se ater juridicamente ao eventual crime, deram asas à politização da insatisfação generalizada que corre pela sociedade em razão da crise econômica, do desemprego e da corrupção na Petrobrás. Essa insatisfação pode representar um erro político da presidenta mas não configura um crime.

Como num ritornello, a grande maioria se concentrou na corrupção e nos efeitos negativos da crise. Apostrofaram hipocritamente o governo de corrupto quando sabemos que um grande número de deputados está indiciado em crimes de corrupção. Boa parte deles se elegeu com dinheiro da corrupção política, sustentada pelas empresas. Generalizando, com honrosas exceções, os deputados não representam os interesses coletivos mas aqueles das empresas que lhes financiaram as campanhas.

Importa notar um fato preocupante: emergiu novamente como um espantalho a velha campanha que reforçou o golpe militar de 1964: as marchas da religião, da família, de Deus e contra a corrupção. Dezenas de parlamentares da bancada evangélica claramente fizeram discursos de tom religioso e invocando o nome de de Deus. E todos, sem exceção, votaram pelo impedimento. Poucas vezes se ofendeu tanto o segundo mandamento da lei de Deus que proíbe usar o santo nome de Deus em vão. Grande parte dos parlamentares de forma puerial dedicavam seu voto à família, à esposa, à avó, aos filhos e aos netos, citando seus nomes, numa espetacularização da política de reles banalidade. Ao contrario, aqueles contra o impedimento argumentavam e mostravam um comportamento decente.

Fez-se um julgamento apenas politico sem embasamento jurídico convicente, o que fere o preceito constitucional. O que ocorreu foi um golpe parlamentar inaceitável.

Os votos contra o impedimento não foram suficientes. Todos saímos diminuídos como nação e envergonhados dos representantes do povo que, na verdade, não o representam nem pretendem mudar as regras do jogo político.

Agora nos resta esperar a racionalidade do Senado que irá analisar a validade ou não dos argumentos jurídicos, base para um julgamento político acerca de um eventual crime de responsabilidade, negado por notáveis juristas do país.

Talvez não tenhamos ainda suficientemente amadurecido como povo para poder realizar uma democracia digna deste nome: a tradução para o campo da politica da soberania popular.

*Leonardo Boff é articulista do JB online e escritor.

sábado, 9 de abril de 2016

DEZ LIÇÕES DA MÚLTIPLA CRISE BRASILEIRA




Toda crise acrisola, purifica e faz madurar. Que lições podemos tirar dela? Elenco algumas.

► Primeira lição: o tipo de sociedade que temos não pode mais continuar assim com é. As manifestações de 2013 e as atuais mostraram claramente: não queremos mais uma democracia de baixíssima intensidade, uma sociedade profundamente desigual e uma política de negociatas. Nas manifestações os políticos também os da oposição foram escorraçados. Igualmente movimentos sociais organizados. Queremos outro tipo de Brasil, diverso daquele que herdamos que seja democrático, includente e justo.

► Segunda lição: superar a vergonhosa desigualdade social impedindo que 5 mil famílias extensas controlem quase metade da riqueza nacional. Essa desigualdade se traduz por uma perversa concentração de terras, de capitais e de uma dominação iniqua do sistema financeiro, com bancos que extorquem o povo e o governo cobrando-lhe um superávit primário absurdo para pagar os juros da dívida pública. Enquanto não se taxarem as grandes fortunas e não submeterem os bancos a níveis razoáveis de lucro o Brasil será sempre desigual, injusto e pobre.

► Terceira lição: prevalência do capital social sobre o capital individual. Quer dizer, o que faz o povo evoluir não é matar-lhe simplesmente a fome e fazê-lo um consumidor mas fortalecer-lhe o capital social feito pela educação, pela saúde, pela cultura e pela busca do bem-viver, pré-condições de uma cidadania plena.

► Quarta lição: cobrar uma democracia participativa, construída de baixo para cima com forte presença da sociedade organizada especialmente dos movimentos sociais que enriquecem a democracia representativa que por causa de sua histórica corrupção o povo sente que ela não mais o representa.

