segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

TRÊS FORMAS DE CRITICAR

Por Gabriel Perissé em 08/03/2011 na edição 632 Observatório da imprensa

Critiquemos a educação nacional. Mas há modos e modos de fazê-lo. Um desses modos consiste em lamentar a situação, dando-a como insustentável e insolúvel. O artigo "Como vai a educação brasileira", assinado por Otaviano Helene e Lighia B. Horodynski-Matsushigue, em Le Monde Diplomatique Brasil (nº 43, de fevereiro/2011), segue essa linha, considerando deplorável o nosso sistema educacional. Os avanços, se admitidos, são vistos como insignificantes. Os professores estão desmotivados. Na verdade, a educação não vai.

Um dos pontos críticos e decisivos dessa questão são os baixos salários dos professores do ensino público. Salários indignos desmotivam os que estão lecionando e não motivam novos ingressantes. O salário de um professor de escola pública com diploma universitário equivale, em média, a dois terços do que recebem profissionais de outras áreas com o mesmo nível de escolaridade. Se um jovem economista pode começar sua carreira ganhando R$ 2.500 um professor (mesmo não tão jovem ou não tão inexperiente) poderá receber, depois de passar em disputado concurso público, salário inicial de R$ 1.600.

Constatemos esse fato, que é mesmo incontestável. A crítica, porém, não pode desconsiderar que a esse ponto se chegou ao longo de várias décadas. A gestão do MEC dos últimos oito anos denuncia o mesmo fato e, entre outras ações, criou o piso salarial nacional dos professores (Lei 11.738/08), prometendo auxiliar financeiramente estados e municípios. O fato, porém, é que muitas prefeituras e governos estaduais se recusam a cumprir a lei e, estranhamente, parecem desdenhar a ajuda federal.

A crítica faixa preta

O segundo tipo de crítica vem na forma de exaltação de soluções estrangeiras, insinuando ou insistindo que no Brasil viriam a calhar. André Petry, de NovaYork, envia à revista Vejadesta semana (edição 2207, de 9/3/2011) matéria em que o herói é um educador negro, cujo mérito (inegável) foi sobrepor-se às dificuldades e criar saídas para si e para outros. A mensagem é clara: o grande responsável pelo fracasso dos alunos (norte-americanos, de baixa renda, enfrentando situações de risco social...) são os maus professores. O leitor acabará formulando a pergunta óbvia: por que não esperar que todos os nossos professores façam por merecer matéria semelhante?

O educador Geoffret Canada é faixa preta em tae kwon do e afirma que os alunos precisam de heróis:

"Essas crianças me veem como um gigante, um Superman ou Batman. Num mundo tão frio, tão duro, as crianças precisam de heróis. Heróis dão esperança e, sem esperança, essas crianças não têm futuro. Então, eu faço o papel de herói para elas, mesmo que, para isso, tenha de recorrer a truques baratos."

Para quem conhece o "projeto educacional" da Veja (ver, por exemplo, nesteObservatório, meu artigo "Palpites dogmáticos"), fica evidente a intenção. Começo de ano letivo, observem só o que um único herói pode fazer. Mas tem mais. A revista menciona o modelo das "escolas-charter". Não é a primeira vez. Nem será a última. A julgar pelo fascínio que as "lições de Nova York" exercem sobre o grupo Abril, essa discussão vai longe.

Em suma, se tivermos docentes que lutem direito, saibam competir, sejam administrados por um novo modelo de gestão... a educação irá!

A crítica mundo cão

Um terceiro tipo de crítica, em que realismo, ironia e humor se mesclam, surge em matérias criativas como a da revista Piauí de fevereiro deste ano – "O Brasil é aqui", de Raquel Freire Zangrandi.

Uma narrativa sobre o cotidiano de uma escola da rede municipal carioca. Um documentário cinematográfico em papel. Sem papas na língua. Sem rodeios e sem frases motivacionais. Refletindo a distância infinita entre boas intenções didáticas e a realidade dos alunos e professores. Um buraco diz tudo:

"Às sete e meia da manhã, vinte minutos depois do horário marcado, começa a aula de português. No quadro-negro que hoje em dia é branco, uma aluna passa exercícios sobre classificação de predicados. O quadro tem um buraco de 30 centímetros de diâmetro bem no meio de sua superfície de fórmica. Está assim há algumas semanas, desde que um aluno o alvejou com um tubo de corretivo líquido."

Os problemas na educação crescem a olhos vistos. O rombo no quadro era "oval em agosto", um mês depois "tornou-se retangular". Em outubro, "o buraco aberto no quadro já atinge 1 metro de comprimento". O buraco simboliza o descaso. A lentidão. A inércia. A burocracia. Que prazer haverá em ensinar/aprender fatoração ou análise sintática diante desse buraco negro que está a ponto de nos engolir!?

As três formas de criticar a educação nacional partem da comprovação de circunstâncias que se repetem. Certamente nem tudo é infernal. Nem tudo é fim do mundo. Há registros de bons resultados, escolas em que a educação ainda vai.

Contudo, em diferentes pontos do país, encontramos professores desmotivados, alunos dispersos, violentos, perdidos, gestores perplexos e famílias carentes, ausentes. Um cenário vulnerável a comentários taxativos, cruéis, injustos, exagerados, como o do jornalista André Forastieri, em seu blog: "As escolas brasileiras são uma porcaria, do maternal ao doutorado".

***

Gabriel Perissé , Doutor em Educação pela USP e escritor;

Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A EFEMERIDADE DA ÉTICA É A SENSAÇÃO DE JUSTIÇA.

''A operação 'Lava Jato' deveria ser chamada de 'Mata Rato'' pois há um imenso descontrole secular de roedores devorando a estrutura do Estado, sem estar dentro dele.''


No Brasil os vultosos números da corrupção são de igual proporcionalidade ao que a imprensa suja recebe ilegalmente para estimular pânico e golpe de Estado há mais de uma década. Ou o que juízes e delegados recebem para encenar fatos, boatos, e enfeitar cenários. 

O que há de novo? - Nada, se todo processo de investigação virá espetáculo midiático de fatos contados, boatos narrados, cochichos ameaçados e privilégios à ''delatores safados''. Como diria o escritor Fernando Veríssimo 'aqui o fundo do poço é um pouco mais além'', (e não é no volume morto), mas no 'pré sal’ vivo até demais do interesse posterior. 

Aqui corrupção é um poço raso de doze anos, queria ver a busca nas profundezas do Pré Sal que começa na camada de Dom João VI no ano de 1808 até o poço escuro do Sociólogo das Privatizações e dai em diante fechar com as moedas em gotas que são contadas agora. 

Aqui o fim é sempre um recomeço: de benefícios para uns, passeio na prisão para outros, pão e circo midiático aos consumidores do oportunismo caótico e a falsa sensação de justiça e verdade aos que não já não sabem quem esta com a verdade. - Se quem investiga por aportes de benefícios mesmo em nome da justiça ou quem se coloca na condição de vitima com dedo em riste! 

Aqui desde a chegada da família real a corrupção tem viés de investimento, enquanto Saúde, Educação e Moradia despesa do Estado. ''A operação 'Lava Jato' deveria ser chamada de 'Mata Rato' pois há um imenso descontrole secular de roedores devorando a estrutura do Estado, sem estar dentro dele.'' Pois ratos tem em todo lugar de um campo arado para o plantio a um templo onde o demônio é escorraçado. 

