sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

COMO SEMPRE, A APARÊNCIA DOS PROBLEMAS.

''A queda da taxa de juros ainda é um sonho distante enquanto a inflação não chegar ao centro da meta.''

Prof. Elias Jabbour
Estão apostando em uma rodada de aumento da taxa básica SELIC. A funcionalidade deste instrumento no combate à inflação é tema de discussão. O que é bom, evidente. A questão, como sempre aqui no Brasil, é que insistimos em nos contentar com a aparência do fenômeno – ainda mais se essa aparência for motivo de análise por parte de algum “grande intelectual”. Não se percebe que nos atuais marcos da estratégia consagrada na década de 1990 — os dois preços básicos da economia devem combinar ou se revezar ao objetivo mater — a estabilidade monetária, não ao desenvolvimento.

A taxa de câmbio no atual patamar é ótima à recuperação de espaços da nossa indústria, reverte déficits em nossas contas correntes. Por outro lado, num país onde a indústria foi solapada, a inflação é inevitável. Nos acostumamos a importar de tudo, inclusive o preço do crescimento expandido pelo consumo foi mais desindustrialização com a taxa de câmbio chegando no final de 2010 tendo um dólar valendo em torno de R$ 1,50. Ou seja, em nenhum momento a estratégia estabilizatória foi abandonada. E sim, fortalecida e transformada em política oficial de Estado.

Com exceção do ano de 2012 onde se exacerbou outro vício brasileiro: tomar a solução dos problemas partindo de pressupostos teóricos errados, fruto da fusão entre a visão de mundo das duas principais correntes do pensamento econômico brasileiro – monetaristas e estruturalistas: (“a inflação é de demanda”; “a oferta de bens agrícolas é inelástica”; “O problema é a taxa de juros”; “o problema é o câmbio”; “o problema é a desigualdade”; “o Brasil é um atraso”; “tudo é estagnação”). Sem falar da máxima socialdemocrata que se repete como uma quintessência: “crescimento e desenvolvimento não são a mesma coisa”. No fundo quase todos creem na “estabilidade monetária” como algo essencial, uma conquista!

O que fica desta combinação entre altas taxas de juros e câmbio desvalorizado? Fenômeno quase novo. Creio que significa a junção entre maior competitividade industrial, porém com um sistema nacional de financiamento da produção no rumo de um colapso iminente. Nossas empresas continuarão a se financiar em moeda estrangeira, jogando peso considerável contra a nossa soberania. A queda da taxa de juros ainda é um sonho distante enquanto a inflação não chegar ao centro da meta. E deverá chegar tamanha a violência sobre a demanda em curso.

Ao menos um espaço fiscal no horizonte capaz de reordenar os investimentos sociais ao mesmo nível de 2014. As frestas políticas existem e observo duas, já expostas em artigo anterior: o saco cheio dos nossos amigos da ABIMAQ e as possibilidades abertas pelo Novo Banco de Desenvolvimento. Bons princípios ao acúmulo de forças. Não suficiente, se as premissas que norteiam nosso país não mudarem. Refiro-me ao debate de ideias.

Grande política não se faz com grandes ideias. Grandes ideias não surgem sem criatividade. Ambas as coisas estão completamente ausentes do debate econômico brasileiro. Debate este que nunca esteve num nível tão baixo e assustador. Parece que estamos sempre em busca de algum “grande intelectual” falar algo com sentido para daí desafogarmos nossa ânsia por alguma verdade que nos conforte. A questão da taxa de câmbio como a atual deus ex machina do debate é o maior exemplo disso, independente de se deixar de lado a taxa de juros e – independente, também – da análise compartilhada, aquela não toma o desenvolvimento como expressão da combinação virtuosa entre os aludidos dois preços básicos da economia. Lembro-me que uns anos atrás falava-se da taxa de juros e esquecia-se o câmbio. E assim caminhamos.

No alto da insignificância de um professor universitário continuarei a afirmar que a estabilidade monetária não é pressuposto para nada, que o problema não é macroeconômico e sim de institucionalidades, que mesmo com juros em patamares internacionais o crescimento dificilmente virá (fruto dessas institucionalidades criadas na década de 1990), que nosso país está condenado a ajustes fiscais e reformas da previdência cíclicas. Um dia, quando tudo for tentado, quem sabe aparecerá algum grande intelectual progressista para colocar o debate em seus devidos termos sem precisar pagar o “dinheiro de caronte”, assinando recibo das “conquistas” pós-Plano Real. Só não vale falar que os preços dos alimentos — e sua alta – é fruto da relação entre oferta e demanda e da seca que assola grandes regiões produtoras (o ano de 2015 fechou com safra recorde de grãos: 209,5 milhões de toneladas…). E o preço dos produtos da cesta básica não para de subir.

Elias Jabbour, Professor, Doutor de Economia na UERJ. Um dos grandes estudiosos sobre Economia e Mercado Chinês.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

PESQUISADORA DENUNCIA FARSA NA CRISE DA PREVIDÊNCIA SOCIAL





'' Se os movimentos sociais não estiverem bem organizados para pressionarem na defesa de seus interesses pode haver mais perdas de proteção social, como ocorreu em reformas anteriores.''


Em tese de doutorado, pesquisadora denuncia a farsa da crise da Previdência Social no Brasil forjada pelo governo com apoio da imprensa.

ENTREVISTA - DENISE GENTIL

A crise forjada da Previdência

Por Coryntho Baldez

Com argumentos insofismáveis, Denise Gentil destroça os mitos oficiais que encobrem a realidade da Previdência Social no Brasil. Em primeiro lugar, uma gigantesca farsa contábil transforma em déficit o superávit do sistema previdenciário, que atingiu a cifra de R$ 1,2 bilhões em 2006, segundo a economista.

O superávit da Seguridade Social - que abrange a Saúde, a Assistência Social e a Previdência - foi significativamente maior: R$ 72,2 bilhões. No entanto, boa parte desse excedente vem sendo desviada para cobrir outras despesas, especialmente de ordem financeira - condena a professora e pesquisadora do Instituto de Economia da UFRJ, pelo qual concluiu sua tese de doutorado "A falsa crise da Seguridade Social no Brasil: uma análise financeira do período 1990 - 2005" (leia a tese na íntegra).

Nesta entrevista ao Jornal da UFRJ, ela ainda explica por que considera insuficiente o novo cálculo para o sistema proposto pelo governo e mostra que, subjacente ao debate sobre a Previdência, se desenrola um combate entre concepções distintas de desenvolvimento econômico-social.

Jornal da UFRJ: A idéia de crise do sistema previdenciário faz parte do pensamento econômico hegemônico desde as últimas décadas do século passado. Como essa concepção se difundiu e quais as suas origens?

Denise Gentil: A idéia de falência dos sistemas previdenciários públicos e os ataques às instituições do welfare state (Estado de Bem- Estar Social) tornaram-se dominantes em meados dos anos 1970 e foram reforçadas com a crise econômica dos anos 1980. O pensamento liberal-conservador ganhou terreno no meio político e no meio acadêmico. A questão central para as sociedades ocidentais deixou de ser o desenvolvimento econômico e a distribuição da renda, proporcionados pela intervenção do Estado, para se converter no combate à inflação e na defesa da ampla soberania dos mercados e dos interesses individuais sobre os interesses coletivos. Um sistema de seguridade social que fosse universal, solidário e baseado em princípios redistributivistas conflitava com essa nova visão de mundo. O principal argumento para modificar a arquitetura dos sistemas estatais de proteção social, construídos num período de crescimento do pós-guerra, foi o dos custos crescentes dos sistemas previdenciários, os quais decorreriam, principalmente, de uma dramática trajetória demográfica de envelhecimento da população. A partir de então, um problema que é puramente de origem sócio-econômica foi reduzido a um mero problema demográfico, diante do qual não há solução possível a não ser o corte de direitos, redução do valor dos benefícios e elevação de impostos. Essas idéias foram amplamente difundidas para a periferia do capitalismo e reformas privatizantes foram implantadas em vários países da América Latina.

Jornal da UFRJ: No Brasil, a concepção de crise financeira da Previdência vem sendo propagada insistentemente há mais de 15 anos. Os dados que você levantou em suas pesquisas contradizem as estatísticas do governo. Primeiramente, explique o artifício contábil que distorce os cálculos oficiais.


Denise Gentil: Tenho defendido a idéia de que o cálculo do déficit previdenciário não está correto, porque não se baseia nos preceitos da Constituição Federal de 1988, que estabelece o arcabouço jurídico do sistema de Seguridade Social. O cálculo do resultado previdenciário leva em consideração apenas a receita de contribuição ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) que incide sobre a folha de pagamento, diminuindo dessa receita o valor dos benefícios pagos aos trabalhadores. O resultado dá em déficit. Essa, no entanto, é uma equação simplificadora da questão. Há outras fontes de receita da Previdência que não são computadas nesse cálculo, como a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) e a receita de concursos de prognósticos. Isso está expressamente garantido no artigo 195 da Constituição e acintosamente não é levado em consideração.

Jornal da UFRJ: A que números você chegou em sua pesquisa?

Denise Gentil: Fiz um levantamento da situação financeira do período 1990-2006. De acordo com o fluxo de caixa do INSS, há superávit operacional ao longo de vários anos. Em 2006, para citar o ano mais recente, esse superávit foi de R$ 1,2 bilhões.