► Quinta lição: a reinvenção do Estado nacional. Como foi montado historicamente atendia as classes que detém o ter, o poder, o saber e a comunicação dentro de uma política de conciliação entre as oligarquias, deixando sempre o povo de fora. Ele está aí mais para garantir privilégios do que para realizar o bem geral da nação. O Estado tem que ser a representação da soberania popular e todos os seus aparelhos devem estar a serviço do bem comum, com especial atenção aos vulneráveis (seu caráter ético) e sob o severo controle social com as devidas instituições para isso. Para tal se faz necessária uma reforma política, com nova constituição, fruto da representação nacional e não apenas partidária.

► Sexta lição: o dever ético-político de pagar a dívida às vítimas feitas no processo da constituição de nossa nacionalidade e que nunca foi paga: para com os indígenas quase exterminados, para com os afrodescendentes (mais da metade da população brasileira) feitos escravos e carvão para o processo produtivo; os pobres em geral sempre esquecidos pelas políticas públicas e desprezados e humilhados pelas classes dominantes. Urge políticas compensatórias e pró-ativas para criar-lhes oportunidades de se autopromoverem e se inserirem nos benefícios da sociedade moderna.

► Oitava lição: fim do presidencialismo de coalizão de partidos, feito à base de negócios e de tráfico de influência, de costas para o povo; é uma política de planalto desconectada da planície onde vive o povo. Com ou sem Dilma Rousseff à frente do governo, precisa-se, para sair da pluricrise atual, de uma nova concertação entre as forças existentes na nação. Não pode ser apenas entre os partidos que tenderiam a reproduzir a velha e desastrada política de conciliação ou de coalizão mas uma concertação que acolha representantes da sociedade civil organizada, movimentos sociais de caráter nacional, representantes do empresariado, da intelectualidade, das arte, das mulheres, das igrejas e das religiões a fim de elaborar uma agenda mínima aceita por todos.

► Nona lição: O caráter claramente republicano da democracia que vai além da neoliberal e privatista. Em outras palavras, o bem comum (res publica) deve ganhar centralidade e em seguida o bem privado. Isso se concretiza por política sociais que atendam as demandas mais gerais da população a partir dos necessitados e deixados para trás. As políticas sociais não se restringem apenas a ser distributivas mas importa serem redistributivas (diminuir de quem tem de mais para repassar para quem tem de menos), em vista da redução da desigualdade social. 

 Décima lição: inclusão da natureza com seus bens e serviços e da Mãe Terra com seus direitos na constituição de um novo tipo de democracia sócio-cósmica, à altura consciência ecológica que reconhece todos os seres como sujeitos de direitos, formando um grande todo: Terra-natureza-ser humano. É a base de um novo tipo de civilização, biocentrada, capaz de garantir o futuro da vida e de nossa civilização.


Leonardo Boff é professor emérito de ética da UERJ e d.h.c. em política pela Universidade de Turim.

domingo, 3 de abril de 2016

A CRISE POLÍTICA ATUAL UMA GRANDE FARSA


''É um quadro muito preocupante que nos faz lembrar da Alemanha das décadas de 1920 e 1930 com a ascensão de Hitler, apoiado pelo fanatismo que se apossou da população. Naquela situação também a Justiça se revelou draconiana com as ações da esquerda e complacente com a truculência da direita.''


A crise que se abateu sobre o país tem sido justificada em nome do combate à corrupção e, por meio da insistente repetição dos diversos meios de comunicação, vem induzindo a população a acreditar que foi o PT que, ao chegar ao governo, institucionalizou a corrupção instalando uma verdadeira quadrilha empenhada na apropriação privada dos fundos públicos.


  
Mas a verdade é bem outra. O erro do PT foi, ao assumir o governo, não ter tentado desmontar o esquema que já existia e do qual se serviam todos os partidos que chegavam ao poder. Ao contrário, para assegurar uma base de apoio no Congresso sem o que não conseguiria governar, o PT lançou mão do esquema que já se encontrava em funcionamento muito antes de ter surgido o Partido dos Trabalhadores. Portanto, o apelo atual à luta contra a corrupção não passa de uma grande farsa.