A única diferença pode estar nos lugares onde alimentam suas pretensões, por isso uns comem milho, outros caviar, outros pão e circo e outros roem os dedos apontados para o suborno, delato, e o silêncio. Um rato em silêncio é sempre um rato acumulando benefícios. Talvez por isso tenhamos a nítida impressão que após cada tempestade midiática tudo se esfria como uma brisa ética efêmera com sensação de justiça - isso explica por que os ratos se multiplicam em quantidade, qualidade, número, vez, voz, vergonha, escândalos e silêncio! 

Neuri A. Alves 
Professor e Pesquisador.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

A INTOLERÂNCIA NO BRASIL ATUAL E NO MUNDO

''Todo esforço de supressão termina no terror dos que presumem ter a verdade e a impõem aos demais. O excesso de verdade acaba sendo pior que o erro.''

O assassinato dos chargistas franceses do Charlie Hebdo recentemente e a última eleição presidencial no Brasil trouxeram à luz um preconceito latente no mundo e na cultura brasileira: a intolerância. Restrinjo-me a esta pois a outra, a do Charlie Hebdo foi abordada num artigo anterior. A intolerância no Brasil é parte daquilo que Sergio Buarque de Holanda chama de “cordial” no sentido de ódio e preconceito, que vem do coração como a hospitalidade e simpatia. Em vez de cordial eu preferia dizer que o povo brasileiro é passional.

O que se mostrou na última campanha eleitoral foi o “cordial-passional” tanto como ódio de classe (desprezo do pobre) como o de discriminação racial (nordestino e negro). Ser pobre, negro e nordestino implicava uma pecha negativa e aí o desejo absurdo de alguns de dividir o Brasil entre o Sul “rico” e o Nordeste “pobre”. Esse ódio de classe se deriva do arquétipo da Casa Grande e da Senzala introjetada em altos setores sociais, bem expresso por uma madame rica de Salvador: “os pobres não contentes com receber a bolsa família, querem ainda ter direitos”. Isso supõe a idéia de que se um dia foram escravos, deveriam continuar a fazer tudo de graça, como se não tivesse havido a abolição da escravatura. Os homoafetivos e outros da LGBT são hostilizados até nos debates oficiais entre os candidatos, revelando uma intolerância “intolerável”.

Para entender um pouco mais profundamente a intolerância importa ir um pouco mais a fundo na questão. A realidade assim como nos é dada é contraditória em sua raiz; complexa, pois é convergência dos mais variados fatores; nela há caos originário e cosmos (ordem), há luzes e sombras, há o sim-bólico e o dia-bólicos. Em si, não são defeitos de construção, mas a condição real de implenitude de tudo que existe no universo. Isso obriga a todos a conviver com as imperfeições e as diferenças. E a sermos tolerantes com os que não pensam e agem como nós. Traduzindo numa linguagem mais direta: são pólos opostos, mas pólos de uma mesma e única realidade dinâmica. Estas polaridades não podem ser suprimidas. 'Todo esforço de supressão termina no terror dos que presumem ter a verdade e a impõem aos demais. O excesso de verdade acaba sendo pior que o erro.'

O que cada um (e a sociedade) deve sempre saber é distinguir um e outro pólo e fazer a sua opção. O indicado é optar pelo pólo de luz, do sim-bólico e do justo. Então o ser humano se revela um ser ético que se responsabiliza por seus atos e pelas consequências boas ou más que deles se derivam.

Alguém poderia pensar: mas então vale tudo? Não há mais diferença? Não se prega um vale tudo nem se borram as diferenças. Deve-se, sim, fazer distinções. O joio é joio e não trigo. O trigo é trigo, não joio. O torturador não pode ter o mesmo destino que sua vítima. O ser humano não pode igualar a ambos nem confundi-los. Deve discernir e optar pelo trigo, embora o joio continua existindo, mas sem ter a hegemonia.

Para fazer coexistir sem confundir estes dois princípios devemos alimentar em nós a tolerância. A tolerância é capacidade de manter, positivamente, a coexistência difícil e tensa dos dois pólos, sabendo que eles se opõem mas que com-põem a mesma e únca realidade dinâmica. Impõe-se optar pelo pólo luminoso e manter sob controle o sombrio.

O risco permanente é a intolerância. Ela reduz a realidade, pois assume apenas um pólo e nega o outro. Coage a todos a assumir o seu pólo e a anula o outro, como o faz de forma criminosa o Estado Islâmico e a Al Qaeda. O fundamentalismo e o dogmatismo tornam absoluta a sua verdade. Assim eles se condenam à intolerância e passam a não reconhecer e a respeitar a verdade do outro. O primeiro que fazem é suprimir a liberdade de opinião, o pluralismo e impôr o pensamento único. Os atentados como o de Paris têm por base esta intolerância.

É imperioso evitar a tolerância passiva, aquela atitude de quem aceita a existência com o outro não porque o deseje e veja algum valor nisso, mas porque não o consegue evitar.

Há que se incentivar a tolerância ativa que consiste na coexistência, na atitude de quem positivamente convive com o outro porque tem respeito por ele e consegue ver os valores da diferença e assim pode se enriquecer.

A tolerância é antes de mais nada uma exigência ética. Ela representa o direito que cada pessoa possui de ser aquilo que é e de continuar a sê-lo. Esse direito foi expresso universalmente na regra de ouro “Não faças ao outro o que não queres que te façam a ti”. Ou formulado positivamente:”Faça ao outro o que queres que te façam a ti”. Esse preceito é óbvio.

O núcleo de verdade contido na tolerância, no fundo, se resume nisso: cada pessoa tem direito de viver e de conviver no planeta Terra. Ela goza do direito de estar aqui com sua diferença específica em termos de visões de mundo, de crenças e de ideologias. Essa é a grande limitação das sociedades européias: a dificuldade de aceitar o outro, seja árabe, muçulmano ou turco e na sociedade brasileira, do afro-descendente, do nordestino e do indígena. As sociedades devem se organizar de tal maneira que todos possam, por direito, se sentir incluídos. Daí nasce a paz, que segundo a Carta da Terra, é ”a plenitude criada por relações corretas consigo mesmo, com outras pessoas, com outras culturas, com outras vidas, com a Terra e com o Todo maior da qual somos parte”(n.16 f).

A natureza nos oferece a melhor lição: por mais diversos que sejam os seres, todos convivem, se interconectam e formam a complexidade do real e a esplêndida diversidade da vida.

Leonardo Boff é colunista do JBonline, teólogo e filósofo

Fonte: https://leonardoboff.wordpress.com

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

PARA SE ENTENDER O TERRORISMO CONTRA O CHARLIE HEBBO DE PARIS

''O significado principal do terrorismo não é ocupar territórios, como o fizeram os ocidentais no Afeganistão e no Iraque, mas ocupar as mentes. Essa é sua vitória sinistra.''

Uma coisa é se indignar, com toda razão, contra o ato terrorista que dizimou os melhores chargistas franceses. Trata-se de ato abominável e criminoso, impossível de ser apoiado por quem quer que seja.

Outra coisa é procurar analiticamente entender porque tais eventos terroristas acontecem. Eles não caem do céu azul. Atrás deles há um céu escuro, feito de histórias trágicas, matanças massivas, humilhações e discriminações, quando não, de verdadeiras guerras preventivas que sacrificaram vidas de milhares e milhares de pessoas.

