terça-feira, 10 de janeiro de 2012


                            Feliz Ano Novo                             

Texto Adaptado de Frei Betto *


Feliz Ano Novo aos que acordaram em 2012 sem a ressaca da culpa, plenos de vida na qual a paixão sobrepuja a omissão e o encanto tece luzes onde a amargura costuma bordar teias de aranha.

Feliz ano a quem não sonega afetos, arranca de si fontes onde borbulham transparências e não mira os que lhe são próximos como estranhos passageiros de uma viagem sem pouso, praias ou horizontes.

Felizes aqueles que abandonam no passado seus excessos de bagagem e, coração imponderável, recolhem à terra a pipa do orgulho e do tédio; generosos, ousam a humildade.

Ano Novo a todos que despertam hoje ao som de preces e agradecem o tido e não havido, maravilhados pelo dom da vida, malgrado tantas rachaduras nas paredes, figos ressecados e gatos furtivos.

Bom ano a quem gosta de feijão e se compraz nos grãos sobrados em prato alheio; a vida é dádiva, contração do útero, desejo ereto, espírito glutão insaciado de Deus.

Novo seja o ano àqueles que nunca maldizem e possuem a própria língua, poupam palavras e semeiam fragâncias nas veredas dos sentimentos.

Seja também feliz o ano de quem guarda-se no olhar e, se tropeça, não cai no abismo da inveja nem se perde em escuridões onde o pavor é apenas o eco de seus próprios temores.

Novo ano a quem se recusa a ser tão velho que ambiciona tudo novo: corpo, carro e amor; viver é graça a quem acaricia suas rugas e trata seus limites como cerca florida de choupana montanhês.

Tenham um feliz ano todos que sabem ser gordos e felizes, endividados e alegres, carentes de afago mas repletos de vindouras fortunas em seus anseios.

Feliz Ano Novo aos órfãos de Deus e de esperanças, e aos mendigos com vergonha de pedir; aos cavaleiros da noite e às damas que jamais provaram do leite que carregam em seus seios.

Felizes sejam, neste ano, os homens ridiculamente adornados, supostos campeões de vantagens; aqueles que nada temem, exceto o olhar súplice do filho e o sorriso irônico das mulheres que não lhes querem. 

Felizes sejam também as mulheres que se matam de amor, e de dor por quem não merece, e que, no espelho, se descobrem tão belas por fora quanto o sabem por dentro.

Seja novo o ano para os bêbados que jamais tropeçam em impertinências e para quem não conspira contra a vida alheia.

Feliz Ano Novo para quem coleciona utopias, faz de suas mãos arado e, com o próprio sangue, rega as sementes que cultiva.

Sejam muito felizes os velhos que não se disfarçam de jovens e os jovens que superam a velhice precoce; seus corações tragam a idade alvíssara de emoções férteis.

Muitas felicidades aos que trazem em si a casa do silêncio e, à tarde, oferecem em suas varandas chocolate quente adocicado com sorrisos de sabedoria.

Um ano feliz aos que não se ostentam no poleiro da própria vaidade, tratam a morte sem estranheza e brincam com a criança que os habita.

Feliz Ano Novo aos sonâmbulos que se equilibram em fios que unem postes e aos que garimpam luzes nas esquinas da noite.

Um Ano Novo muito feliz a todos nós que juramos seqüestrar os vícios que carregamos e não pagar o resgate da dependência; o futuro nos fará magros por comer menos; saudáveis, por fumar oxigênio; solidários, por partilhar dons e bens.

Feliz 2012 ao Brasil que circunscreve a geografia do paraíso terrestre, sem terremotos, tufões, furacões, maremotos, desertos, vulcões, geleiras, tornados, neves e montanhas inabitáveis.

Conceda-nos Deus a bênção de tantos dons, livres de políticos que constroem para si o céu na Terra com a matéria-prima do inferno coletivo.

• Frei Betto é escritor, autor de Típicos Tipos – perfis literários (A Girafa), entre outros livros.




                                     PASSEIO SOCRÁTICO                              

Frei Betto

Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos dependurados em telefones celulares; mostravam-se preocupados, ansiosos e, na lanchonete, comiam mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, muitos demonstravam um apetite voraz. Aquilo me fez refletir: Qual dos dois modelos produz felicidade? O dos monges ou o dos executivos?
  
Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: “Não foi à aula?” Ela respondeu: “Não; minha aula é à tarde”. Comemorei: “Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir um pouco mais”. “Não”, ela retrucou, “tenho tanta coisa de manhã...” “Que tanta coisa?”, indaguei. “Aulas de inglês, balé, pintura, piscina”, e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: “Que pena, a Daniela não disse: ‘Tenho aula de meditação!’”
       
A sociedade na qual vivemos constrói super-homens e supermulheres, totalmente equipados, mas muitos são emocionalmente infantilizados. Por isso as empresas consideram que, agora, mais importante que  o QI (Quociente Intelectual), é a IE (Inteligência Emocional). Não adianta ser um superexecutivo se  não se consegue se relacionar com as pessoas. Ora, como seria importante os currículos escolares incluírem aulas de meditação!
     
Uma próspera cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não  tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em  relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: “Como estava o defunto?”. “Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!” Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?
             
Outrora, falava-se em realidade: análise da realidade, inserir-se na realidade, conhecer a realidade. Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Pode-se fazer sexo virtual pela internet: não se pega aids, não há envolvimento emocional, controla-se no mouse. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizi­nho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual, entramos na virtualidade de todos os  valores, não há compromisso com o real! 

É muito grave esse processo de  abstração da linguagem, de sentimentos: somos místicos virtuais, religiosos  virtuais, cidadãos virtuais. Enquanto isso, a realidade vai por outro lado, pois somos também eticamente virtuais…
A cultura começa onde a natureza termina. Cultura é o refinamento do espírito.  Televisão, no Brasil - com raras e honrosas exceções -, é um problema: a cada  semana que passa, temos a sensação de que ficamos um pouco menos cultos. 

A palavra hoje é ‘entretenimento’; domingo, então, é o dia nacional da imbecilidade coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é  o resultado da soma de prazeres: “Se tomar este refrigerante, vestir este  tênis,­ usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!” O problema é  que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que  acaba­ precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.

Os psicanalistas tentam descobrir o que fazer com o desejo dos seus pacientes. Colocá-los onde? Eu,  que não sou da área, posso me dar o direito de apresentar uma su­gestão.  Acho que só há uma saída: virar o desejo para dentro. Porque, para fora, ele  não tem aonde ir! 

O grande desafio é virar o desejo para dentro, gostar de si  mesmo, começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento  globocolonizador, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse.

Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Se alguém vai à Europa e visita  uma pequena cidade onde há uma catedral, deve procurar saber a história  daquela cidade - a catedral é o sinal de que ela tem história. Na Idade Média,  as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil,  constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shopping  centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas;  neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de  missa de domingos. 
E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...

Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito,  entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar,  certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer de uma cadeia transnacional de sanduíches saturados de gordura…

Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: “Estou apenas fazendo um passeio socrático.” Diante de seus olhares espantados, explico: “Sócrates, filósofo grego, que morreu no ano 399 antes de Cristo, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro  comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: “Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser  feliz.”

Frei Betto é escritor, autor do romance “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre  outros livros.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011