O superávit da Seguridade Social, que abrange o conjunto da Saúde, da Assistência Social e da Previdência, é muito maior. Em 2006, o excedente de recursos do orçamento da Seguridade alcançou a cifra de R$ 72,2 bilhões.

Uma parte desses recursos, cerca de R$ 38 bilhões, foi desvinculada da Seguridade para além do limite de 20% permitido pela DRU (Desvinculação das Receitas da União).

Há um grande excedente de recursos no orçamento da Seguridade Social que é desviado para outros gastos. Esse tema é polêmico e tem sido muito debatido ultimamente. Há uma vertente, a mais veiculada na mídia, de interpretação desses dados que ignora a existência de um orçamento da Seguridade Social e trata o orçamento público como uma equação que envolve apenas receita, despesa e superávit primário. Não haveria, assim, a menor diferença se os recursos do superávit vêm do orçamento da Seguridade Social ou de outra fonte qualquer do orçamento.

Interessa apenas o resultado fiscal, isto é, o quanto foi economizado para pagar despesas financeiras com juros e amortização da dívida pública.

Por isso o debate torna-se acirrado. De um lado, estão os que advogam a redução dos gastos financeiros, via redução mais acelerada da taxa de juros, para liberar recursos para a realização do investimento público necessário ao crescimento. Do outro, estão os defensores do corte lento e milimétrico da taxa de juros e de reformas para reduzir gastos com benefícios previdenciários e assistenciais. Na verdade, o que está em debate são as diferentes visões de sociedade, de desenvolvimento econômico e de valores sociais.


LEIA TAMBÉM: Desafio de 2016: Preservar as conquistas previdenciárias


Jornal da UFRJ: Há uma confusão entre as noções de Previdência e de Seguridade Social que dificulta a compreensão dessa questão. Isso é proposital?

Denise Gentil: Há uma grande dose de desconhecimento no debate, mas há também os que propositadamente buscam a interpretação mais conveniente. A Previdência é parte integrante do sistema mais amplo de Seguridade Social.

É parte fundamental do sistema de proteção social erguido pela Constituição de 1988, um dos maiores avanços na conquista da cidadania, ao dar à população acesso a serviços públicos essenciais. Esse conjunto de políticas sociais se transformou no mais importante esforço de construção de uma sociedade menos desigual, associado à política de elevação do salário mínimo. A visão dominante do debate dos dias de hoje, entretanto, freqüentemente isola a Previdência do conjunto das políticas sociais, reduzindo-a a um problema fiscal localizado cujo suposto déficit desestabiliza o orçamento geral. Conforme argumentei antes, esse déficit não existe, contabilmente é uma farsa ou, no mínimo, um erro de interpretação dos dispositivos constitucionais.

Entretanto, ainda que tal déficit existisse, a sociedade, através do Estado, decidiu amparar as pessoas na velhice, no desemprego, na doença, na invalidez por acidente de trabalho, na maternidade, enfim, cabe ao Estado proteger aqueles que estão inviabilizados, definitiva ou temporariamente, para o trabalho e que perdem a possibilidade de obter renda. São direitos conferidos aos cidadãos de uma sociedade mais evoluída, que entendeu que o mercado excluirá a todos nessas circunstâncias.

Jornal da UFRJ: E são recursos que retornampara a economia?

Denise Gentil: É da mais alta relevância entender que a Previdência é muito mais que uma transferência de renda a necessitados. Ela é um gasto autônomo, quer dizer, é uma transferência que se converte integralmente em consumo de alimentos, de serviços, de produtos essenciais e que, portanto, retorna das mãos dos beneficiários para o mercado, dinamizando a produção, estimulando o emprego e multiplicando a renda. Os benefícios previdenciários têm um papel importantíssimo para alavancar a economia. O baixo crescimento econômico de menos de 3% do PIB (Produto Interno Bruto), do ano de 2006, seria ainda menor se não fossem as exportações e os gastos do governo, principalmente com Previdência, que isoladamente representa quase 8% do PIB.

Jornal da UFRJ: De acordo com a Constituição, quais são exatamente as fontes que devem financiar a Seguridade Social?


Denise Gentil: A seguridade é financiada por contribuições ao INSS de trabalhadores empregados, autônomos e dos empregadores; pela Cofins, que incide sobre o faturamento das empresas; pela CSLL, pela CPMF (que ficouconhecida como o imposto sobre o cheque) e pela receita de loterias. O sistema de seguridade possui uma diversificada fonte de financiamento. É exatamente por isso que se tornou um sistema financeiramente sustentável, inclusive nos momentos de baixo crescimento, porque além da massa salarial, o lucro e o faturamento são também fontes de arrecadação de receitas. Com isso, o sistema se tornou menos vulnerável ao ciclo econômico. Por outro lado, a diversificação de receitas, com a inclusão da taxação do lucro e do faturamento, permitiu maior progressividade na tributação, transferindo renda de pessoas com mais alto poder aquisitivo para as de menor.

Jornal da UFRJ: Além dessas contribuições, o governo pode lançar mão do orçamento da União para cobrir necessidades da Seguridade Social?

Denise Gentil: É exatamente isso que diz a Constituição. As contribuições sociais não são a única fonte de custeio da Seguridade. Se for necessário, os recursos também virão de dotações orçamentárias da União. Ironicamente tem ocorrido o inverso. O orçamento da Seguridade é que tem custeado o orçamento fiscal.

Jornal da UFRJ: O governo não executa o orçamento à parte para a Seguridade Social, como prevê a Constituição, incorporando-a ao orçamento geral da União. Essa é uma forma de desviar recursos da área social para pagar outras despesas?

Denise Gentil: A Constituição determina que sejam elaborados três orçamentos: o orçamento fiscal, o orçamento da Seguridade Social e o orçamento de investimentos das estatais. O que ocorre é que, na prática da execução orçamentária, o governo apresenta não três, mas um único orçamento chamandoo de "Orçamento Fiscal e da Seguridade Social", no qual consolida todas as receitas e despesas, unificando o resultado. Com isso, fica difícil perceber a transferência de receitas do orçamento da Seguridade Social para financiar gastos do orçamento fiscal. Esse é o mecanismo de geração de superávit primário no orçamento geral da União. E, por fim, para tornar o quadro ainda mais confuso, isola-se o resultado previdenciário do resto do orçamento geral para, com esse artifício contábil, mostrar que é necessário transferir cada vez mais recursos para cobrir o "rombo" da Previdência. Como a sociedade pode entender o que realmente se passa?

Jornal da UFRJ: Agora, o governo pretende mudar a metodologia imprópria de cálculo que vinha usando. Essa mudança atenderá completamente ao que prevê a Constituição, incluindo um orçamento à parte para a Seguridade Social?


Denise Gentil: Não atenderá o que diz a Constituição, porque continuará a haver um isolamento da Previdência do resto da Seguridade Social. O governo não pretende fazer um orçamento da Seguridade. Está propondo um novo cálculo para o resultado fiscal da Previdência. Mas, aceitar que é preciso mudar o cálculo da Previdência já é um grande avanço. Incluir a CPMF entre as receitas da seguridade é um reconhecimento importante, embora muito modesto. Retirar o efeito dos incentivos fiscais sobre as receitas também ajuda a deixar mais transparente o que se faz com a política previdenciária. O que me parece inadequado, entretanto, é retirar a aposentadoria rural da despesa com previdência porque pode, futuramente, resultar em perdas para o trabalhador do campo, se passar a ser tratada como assistência social, talvez como uma espécie de bolsa. Esse é um campo onde os benefícios têm menor valor e os direitos sociais ainda não estão suficientemente consolidados.

Jornal da UFRJ: Como você analisa essa mudança de postura do Governo Federal em relação ao cálculo do déficit? Por que isso aconteceu?

Denise Gentil: Acho que ainda não há uma posição consolidada do governo sobre esse assunto. Há interpretações diferentes sobre o tema do déficit da Previdência e da necessidade de reformas. Em alguns segmentos do governo fala-se apenas em choque de gestão, mas em outras áreas, a reforma da previdência é tratada como inevitável. Depois que o Fórum da Previdência for instalado, vão começar os debates, as disputas, a atuação dos lobbies e é impossível prever qual o grau de controle que o governo vai conseguir sobre seus rumos. Se os movimentos sociais não estiverem bem organizados para pressionarem na defesa de seus interesses pode haver mais perdas de proteção social, como ocorreu em reformas anteriores.

Jornal da UFRJ: A previdência pública no Brasil, com seu grau de cobertura e garantia de renda mínima para a população, tem papel importante como instrumento de redução dos desequilíbrios sociais?

Denise Gentil: Prefiro não superestimar os efeitos da Previdência sobre os desequilíbrios sociais. De certa forma, tem-se que admitir que vários estudos mostram o papel dos gastos previdenciários e assistenciais como mecanismos de redução da miséria e de atenuação das desigualdades sociais nos últimos quatro anos. Os avanços em termos de grau de cobertura e de garantia de renda mínimapara a população são significativos. Pela PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), cerca de 36,4 milhões de pessoas ou 43% da população ocupada são contribuintes do sistema previdenciário. Esse contingente cresceu de forma considerável nos últimos anos, embora muito ainda necessita ser feito para ampliar a cobertura e evita que, no futuro, a pobreza na velhice se torne um problema dos mais graves. O fato, porém, de a população ter assegurado o piso básico de um salário mínimo para os benefícios previdenciários é de fundamental importância porque, muito embora o valor do salário mínimo esteja ainda distante de proporcionar condições dignas de sobrevivência, a política social de correção do salário mínimo acima da inflação tem permitido redução da pobreza e atenuado a desigualdade da renda.