Nisso os USA e em geral o Ocidente são os primeiros. Na França vivem cerca de cinco milhões de muçulmanos, a maioria nas periferias em condições precárias. São altamente discriminados a ponto de surgir uma verdadeira islamofobia.

Logo após o atentado aos escritórios do Charlie Hebdo, uma mesquita foi atacada com tiros, um restaurante muçulmano foi incendiado e uma casa de oração islâmica foi atingida também por tiros.

Que significa isso? O mesmo espírito que provocou a tragédia contra os chargistas, está igualmente presente nesses franceses que cometeram atos violentos às instituições islâmicas. Se Hannah Arendt estivesse viva, ela que acompanhou todo o julgamento do criminoso nazista Eichmann, faria semelhante comentário, denunciando este espírito vingativo.

Trata-se de superar o espírito de vingança e de renunciar à estratégia de enfrentar a violência com mais violência. Ela cria uma espiral de violência interminável, fazendo vítimas sem conta, a maioria delas inocentes.

Paradigmático foi o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001 contra os Estados Unidos. A reação do Presidente Bush foi declarar a “guerra infinita” contra o terror; instituir o “ato patriótico” que viola direitos fundamentais ao permitir prender, sequestrar e submeter a afogamentos a suspeitos; criar 17 agências de segurança em todo o país e começar a espionar todo mundo no mundo inteiro, além de submeter terroristas e suspeitos em Guantánamo a condições desumanas e a torturas.

O que os USA e aliados ocidentais fizeram no Iraque foi uma guerra preventiva com uma mortandade de civis incontável. Se no Iraque houvesse somente ampla plantação de frutas e cítricos, nada disso ocorreria. Mas lá há muitas reservas de petróleo, sangue do sistema mundial de produção.

Tal violência barbárica, porque destruiu os monumentos de uma das mais antigas civilizações da humanidade, deixou um rastro de raiva, de ódio e de vontade de vingança.

A partir deste transfundo, se entende que o atentado abominável em Paris é resultado desta violência primeira e não causa originária. O efeito deste atentado é instalar o medo em toda a França e em geral na Europa. Esse efeito é visado pelo terrorismo: ocupar as mentes das pessoas e mantê-las reféns do medo.

O significado principal do terrorismo não é ocupar territórios, como o fizeram os ocidentais no Afeganistão e no Iraque, mas ocupar as mentes. Essa é sua vitória sinistra.

A profecia do autor intelectual dos atentados de 11 de setembro, o então ainda não assassinado Osama Bin Laden, feita no dia  8 de outubro de 2001, infelizmente, se realizou: “Os EUA nunca mais terão segurança, nunca mais terão paz”.

Ocupar as mentes das pessoas, mantê-las desestabilizadas emocionalmente, obrigá-las a desconfiar de qualquer gesto ou de pessoas estranhas, eis o que o terrorismo almeja e nisso reside sua essência. Para alcançar seu objetivo de dominação das mentes, o terrorismo persegue a seguinte estratégia:

(1) os atos têm de ser  espetaculares, caso contrário, não causam comoção generalizada;

(2) os atos, apesar de odiados, devem provocar admiração pela sagacidade empregada;

(3) os atos devem sugerir que foram minuciosamente preparados;

(4) os atos devem ser imprevistos para darem a impressão de serem incontroláveis;

(5) os atos devem ficar no anonimato dos autores (usar máscaras) porque quanto mais suspeitos, maior o medo;

(6) os atos devem provocar permanente medo;

(7) os atos devem distorcer a percepção da realidade: qualquer coisa diferente pode configurar o terror. Basta ver alguns rolezinhos entrando nos shoppings e já se projeta a imagem de um assaltante potencial.

Formalizemos um conceito do terrorismo: é toda  violência espetacular, praticada com o propósito de ocupar as mentes com  medo e pavor.         

O importante não é a violência em si,  mas seu caráter espetacular, capaz de dominar as mentes de todos. Um dos efeitos mais lamentáveis do terrorismo foi ter suscitado o Estado terrorista que são hoje os EUA. Noam Chomsky cita um funcionário dos órgãos de segurança norte-americano que confessou: “Os USA são um Estado terrorista e nos orgulhamos disso”.

Oxalá não predomine no mundo, especialmente, no Ocidente este espírito. Aí sim, iremos ao encontro do pior. 

Por Leonardo Boff, colunista do JBonline e escreveu: Fundamentalismo, terrorismo, religião e paz,  Vozes, Petrópolis 2009.

Fonte: https://leonardoboff.wordpress.com

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

2014: O FIM DAS ILUSÕES DESENVOLVIMENTISTAS

''O capitalismo é isso: uma espécie de fatalidade, um destino imposto de uma maneira coercitiva sobre a vida dos indivíduos. O que acaba desaparecendo é a liberdade.''

O ano de 2014 deixa marcas indeléveis na história do Brasil. 50 anos do Golpe Militar, Copa do Mundo e um dos processos eleitorais mais acirrados dos últimos anos. Já quase no apagar das luzes do ano, a explosão de escândalos em uma das empresas símbolo do país, com revelações diuturnas de uma histórica promiscuidade público-privada.

Nosso entrevistado especial nesse final de ano é o filósofo franco-brasileiro Michel Löwy, que esteve no Brasil para lançar mais um livro e fez um giro por diversas instâncias do debate político.

“Não vejo nenhuma razão pra dizer que tudo vai bem. Por outro lado, temos o otimismo da vontade. Precisamos lutar. Antes que seja tarde. Na França, temos uma situação de crise. O governo social-liberal é um fracasso total. Não tomou praticamente nenhuma medida de esquerda, salvo aquela a favor do casamento gay. E o problema é que a raiva das pessoas é capitalizada pela extrema-direita, fascista, homofóbica, xenofóbica etc. Isso é muito preocupante. No Brasil, existe essa postura, mas é limitada. Aqui, nas manifestações de extrema-direita, vão 2.500 pessoas. Na França, contra o casamento gay, saíram um milhão de pessoas. Tem diferença”, afirmou.

Com um olhar mais distanciado da rotina nacional, e a partir de visão global do quadro das lutas políticas e sociais, o filósofo expressa otimismo quanto ao processo brasileiro e latino-americano. Segundo ele, nosso continente continua sendo a principal referência de reorganização da luta e do imaginário da esquerda. “Obviamente, não há nada a esperar da socialdemocracia europeia. O social-liberalismo latino-americano é bem mais avançado socialmente do que o seu equivalente europeu, que é completamente alinhado com as receitas neoliberais. Por enquanto, temos apenas duas experiências boas na Europa (Syriza e Podemos). Mas a extrema-direita é que está de vento em popa (...) Na América Latina, na maior parte dos países, as comunidades indígenas são atores fundamentais das lutas sociais, da resistência contra o neoliberalismo, da defesa do meio ambiente”.

Em sua conversa com o Correio, Lowy perpassou também por seus estudos mais recentes, associados ao ideário marxista, e aqui não sobra espaço para ingenuidade: o filósofo é inclemente com o capitalismo, “uma espécie de fatalidade, um destino imposto de uma maneira coercitiva sobre a vida dos indivíduos. O que acaba desaparecendo é a liberdade. Como dizia Weber, ‘o capitalismo é uma escravidão sem mestre’. Porque é impessoal, os indivíduos são os escravos do sistema. E o que temos hoje em dia é um mundo em crise. Os indivíduos são jogados de um lado para outro pelo sistema”.