Como afirmou o delegado da Polícia Federal Armando Coelho Neto, que se aposentou faz apenas dois anos e foi presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal, a PF na era FHC estava desaparelhada e carecia de autonomia tendo havido, inclusive, um empréstimo francês para seu aparelhamento que, embora recebido e o governo já estivesse pagando juros, não foi utilizado por falta de planejamento. Em contrapartida, a gestão Dilma tomou treze medidas que aparelharam a Polícia Federal e lhe deram autonomia, assegurando-lhe condições de atuar fortemente na investigação dos atos ilícitos, em especial no caso da corrupção. Mas ele constata que, na verdade, não se está lutando contra a corrupção. Se isso estivesse ocorrendo outras operações estariam em curso. A Operação Zelotes, por exemplo, está abafada porque nela estão envolvidos grandes personagens da política, grandes empresas e bancos, grupos de comunicação, à testa a Rede Globo, num grande escândalo intermediado pelo Banco HSBC que, por conta disso, acabou se retirando do país. Na própria Operação Lava-Jato as delações trouxeram à baila nomes do PSDB e de outros partidos que, no entanto, são blindados. A conclusão do ex-presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal é que o que está em curso não é uma luta contra a corrupção, mas uma guerra contra o governo e o PT.

Bresser-Pereira, por sua vez, que foi um dos mais importantes ministros do governo FHC, tem evidenciado o ódio dos endinheirados contra o PT e, num dos últimos vídeos ele afirma que nos governos de Lula e Dilma os pobres ficaram menos pobres e os ricos mais ricos, sendo que a classe média foi a menos beneficiada. Daí, o cultivo do ódio da classe média contra o PT, ódio incentivado com a insistência da mídia que diariamente, repetindo à exaustão, se dedica a esmiuçar denúncias não comprovadas contra Dilma, Lula e o PT. E isso é muito perigoso porque está em curso uma onda fascista que se manifestou explicitamente com saudações nazifascistas e incitação ao armamento da população, como o fez o deputado Jair Bolsonaro. Este, segundo consta, teria sido avisado previamente da condução coercitiva do Lula que, segundo o plano seria levado preso de Congonhas para Curitiba num jatinho que já estava pronto para decolar, quando a operação foi abortada pelo destacamento da aeronáutica que faz a segurança do aeroporto de Congonhas. Diante do impasse, Moro teria ordenado, de Curitiba, que fosse tomado o depoimento de Lula no próprio aeroporto. Mas Bolsonaro já teria se dirigido a Curitiba para lá incitar a população a se manifestar em apoio à prisão de Lula assim que ele chegasse à carceragem.

É um quadro muito preocupante que nos faz lembrar da Alemanha das décadas de 1920 e 1930 com a ascensão de Hitler, apoiado pelo fanatismo que se apossou da população. Naquela situação também a Justiça se revelou draconiana com as ações da esquerda e complacente com a truculência da direita. Agora, no Brasil, está em curso iniciativas que, como observou o jurista Fábio Konder Comparato, deixa o Estado de Direito em frangalhos, com violações de normas constitucionais.

A situação é muito grave e, ao que parece, o golpe irá se consumar porque todas as instituições da República (Judiciário, Ministério Público, a própria OAB, Parlamento, Partidos políticos, toda a grande mídia televisiva, escrita e falada) encontram-se conspurcadas e obcecadas com o único objetivo de destruir o PT e impedir Lula de voltar a se candidatar. E, para isso, não têm pejo em violar as normas jurídicas relativas aos direitos mais elementares, inclusive dispositivos constitucionais. A hipocrisia é tanta que jornalistas, representantes do Judiciário e parlamentares repetem à exaustão que Lula não pode ser ministro porque é investigado, ao mesmo tempo em que se posicionam a favor do impeachment que vem sendo conduzido e manipulado por um parlamentar que não apenas é investigado, mas é réu e se mantém como Presidente da Câmara dos Deputados sendo, nessa condição, o segundo na sucessão da Presidência da República. Então, a pergunta que não quer calar é: por que Eduardo Cunha, que é réu em processo que corre no Supremo Tribunal Federal, pode continuar como deputado e, mesmo, como Presidente da Câmara obstruindo a Comissão de Ética e articulando todos os passos do processo de impeachment; e Lula, que apenas está sendo investigado, não pode assumir a Casa Civil? Diga-se de passagem, que esse impedimento é também violação da Constituição a qual determina que a nomeação de ministros no âmbito do Poder Executivo é prerrogativa exclusiva da Presidência da República.