Cerca de dois milhões de idosos e deficientes físicos recebem benefícios assistenciais e 524 mil são beneficiários do programa de renda mensal vitalícia. Essas pessoas têm direito a receber um salário mínimo por mês de forma permanente.

Evidentemente que tudo isso ainda é muito pouco para superar nossa incapacidade histórica de combater as desigualdades sociais. Políticas muito mais profundas e abrangentes teriam que ser colocadas em prática, já que a pobreza deriva de uma estrutura produtiva heterogênea e socialmente fragmentada que precisa ser transformada para que a distância entre ricos e pobres efetivamente diminua. Além disso, o crescimento econômico é condição fundamental para a redução da pobreza e, nesse quesito, temos andado muito mal. Mas a realidade é que a redução das desigualdades sociais recebeu um pouco mais de prioridade nos últimos anos do que em governos anteriores e alguma evolução pode ser captada através de certos indicadores.

Jornal da UFRJ: Apesar do superávit que o governo esconde, o sistema previdenciário vem perdendo capacidade de arrecadação. Isso se deve a fatores demográficos, como dizem alguns, ou tem relação mais direta com a política econômica dos últimos anos?

Denise Gentil: A questão fundamental para dar sustentabilidade para um sistema previdenciário é o crescimento econômico, porque as variáveis mais importantes de sua equação financeira são emprego formal e salários. Para que não haja risco do sistema previdenciário ter um colapso de financiamento é preciso que o país cresça, aumente o nível de ocupação formal e eleve a renda média no mercado de trabalho para que haja mobilidade social. Portanto, a política econômica é o principal elemento que tem que entrar no debate sobre "crise" da Previdência. Não temos um problema demográfico a enfrentar, mas de política econômica inadequada para promover o crescimento ou a aceleração do crescimento.

Publicado no Jornal da UFRJ

Fonte / Reprodução: http://www.adunicentro.org.br

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

O IDEOLOGO DO AGRONEGÓCIO E O GENOCÍDIO


"Felizes sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque é grande a vossa recompensa nos céus. Pois foi deste modo que perseguiram os profetas que vieram antes de vós." (Mateus 5, 11-12).

O texto assinado por Denis Lerrer Rosenfield no Globo em 16 de novembro de 2015 ataca o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), cuja credibilidade é atestada nos seus mais de 40 anos de ação missionária em defesa dos direitos indígenas. Nossa atuação é fundamentada no Evangelho de Jesus Cristo e na premissa de que é preciso promover a vida e a dignidade, em especial daqueles que têm sido excluídos e desrespeitados. Esta opção teológica em favor dos povos indígenas contraria quem defende que tudo deve se dobrar à lógica do mercado.

Rosenfield contesta as informações divulgadas pelo Cimi sobre os assassinatos de indígenas no Mato Grosso do Sul. Esclarecemos que as informações veiculadas em nossos relatórios anuais provêm de fontes oficiais, de notícias da imprensa e dos povos indígenas com os quais atuamos. Estes dados, vistos no seu conjunto, permitem afirmar que se trata, sim, de genocídio, entendimento compartilhado pelo Ministério Público Federal (MPF), pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e pela Anistia Internacional. E, nesse sentido, em boa hora, a Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul criou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Genocídio, investigação que poderá demonstrar as precárias condições de vida a que estão submetidos os povos indígenas daquele estado.

Em Mato Grosso do Sul, 390 indígenas foram assassinados (2003 a 2014) e 707 cometeram suicídio (2000 a 2014), conforme dados do Ministério da Saúde. A situação de confinamento em terras ínfimas, a prolongada permanência em acampamentos em beira de rodovias, a falta de perspectivas e a violência e a discriminação cotidianas estão entre os fatores que levam ao incremento dos suicídios e assassinatos entre os indígenas. A questão fundiária está, portanto, na raiz desta grave realidade.

Os dados sobre violências contra os indígenas em Mato Grosso do Sul estão estampados cotidianamente nos jornais, são denunciados pelo Ministério Público Federal, por lideranças indígenas e pelos movimentos de defesa dos direitos humanos no Brasil e no exterior. A situação é tão grave que, por vezes, o governo federal intervém diretamente, a exemplo do que ocorreu em agosto de 2015, quando a Polícia Federal e o Exército foram enviados ao município de Antônio João para evitar que fazendeiros agissem cruelmente contra os Guarani e Kaiowá da terra Cerro Marangatu, onde o indígena Semião Vilhalva foi assassinado.

Outro argumento utilizado por quem defende uma ideologia desenvolvimentista é o de que o Cimi estaria a serviço de interesses internacionais. Recomendamos uma leitura atenta dos artigos 20 e 231 da Constituição federal, que conceituam as terras indígenas como sendo bens da União, destinadas ao usufruto exclusivo dos índios. A demarcação é um modo de assegurar que essas terras não estejam disponíveis à ganância exploratória internacional. Não se pode afirmar o mesmo de áreas de latifúndio voltadas à exportação ou de empreendimentos agropecuários e minerários vinculados a empresas multinacionais.

Rosenfield defende que o marco temporal da Constituição de 1988 seria uma linha divisória na demarcação das terras indígenas. No entender do Cimi, não há como compactuar com manobras jurídicas ou políticas que restrinjam direitos, e é absurda a interpretação de que a data de promulgação de nossa Lei Maior anule direitos fundamentais que a antecedem. Se isso ocorresse, se conflagraria um estado de insegurança jurídica sem precedentes.

Reiteramos nosso compromisso com os povos indígenas pela defesa da vida e de seus direitos constitucionais. Nossa inspiração missionária vem das palavras de Jesus Cristo: "Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em plenitude" (João, 10, 10).


Artigo do presidente do Cimi, Dom Roque Paloschi, originalmente publicado no jornal O Globo do dia 08/12/2015.


Fonte: http://www.cimi.org.br/

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

RETROCESSOES NA AMÉRICA LATINA

''(...) os governos progressistas se omitiram quanto à única via capaz de garantir-lhes sustentabilidade: formação e organização política de suas bases eleitorais.''

Frei Betto, Escritor, Religioso Dominicano
A vitória eleitoral de Macri, novo presidente da Argentina, é mais um passo da América Latina rumo ao neoconservadorismo. O processo de desmonte das políticas neoliberais, tão em voga nas décadas de 1980 e 1990, teve início com a eleição de Chávez na Venezuela, em 1998.

Em seguida, foram eleitos vários presidentes progressistas: Lula no Brasil, Lugo no Paraguai, Zelaya em Honduras, Funes em El Salvador, Bachelet no Chile, Morales na Bolívia e Mujica no Uruguai. Cuba e Nicarágua foram pioneiras nesse processo.

Esse avanço neutralizou a proposta da ALCA e favoreceu a criação de instituições de articulação regional e continental, como Aliança Bolivariana, Unasul, Celac, e fortaleceu o Mercosul.

No conjunto da América Latina, as condições sociais melhoraram significativamente, com a redução da miséria absoluta.

Ser de esquerda em um mundo dominado pela direita é quase como se manter virgem no bordel. A ascensão das forças progressistas na América Latina, na virada dos séculos 20 e 21, despontou como a ocasião de desmontar a tese de Robert Michels (1911), de que todo partido de esquerda que trafega nas vias da legalidade burguesa é inevitavelmente cooptado por ela.

Em dois países a direita enveredou pelo atalho do golpismo, e interrompeu a possibilidade de reformas pela via democrática: Honduras (2009) e Paraguai (2012). Nos demais, a direita tem sido beneficiada por erros dos governos progressistas.

Com exceção de Cuba e da Bolívia, todos eles acreditaram poder segurar o violino com a esquerda e tocar com a direita… O que se vê é um concerto desafinado.

Ainda que políticas sociais tenham sido implementadas com êxito e livrado milhões de pessoas da miséria, as reformas estruturais, quando feitas (infelizmente não é o caso do Brasil), não foram suficientes para criar um modelo alternativo ao neodesenvolvimentismo consumista.

A economia permaneceu com todas as suas características neocoloniais, de exportação de produtos primários, agora denominados commodities. Não se criou um mercado interno sustentável, nem se reduziu a desigualdade social, ainda que tenha havido aumento do poder aquisitivo dos pobres.

O erro principal, porém, foi não complementar a inclusão econômica com a inclusão política. Os benefícios aos mais pobres vieram como iniciativa do Estado e não como conquista do povo. Não se organizou politicamente o pobretariado. Não se conscientizou o oprimido. Não se fez da grande massa de eleitores protagonistas políticos. A exceção é a Bolívia, onde há o mais consistente governo progressista da América Latina. E o é justamente por priorizar, no arco de alianças políticas, os movimentos sociais.

A Argentina pode ser a primeira peça do dominó a tombar. Brasil e Venezuela se destacam no alvo dos neoliberais.

Em um mundo que, ameaçado pelo terrorismo, troca a liberdade pela segurança, e cujo poder financeiro (especulação) se sobrepõe ao industrial (produção), e no qual a ambição de consumo prevalece sobre o direito à cidadania, os governos progressistas se omitiram quanto à única via capaz de garantir-lhes sustentabilidade: formação e organização política de suas bases eleitorais. Muitos partidos se deixaram contaminar pela corrupção, e não cuidaram da “alfabetização política”.

Eis que o sonho ameaça virar pesadelo. A menos que a esquerda perca a vergonha de ser de esquerda.