Mas assim como, para Marx, a luta de classes era a esperança de escape da “jaula de aço” capitalista teorizada por Weber, o ecossocialismo ocupa posição de destaque nos estudos de Lowy, como a porta de saída da opressão capitalista. Uma causa poderosa do século 21, capaz de fagulha similar à que vimos em junho de 2013, quando o Movimento pelo Passe Livre acendeu o pavio de manifestações históricas.

“O importante, pra nós, ecossocialistas, é fazer o trabalho de conscientizar as pessoas, ajudando-as a entender que há uma relação direta entre destruição da Mata Atlântica, o desmatamento da Amazônia e a crise da água. Isso vai acontecer no Brasil, nos países da América Latina, na Europa, no mundo inteiro. Porém, é uma corrida contra o tempo”.

A entrevista completa com o filósofo Michel Löwy pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Você veio ao Brasil nesse ano lançar o livro ‘A Jaula de Aço: Max Weber e o marxismo weberiano’, o qual analisa possíveis analogias entre Marx e Weber. O que poderia falar da temática do livro e de sua importância para a compreensão do atual mundo em que vivemos?

Michel Löwy: O que faço no livro é uma comparação do diagnóstico que Weber e Marx têm sobre o capitalismo, e o que eles têm em comum. Inclusive, Weber reconhece que uma parte do que disse sobre o capitalismo já está em Marx. E há aspectos que são específicos em Weber. Depois, trato de dizer qual é a grande diferença entre eles, mas, num primeiro momento, procuro comparar.

Uma coisa interessante em Weber é que ele tem uma atitude ambivalente. Ele considera o capitalismo o sistema mais racional, mais unificado, mais moderno, muito melhor do que os outros. Por um lado, ele quer que a Alemanha se torne uma potência imperial industrial capitalista etc., mas, por outro lado, enquanto homem de cultura e intelectual, desconfia do capitalismo. Ele tem uma espécie de contradição. Que não é só dele, mas também de outros personagens dessa época.

Mas o que me interessa, naturalmente, é a crítica. É o que procuro colocar no livro. Em particular, me interessa a imagem e a alegoria que ele usa, de que o capitalismo funciona como uma ‘jaula de aço’. A ideia é o capitalismo como um sistema total, que determina a vida dos indivíduos através de um sistema de forças impessoais que ninguém controla. Isso faz alguns irem à falência, outros prosperarem, uns perdem o emprego, outros vão pra miséria, perdem sua casa... É o que estamos vendo hoje, e ninguém controla.

O capitalismo é isso: uma espécie de fatalidade, um destino imposto de uma maneira coercitiva sobre a vida dos indivíduos. O que acaba desaparecendo é a liberdade. Ele tem uma passagem interessante, num artigo de 1906, em que diz ser “ridículo acreditar que há alguma afinidade entre o capitalismo, por um lado, e a democracia ou a liberdade, por outro”. Pelo contrário, a pergunta é, se sob a dominação do capitalismo, vai sobrar alguma coisa de democracia. Um ponto de vista curioso.

Acho interessante tal alegoria. E não é a respeito da burocracia. Porque, nos Estados Unidos, há uma leitura de Weber segundo a qual ele fala da jaula de aço da burocracia, coisa que realmente aparece em alguns textos seus. Mas, em seus textos mais importantes, é do capitalismo que ele fala. Ele tem uma outra expressão: “o capitalismo é uma escravidão sem mestre”. Porque é impessoal, os indivíduos são os escravos do sistema.

Portanto, é uma crítica bastante aguda e tremendamente atual. O que temos hoje em dia é um mundo em crise. Os indivíduos são jogados de um lado para outro pelo sistema, que de um dia para outro faz com que milhões percam os seus empregos e outros milhões sejam expulsos de suas casas. Enfim, é uma loteria que funciona com as regras do capital, da acumulação de capital, da competição, da oferta e da procura. É isso, um sistema total, diz Weber. Podemos dizer totalitário, de certa maneira.

Acho interessante esse pensamento. É uma crítica do capitalismo que em alguns aspectos é próxima de Marx, mas é diferente. Marx insiste em outros temas. Penso que os diagnósticos deles sobre o capitalismo são próximos e, se não idênticos, compatíveis. O que é incompatível entre os dois, e consta no livro, é que o Weber era um fatalista resignado.

Nietsche dizia que o herói da época moderna é aquele que aceita o seu destino. Eis o heroísmo moderno. E o Weber tem um pouco disso, de o capitalismo ser uma fatalidade, no duplo sentido, de algo do qual não se pode escapar e, ao mesmo tempo, algo ruim. Portanto, não há escapatória da jaula de ferro. Estamos encerrados.

Para Marx, não. Marx acha que existe um martelo, que é a luta de classe, com o qual se podem quebrar as barras da jaula de aço capitalista. É a revolução. É aí que eles se separam.

Correio da Cidadania: Nesse contexto, e de modo geral, o que é o marxismo hoje no mundo e qual apropriação possível que dele podem fazer movimentos e ou partidos que buscam um novo modelo de sociedade?

Michel Löwy: Penso que o marxismo é o instrumento e a ferramenta indispensável, não só para entender o mundo, mas transformá-lo. Sem o marxismo, não entendemos o que está acontecendo e tampouco temos elementos de estratégia de luta, e organização, para transformar. Práxis e teoria, as duas coisas, estão ligadas ao marxismo. Ao mesmo tempo, o marxismo não pode ser a repetição simples daquilo que disse Marx ou Lênin ou Trotsky ou Rosa Luxemburgo... Enfim, isso tudo é fundamental, essencial, mas não suficiente, porque o mundo se transformou. Problemas novos apareceram.

Aqui na América Latina, por exemplo, na maior parte dos países, as comunidades indígenas são atores fundamentais das lutas sociais, da resistência contra o neoliberalismo, da defesa do meio ambiente. Isso não está previsto em nenhum dos clássicos do marxismo. Na época, eles pensavam nos operários... Mas índios como atores de uma luta revolucionária não está previsto. Teologia da libertação também não está prevista.

Assim, o marxismo precisa se desenvolver e estar disposto a aprender com os movimentos sociais, com as lutas e fenômenos novos. Pra mim, a novidade ruim, mas importante, e que o marxismo precisa integrar, é a questão ambiental. Porque o capitalismo está levando a humanidade não para o brejo, pois seria simpático, mas para um abismo. Um abismo que se chama aquecimento global, mudança climática, com consequências inimagináveis, sem precedentes nos últimos milhões de anos. Isso resulta, inevitavelmente, da lógica do capitalismo de expansão ilimitada, produtivismo, consumismo e, portanto, destruição e desequilíbrio ecológico.

Portanto, eu acho que o marxismo do século 21 tem de ser um marxismo ecológico.

Correio da Cidadania: Aqui entram seus estudos sobre ecossocialismo.

Michel Löwy: Sim. Mas partindo do marxismo. Partindo da crítica da economia política, do projeto socialista. Tudo isso é fundamental. Mas tem que ser radicalizado, aprofundado e enriquecido com questões novas, em particular, a questão ambiental.