                                  Medidores Humanos                                         


Existem vários instrumentos para medir. Medidores antigos e atuais, úteis ou inúteis, que com maior ou menor precisão nos mostram em que medida o homem é de fato a medida de todas as coisas... 
Transcrevo aqui alguns verbetes de um Dicionário da Medição ainda inédito. 
Azarômetro — mede os infortúnios numa escala de 1 a 13. 
Blefômetro — não costuma ser confiável. 
Chorômetro — mede o choro e outros prantos, sem direito a chorinho. 
Cronômetro — mede o tempo, mas nunca explicará por que um minuto de saudade é mais demorado que uma hora de prazer. 
Darwinianômetro — instrumento de medição ainda em plena evolução. 
Escolhômetro — mede nossas opções, seu alcance e suas conseqüências, mas trava em caso de hesitação. 
Foucaultmetro — mede as palavras e as coisas. 
Gotímetro — mede o que pode ser a gota d’água. 
Gratidômetro — mede a verdade de um agradecimento. 
Humildômetro — instrumento que só os orgulhosos têm. 
Imaginômetro — mede o inimaginável. 
Jargômetro — mede a língua dos especialistas. 
Leiturômetro — mede o número de páginas lidas, deixando escapar o que fica nas entrelinhas. 
Medímetro — mede o medo, numa escala que vai do receio ao pavor. 
Memoriômetro — mede tudo, exceto a amnésia. 
Nadômetro — mede o vazio que há em tudo. 
Olhômetro — medidor sofisticado com que todos nascem, mede a altura da vida e a extensão do destino. 
Orgulhômetro — instrumento que só os humildes têm. 
Passômetro — mede o número de passos que já demos, calcula quanto de passado já temos e quantas vezes já passamos por um mesmo lugar... sem perceber. 
Perguntímetro — o que é que esse instrumento mede mesmo? 
Perplexômetro — mede a imensurável perplexidade humana. 
Psicômetro — quando usado por psicólogos para medir a alma de seus pacientes, quebra. 
Pugilômetro — mede a força do murro em ponta de faca, do soco que se leva, do tapa na outra face oferecida. 
Quantímetro — vale quanto mede. 
Reflexômetro — mede a profundidade das mais incríveis reflexões. 
Rotinômetro — mede o tédio, mas sujeito a quebra se for alterado. 
Sismômetro — mede os abalos sísmicos; não confundir com o Cismômetro, que mede as cismas que nos abalam. 
Tensiômetro — mede a tensão dos ambientes. 
Termômetro — mede a temperatura... e a preocupação das mães. 
Umbigômetro — mede a generosidade humana. 
Variômetro — mede várias coisas que jamais saberemos medir. 
Vergonhômetro — aparelho em falta na terra dos sem-vergonhas. 
Voltômetro — mede as voltas que o mundo dá. 
Xongômetro — não mede coisa nenhuma. 
Zerômetro — mede abaixo da média. 

Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor. 

                     A Esperança que move Casaldáliga                 

ESCRITO POR ROBERTO MALVEZZI (GOGÓ)
TERÇA, 08 DE NOVEMBRO DE 2011



O bispo Pedro é uma pessoa que seduz pela simplicidade, fraternidade, solidariedade, mas perturba pela coerência. Não é fácil cruzar com sua pessoa e sua história. 

Desde o princípio de seu episcopado optou por desvencilhar-se das exterioridades episcopais e fazer-se realmente pastor, irmão dos mais pobres, a partir das margens do belo Araguaia. Numa época que tanto se dá primazia à instituição, Pedro continua parecendo seu xará bíblico, que mal tinha uma rede para pescar. 

Muito se fala na esperança que move Pedro. Esses dias, num depoimento simples e emocionante para a Assembléia Geral do CIMI, ele nos desafiava a mantermos a esperança: “quanto mais difícil o tempo, mais forte deve ser a esperança”. Enquanto achamos esses tempos difíceis e cruéis, ele os acha “raríssimos e belos”. Ainda mais: “mantenhamos a esperança. Pode falhar tudo, menos a esperança”. 

Mas, de que ele está falando? Ele sabe que hoje vivemos tempos onde um bilhão de pessoas passa fome, 1,4 bilhão passam sede. Os refugiados ambientais já ultrapassam 50 milhões de pessoas. Os índios, quilombolas e outros grupos oprimidos, pelos quais ele dá a vida, continuam em tempos cruéis como é o caso dos guarani-kaiowá. O planeta Terra está à deriva e ninguém ousa prever realmente como será a vida, particularmente a humana, daqui a cinqüenta ou cem anos. 

É que não se pode entender sua esperança sem uma outra dimensão da vida que lhe é extremamente cara: o martírio. Conheceu essa situação a partir de sua família desde a guerra civil espanhola. Vê o martírio quase que de forma cotidiana na sua trajetória como bispo às margens do Araguaia. Insiste que é necessário manter viva a memória dos mártires. 

Então, se quisermos entender a esperança da qual Pedro fala, é preciso entendê-la por dentro e para além de todas as situações humanas, inclusive da própria morte, ainda que seja pelo martírio. 

Como dizia Jesus: “quem tiver capacidade para entender, que entenda”. 

Roberto Malvezzi, o Gogó, é assessor pastoral e membro da Comissão Pastoral da Terra.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

DEMAGOGOS DE PLANTÃO


Perceptível o ataque de demagogos a vida do Ex-Presidente Lula aqui pela rede virtual. Virtual em todos sentidos: da coragem afirmativa e aberta dos que reconhecem a história de luta e honestidade do ex-presidente, até aqueles que escondem detrás de suas limitações argumentativas como uma grande boiada arrastados pelos produtores de factoides maldosos.