Sim, o que está em curso é um golpe. Claro que o impeachment está previsto na Constituição não podendo, pois, por si mesmo, ser caracterizado como golpe. Mas quando esse mecanismo é acionado como pretexto para derrubar um governo democraticamente eleito sem que seja preenchida a condição que a Constituição prescreve para que se acione esse mecanismo, ou seja, a ocorrência de crime de responsabilidade, então não cabe tergiversar. O nome apropriado nesse caso não é outro. É, mesmo, Golpe de Estado, pois a Constituição não estará sendo respeitada, mas violada. E até agora, nenhuma das alegações apresentadas para justificar o impeachment caracteriza crime de responsabilidade. Aliás, Dilma sequer está sendo investigada ao passo que a Comissão do impeachment tem mais da metade de seus membros em investigação e, no conjunto da Câmara, 302 deputados encontram-se na mesma situação. A farsa está, pois, escancarada: um bando de corruptos julgando e condenando uma presidenta que não cometeu crime algum.

E, como a oposição ensandecida deverá, engrossada pelo PMDB, conseguir maioria para aprovar o golpe, restará ao Supremo, cumprindo seu papel de guardião da Constituição, evitar esse desfecho. Se isso não acontecer, a farsa se transformará em tragédia. E o Estado Democrático de Direito deixará de existir no Brasil, vitimado por um Golpe de Estado jurídico-midiático-parlamentar. É, pois, de suma importância uma grande mobilização das forças democráticas, independentemente de partidos e da avaliação positiva ou negativa do governo Dilma, para evitar essa tragédia.


Dermeval Saviani é filósofo, pedagogo, professor emérito da UNICAMP e pesquisador emérito do CNPq.


Fonte: http://www.vermelho.org.br

sábado, 2 de abril de 2016

NÃO É O ORGULHO E O ÓDIO QUE NOS MOVE, É A CONVICÇÃO





É muito bom a gente estar do lado de cá, junto aos que defendem a Democracia e combatem o Golpe.

- Quanta gente inteligentíssima como neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis denunciando no mundo todo a ação golpista no Brasil.


- Quanta dignidade numa artista como Letícia Sabatella que diz a Dilma sou oposição a você mas a favor da Democracia e contra os Golpistas!

- Quanta honra estar na mesma trincheira onde Chico Buarque, Gilberto Gil e tantos outros dizem não ao Golpe!

- Quanta saciedade tenho de ser parte dessa massa de milhões de trabalhadores que lutam a 'pão e mortadela' contra os que tentam vilipendiar nossa democracia!

- Quanta alegria tenho de não esconder de ninguém o que defendo, porque nunca fiz da acadêmia o esconderijo de um covarde em silêncio.

- Quanta satisfação ver meus ex confrades, sempre amigos, sacerdotes ou não mantendo vivo os valores da luta ao lado dos excluídos - a teologia da libertação nos fez ideários, militantes e irmãos.

- Quanta energia se compartilha sendo parte desta multidão de amigos com o mesmo ideal de sempre, combatendo os que patrocinam tragédias e atentam as liberdades.

- Quanta alegria se dar conta que nossa consciência é ferramenta a serviço do presente e aperfeiçoamento do Futuro.

- Quanta esperança temos de gerações livres dessas congestões informativas para saciar consciências enlatadas servido pela grande mídia golpista deste país.

- Quanta convicção nos move em direção a vitória no breve ato que virá.