Correio da Cidadania: Antes de aprofundar um pouco essas novas ideias, vemos que seu livro também trabalha com a noção de que o capitalismo teria conseguido, mais do que em qualquer época, introjetar a ideia de aceitação de um destino inexorável às pessoas, como também sugere a citação de Nietsche. Isso porque as próprias relações humanas e sociais seriam menos autênticas, mais automatizadas. É possível concluir que hoje em dia está ainda mais difícil dialogar e mobilizar pessoas, especialmente a partir de vieses marxistas?

Michel Löwy: Eu não diria isso. Cada época tem suas formas de luta, conscientização, resistência cultural e política. As de hoje não são as mesmas do começo do século. Mas eu não diria que no mundo de hoje tudo é conformismo e aceitação. Eles existem em grande escala, evidentemente, mas existe também a resistência. As resistências estão presentes em formas diversas.

Eu mencionei as lutas indígenas, mas não é só. Acho que a América Latina é um bom exemplo do tipo de resistência que está se desenvolvendo. Temos assistido nos últimos anos a uma quantidade extraordinária de lutas, de semi-insurreições na Bolívia, Argentina, Venezuela etc., de mudanças de governo. A esquerda chegou ao governo na maioria dos países da América Latina, esquerdas de diversos tipos, umas mais diluídas, outras mais consistentes.

Enfim, há uma vontade de mudança. E quando menos se espera, estoura uma contestação que pode ser confusa, mas tem elementos radicais, como aconteceu em junho do ano passado, quando o Movimento Passe Livre (MPL) dava o tom dos acontecimentos. Eu não sou nem otimista, nem pessimista. Creio que devemos seguir como o Gramsci dizia, ou seja, “pessimismo da razão e otimismo da vontade”. Fazer a análise de que a situação é grave, de que o poder do capitalismo é enorme, dos perigos e catástrofes que estão se aproximando rapidamente e também são dramáticos.

Não há nada, nenhuma razão, pra dizer que tudo vai bem. Por outro lado, temos o otimismo da vontade. Precisamos lutar. Existe uma possibilidade de luta. Existem movimentos de luta, existem algumas vitórias da esquerda. Portanto, temos de participar dessa tentativa de resistir. Antes que seja tarde demais.

Correio da Cidadania: Nesse sentido, o que é, pra você, a esquerda hoje, no Brasil e na América Latina?

Michel Löwy: Esquerda, em princípio, são partidos e movimentos que se identificam com os interesses das classes subalternas. É o sentido geral. Mas essa esquerda é um leque muito vasto aqui na América Latina, que vai da centro-esquerda – que também pode ser designada como social-liberalismo – até uma esquerda mais radical, anti-neoliberal, anti-oligárquica, anti-imperialista.

Por exemplo, peguemos o caso dos governos de esquerda. Eu acho que a vitória de tais governos foi um avanço, mas muito desigual. Em vários países, como Brasil, Chile, Uruguai, Paraguai (que não durou muito), tivemos experiências de tipo social-liberal. O que é o social-liberalismo? É um governo de esquerda com compromisso de centro-esquerda, que aceita o quadro do capitalismo neoliberal, mas procura introduzir algumas medidas sociais.

O espírito do social-liberalismo – e acho que os governos do PT no Brasil o representam muito bem – é o seguinte: “vamos fazer tudo o que pudermos pelos pobres com a condição de não mexer nos privilégios dos ricos”. E a fórmula matemática do social-liberalismo é, por exemplo, o orçamento da agricultura no Brasil: 90% para o agronegócio e 10% para a agricultura familiar. Claro, esses 10% fazem uma diferença. É uma ajuda importante, mas há uma desproporção enorme.

Essa é a fórmula do social-liberalismo, com variantes. O Uruguai tem o Mujica, um cara simpático. Cada país tem uma forma diferente, mas o funcionamento fundamental é esse. Depois, temos os outros modelos, chamados bolivarianos. Venezuela, Bolívia e Equador tentaram romper com o neoliberalismo. Houve enfrentamento duro com a oligarquia, que tentou armar golpe militar, mas não conseguiu, nos três países. E houve enfrentamento com o imperialismo norte-americano.

Configura-se nesses países, portanto, outro tipo de política. Houve mobilização social, medidas relativamente avançadas etc. Mas nada rompeu com o capitalismo. Não dá pra falar em socialismo. Mas pelo menos tais governos colocam como horizonte histórico de sua atividade o socialismo do século 21. É importante. Mesmo que esteja muito longe, o fato de se ter tal objetivo é um fato político importante na formação dos militantes, na maneira de orientar sua estratégia.

No Brasil e nos outros países, isso não está colocado, de jeito nenhum. Os governos do Lula e da Dilma jamais disseram que vivemos uma etapa em direção ao socialismo. Isso eles diziam nos anos 90. Desde 2002, o assunto saiu da pauta. O mesmo critério vale para os partidos, os movimentos, os sindicatos... Existe toda uma diversidade.

Esse é o panorama da esquerda que enxergo nessa parte do mundo.

Correio da Cidadania: Pensando agora no Brasil, como você, que fica muito tempo fora do país, o enxerga? E como viu a vitória de Dilma neste pleito, com a margem de votos mais estreita dos últimos tempos, e o que espera desse quarto mandato petista no Planalto, ao olhar para a nova configuração do Congresso e para a atual conjuntura econômica nacional e internacional?

Michel Löwy: Eu não escondo as minhas opiniões. No primeiro turno, apoiei a campanha da Luciana Genro, penso que ela fez uma ótima campanha e teve um resultado importante. Apoiei-a também por achar que a Dilma não iria promover as mudanças necessárias no Brasil.

No segundo turno, resolvi apoiar a Dilma, criticamente. Porque achava que a Dilma tinha feito demasiadas concessões ao capital, aos bancos e ao agronegócio, mas o Aécio não ia fazer concessões, porque ele é representante direto do capital, dos bancos e do agronegócio. É diferente.

Mas não tenho grandes expectativas. Eu me lembro que, antes das eleições, discuti com amigos próximos do PT que diziam: “você vai ver, a Dilma fez uma campanha de esquerda, ela vai ter que tomar medidas radicais”. Eu não acredito. E as primeiras medidas do governo pós-eleições provam essa descrença: são dirigidas ao mercado, especialmente ao mercado financeiro. Ficou muito claro.

Houve, ao mesmo tempo, uma ofensiva conservadora da direita tradicional, bastante radicalizada, em torno do Aécio, e uma extrema-direita de corte fascista, ou fascistizante, que se manifestou no novo Congresso eleito, com figuras como Jair Bolsonaro e outros partidários da ditadura militar. Bastante preocupante. Além de outras figurinhas que foram eleitas, gerando um deslocamento brasileiro.

Ainda assim, eu insisto que, no Brasil, e na América Latina em geral, o panorama é bem mais alentador do que na Europa.

Na França, temos uma situação de crise. O governo social-liberal é um fracasso total. Não tomou praticamente nenhuma medida de esquerda, salvo aquela a favor do casamento gay. E o problema é que a raiva das pessoas é capitalizada pela extrema-direita, fascista, homofóbica, xenofóbica etc. Isso é muito preocupante. No Brasil, existe essa postura, mas é limitado. Aqui, nas manifestações de extrema-direita, vão 2.500 pessoas na Avenida Paulista. Na França, contra o casamento gay, saíram um milhão de pessoas. Tem diferença.

Correio da Cidadania: Dentro de tal contexto, o que é a esquerda na Europa hoje? Partidos como o Podemos espanhol e o Syriza na Grécia podem ser tidos como tais?