Frei Betto - Teólogo, Escritor e Religioso Dominicano

Fonte: http://www.patrialatina.com.br

Rico é “sonegador”. Pobre é “caloteiro”, “vagabundo”, “aproveitador”

''Ricos que cometem um crime são “jovens''. Pobres que cometem crimes são “menores infratores''

Uma milícia branca armada até os dentes que toma um prédio público no Oregon e promete resistir contra a opressão do governo federal é composta de “ativistas armados''. Grupos por direitos civis que fecham vias públicas para protestar contra a violência policial contra negros por lá adotam práticas “terroristas''. A discussão sobre esse caso tomou a mídia dos Estados Unidos e Europa e há bons textos mostrando como um “dois pesos, duas medidas'' tem sido adotado para aborda-lo. Conhecemos bem essa prática:
Ricos que cometem um crime são “jovens''. Pobres que cometem crimes são “menores infratores''.
“Manifestantes'' são aqueles que fecham avenidas para lutar por algo com o qual concordamos. “Baderneiros'' são aqueles que fazem o mesmo por algo sobre o que discordamos.
Empresas que grilam terras públicas são “ocupantes irregulares''. Grupos de sem-terra que permanecem em fazendas griladas e pedem sua destinação à reforma agrária são “invasores''.
Da mesma forma, proprietários de imóveis mantidos vazios para a especulação imobiliária que devem o seu preço em IPTU atrasado são “devedores do poder público'', enquanto os sem-teto que ocupam esses imóveis pedindo sua destinação à moradia popular são “invasores''.
Árabe que se mata com bombas pelo corpo é um “fanático'' que prova a irracionalidade das culturas não-ocidentais. Um ocidental que sai matando todo mundo em protesto contra política de diversidade social é um “louco''.
Rico que deixa de pagar milhões em impostos não é “ladrão''. Ele está apenas exercendo seu protesto contra a pesada carga tributária. “Ladrão'' é pobre que rouba xampu. De um lado, “sonegador'', do outro, o “caloteiro'', o “vagabundo'', o “aproveitador'' que não pagou a mensalidade do carnê da geladeira.
A discussão de qualquer política para regulação de rádio e TV, que são concessões públicas, é “censura e ataque à democracia''. Mas quando o novo presidente da Argentina desmonta a agência pública que trata do assunto por decreto, sem passar a discussão pelo Congresso, escutamos um estrondoso silêncio.
A escolha de uma palavra para nomear um fato ou qualificar um fenômeno, parece aleatória, é consequência de uma série de processos na nossa cabeça que evocam experiências vividas, traumas, aprendizados, doutrinações, medos, bloqueios.
Da mesma forma, aquilo que não dizemos, o interditado, fala tanto sobre nós quanto os termos que escolhemos para explicar o mundo. Porque algo não dito tem tanto significado quanto aquilo que é dito pela razões acima.
É possível e desejável ficar atento e frear uma palavra que vem não sei de onde antes que seja dita ou escrita e refletir sobre ela, tentando entender o porquê de você a estar usando e se não haveria um termo melhor, que não fizesse outra pessoa sofrer ou que fosse mais justo com a realidade. Dessa forma, evitamos perpetuar discursos de opressão – que não foram produzidos por nós, mas que nos aprendemos muito bem, transmitidos pela escola, a família, a igreja, a mídia, o trabalho, e para os quais somos instrumentos muito competentes de difusão.
Isso resolve o caso de quem usa essas palavras sem pensar. O problema é que muita gente faz essas opções conscientemente.
Leonardo Sakamoto - Professor de Jornalismo na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SC), ativista no combate e erradicação do trabalho escravo.
Fonte: Blog do Sakamoto ( http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br )


A sociedade do cansaço e do abatimento social

''(...) temos uma tarefa histórica a cumprir para nós, para nossos descendentes e para a própria humanidade. Utopia? Sim.''


Ha uma discussão pelo mundo afora sobre a “sociedade do cansaço”. Seu formulador principal, é um coreano que ensina filosofia em Berlim, Byung-Chul Han, cujo livro com o mesmo título acaba de ser lançado no Brasil (Vozes 2015). O pensamento nem sempre é claro e, por vezes discutível, como quando se afirma que “cansaço fundamental” é dotado de uma capacidade especial de “inspirar e fazer surgir o espírito” (cf. Byung-Chul Han, p. 73). Independentemente das teorizações, vivemos numa sociedade do cansaço. No Brasil além do cansaço sofremos um desânimo e um abatimento atroz.

Consideremos, em primeiro lugar, a sociedade do cansaço. Efetivamente, a aceleração do processo histórico e a multiplicação de sons, de mensagens, o exagero de estímulos e comunicações, especialmente pelo marketing comercial, pelos celulares com todos os seus aplicativos, a superinformação que nos chega pelas midias sociais, nos produzem, dizem estes autores, doenças neuronais: causam depressão, dificuldade de atenção e uma síndrome de hiperatividade.

Efetivamente, chegamos ao fim do dia estressados e desvitalizados. Nem dormimos direito, desmaiamos.

Acresce ainda o ritmo do produtivismo neoliberal que se está impondo aos trabalhadores no mundo inteiro. Especialmente o estilo norteamericanmo cobra de todos o maior desempenho possível. Isso é regra geral também entre nós. Tal cobrança desequilibra emocionalmente as pessoas, gerando irritabilidade e ansiedade permanente. O número de suicídios é assustador. Resuscitou-se, como já referi nesta coluna, o dito da revolução de 68 do século passado, agora radicalizado. Então se dizia: “metrô, trabalho, cama”. Agora se diz: “metrô, trabalho, túmulo”. Quer dizer: doenças letais, perda do sentido de vida e verdadeiros infartos psiquicos.

Detenhamo-nos no Brasil. Entre nós, nos últimos meses, grassa um desalento generalizado. A campanha eleitoral turbinada com grande virulência verbal, acusações, deformações e reais mentiras e o fato de a vitória do PT não ter sido aceita, suscitou ânimos de vindita por parte das oposições. Bandeiras sagradas do PT foram traídas pela corrupção em altíssimo grau, gerando decepção profunda. Tal fato fez perder costumes civilizados. A linguagem se canibalizou. Saiu do armário o preconceito contra os nordestinos e a desqualificação da população negra. Somos cordiais também no sentido negativo dado por Sergio Buarque de Holanda: podemos agir a partir do coração cheio de raiva, de ódio e de preconceitos. Tal situação se agravou com a ameaça de impeachment da Presidenta Dilma, por razões discutíveis.

Descobrimos um fato, não uma teoria, de que entre nós, vigora uma verdadeira luta de classes. Os interesses das classes abastadas são antagônicos aos das classes empobrecidas. Aquelas, historicamente hegemônicas, temem a inclusão dos pobres e a ascensão de outros setores da sociedade que vieram ocupar o lugar, antes reservado apenas para elas. Importa reconhecer que somos um dos países mais desiguais do mundo, vale dizer, onde mais campeiam injustiças sociais, violência banalizada e assassinatos sem conta que equivalem em número à guera do Iraque. Temos ainda centenas de trabalhadores vivendo sob condição equivalente à escravidão.

Grande parte destes malfeitores se professam cristãos: cristãos martirizando outros cristãos, o que faz do cristianismo não uma fé mas apenas uma crença cultural, uma irrisão e uma verdadeira blasfêmia.

Como sair deste inferno humano? A nossa democracia é apenas de voto, não representa o povo mas os interesses dos que financiaram as campanhas, por isso é de fachada ou, no máximo, de baixíssima intensidade. De cima não se há de esperar nada pois entre nós se consolidou um capitalismo selvagem e globalmente articulado o que aborta qualquer correlação de forças entre as classes.

Vejo uma saída possível, a partir de outro lugar social, daqueles que vem debaixo, da sociedade organizada e dos movimentos sociais que possuem outro ethos e outro sonho de Brasil e de mundo. Mas eles precisam estudar, se organizar, pressionar as classes dominantes e o Estado patrimonialista, se preparar para eventualmente, propor uma alternativa de sociedade ainda não ensaiada mas que possui raízes naqueles que no passado lutaram por um outro Brasil e com projeto próprio. A partir daí formular outro pacto social via uma constituição ecológico-social, fruto de uma constituinte exclusiva, uma reforma política radical, uma reforma agrária e urbana consistentes e a implantação de um novo designde educação e de serviços de saúde. Um povo doente e ignorante nunca fundará uma nova e possível biocivilização nos trópicos.

Tal sonho pode nos tirar do cansaço e do desamparo social e nos devolver o ânimo necessário para enfrentar os entraves dos conservadores e suscitar a esperança bem fundada de que nada está totalmente perdido, mas que temos uma tarefa histórica a cumprir para nós, para nossos descendentes e para a própria humanidade. Utopia? Sim. Como dizia Oscar Wilde: “se no nosso mapa não constar a utopia, nem olhemos para ele porque nos está escondendo o principal”. Do caos presente deverá sair algo bom e esperançador, pois esta é a lição que o processo cosmogênico nos deu no passado e nos está dando no presente. Em vez da cultura do cansaço e do abatimento teremos uma cultura da esperança e da alegria.