NÓS VAMOS VENCER, PORQUE OS PRÓPRIOS GOLPISTAS COMEÇAM TER VERGONHA DE SEREM OS ARQUITETOS DO QUE SE FEZ.

Professor Neuri A. Alves - Filósofo, Pesquisador, Assessor de Formação e Educação Popular

quinta-feira, 24 de março de 2016

O TEMPO PASCAL E AS PERGUNTAS QUE RESSUSCITAM





Caríssimos Cristãos! 


Sei que milhares, milhões de vocês estiveram pelas ruas nas ultimas semanas, não era missa ou culto de domingo muito menos via sacra de semana. Mas vocês falam em caminho do calvário, mas não pode percorrer o caminho do calvário aqueles que libertam Barrabás, que julgam inocentes e protegem condenados - embora o espetáculo do terror e da ignorância é o que os satisfaz. 

Então se aos cristãos de ocasião chegou o tempo da reflexão, elenquei para reflexão da palavra no dia de hoje as questões que seguem abaixo: 

1. E a lista de Furnas, foi para o forno e não volta mais???

2. Em que prisão esta o acusado de construir dois aeroportos em Minas Gerais com dinheiro público para uso particular?

3. Em que cadeia está os acusados de milhões em corrupção nas linhas do metrô em São Paulo?

4. Em que cadeia está o sociólogo que passou para iniciativa privada uma das maiores mineradoras do mundo?

5. Em que cadeia esta o Fernandinho HC que recebeu milhões de propina em consócio com a Alston para concessão exclusiva de máquinas para Hidrelétrica de Itá/SC

6. Em que cadeia está o Juiz que apreendeu bens do empresário Eike Batista e se apossou do dinheiro e usava o carro do condenado?

7. Em que prisão esta o Juiz que quebrou sem autorização o sigilo da presidente da república?

8. Em que prisão esta o 'Japonês da Federal' preso na Operação Sucuri acusado de fatura milhões em contrabando na fronteira em 2003?

9. Em que universidade estudou o Promotor xadrezinho que ressuscitou o filósofo Hegel, matou o filósofo Engels e estuprou a história?

10.

╬ ╬ ╬   EM QUE PÁSCOA RESSUSCITARÁ A VERDADE E ÉTICA?   ╬ ╬ ╬

******  Quem terminar a prova primeiro esta liberado para o feriadão. 
******

Bom passeio, ... não consuma muito alcool, ... não esculte som alto, ... não bata panela sem precisão, ... não fale besteira sem ocasião e reze/ore/implore para melhor entender: se essa sua falsa razão ainda não te envergonhou quando com as perguntas acima você se defrontou!


Neuri A. Alves - Professor, Pesquisador e Assessor de Formação e Educação Popular



quarta-feira, 23 de março de 2016

Dentro da sexta-feira santa política um vislumbre de ressurreição


''Foi refletindo sobre o significado profundo da sexta-feira santa que o jovem estudante de teologia e depois um dos maiores filósofos da história F. Hegel tirou a sua famosa chave de leitura da história e da vida humana: a dialética.''


Vivemos politicamente no país uma situação de sexta-feira da paixão: há ódio, dilaceração das relações sociais, riscos de ruptura da ordem democrática e de passagem de uma democracia do direito e das leis para uma democracia da direita e sem leis. Há sinais inequívocos de que este cenário não seja impossível.

É neste contexto que celebramos a festa maior do cristianismo, a páscoa. Ela significa em hebraico, a “passagem” do cativeiro egípcio para a liberdade da terra prometida; metaforicamente, passagem dos turbilhões de uma crise para a paz serena de um Estado democrático de direito.

Foi refletindo sobre o significado profundo da sexta-feira santa que o jovem estudante de teologia e depois um dos maiores filósofos da história F. Hegel tirou a sua famosa chave de leitura da história e da vida humana: a dialética. Ele via realizada na saga de Jesus a realização destes três passos: vida-morte-ressurreição.