Michel Löwy: Obviamente, não há nada a esperar da socialdemocracia europeia. O social-liberalismo latino-americano é bem mais avançado socialmente do que o seu equivalente europeu, que é completamente alinhado com as receitas neoliberais. Vemos na França: a única coisa que se sabe fazer é desviar dinheiro dos impostos, fazer com que os ricos paguem menos impostos e o povo pague a conta. Toda a política funciona em torno disso, de modo que desse mato não sai mais cachorro.

O que existe, então, é a esquerda radical, anti-neoliberal, que na maioria dos países da Europa tem dificuldade de se posicionar como alternativa e capitalizar o descontentamento. A extrema-direita está com um grande avanço na maior parte dos países da Europa. Uma das exceções mais interessantes é a Grécia, onde a extrema-direita é forte, mas não passa de 10%, e a esquerda radical, organizada na coalizão do Syriza, anda por volta de 30%. É uma esperança.

Não sou muito otimista a médio prazo, porque, mesmo que o Syriza ganhe as eleições, dificilmente terá a maioria no parlamento da Grécia. Porque precisaria de aliados e não tem. O Partido Comunista na Grécia, infelizmente, é ultra-stalinista, ultra -sectário, pensa que o Syriza é o inimigo principal. Já vimos uma cisão de direita no Syriza, chamada Esquerda Democrática, que vem do Partido Social Democrático. Mas está muito enfraquecida, pelo jeito nem vai entrar no congresso. Enfim, o Syriza não tem aliados e não sei como poderá ter a maioria no parlamento. Vai ser complicado.

E tem essa novidade espetacular que é o Podemos, muito interessante, a expressão política do movimento dos Indignados, que não encontrava o canal político para se exprimir porque a esquerda tradicional, a Esquerda Unida, o Partido Comunista Espanhol, não se deram conta da importância desse movimento, ficaram de fora. E eles conseguiram criar o Podemos, que tem uma ascensão espetacular. Tem seus problemas, mas é um fenômeno bem promissor.

Correio da Cidadania: Seria o Podemos uma promessa de casamento, pontes, entre esses grandes movimentos, como Occupy, Indignados, e aquilo que se chama de esquerda na Europa?

Michel Löwy: Não sei se dá pra dizer que isso vai se generalizar. Por enquanto, temos essas duas experiências, que são muito boas. O Syriza é uma coalizão mais tradicional de forças de esquerda, de matriz comunista, no sentido amplo. O Podemos já é outra coisa. É um “objeto político não identificado”. É anti-neoliberal, crítico, mas é difícil dizer. Possui correntes de esquerda, organizadas, mas o Podemos, enquanto tal, não tem uma identidade política muito definida. De toda forma, é contestador do sistema, das políticas de governo. Isso é fundamental.

No entanto, não sei se algo do gênero vai acontecer em outros países da Europa. Na Itália, quem capitalizou o descontentamento foi o Beppe Grillo, humorista que é uma espécie de Tiririca italiano, com um movimento confuso, às vezes você pensa que é de direita, às vezes você pensa que é de esquerda. É difícil classificar. A esquerda propriamente ficou completamente marginalizada. Na França, também como já disse, o panorama não é positivo para a esquerda...

O cenário modifica muito de país para país.

Não sei o que vai acontecer. Por enquanto, a extrema-direita é que vai de vento em popa.

Correio da Cidadania: Você diria, portanto, que a Europa tem apresentado um dos piores cenários globais das lutas sociais e sua possibilidade de inserção popular, ainda que vejamos alguns impulsos aqui e acolá?

Michel Löwy: Sem dúvida. Pelo menos existem lutas em dois países, onde há um clima comparável ao da América Latina. Hoje em dia, os europeus olham muito para a América Latina. Mesmo a França olha muito para a América Latina, procurando se inspirar. A América Latina está bem mais avançada.

Correio da Cidadania: No Brasil, como imagina que ficarão as pautas associadas aos movimentos populares e progressistas nesse próximo período?

Michel Löwy: Os movimentos sociais no Brasil não são homogêneos. Alguns estão muito atrelados ao PT e, portanto, ao governo. É o caso da CUT. Ela não mobiliza uma luta que enfrente o governo. De tempos em tempos, mobiliza-se para causas democráticas, como reforma política, aumento do salário mínimo... Enfim, a CUT pode ser parceira só de algumas mobilizações.

O MST é muito mais autônomo. Embora também tenha vínculos com o PT e dependa em parte do governo e seu subsídio, tem mais autonomia, é mais propositivo, mais crítico. As grandes mobilizações anteriores a 2013, geralmente, eram puxadas pelo MST. Há também movimentos mais antigos, que continuam existindo nas comunidades de base, e todas as pastorais da igreja, pastoral da terra, pastoral da juventude etc. Há todo um setor importante da igreja que funciona como movimento social. Além dos movimentos de professores, estudantes, advogados...

E há outros movimentos de “tipo novo” surgindo, muito mais autônomos em relação ao PT, com uma dinâmica libertária.

O MPL é um movimento muito interessante, pequeno, mas com impacto social grande. Eles conseguiram simplesmente por fogo no estopim de junho de 2013. Foram eles que fizeram isso. Com a grande inteligência de associar uma reivindicação ao mesmo tempo utópica e realista: a tarifa zero. Que seria factível, se houvesse um governo com um pouco de coragem. Não precisa de revolução para termos tarifa zero. Mas ela implica comprar uma briga com a máfia do transporte, entre outras iniciativas que nenhum governo ou prefeitura ousam levar adiante.

A tarifa zero é, portanto, uma proposta popular, importante, factível, e o MPL foi quem a apresentou. Além disso, é uma proposta ao mesmo tempo social e ecológica. Porque, se existe o passe livre, a circulação de automóvel diminui, e a emissão de gases diminui automaticamente.

Eles tiveram essa reivindicação utópica, é claro, junto com uma reivindicação imediata, concreta. Essa foi a inteligência deles. Juntar os dois elementos foi formidável. Realmente é um movimento exemplar. Quando voltei à Europa, no ano passado, tentei convencer os meus amigos da esquerda europeia a se inspirarem no MPL (risos).

Correio da Cidadania: É difícil prognosticar, mas você acredita que se desenha um tempo propício para novas rebeliões populares, no Brasil e no mundo, a exemplo das que vimos mais recentemente?

Michel Löwy: Os sociólogos e os historiadores já têm muita dificuldade para entender o passado. O presente ainda mais. Assim, prever o futuro... O bom do futuro é justamente que as coisas são inesperadas. Todas as grandes revoluções são inesperadas. A revolução russa, ninguém esperava. E a cubana, menos ainda. Felizmente, os acontecimentos, as explosões, as revoltas, as revoluções sempre ocorrem onde não se espera, no momento que menos se espera e da forma que menos se espera. Essa que é a beleza. Se tudo fosse já previsto, o mundo seria muito chato.

Correio da Cidadania: Você destacou que o MPL teve a lucidez que acendeu o pavio das lutas sociais a partir de causas muito presentes e pertinentes da nossa vida cotidiana. É possível vislumbrar que as bandeiras ambientais, especificamente do chamado ecossocialismo, possam causar impacto semelhante?