Leonardo Boff, colunista do JB on line e escritor


quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

OBRIGADO ANO VELHO E BEM VINDO ANO NOVO



Feliz Ano Novo aos que deixam 2015 convictos da missão cumprida e sob o travesseiro da verdade essa noite descansará impávida a consciência;

Feliz Ano Novo a você que fez dos dias do ano que fica tempo de luta em defesa do meio ambiente. Por você podemos sonhar com minutos, dias, meses, anos acrescidos neste planeta;

Feliz Ano Novo a você lutou em defesa dos direitos da mulher. Por você feridas foram tratadas com dignidade, abraços amenizam a dor, a solidão e sementes da coragem foram distribuídas;

Feliz Ano Novo a você que não olhou para o adolescente como delinquente, mas como esperança e futuro de um mundo melhor. Por você foi possível mostrar que o bom cidadão se forma na dignidade, na educação de qualidade, no acesso a políticas de inclusão e não com leis punitivas;

Feliz Ano Novo a você lutou bravamente em defesa da democracia, por entender e vive-la como essência de nossa vida quando bandidos a todo custo tentaram usurpa-las de nós durante os doses meses do ano;

Feliz Ano Novo a você que deu xeque mate no preconceito e mostrou as mentes pequenas que o ser humano é muito mais do que seu aspecto físico, seu peso, sua cor de pele, condição social, profissional;

Feliz Ano Novo a você que foi capaz desligar a Globo de sua vida e percebeu que a verdade realmente existe para além das décadas de mentiras dos marinhos;

Feliz Ano Novo a você que foi capaz de queimar livros, revistas, almanaques e impressos da ‘EdiPora’ abril. Por você foi possível entender que a ‘primavera’ da autodeterminação é mais bela que o ‘outono’ do despropósito oferecido pelos civitas;

Feliz Ano Novo a você que teve a coragem de lutar contra o terceiro turno ‘eleitocriminal’ do candidato derrotado em dois turnos em 2014 e no TERCEIRO do início de 2015 até esse dia 31 final;

Feliz Ano Novo a você que foi capaz de dizer as elites minoritárias desse país que eles não tem futuro porque não sabem sonhar. Por você aprendemos a não colocar o ponto final da história, pois a luta pelos direitos é um processo continuo;

Feliz Ano Novo a você que me suportou durante esses 365 dias de 2015, opinando, divergindo, me lapidando humanamente, enriquecendo meu conhecimento com sua presença, sua inteligência, sua irreverência. Por você, eu fiz o balanço de minha vida e meu planejamento de mudanças e amadurecimento pessoal;

Feliz Ano Novo, a você meu Amigo, minha Amiga, que o ano novo que se anuncia seja tempo de crescimento pessoal, sem o ufanismo de crenças, promessas estapafúrdias mas apenas pedidos de saúde, pois com ela fará os caminhos necessários que a vida lhes apresentará;

Um grande abraço do amigo que embora ás intempéries sentirá saudade de 2015 pois a coragem de enfrentar desafios nos faz vivos e renovados;

Por tudo que aprendi, deixo também um muito obrigado Ano Velho, na certeza do acúmulo de boas lembranças, grandes histórias e conquistas neste ano que inicia!


Neuri Adilio Alves 
Professor, Pesquisador e Assessor de Formação
Grad e Esp. Filosofia PUC/PR e PUCCamp/SP 


domingo, 27 de dezembro de 2015

À beira de uma nova era: como será o século XXI?

No século XXI haverá um grande conflito no Oriente Médio e veremos o declínio do Ocidente, de acordo com o autor francês e especialista em islamismo Alexandre del Valle.

Os países ocidentais têm vindo a perder o seu estatuto na arena internacional, disse o comentador político francês e professor de Alexandre del Valle ao site de notícias francês Atlantico.

"Estamos prestes a mergulhar em um século caracterizado pelo declínio progressivo e contínuo do Ocidente, o que não significa declínio total ou desaparecimento, mas uma perda de hegemonia e influência intelectual e ideológica", disse del Valle ao Atlantico.

Segundo ele, no novo paradigma global de outras civilizações, os valores ocidentais terão uma importância cada vez menor. 

Outro ponto importante para Alexander del Valle é a entrada na época de um mundo multipolar. Isto é evidenciado pelo fortalecimento estratégico da Rússia e China, a ascensão da Índia e o retorno do Irã, Turquia e Egito à vanguarda.

Esses desenvolvimentos sugerem que a globalização não está indo tão bem, e que o mundo formado após a Guerra Fria será caracterizado pela formação de polos ideológicos e geopolíticos, buscando livrar-se da dominação do Ocidente, sobretudo o polo formado pela posição da Rússia.

"Esta Rússia [nova] se recusa a deixar os americanos desestabilizarem os regimes amigos e atacar seus interesses diretos em nome dos chamados direitos humanos, também violados por amigos do Ocidente, como as monarquias islâmicas do Golfo [Pérsico] e de comércio de escravos», frisou ele, fazendo referência às práticas abusivas em relação aos imigrantes econômicos das monarquias do Golfo. 

Quando se trata de futuros desafios para a humanidade, del Valle se foca na dependência energética:

"Os países do Golfo, em algum momento, vão se tornar um dos centros e o principal patrocinador global do islamismo radical. Portanto, há certamente uma ligação evidente entre a geopolítica da luta contra o islamismo e o trânsito de recursos energéticos», disse del Valle.

Alexandre del Valle é um autor francês com posições geralmente de extrema-direita, que tem criticado os adversários políticos dos Estados Unidos, Israel e o neoliberalismo. No entanto, ele acredita que a Rússia deveria ser incluída em uma aliança estratégica entre os EUA e a Europa Ocidental em vez de ter laços com países críticos dos Estados Unidos.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

A ÁRVORE DE NATAL NA CASA DO CRISTO

'' Todos os anos, neste dia, há, na casa de Cristo, uma árvore de Natal, para os meninos que não tiveram sua árvore na terra.''
Fiódor Dostoiévski

Como sou um romancista, parece que estou imaginando uma história. Digo parece - e sei perfeitamente que imaginei mesmo; mas tenho certeza de que isso aconteceu, não sei onde nem há quanto tempo; e aconteceu justamente na véspera de Natal, nalguma cidade imensa, num dia de frio assassino.

Havia num porão uma criança, um garotinho de seis anos de idade, ou menos ainda. Esse garotinho despertou certa manhã no porão úmido e frio. Tiritava, envolto nos seus pobres andrajos. Seu hálito formava, ao se exalar, uma espécie de vapor branco, e ele, sentado num canto em cima de um baú, por desfastio, ocupava-se em soprar esse vapor da boca, pelo prazer de vê-lo se esvolar. Mas bem que gostaria de comer alguma coisa. Diversas vezes, durante a manhã, tinha se aproximado do catre, onde num colchão de palha, chato como um pastelão, com um saco sob a cabeça à guisa de almofada, jazia a mãe enferma. Como se encontrava ela nesse lugar? Provavelmente tinha vindo de outra cidade e subitamente caíra doente. A patroa que alugava o porão tinha sido presa na antevéspera pela polícia; os locatários tinham se dispersado para se aproveitarem também da festa, e o único tapeceiro que tinha ficado cozinhava a bebedeira há dois dias: esse nem mesmo tinha esperado pela festa. No outro canto do quarto gemia uma velha octogenária, reumática, que outrora tinha sido babá e que morria agora sozinha, soltando suspiros, queixas e imprecações contra o garoto, de maneira que ele tinha medo de se aproximar da velha. No corredor ele tinha encontrado alguma coisa para beber, mas nem a menor migalha para comer, e mais de dez vezes tinha ido para junto da mãe para despertá-la. Por fim, a obscuridade lhe causou uma espécie de angústia: há muito tempo tinha caído a noite e ninguém acendia o fogo. Tendo apalpado o rosto de sua mãe, admirou-se muito: ela não se mexia mais e estava tão fria como as paredes. "Faz muito frio aqui", refletia ele, com a mão pousada inconscientemente no ombro da morta; depois, ao cabo de um instante, soprou os dedos para esquentá-los, pegou o seu gorrinho abandonado no leito e, sem fazer ruído, saiu do cômodo, tateando. Por sua vontade, teria saído mais cedo, se não tivesse medo de encontrar, no alto da escada, um cão grande que latira o dia todo, nas soleiras das casas vizinhas. Mas o cão agora não se encontrava ali, e o menino já ganhava a rua.

Senhor! que grande cidade! Nunca tinha visto nada parecido, De lá, de onde vinha, era tão negra a noite! Uma única lanterna para iluminar toda a rua. As casinhas de madeira são baixas e fechadas por trás de pequenas aberturas feiras para espiar; desde o cair da noite, não se encontra mais ninguém fora, toda gente permanece bem enfunada em casa, e só os cães,às centenas e aos milhares, uivam, latem, durante a noite. Mas, em compensação, lá era tão quente; davam-lhe de comer... ao passo que ali... Meu Deus! se ele ao menos tivesse alguma coisa para comer! E que desordem, que grande algazarra ali, que claridade, quanta gente, cavalos, carruagens... e o frio, ah! este frio! O nevoeiro gela em filamentos nas ventas dos cavalos que galopam; através da neve friável o ferro dos cascos tine contra a calçada;toda gente se apressa e se acotovela, e, meu Deus! como gostaria de comer qualquer coisa, e como de repente seus dedinhos lhe doem! Um agente de policia passa ao lado da criança e se volta, para fingir que não vê.