Muitos destes demagogos, que vivem apontando precariedade no atendimento pelo SUS,sugerindo a Lula tratamento pelo SUS, são os mesmo que vivem das praticas contraditória, muitas vezes deixando de lado seus convênios particulares ou de empresas para ocuparem a vaga emergencial dos que não tem condições até mesmo de se deslocar até uma unidade de saúde. Isso quando em inúmeros casos por apadrinhados dentro de Secretarias Municipais de Saúde não furam a fila de espera dos remédios controlados, dos exames emergenciais, das cirurgias eletivas, sou conhecedor e denunciante desta práticas criminosas.

Se o Brasil precisa avançar em melhorias no seu sistema de saúde, mais urgente é a necessidade que uma massa de mau caráter demagogos possam avançar para além da miserabilidade ausente de honestidade pessoal. Urgentemente assumir uma consciência ética, para não ser desmascarados diante das próprias contradições. 

Porque à maior miséria vigente em nosso país é a consciência tacanha da burguesia que não admite os avanços do governo popular, dos famigerados argumentos na cabeça de pequenos burgueses, que mesmo acossados às margens da sociedade reproduzem as mentiras dos brugueses. A máxima que nos fica é que NÃO É A VERDADE QUE DÓI, MAS A RESISTÊNCIA QUE ELA CAUSA. Lula não só sairá desta em plena integridade de saúde como continuará acima dos acorrentados pelas contradições da própria consciência.

Neuri A²

quinta-feira, 20 de outubro de 2011


                                    A ressaca dos oportunistas                                         

Poucas vezes em Brasília tanto na câmara dos Deputados como no Senado foi possível ver materializado o que podemos chamar de Convicções, facilmente traduzidas em: “Sei o que faço aqui... porque faço isso; e assumo a responsabilidade na defesa do ministério.”
Orlando Silva deu um banho de iniciativa, honestidade, clareza, convicção, e de quebra desarmou o oportunismo político da oposição, esvaziou o discurso dos desesperados. Como num xeque-mate silenciou os papagaios da mídia marrom multiplicada no país de vagas idéias, de cidadãos adormecidos no profundo inconsciente coletivo reprodutivista das velhas falcatruas e maracutaias, praticadas pelos iguais. Muitos dos quais buscam sublimar o desespero de suas próprias contradições ideológicas nas tão ensaiadas e desconexas marchas contra a corrupção, abrindo um enorme abismo entre a realidade dos fatos e seus interesses pragmáticos.
Esta espécie de fissura em que o social se precipita na sociedade contemporânea empurrados pelos meios de comunicação de massa inverte a lógica dos processos. A lógica que impera não é mais a da troca de valor, e sim a do “abandono de posições de valor e de sentido”, segundo o filósofo francês Jean Baudrillard. E o pior: as massas resistem, inclusive, ao imperativo da comunicação racional, clamando somente pelo espetáculo, pelo canibalismo atrativo mediático como se nenhuma força pudesse convertê-las à seriedade dos conteúdos, nem mesmo à seriedade do código de realidade. (1985, p.58 - A sombra das Maiorias Solitárias).
De modo que tratar desta realidade simulada pela mídia, não seria mais o contágio do espetáculo que altera a realidade, mas, sim, o contágio do virtual que apaga a realidade, ACUSANDO inocentes e INOCENTADO bandidos, caso explícito e desesperado de quem acusa o ministro Orlando Silva. Nesse sentido, o cidadão deixa de ser espectador alienado e passivo, tornando-se figurante interativo. Gentis figurantes mumificados desse imenso reality show do cinismo político ideológico de aparelhos como a Globo, RVejas, Folha de São Paulo entre outros. Característica assumida de imprensa facista funcionando como sede partidária de forças políticas retrógadas da velha direita. Não se trata mais da lógica espetacular da alienação, mas da lógica espectral da desencarnação do individuo por estes órgãos de imprensa.
Contempla-se a miséria pública da opinião nestes dias de factóides do oportunismo dos textos pagos,  absorvido pela fiel inconsciência dos empobrecidos da realidade, que sedentos pelos mentirosos coquetéis silábicos que se desnudam diante de todos nós. Se transformam em rastejantes segmentado pela limitação que os impede de IR atrás da verdade e VER além do que se reproduz nestes veículos de imprensa no Brasil. Apresentando-se como espelhos envelhecidos pelos próprios reflexos, e que se reproduzem nas páginas de jornais locais em colunas reprodutivistas dos VIAL, dos PerroniS, testemunhas vivas da miséria de jornalismo impresso que temos por aqui.
Podemos erguer a bandeira de nossas verdades, o escudo ético de nossa história de 90 anos, para fazer sombra aos envergonhados das contradições silábicas, dos papagaios adestrados de nossa imprensa escrita, dos maratonistas de chavões sem compromisso com a verdade, dos remunerados de frases prontas. Pois mais cedo ou mais tarde até as folhas de jornais terão vergonha e repulsa pelas asneiras que eles produzem. Quem sabe o destino dos mesmos não seja viver da ressaca dos oportunistas, abandonados no vicio das falácias, enquanto o PCdoB permanecerá maior que a miséria terna e eterna de vós chauvinistas de plantão.
Neuri Alves
Vice-Presidente PCdoB Chapecó