Michel Löwy: Penso que a causa ambiental é altamente explosiva. Na medida em que se entendem as suas proporções, a relação com o funcionamento do sistema capitalista e a total incapacidade de governos burgueses, de várias cores, em tomar qualquer medida, há que se chegar a uma consciência anticapitalista. É a nossa aposta. Mas temos de partir de lutas concretas, dos “vinte centavos”. Das lutas indígenas contra uma multinacional de petróleo, daquelas moças que arrancaram os plantios transgênicos...

Por exemplo, agora, tem a questão da água, fundamental. Essa crise da água possui uma relação direta, todo cientista está dizendo, com o desmatamento da Amazônia. Só que os políticos e a mídia preferem não falar, porque se coloca um problema e tanto. Eles falam que vão abrir uma represa aqui, desviar o rio por lá e tal. Tapar o buraco. Mas não sabemos de onde vem o buraco.

O importante pra nós, ecossocialistas, é fazer o trabalho de conscientizar as pessoas, ajudando-as a entender que há uma relação direta entre destruição da Mata Atlântica, o desmatamento da Amazônia e a crise da água. E vai se agravar: se deixarmos a situação prosseguir como está, veremos a desertificação. Vamos pouco a pouco perdendo as fontes de água potável. Isso vai acontecer no Brasil, nos países da América Latina, na Europa, no mundo inteiro.

Porém, é uma corrida contra o tempo. Será que vamos conseguir mobilizar as pessoas para enfrentarem o sistema antes que o processo se torne irreversível? Não sei. Simplesmente temos que agir com o otimismo da vontade.

Correio da Cidadania: Quanto a um outro de seus livros, ‘O capitalismo como religião’, gostaria de fazer algum comentário?

Michel Löwy: Na realidade, trata-se de uma reedição, mais ampliada, com novos ensaios, novos documentos. Não é uma tentativa de formular um sistema doutrinário fechado, mas ensaios sobre alguns aspectos do ecossocialismo, tentando explicar o que é, por que o ecossocialismo procura se articular ao marxismo, à crítica marxista e à economia política, de modo a fazer a crítica ecológica do desastre ambiental, do produtivismo. Trata-se de juntar as duas coisas e, em particular, contar a história de como foi se desenvolvendo a ideia ecossocialista, como foi se organizando. Hoje em dia, ela tem uma certa difusão na Europa e na América Latina. É algo novo.

No Brasil, concretamente, o ecossocialismo tem um grande precursor, que é o Chico Mendes, um ecossocialista e ecologista que juntava os dois contextos de maneira muito radical, muito consequente. É uma belíssima figura que pode nos inspirar para as lutas aqui no Brasil.

O ecossocialismo é uma proposta positiva, que implica em uma crítica das formas produtivistas. É uma proposta do século 21, que visa superar tanto o socialismo do século 20 como a socialdemocracia, o stalinismo, além de também trazer uma crítica à ecologia defendida pelo Partido Verde, por partidos sociais-liberais, enfim, aquela ecologia adaptável ao mercado.

É uma proposta radical, que propõe, no fundo, uma mudança de paradigma da civilização bastante ampla, profunda e radical. Mudar as relações de produção, os sistemas de transporte. O que estamos questionando são os padrões e paradigmas da civilização capitalista, industrial, ocidental.

Eu sempre cito uma frase do Walter Benjamin, um dos meus pensadores favoritos: “o que é a revolução? Marx dizia que as revoluções são as locomotivas da história, mas talvez seja um pouco diferente. Talvez as revoluções sejam a humanidade puxando os freios de urgência para parar o trem”.

Eu penso exatamente assim. Nós estamos todos num trem suicida, o trem da civilização capitalista, que está caminhado com rapidez crescente para o abismo, no caso, da catástrofe ecológica e da mudança climática. Portanto, a revolução é parar esse trem antes que seja tarde demais.

Correio da Cidadania: Finalmente, como entra a teologia da libertação, outro foco de seus estudos, em tudo o que foi discutido aqui? E o que pensa do papa Francisco?

Michel Löwy: Eu vou voltar um instante ao meu livro, A Jaula de Aço, que tem um capítulo chamado “A ética católica e o espírito do capitalismo”. Nele, procuro mostrar que Weber nunca escreveu um livro sobre o catolicismo, nem mesmo um artigo, mas ele tem algumas indicações pra explicar por que a ética católica não se dá bem com o capitalismo. Ele diz que a ética católica não consegue se entrosar, e resiste, ao caráter impessoal do capitalismo. Sempre aparece, volta e meia, uma atitude de hostilidade ou de antipatia da ética católica para com o capitalismo. É claro que tal hostilidade, durante muito tempo, veio pela direita.

A história da América Latina, nos últimos 40, 50 anos, tem muito a ver com a chamada teologia da libertação, que, a meu ver, é cristianismo da libertação. Tivemos a revolução sandinista, o movimento operário-camponês brasileiro, o levante de Chiapas, todos com elementos muito fortes desse cristianismo da libertação. E apareceram figuras impressionantes, bispos como Oscar Romero, Samuel Ruiz, também leigos, como o Plinio Arruda Sampaio, socialista cristão e figura extraordinária.

A teologia da libertação é, assim, uma dimensão fundamental da história das lutas e revoluções contemporâneas. Claro que, nos últimos 20 anos, houve uma dura campanha do Vaticano pra marginalizar e desmantelar tal movimento. O que foi obra de João Paulo II e Bento XVI. Não conseguiram fazê-la ruir inteiramente, mas reduziram seu espaço.

Quando o Francisco foi eleito, não esperava grande coisa. Considerando seu passado na Argentina, não tinha muita expectativa. Mas me enganei. Ele surpreendeu com uma série de iniciativas corajosas. Dentre outras, ele escreveu um texto muito crítico do capitalismo e convidou Gustavo Gutierrez, além de movimentos sociais, para irem ao Vaticano. Se puder continuar por mais anos, e não morrer misteriosamente, como João Paulo I, vai criar uma conjuntura nova, mais favorável ao cristianismo da libertação.

Obviamente, há uma resistência muito grande no Vaticano, de setores conservadores, que tentam barrar suas propostas. Como me narrou um amigo, a Opus Dei tem uma oração muito simbólica: “pai nosso que estais no céu, ilumine-o. Ou elimine-o”.

Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

Fonte: http://www.correiocidadania.com.br

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

CHAPECÓ: A OBVIEDADE DA ELEIÇÃO MUNICIPAL DE 2016.

‘O certo é que não haverá novidade alguma numa disputa polarizada entre ''Direita e Esquerda' ou na mistura dessas duas forças que apresentam também crise de identidade.‘

Para quem não se ilude está claro o cenário para a próxima eleição. Tanto pelo viés natural dos fatos, boatos e sinalizações da conjuntura local quanto, pelos movimentos possíveis que podem ocorrer no tabuleiro sem grandes espantos. Tendo como base a ultima eleição ao governo do estado e o histórico das ultimas três disputas municipais:

Primeiro porque há muito tempo sabemos que o Vice Prefeito Luciano Buligon (PMDB) encostado pessoalmente pela conjuntura de 2012 como candidato a vice de José Caramori, não tem força politica eleitoral o que naturalmente o tira de uma disputa. Sem lágrimas, ranger de dentes e direito de reivindicar a cabeça da chapa. 