A vida é a tese da positividade. A morte é a antítese da negatividade. A ressurreição é a síntese que incorpora a tese e a antítese numa síntese superior. A ressurreição é mais que a reanimação de um cadáver, como o de Lázaro, pois significaria a volta à vida anterior. A ressurreição é a introdução de algo novo, nascido das afirmações e contradições do passado. Esse “insight” sempre lembrado por ele, foi chamado de a “sexta-feira santa teórica”.

Se bem reparamos, a semana santa, para além de seu caráter religioso, representa um paradigma do processo histórico e da própria evolução. Tudo no universo, nos processos biológicos, humanos e biográficos se estrutura na forma da dialética. O primeiro momento é a tranquila serenidade e paz infinita daquele pontozinho quase infinito de onde viemos (tese). De repente, sem sabermos por quê, ele explode. Produz um incomensurável caos(antítese). A evolução do universo significa um processo de criar ordens cada vez mais altas e complexas que culminam com a emergência do espírito e da consciência (síntese).

Dentro desta síntese, transformada agora em nova tese, carrega sua antítese que desemboca numa nova síntese mais fecunda. E assim corre o devenir da história do universo, das sociedades e de cada pessoa.

Concretizando para a nossa situação atual. O Brasil entrou num processo de crise, cujas causas não cabe aqui referir. De uma situação tranquila( tese) entrou em processo de caos (antítse). Deste caos deve irromper uma nova ordem que possa dar horizonte e esperança ao país (síntese). Precisa-se definir novas estrelas-guia que nos orientem face à crise atual. A crise tem a função de acrisolar, purificar e tornar a todos mais maduros.

A questão toda se resume: quem possui a proposta político-social que supere a crise e crie uma convivência minimamente pacífica? Não será através de fórmulas já testadas e gastas que virá a superação da crise dando centralidade a políticas e a grupos de poder à custa do sacrifício da maioria da população.

Promissora é aquela que realiza para o maior número possível de pessoas um bem-estar mínimo, que lhe garanta trabalho, uma moradia modesta mas digna e lhe crie possibilidades de desenvolvimento e crescimento através da saúde e da educação sustentáveis. Em todo esse processo dialético há a experiência de vida, de morte e de transfiguração; de ordem, desordem e nova ordem; de tese, antítese e síntese. A complexidade segundo E. Morin se estrutura nesta dialética que é a da semente: ”se o grão de trigo, caindo na terra não morrer, ficará só, mas se morrer, produzirá muito fruto”, como disse o Mestre.

Hoje a natureza, a humanidade e nossa sociedade vivem sob pesada sexta-feira santa ameaçadora.

A nossa esperança é que este padecimento se ordene a uma radiante transformação. O corrupto seja punido e o que politicamente se fez errado seja corrigido. Importa definir um rumo que de certa forma já foi apontado. Se o rumo estiver certo, o caminho pode conhecer subidas e descidas mas ele nos leva ao destino certo: a uma nova ordem de convivência onde não seja tão difícil tratarmos a natureza com compaixão e nossos próximos com humanidade e com cuidado.

Leonardo Boff - Filósofo, teólogo e escritor.


segunda-feira, 21 de março de 2016

O HERÓI ANÔNIMO QUE SALVOU LULA DE MORO EM CONGONHAS.


Por Cavalcati da Gameleira

''(...)  o Coronel pode ter abortado, naquele momento, o golpe em curso contra a Liberdade e a Soberania brasileira. Foi o ato de um patriota.''

Foto: Sergio Ribeiro Miranda de Carvalho - Capitão Sergio Macaco
O cenário estava todo montado para a condução coercitiva do ex-presidente Lula. Ao melhor estilo OBAN, efetuou-se o sequestro ao final da madrugada; “Nacht Und Nebel” – Noite e Nevoeiro: esse era o dístico dos “Einsatzgruppen” das SS nazistas, quando saíam a cumprir a sua nefanda missão de eliminar adversários políticos protegidos pelo breu das horas mortas.