Eis uma rua ainda: como é larga! Esmaga-lo-ão ali, seguramente; como todo mundo grita, vai, vem e corre, e como está claro, como é claro! Que é aquilo ali? Ah! uma grande vidraça, e atrás dessa vidraça um quarto, com uma árvore que sobe até o teto; é um pinheiro, uma árvore de Natal onde há muitas luzes, muitos objetos pequenos, frutas douradas, e em torno bonecas e cavalinhos. No quarto há crianças que correm; estão bem vestidas e muito limpas, riem e brincam, comem e bebem alguma coisa. Eis ali uma menina que se pôs a dançar com um rapazinho. Que bonita menina! Ouve-se música através da vidraça. A criança olha, surpresa; logo sorri, enquanto os dedos dos seus pobres pezinhos doem e os das mãos se tornaram tão roxos, que não podem se dobrar nem mesmo se mover. De repente o menino se lembrou de que seus dedos doem muito; põe-se a chorar, corre para mais longe, e eis que, através de uma vidraça, avista ainda um quarto, e neste outra árvore, mas sobre as mesas há bolos de todas as qualidades, bolos de amêndoa, vermelhos, amarelos, e eis sentadas quatro formosas damas que distribuem bolos a todos os que se apresentem. A cada instante, a porta se abre para um senhor que entra. Na ponta dos pés, o menino se aproximou, abriu a porta e bruscamente entrou. Hu! com que gritos e gestos o repeliram! Uma senhora se aproximou logo, meteu-lhe furtivamente uma moeda na mão, abrindo-lhe ela mesma a porta da rua. Como ele teve medo! Mas a moeda rolou pelos degraus com um tilintar sonoro: ele não tinha podido fechar os dedinhos para segurá-la. O menino apertou o passo para ir mais longe - nem ele mesmo sabe aonde.

Tem vontade de chorar; mas dessa vez tem medo e corre. Corre soprando os dedos. Uma angústia o domina, por se sentir tão só e abandonado, quando, de repente: Senhor! Que poderá ser ainda? Uma multidão que se detém, que olha com curiosidade. Em uma janela, através da vidraça, há três grandes bonecos vestidos com roupas vermelhas e verdes e que parecem vivos! Um velho sentado parece tocar violino, dois outros estão em pé junto de e tocam violinos menores, e todos maneiam em cadência as delicadas cabeças, olham uns para os outros, enquanto seus lábios se mexem; falam, devem falar - de verdade - e, se não se ouve nada, é por causa da vidraça. O menino julgou, a princípio, que eram pessoas vivas, e, quando finalmente compreendeu que eram bonecos, pôs-se de súbito a rir. Nunca tinha visto bonecos assim, nem mesmo suspeitava que existissem! Certamente, desejaria chorar, mas era tão cômico, tão engraçado ver esses bonecos! De repente pareceu-lhe que alguém o puxava por trás. Um moleque grande, malvado, que estava ao lado dele, deu-lhe de repente um tapa na cabeça, derrubou o seu gorrinho e passou-lhe uma rasteira. O menino rolou pelo chão, algumas pessoas se puseram a gritar: aterrorizado, ele se levantou para fugir depressa e correu com quantas pernas tinha, sem saber para onde. Atravessou o portão de uma cocheira, penetrou num pátio e sentou-se atrás de um monte de lenha. "Aqui, pelo menos", refletiu ele, "não me acharão: está muito escuro."

Sentou-se e encolheu-se, sem poder retomar fôlego, de tanto medo, e bruscamente, pois foi muito rápido, sentiu um grande bem-estar, as mãos e os pés tinham deixado de doer, e sentia calor, muito calor, como ao pé de uma estufa. Subitamente se mexeu: um pouco mais e ia dormir! Como seria bom dormir nesse lugar! "mais um instante e irei ver outra vez os bonecos", pensou o menino, que sorriu à sua lembrança: "Podia jurar que eram vivos!"... E de repente pareceu-lhe que sua mãe lhe cantava uma canção. "Mamãe, vou dormir; ah! como é bom dormir aqui!"

- Venha comigo, vamos ver a árvore de Natal, meu menino - murmurou repentinamente uma voz cheia de doçura.

Ele ainda pensava que era a mãe, mas não, não era ela. Quem então acabava de chamá-lo? Não vê quem, mas alguém está inclinado sobre ele e o abraça no escuro, estende-lhe os braços e... logo... Que claridade! A maravilhosa árvore de Natal! E agora não é um pinheiro, nunca tinha visto árvores semelhantes! Onde se encontra então nesse momento? Tudo brilha, tudo resplandece, e em torno, por toda parte, bonecos - mas não, são meninos e meninas, só que muito luminosos! Todos o cercam, como nas brincadeiras de roda, abraçam-no em seu vôo, tomam-no, levam-no com eles, e ele mesmo voa e vê: distingue sua mãe e lhe sorrir com ar feliz.

- Mamãe! mamãe! Como é bom aqui, mamãe! - exclama a criança. De novo abraça seus companheiros, e gostaria de lhes contar bem depressa a história dos bonecos da vidraça... - Quem são vocês então, meninos? E vocês, meninas, quem são? - pergunta ele, sorrindo-lhes e mandando-lhes beijos.

- Isto... é a árvore de Natal de Cristo - respondem-lhe. - Todos os anos, neste dia, há, na casa de Cristo, uma árvore de Natal, para os meninos que não tiveram sua árvore na terra...

E soube assim que todos aqueles meninos e meninas tinham sido outrora crianças como ele, mas alguns tinham morrido, gelados nos cestos, onde tinham sido abandonados nos degraus das escadas dos palácios de Petersburgo; outros tinham morrido junto às amas, em algum dispensário finlandês; uns sobre o seio exaurido de suas mães, no tempo em que grassava, cruel, a fome de Samara; outros, ainda, sufocados pelo ar mefítico de um vagão de terceira classe. Mas todos estão ali nesse momento, todos são agora como anjos, todos juntos a Cristo, e Ele, no meio das crianças, estende as mãos para abençoá-las e às pobres mães... E as mães dessas crianças estão ali, todas, num lugar separado, e choram; cada uma reconhece seu filhinho ou filhinha que acorrem voando para elas, abraçam-nas, e com suas mãozinhas enxugam-lhes as lágrimas, recomendando-lhes que não chorem mais, que eles estão muito bem ali...

E nesse lugar, pela manhã, os porteiros descobriram o cadaverzinho de uma criança gelada junto de um monte de lenha. Procurou-se a mãe... Estava morta um pouco adiante; os dois se encontraram no céu, junto ao bom Deus.

Fonte: Contos Brilhantes de Dostoiévski 

Observação: Interessado segue arquivo aqui: (A Árvore de Natal na Casa do Cristo ) ''Notas do Subsolo e outros contos.'' 5ª Ed, Rio de Janeiro, Ediouro. 1988.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

CIÊNCIAS HUMANAS COM A NOVA BASE NACIONAL CURRICULAR

Como ficam as ciências humanas com a nova base nacional curricular?

Disciplinas de humanas são tradicionalmente aquelas em que os conflitos decorrentes de diferentes visões de mundo mais vêm à tona. A Base Nacional não foge à regra.



As ciências humanas devem fazer os alunos refletir sobre
temas como a responsabilidade coletiva sobre o mundo
A área de ciências humanas reúne no texto de referência da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) os componentes curriculares de história, geografia e ensino religioso no ensino fundamental, incluindo no ensino médio também a filosofia e a sociologia. O grande objetivo da área é levar os alunos a refletir sobre a própria existência, o valor dos direitos humanos, além da autonomia e a responsabilidade coletiva sobre o mundo a ser herdado pelas próximas gerações.

Ileizi Fiorelli Silva, professora de ciências sociais na Universidade Estadual de Londrina (UEL) e membro da equipe de especialistas que redigiu o texto de referência da Base, diz que a intenção é orientar a organização das escolas, favorecendo as metodologias ativas. “Queremos que os alunos se apropriem do conhecimento, sejam sujeitos de sua construção”, afirma. Ela reconhece que não se trata de um documento “dos sonhos”, mas sim de um modelo que se aproxima da realidade das escolas de hoje, do que já é praticado no Brasil. Em praticamente todas as disciplinas, contudo, há bastante discordância entre acadêmicos sobre as escolhas do grupo que redigiu a Base.

Para Artur Whitacker, professor de geografia da Unesp, os dissensos são naturais e eram esperados. “É um equilíbrio muito tenso com a decisão de quais conteúdos abordar e como abordar, sobretudo no que não é instrumental. Quanto mais a gente se aproxima das ciências humanas, mais pontos de tensão aparecem, porque os conhecimentos dependem de visões de mundo”. Na geografia há conceitos mais instrumentais, como saber a localização, e as partes que tratam das dinâmicas da natureza – quanto a eles, não costuma haver polêmicas. “Mas ao discutir fronteiras e cidades aparecem mais conflitos, porque implicam julgamentos de valor, visões de mundo”, explica.

Perto e longe

Uma sequência que aparece em todas as disciplinas é partir da realidade mais próxima ao aluno, para aos poucos ir se distanciando. Na geografia, os objetivos de aprendizagem das crianças mais novas estão ligados a questões da casa, da família, do bairro, da escola – coisa que elas conhecem bem. “Já no ensino médio, a capacidade de abstração está ampliada e a realidade do aluno não é mais só aquela da proximidade física. Ele pode lidar com fatos e acontecimentos que não sejam necessariamente da sua vizinhança, porque não precisa trabalhar com o empírico”, diz Whitacker.