Segundo, o PSD do casal ‘dobradinha’ J. Rodrigues e G. Merisio tem força política, estrutura financeira e compromisso natural de apontar o candidato para cabeça de Chapa por se tratar de situação. E nesse cenário teriam pelo menos uns três nomes fortes para vencer as eleições novamente. Isso não se trata de jogar água fria em perspectivas eleitorais de ninguém, mas fazer uso da razão na leitura conjuntural sustentado no fato que não há (sim, não há) nenhuma articulação, ou projeto concreto na organização de base ha muito tempo de quem quer que seja para fazer frente a isso. 

Terceiro, a esquerda de Chapecó única força capaz de polarizar uma disputa com capacidade e chances de vencer, não tem convergência de ideias, projetos concretos e humildade necessária para primeiro reconhecer os limites e superá-los. Digo isso porque é a posição de cargo eletivo que se ocupa e não a estratégia que determina quem pode ser cabeça de chapa com unidade e desde o ano de 2008 uma unidade forçada, pelas circunstâncias e nunca por um projeto eleitoral concreto. Ou seja, a oposição municipal é quase um paradoxo, um movimento sobre si mesmo. Uma negação as origens, a ponto daquela esquerda de outrora que estudava conjunturas, estratégias e ações agora sabe tudo e acredita do auto de sua catedral de vidro que ainda pode ser canonizada pelos eleitores, porque se julga melhor que o demônio que governa há mais de uma década. Será?

Por fim, o resultado das ultimas eleições municipal, somado ao resultado da recente eleição para o governo do Estado temos dois cenários possíveis e uma remota via da novidade (sic) com pouca força: 

- a primeira pela ordem natural, os governistas após consulta de base e pesquisa medindo força política apontar como nome de sua liderança jovem Américo do Nascimento, por exemplo, mesmo diante do bando de urubus com pouco respaldo que salivam tirar um pedaço da ocasião. E para isso já traçaram a estratégia para isolar o Partido dos trabalhadores. Pois numa disputa polarizada, mesmo com a força que supostamente teriam a professora Carminatti e o Deputado Pedro Uczai pela votação que obtiveram. Isolados sem partidos aliados de apoio dificilmente crescem além do óbvio. Por isso, cite-se aqui: não será novidade alguma se por via da conveniência ou convergência estendida, se os velhos aliados como PCdoB, PDT forem convidados/orientados/forçados a compor na chapa da situação. Pois isso pode ter entrado no pacote de 2014 e nas pretensões que ainda estão na ordem dos ajustes e ambições. Mas se ainda não acreditam esperem para ver, pois não somos nós ‘opinistas’ de ocasião que definimos. 

- a segunda possibilidade é fruto da leitura conjuntural em que percebendo uma disputa mais acirrada e difícil, a alternativa de garantia possível seja o nome do Deputado Gelson Merísio como candidato a prefeito e para vice outra liderança do PSD (com o próprio A. Nascimento) para assumir em 2018 quando o mesmo sairá como candidato a Dep. Federal, teriam como a grande garantia de manterem-se no governo, já que as pretensões do ex-prefeito é o governo do estado. 

- terceiro seria a possibilidade de um empresário da cidade e ai teriam pelos menos uns cinco nomes de peso compondo chapa, embora seja uma possibilidade mais distante não se descarta principalmente numa condição de candidato a vice. ‘O certo é que não haverá novidade alguma numa disputa polarizada entre ''Direita e Esquerda' ou na mistura dessas duas forças que apresentam também crise de identidade.‘

Digo isso porque partidos como PMDB, PSDB, PR, DEM e todos os tentáculos menores desse polvo governamental não tem força politica para exigir nada. Nem mesmo para blefar com candidaturas próprias, pois a votação obtida por estes nas ultimas eleições diz: ''se contentem com o que lhes oferecer, porque vocês são quase insignificantes''. 

Até concordo que politica não se reduz a receita de bolo, (mas até por respeito à receita), mas os ingredientes estão todos ai esperando para ser misturado e levado ao forno. A digestão fica por conta de quem não se nega experimentar!

Neuri A. Alves - Professor Pesquisador, Graduado em Filosofia, Antropologia Filosófica - PUC/PR e PUCCamp/SP.



terça-feira, 9 de dezembro de 2014

EDUCAÇÃO: Conflitos na inserção do eletrônico!

''É triste perceber que no Brasil a Escola do Futuro parece ter envelhecida ontem, agoniza de madura e vai morrer de esperança pela forma lenta como se conduz!''

Aquilo que muitos especialistas, pedagogos, psicopedagogos tem apontado como problema em relação ao uso das tecnologias por parte dos alunos, deveria ser visto como proposição inadiável. A escola, precisa se desfazer da '’machadinha, da caixa de fósforo e do punhado de sal’’ usado outrora. 

Nós estamos no século XXI, conflitando com o aluno de 7 anos olhando para o século XXII e grande parte dos professores com o saudosismo do século passado da Caneta Bic (anos 50) como instrumento moderno de inserção na escrita,da máquina de datilografia na década de 80, ou mais o mais rudimentar e deprimente focados no primo distante da xerocadoras o velho mimeógrafo. 'É triste perceber que no Brasil a Escola do Futuro parece ter envelhecida ontem, agoniza de madura e vai morrer de esperança pela forma lenta como se conduz!'

Não dá para continuar apontando para o aluno como o problema por seus Ipad, Smartphone, Tablet e afins, quando precisamos suprir o atraso presente na estrutura das escolas, planos pedagógicos e dos próprios professores no uso dessas tecnologias também. Em relação ao Brasil, o francês Edgar Morin consultor da Unesco já afirmou há mais de uma década, que só daremos um salto quantitativo e qualitativo sobre um século de atraso na educação se assumirmos o compromisso da inserção maciça numa educação instrumentalizada com o mundo tecnológico que ai está. Mas, para isso é preciso investir em professores bem preparados para o ''Pensar Complexo''. 

Ambos, professores e alunos situados e sintonizados na 'Dialogia' que transcende a comunicação linear dialética. Algo que vai além da polaridade emissor-receptor. Em um processo de comunicação genuína, os envolvidos estão em uma relação de acoplamento estrutural, modificando-se e modificando aos outros. A dialogia permite o entrechoque de ideias, considerando como essencial a convivência com as contradições, entre estudante-estudante e estudante-professor, em um movimento espiral de troca e evolução das pessoas e daquilo que está sendo discutido. 

As ideias não faltam esta faltando coragem e ousadia para a transição necessária. Pois a escola precisa deixar o primitivo espaço de centro de adestramento já apontado pelo filósofo Antonio Gramsci, assim como a sala de professores o ‘cemitério’ onde se mata a esperança no jovem ou ‘tribunal’ onde se julga o comportamento de uma criança ou adolescente sumariamente com caso perdido. 

Do contrário pelo movimento incontrolável do tempo em que vivemos, e as tsunamis violentas de novas tecnologias podemos ter certeza que aquela escola da alfabetização inicial que instrumentaliza para a escrita e leitura precisará ser reaplicada ao final do ensino médico para milhões de jovens que desaprenderam a ler escrever morfologicamente em seus aparelhos eletrônicos ao esmagarem a escrita e silenciarem a leitura oral e o diálogo social. É aqui onde termina a vida do conhecimento e se apaga a vela no velório do futuro. Sem lágrimas, sem esperanças e sem sonhos!

Neuri A. Alves - Professor Pesquisador, Graduado em Filosofia, Antropologia Filosófica  - PUC/PR e PUCCamp/SP.