segunda-feira, 17 de outubro de 2011


                                                    Haiti, País Ocupado                                             

Eduardo Galeano
Escritor e jornalista uruguaio

Tradução: ADITAL
28 de setembro de 2011


Consulte qualquer enciclopédia. Pergunte qual foi o primeiro país livre na América. Receberá sempre a mesma resposta: os Estados Unidos. Porém, os Estados Unidos declararam sua independência quando eram uma nação com seiscentos e cinquenta mil escravos, que continuaram escravos durante um século, e em sua primeira Constituição estabeleceram que um negro equivalia a três quintas partes de uma pessoa.

E se procuramos em qualquer enciclopédia qual foi o primeiro país que aboliu a escravidão, receberá sempre a mesma resposta: a Inglaterra. Porém, o primeiro paios que aboliu a escravidão não foi a Inglaterra, mas o Haiti, que ainda continua expiando o pecado de sua dignidade.

Os negros escravos do Haiti haviam derrotado o glorioso exército de Napoleão Bonaparte e a Europa nunca perdoou essa humilhação. O Haiti pagou para a França, durante um século e meio, uma indenização gigantesca por ser culpado por sua liberdade; porém, nem isso alcançou. Aquela insolência negra continua doendo aos amos brancos do mundo. Sabemos muito pouco ou quase nada sobre tudo isso.

O Haiti é um país invisível.

Somente ganhou fama quando o terremoto de 2010 matou a mais de duzentos mil haitianos. A tragédia fez com que o país ocupasse, fugazmente, as primeiras páginas nos meios de comunicação. O Haiti não é conhecido pelo talento de seus artistas, magos do ferro-velho capazes de converter o lixo em formosura; nem por suas façanhas históricas na guerra contra a escravidão e a opressão colonial.

Vale à pena repetir uma vez mais para que os surdos escutem: O Haiti foi o país fundador da independência da América e o primeiro a derrotar a escravidão no mundo. Merece muito mais do que a notoriedade nascida de suas desgraças. Atualmente, os exércitos de vários países, incluindo o meu [Uruguai], continuam ocupando o Haiti. Como se justifica essa invasão militar? Alegando que o Haiti coloca em perigo a segurança internacional.

Nada de novo.

Ao longo do século XIX, o exemplo do Haiti constituiu uma ameaça paras a segurança dos países que continuavam praticando a escravidão. Thomas Jefferson já havia dito: do Haiti provinha a peste da rebelião. Na Carolina do Sul [EUA], por exemplo, a lei permitia encarcerar qualquer marinheiro negro, enquanto seu barco estivesse no porto, devido ao risco de que pudesse contagiar com a peste antiescravagista. E no Brasil, esse peste se chamava ‘haitianismo'. No século XX, o Haiti foi invadido pelos ‘marines', por ser um país inseguro para seus credores estrangeiros.

Os invasores começaram a apoderar-se das alfândegas e entregaram o Banco Nacional ao City Bank de Nova York. E, já que estavam lá, ficaram por dezenove anos. O cruzamento da fronteira entre a República Dominicana e o Haiti se chama El Mal Paso. Talvez esse nome é um sinal de alarme: você está entrando no mundo negro, da magia negra, da bruxaria...