A escolha que privilegia a proximidade fez com que o texto de história fosse criticado até pelo ex-ministro da Educação, Renato Janine, que, quando ainda no cargo, considerou que a Base estava abordando em demasia a história do Brasil e da África, deixando de lado a história do mundo de forma mais ampla. Para Palma Filho, da Unesp, mesmo na história brasileira há problemas, pois a ênfase parece estar em discutir o presente. “Há um esvaziamento da história política do país; eventos políticos não aparecem no programa. História é para saber como foi o passado; se for para falar do presente, então é sociologia”, afirmou.

Marcos Silva, professor de metodologia da história na USP, considera o texto bom, pois entende que a base não pretende indicar tudo. “Foi priorizada a história do Brasil, o que a meu ver é positivo, porque é o lugar de onde o professor fala, onde os alunos estão. É a grande referência para todos”. Segundo Silva, o Brasil deve ser visto como o ponto de partida. “Você aborda a colonização e logo vai estudar também outros países que foram colonizados, vai falar sobre a Europa e sobre o catolicismo. Para falar do catolicismo tem de abordar a história antiga hebraica, egípcia, mesopotâmica, depois a história da Grécia e do império romano. A história vai se desdobrando”, acredita.

Mas esse entendimento é polêmico. Há quem veja no documento um olhar a-histórico que privilegia “supostas essências culturais”, em detrimento de uma visão mais processual. É o que escreveram os professores Demétrio Magnoli e Elaine Senise Barbosa em artigo no caderno Ilustríssima, da Folha de S.Paulo (A abolição da história – A proposta do MEC mata a temporalidade, em 8 de nov. de 2015). Ou seja, segundo essa interpretação, ao pouco valorizar as periodizações típicas da história e os ciclos anteriores à história do Brasil ou a ela pouco diretamente conectados, o documento não só empobrece a grande diversidade de fatos, como também de sentidos. Afinal – e aqui já não são as palavras dos autores, mas a interpretação que delas se faz – essa visão mais essencialista corresponderia a privilegiar cortes mais sincrônicos do que diacrônicos, procurando estruturas sem situá-las no tempo.

Parece, mais uma vez, que as opções extremadas tomadas para corrigir uma distorção anterior acabam por agregar uma nova distorção, sem corrigir a anterior. Ou seja, para privilegiar a história brasileira, não é preciso obscurecer a universal, assim como para melhorar o contato com a prática nos cursos de pedagogia não é preciso ceifar o ensino dos fundamentos da educação.


Filosofia do cotidiano

Em filosofia, Sérgio Augusto Sardi, professor de filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e membro do Conselho Editorial da Coleção Filosofia e Ensino, elogia a opção de quase sempre abordar o cotidiano. “O texto traz os conteúdos para a realidade do aluno, não ficam restritos à erudição”, diz. Contudo, ele critica a falta de outros elementos, como a história da filosofia e as diferentes formas de pensamento filosófico, como a metafísica, a hermenêutica. “Se é por achar que um aluno de ensino médio não pode acompanhar, acho preconceituoso, porque eles são, sim, capazes”. Sardi também estranhou não haver sequer menção à palavra “crítica”, que “é uma das essências da filosofia”.

Na sociologia, as conexões com a vida cotidiana têm a meta de tornar o estudante capaz de fazer uma leitura do seu aprendizado e da sua vida. “A sociologia é aplicada, e não uma história das ideias de certos autores. O texto consagra a ideia de que o aluno consiga estranhar e desnaturalizar seu cotidiano”, diz Ileizi. Para ela, a sociologia ajuda a formar um cidadão capaz de se inserir criticamente na sociedade, para além de ter conhecimentos técnicos.

Mas será que a Base vai realmente ajudar a formar cidadãos melhores? Antônio Augusto Batista, coordenador de pesquisas do Cenpec, acredita que falta uma abordagem mais direta a questões de gênero e raça para que isso de fato aconteça. “Esses conteúdos até aparecem, mas de forma eufemizada. Quase não se menciona a palavra gênero, mal se fala em raça. Isso é um retrocesso. No governo FHC [Fernando Henrique Cardoso, 1995-2003], os parâmetros curriculares abordavam enfaticamente essas questões, e a escola conseguiu muito bem lidar com elas. No contexto atual de polarização política, só aparecer a palavra diversidade já causa polêmica”, avalia.

Resta saber se a proposta terá fôlego para que os docentes trabalhem com os estudantes também as ferramentas vitais para que eles possam vir, por si próprios, a pensar, analisar e construir visões de história, do mundo e do homem.

O desafio da interdisciplinaridade 
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Encantar, desafiar, usar recursos lúdicos e promover interações dos alunos com o mundo são algumas das propostas presentes no documento de referência para a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) na área de ciências da natureza. Os objetivos são divididos por quatro eixos estruturantes: conhecimento conceitual; contextualização histórica, social e cultural; processos e práticas de investigação; linguagens das ciências da natureza. 

Assim como os objetivos de língua portuguesa são aplicados em diferentes “campos”, nas ciências da natureza, os conhecimentos são mobilizados de acordo com seis “unidades de conhecimento”, que são materiais, ambiente, saúde, Terra, vida e sentidos. “A BNCC representa um grande avanço na direção de um ensino interdisciplinar, contextualizado e realizado a partir de uma integração conceitual nas ciências da natureza, capaz de projetar o atual cenário da pesquisa científica e tecnológica, nas diferentes instâncias educacionais, da Educação Básica à universitária”, afirma Carlos Alberto dos Santos, professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e ex-avaliador de cursos do MEC.

A área de ciências da natureza, contudo, tem a peculiaridade de ser uma disciplina única no ensino fundamental, que é subdividida em três no ensino médio – química, física e biologia. É aí que os problemas para manter a integração entre os assuntos estudados começam, avaliam alguns especialistas. 


Interdisciplinaridade

Embora o texto se proponha já na apresentação a trabalhar as ciências da natureza de forma integrada, na prática, quando o componente é dividido em três no ensino médio, não é isso que acontece. “A interdisciplinaridade está conceitualmente proposta na BNCC, mas sua implementação necessita de ajustes, sendo essa uma tarefa muito difícil por causa da arraigada defesa da formação disciplinar demonstrada por inúmeros especialistas da área”, avalia Santos.

Aparentemente, os especialistas de biologia, física e química não trataram do planejamento de uma integração conceitual, acredita o professor. “Por exemplo, energia e matéria são dois dos conceitos mais transversais nas ciências da natureza. Uma boa abordagem interdisciplinar poderia ser implementada se a estrutura conceitual de biologia, física e química fosse apropriada pelos alunos a partir desses conceitos.” 

O que se tem na Base são os conteúdos referentes a energia e matéria apresentados em física e química no 1º ano, enquanto entram em biologia apenas no 2º ano. “Nesse caso, o deslocamento da biologia dificulta o tratamento contextualizado de energia e matéria. Seria necessário que a estrutura curricular de biologia fosse alterada para colocar o tema de energia e matéria no 1º ano”, sugere Santos, que também cita conceitos repetidos em física e química, como os referentes aos modelos atômicos. 

Para a bióloga Maria de Lourdes Lazzari, professora da Universidade de Brasília (UnB), contudo, não há interdisciplinaridade de fato desde os primeiros anos do fundamental, além de faltarem outras condições para melhorar o ensino. “O letramento científico que a Base propõe é a capacidade de entender e usar o conhecimento para explicar fenômenos e tirar conclusões baseadas em evidências. Mas não basta só pensar em conteúdos, eles têm de conversar entre si e virem atrelados a outras políticas públicas, como formação inicial e continuada, infraestrutura nas escolas”, afirma. 

Maria de Lourdes cita como exemplos de boas práticas educacionais das escolas a realização de feiras de ciências e projetos de saúde, coisas que não são contempladas pela Base. Nesse caso específico, resta saber se a Base deveria contemplar também práticas que caracterizam mais o como fazer do que o que ensinar. (LA)


Por Luciana Alvarez e Rubem Barros
Fonte: http://revistaeducacao.com.br

QUALIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL

'Para psicólogo americano, qualidade da educação infantil depende da relação professor-aluno. Em entrevista exclusiva, Hirokazu Yoshikawa fala sobre realidade e tendências da etapa no mundo.'

Hirokazu Yoshikawa: ênfase na qualidade 
do processo educacional
Nas últimas décadas, pesquisas nas áreas da economia e da neurociência ajudaram a fundamentar e ampliar a oferta de políticas públicas para a primeira infância em diversos países. Tornou-se comum afirmar que o investimento em educação infantil tem alta taxa de retorno social. A busca pela ampliação do acesso, entretanto, nem sempre foi acompanhada pela qualidade dos sistemas. A consequência é que estamos perdendo a chance de produzir os efeitos desejados.

As conclusões são do psicólogo Hirokazu Yoshikawa, que desde a década de 1990 conduz pesquisas sobre políticas públicas e programas para a primeira infância em países de baixa renda. Para Hiro, como é conhecido, chegou a hora de analisar como esses investimentos são realizados. “A pesquisa que deve guiar os próximos 15 anos é como apoiar os professores para realmente produzir a qualidade que todos gostaríamos de ver.” Para o pesquisador, o que mais importa para as crianças na educação infantil é a qualidade da interação e das atividades propostas pelos professores. 

Hiro, que leciona globalização e educação na Universidade de Nova York, conduziu recentemente projetos em duas regiões do Chile e na cidade americana de Boston. Nesses locais e no estado americano de Oklahoma, tutores passaram a acompanhar os professores, que recebiam devolutivas sobre o seu trabalho. Os resultados, combinados com outras estratégias, foram positivos. 