Cenário midiático, bem entendido; talhado sob medida para expor à execração pública o homem que resgatou a autoestima do Brasil e de seu povo. Avisadas com antecedência, equipes de profissionais dos principais meios de comunicação do país, articulados com setores golpistas enquistados no aparelho de Estado, já estavam a postos em São Bernardo do Campo. Lá se iniciaria o Auto de Fé, com o herege impenitente sendo conduzido na carroça, digo, camburão, até o aeroporto de Congonhas. Lá o aguardavam outras equipes dos orgãos de imprensa, para os quais vazaram, convenientemente, informações privilegiadas que davam conta da prisão iminente do mito.

Escolta-se a Esperança para a sala VIP do aeroporto, transmutada em dependência da Polícia Federal. Inicia-se lá o interrogatório do D. Sebastião dos pobres, do redentor da Pátria humilhada. No hangar ao lado, um jatinho esperava para conduzi-lo à República de Curitiba, onde se daria o “grand finale”: sob o espocar de fogos de artifício, disparados por incendiários notórios da República, o sentenciado vestiria o sambenito e a Nação, ofuscada pelo brilho dos “flashs”, o veria ser tragado para os porões sombrios da Guantánamo meridional. Sua imagem política, esquartejada e salgada, seria declarada infame por várias gerações; sua “raça” exterminada. Solução Final.

Mitos, porém, conservam como característica uma extraordinária capacidade de conservação; são por assim dizer indestrutíveis, pois estão enraizados no inconsciente coletivo de toda uma população. O que a República do Galeão não conseguiu fazer com Getúlio Vargas em 1954, a República de Curitiba – temporariamente sediada em Congonhas – também não lograria alcançar com Lula em 2016. Ambos encarnam as Forças Vivas da Nacionalidade; nos momentos de maior perigo para o Brasil, elas são conjuradas e se manifestam na emergência de um Herói Providencial, expressão menos de um voluntarismo individual do que de uma vontade coletiva assumida por uma personalidade singular.

A história sem dúvida tende a se repetir, nem sempre como tragédia ou farsa – como pensava Marx – mas principalmente pela revelação de Ciclos Criativos. A mesma Aeronática, que patrocinou a aventura golpista da República do Galeão, seria redimida posteriormente pela eclosão, dentro de seu núcleo institucional, de dois dos principais Heróis Providenciais do Brasil Contemporâneo, um e outro interpretes de um anseio coletivo mais profundo de fazer do Brasil uma Pátria verdadeiramente livre e soberana. Um deles foi o Capitão Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, o Sérgio Macaco. O outro seria aquele enérgico Coronel de Congonhas cujo nome ainda não veio à lume e que, segundo consta, impediu à frente de um pelotão armado que Lula fosse embarcado no jatinho para Curitiba.

Claro que se trata de duas situações de ordem de grandeza muito diferentes. Em 1968 o Capitão Sérgio recusou-se a cumprir ordens do Brigadeiro João Paulo Moreira Burnier – então Chefe de Gabinete do Ministro da Aeronáutica – no sentido de que fosse o PARASAR, uma unidade de elite da FAB , utilizada na consumação de atentados terroristas. O principal deles previa a explosão do Gasômetro do Rio na hora do “rush”, vitimando cerca de 100 mil pessoas. Sérgio Macaco viu sua carreira militar destruída e sofreu perseguições ao longo de sua vida, encerrada precocemente em 1994. Morreu como um herói ético; evitou um horror que mancharia para sempre a memória brasileira: muito teríamos de purgar até ressignificá-la.

O obscuro Coronel de Congonhas, sem nome conhecido – ainda -, não se destacou por épica intervenção que, a exemplo daquela do Capitão Sérgio, salvaria milhares de seres humanos da morte. Seu papel – a se confirmarem as versões de que dispomos – se limitou a resgatar de um sequestro jurídico-midiático um ex-presidente do qual, sequer, consta que tivesse a sua vida ameaçada. Nem por isso a atitude daquele oficial superior se reveste de menor heroicidade.

Com a sua oportuna intervenção – e a despeito de suas motivações íntimas para tal ato, que desconhecemos – o Coronel pode ter abortado, naquele momento, o golpe em curso contra a Liberdade e a Soberania brasileira. Foi o ato de um patriota.