Na entrevista a seguir, concedida durante sua passagem por São Paulo para participar do V Simpósio Internacional de Desenvolvimento da Primeira Infância, Hiro fala sobre a importância de avaliar o processo educacional, e não apenas os insumos oferecidos nessa etapa de ensino.

Quais são os efeitos da educação pré-escolar para o desenvolvimento infantil? 

Há centenas de estudos conduzidos nos últimos 60 anos que avaliam de forma rigorosa como a pré-escola afeta o crescimento e o desenvolvimento das crianças. Mostram que, no curto prazo, pode melhorar o aprendizado e o desenvolvimento social. No longo prazo, pode reduzir o crescimento da repetência no ensino médio, aumentar a renda e diminuir a criminalidade. Mas isso acontece quando a educação pré-escolar é de alta qualidade.

Como definir o que significa qualidade nessa etapa?

O conceito de qualidade tem algumas dimensões. As mais fáceis de regulamentar pelas políticas públicas são as relacionadas a padrões de saúde e segurança, tamanho das turmas e qualificação dos professores. Mas as dimensões que mais importam são a qualidade da interação na sala de aula, dos materiais, e o tempo dedicado a atividades que construam habilidades e desenvolvam áreas específicas. É um desafio muito maior. E apenas algumas pesquisas recentes apontam como melhorar essa forma de qualidade, a do processo educacional.

Podemos dizer que esse é o grande desafio no momento? 

Diria que são dois: o acesso e a qualidade. Concordaria que num país como o Brasil, onde o acesso tem crescido nos últimos anos, a qualidade, provavelmente, é mais importante. As pesquisas que conheço do Brasil mostram que, assim como em muitos países, a escola pública pré-escolar tem qualidade relativamente baixa. Isso significa que não estamos tendo todos os benefícios que as pesquisas mostram. Para isso, precisamos focar a qualidade do processo educacional na sala de aula.

Os governos estão investindo recursos na educação pré-escolar sem alcançar os resultados desejados?

Na maioria dos países a quantidade de investimento no primeiro ano da educação pré-escolar é menor do que na educação primária. Muito porque os professores não têm o mesmo nível de qualificação. É um campo marginalizado, pouco profissionalizado. Nos países de baixa renda o investimento fica abaixo do desejado. Há muitos países em que os governos não estão investindo quase nada. Mas o Brasil entra no rol dos que investem bastante. Entre esses países, diria que sistemas de larga escala de educação pré-escolar estão alcançando os resultados que nós gostaríamos de ver.

Quais países têm alcançado práticas de alta qualidade? 

Em todos os países há lugares em que uma educação pré-escolar de qualidade está sendo implementada. Isso é verdade no Brasil e em vários países da América Latina. Não tenho certeza de que um país inteiro tenha uma estrutura política que possa ser importada como modelo, em detrimento de suas preferências culturais. Temos de pensar em sistemas descentralizados, e que possam funcionar. Há abordagens para melhorar o processo da qualidade que incluem primeiro ter uma ligação entre um padrão nacional de qualidade e o currículo. Normalmente não há essa relação. Os padrões estão lá, e talvez apareçam na formação dos professores, mas, uma vez que o professor está na sala de aula, o que acontece é que ele escolhe o que fazer, sem uma sequência de atividades ao longo do ano pré-escolar. As pesquisas mostram que sequências de atividades que constroem as habilidades das crianças ao longo do tempo em áreas especificas, como linguagem, desenvolvimento socioemocional, ou ciência, ajudam o desenvolvimento infantil. Além disso, se um tutor vem e observa a sala de aula, o seu ensino, pode dar apoio e fazer comentários.

Este sistema de tutoria foi testado? Quais os principais resultados?

Testamos isso em pequena escala no Chile. Boston implementou em toda a cidade, e foram detectados efeitos muito amplos em linguagens, vocabulário, assim como em habilidades socio-emocionais e autorregulação. Em Bogotá, na Colômbia, foi testado na cidade toda, também com bons resultados. Mas esse tipo de apoio depende das habilidades do tutor.

Como é realizado esse trabalho de tutoria?

É um apoio em serviço, na sala de aula. Na maioria dos países, a supervisão e a inspeção olham apenas aspectos estruturais da qualidade, como saúde, segurança e materiais. Há algumas interações, mas não há formação para os supervisores entenderem o que são boas instruções, ou boas interações. Ou para promover esse tipo de comentário de apoio aos professores. Sabemos que os adultos aprendem ao serem observados e recebendo comentários. E muitos professores da pré-escola estão isolados em suas aulas de aula. É uma profissão solitária. O notável em nosso trabalho no Chile é que os professores se sentiram apoiados e emocionalmente conectados com o seu trabalho porque alguém os engaja em uma discussão sobre a sua prática. Reuniões entre grupos de professores também são importantes. Mas os tutores têm de ter experiência em ajudar adultos a aprender, e não apenas no aprendizado das crianças. 

No Brasil, a brincadeira é norteadora das Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil. É assim em outros países? 

A brincadeira é o modo como as crianças aprendem na pré-escola. Mas às vezes as pessoas confundem essa ideia de brincadeira com uma completa falta de estrutura. Ao olhar para as práticas de alta qualidade baseadas em brincadeiras, como em Reggio Emilia, vemos abordagens sequenciadas muito sofisticadas. Os currículos mais efetivos conferem orientação sobre como os professores podem estruturar essas atividades e apoiar a brincadeira infantil, que pode assegurar o desenvolvimento das habilidades das crianças, que haja socialização, que possam gerar hipóteses. Mas isso requer, como qualquer outra abordagem pedagógica, apoio profissional. 

A abordagem de Reggio Emilia é muito popular no Brasil. Também é referência em outros países?

Nos Estados Unidos, infelizmente, os professores da pré-escola têm baixo nível educacional e baixos salários. E o sistema de Reggio requer treinamento, qualificação e sofisticação. É popular em certas áreas do país, mas em outras, as pessoas sugerem que pode ser muito difícil prover esse modelo em um estado inteiro, ou numa grande cidade. 

É possível promover uma educação pré-escolar de qualidade em larga escala?

Venho de um país que não foi capaz de fazer isso, mas Oklahoma, por exemplo, conseguiu, assim como a cidade de Boston. Em Oklahoma isso foi construído num período de dez anos. Boston foi capaz de fazer em um período bem menor, o que é bem impressionante. A cidade escolheu um currículo em particular e contratou tutores altamente habilitados. Em cerca de três anos produziu um sistema em que os níveis de qualidade passaram de bem baixos para bem altos.

É possível universalizar a educação pré-escolar com qualidade?

Uma das lições do “Education for All” 2000-2015 [metas globais da Unesco] foi a de que, mesmo em países de baixa renda, é possível alcançar altos índices de acesso. Mas o perigo é que essas crianças não estão se desenvolvendo porque não há um investimento simultâneo na qualidade. Minha esperança é a de que, com as Metas do Desenvolvimento Sustentável [da ONU], sobre qualidade no cuidado e educação da primeira infância, poderemos colocar ênfase nessa palavra, definir o que significa e desenvolver essas medidas. De forma que, quando um supervisor vá a um programa, ele não esteja checando apenas a segurança, ou a infraestrutura. Precisamos também começar a prestar atenção à qualidade da interação dos professores com as crianças na sala de aula.

No Brasil, o problema é mais crítico no atendimento às crianças dos 0 aos 3 anos. Esse é um problema global?

Sim, a etapa do 0 a 3 é outra agenda global, e deve envolver o apoio aos pais. Em muitos países isso depende de onde as crianças estão, porque em muitos países elas estão em centros de cuidado fora de casa, e essas questões de qualidade são muito mais desafiadoras. Nos Estados Unidos temos dois, ou três estudos, mostrando que o modelo de tutoria adotado nas creches também produz aumento na qualidade desses programas, assim como a baixa qualidade pode ter resultados negativos para as crianças. Como em qualquer outra profissão, os cuidadores merecem esse apoio. E a maioria das creches não pensa nesses trabalhadores como profissionais em que é preciso investir.

Seus estudos em Boston mostraram que a educação pré-escolar de qualidade pode beneficiar tanto crianças de baixa renda, quanto da classe média?

O sistema de Boston, como o de Oklahoma, é universal e gratuito. Nossa pesquisa mostrou que todos os grupos se beneficiaram, sendo que os grupos de mais baixa renda e de minoria racial se beneficiaram mais. Crianças de origem latina, imigrantes, se beneficiaram mais também. Um sistema universal de alta qualidade pode reduzir desigualdades. É um dado importante.

O senhor está liderando um projeto sobre o impacto da redução da pobreza para crianças nos 3 primeiros anos de vida. Já há algum resultado preliminar?

Sabemos que, no cérebro em desenvolvimento, o efeito do ambiente é um dos mais poderosos nos primeiros anos de vida. Mas não testamos se a redução da pobreza aumenta o desenvolvimento infantil e o aprendizado, ou a função cerebral até os 3 anos. É um projeto amplo, apenas começamos o projeto piloto, mas será importante para termos dados para as políticas públicas de proteção social para saber o quanto a redução da pobreza pode beneficiar as crianças nessa idade. Temos essas evidências em crianças mais velhas, mas faltam dados para o período do nascimento até os 3 anos. Esse projeto é excitante, em parte, por ser interdisciplinar: envolve psicólogos, economistas e analistas de politicas públicas. É um grande projeto e ainda estamos levantando fundos. Não sabemos ainda quando estará pronto. 

Por Juliana Holanda - Revista e Educação