Deu uma sobrevida fundamental a Lula e ao projeto de Nação a que se filiam todos os nacionalistas e desenvolvimentistas desse país. O combate ainda não chegou ao fim, e o exemplo daqueles dois heróis da FAB nos fala a respeito do imperativo ético de resistirmos ao golpe, sob pena de vermos o prometido País do Futuro enxovalhado aos olhos do mundo. Tal não ocorrerá; o Brasil é muito maior do que aqueles que pretendem inviabilizá-lo. Nossa Alma Coletiva vela por nós.


Cavalcanti da Gameleira, autor do texto é historiador.

UM MINUTO CONTIGO NO CONFESSIONÁRIO IRMÃO MAIOR

No ato dos movimentos sociais na ultima sexta feira em Chapecó senti a falta de meu irmão maior, ex confrade na Congregação dos Padres Combonianos Dom Odelir bispo dessa diocese. Me perdoe caso cometa injustiças e pré-juízos, mas não me preocupa o pecado dos excessos e sim das ausências.

Sei bem que São Daniel Comboni (fundador dos Combonianos) em seus ensinamentos orienta que sejamos 'pedra escondida', ajudar sem aparecer. Mas a história mostra para além das exegese doutrinária que Jesus não teve medo de tomar posição, pois era homem de convicção profunda: sabia o que fazia, porque fazia e assumiu as consequências até o fim.


Atravessamos um momento no país que precisamos ser pedras que falam como diz o evangelho quando tentam calar as vozes que denunciam e combatem as injustiças. Precisamos ser palavras firmes frente a realidades como essa onde a injustiça empurra nossa porta e como ovelhas obedientes e acuados 'bom pastores' apenas abrimos as portas para que ela possa entrar, saquear tudo o que é nosso, violentar esperanças.

O atual papa Francisco também tem assumido abertamente a defesa das classes excluídas e ameaçadas com discurso forte de combate as injustiças e atentado as democracias dentro do parlamento sanguinário norte americano, Bispos no Brasil tem assumido abertamente a defesa da democracia nesse momento. E por aqui estaria faltando o que então: profetismo???

Não espere irmão maior que sua função missionário seja transformada em mera casa de acolhida, que a sua cúria venha ser embaixada para acolher perseguidos políticos amanhã. O ressuscitado não morreu primeiro na cruz, morreu sim na negação de quem lhes dizia amar e seguir, morreu ante displicência de Pilatos, morreu ante a ignorância da turbamulta que inocentou Barrabás e culminou na humilhação final de soldados a serviço do estado - da pior forma possível.

Este irmão 'menor', pecador 'maior', curioso do mundo, filho das lutas dessa terra, semente das convicções profundas que amadurecem incessantemente na grande arvore de Dom José. Eu, ex 'pedra escondida' que rompe a terra que o esconde, que deseja ver a justiça como bem maior e não as vontades de uma elite local que come a hóstia na celebração do domingo, mas bebe o sangue dos trabalhadores e subalterno após o ide em paz dominical. 

Receba estas palavras sem o menosprezo da hierarquia, mas humildade dos que assumem a missão da coragem e do amor. Não as receba como criticas vazias com profanas constatações, pois se o evangelho não estiver a serviço da justiça e da vida ele escolheu o caminho da exclusão, da negação dos princípios, das pedras que se calam ante o silêncio dos profetas - uma igreja assim é uma igreja morta. A igreja latino americana não nasceu para morrer, mas para libertar, assumindo o lado dos pobres e perseguidos. 

A hora é de escolher o lado ou assumir por que não. Nenhuma liberdade resiste ao golpe dos que atacam, ameaçam e usurpam com a conivência dos que pode fazer o contraponto, mas se calam e se fecham. Se você lá estava 'IRMÃO MAIOR' perdoe a petulância  deste pecador irmão menor. 

Neuri A. Alves - Professor, Pesquisador e Assessor de Formação e Educação Popular