O vodu, a religião que os escravos trouxeram da África e que se nacionalizou no Haiti, não merece ser chamada de religião. Desde o ponto de vista dos proprietários da Civilização, onde não faltam fieis capazes de vender unhas de santos e penas do arcanjo Gabriel, conseguiu que essa superstição fosse oficialmente proibida em 1845, 1860, 1896, 1915 e 1942, sem que o povo prestasse atenção nisso.

Porém, desde alguns anos, as seitas evangélicas se encarregam da guerra contra a superstição no Haiti. Essas seitas vêm dos Estados Unidos, um país que não tem o Andar no. 13 em seus edifícios, nem a fila 13 em seus aviões, habitado por civilizados cristãos que creem que Deus criou o mundo em uma semana.

Nesse país, o predicador evangélico Pat Robertson explicou na televisão o terremoto de 2010. Esse pastor de almas revelou que os negros haitianos haviam conquistado a independência da França a partir de uma cerimônia vodu, invocando a ajuda do Diabo desde as profundezas da selva haitiana. O Diabo, que lhes deu a liberdade, enviou o terremoto como cobrança.

Até quando os soldados estrangeiros continuarão no Haiti? Eles chegaram para estabilizar e ajudar; porém, já se passaram sete anos e lá estão, desestabilizando esse país que não os aceita. A ocupação militar do Haiti está custando às Nações Unidas mais de oitocentos milhões de dólares ao ano.

Se as Nações Unidas destinassem esses fundos à cooperação técnica e à solidariedade social, o Haiti poderia receber um bom impulso ao desenvolvimento de sua energia criadora. E, assim, se salvaria de seus salvadores armados, que têm certa tendência a violar, matar e contagiar com enfermidades fatais.

O Haiti não necessita que ninguém venha a multiplicar suas calamidades. Tampouco necessita a caridade de ninguém. Como bem diz um antigo provérbio africano, a mão que dá está sempre por cima da mão que recebe.

Porém, o Haiti, sim, necessita de solidariedade, de médicos, de escolas, de hospitais e de uma colaboração verdadeira que torne possível o renascimento de sua soberania alimentar, assassinada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), pelo Banco Mundial (BM) e por outras sociedades filantrópicas.

Para nós, latino-americanos, essa solidariedade é um dever de gratidão: será a melhor maneira de dizer obrigado/a a essa pequena grande nação que, em 1804, nos abriu as portas da liberdade, com seu exemplo contagioso.
(Esse artigo é dedicado a Guillermo Chifflet, que foi obrigado a renunciar à Câmara de Deputados do Uruguai, quando votou contra o envio de soldados ao Haiti).

[Texto lido ontem pelo escritor uruguaio na Biblioteca Nacional, no marco da mesa-debate "Haití y la respuesta latinoamericana”, na qual participou juntamente com Camille Chalmers e Jorge Coscia].

Fonte: http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?boletim=1&lang=PT&cod=60752

domingo, 18 de setembro de 2011


PCdoB Chapecó elege novo diretório e define as diretrizes para                                            as eleições 2012                                          

Os filiados, amigos e simpatizantes do PCdoB em Chapecó participaram no último sábado (17) da Conferência Municipal do PCdoB. Na pauta, a situação política do município e o projeto político eleitoral para 2012, além da eleição do diretório e nomes de representantes para à Conferência Estadual.

Durante o evento, o partido recebeu dezenas de novas filiações, em especial ex-militantes do PSB, a exemplo de Protásio Fernandes e Vilson Zanin. Estas pessoas migraram para o PCdoB por não concordarem com os caminhos da antiga agremiação, que foi colocada a serviço da direita (PSD) em Chapecó e em todo o estado.

O suplente da Assembléia Legislativa, Cezar Valduga, deu as boas vindas aos novos filiados, afirmando que o “PCdoB é um partido de idéias, que cresce dia após dia sem perder os princípios, sempre se pautando pela democracia, desenvolvimento e inclusão social”. Já o líder sindical e dirigente partidário, Alzumir Rossari, lembrou da brilhante trajetória de lutas do PCdoB em Chapecó. “Nós temos militantes, pessoas que querem o bem comum, que lutam incansavelmente para uma melhora coletiva, e estes novos camaradas vão fortalecer ainda mais os ideais do partido”.

Conferência Municipal trouxe o debate sobre o quadro político local. Segundo Paulinho da Silva, ficou aprovado que “o PCdoB envidará todos os esforços para eleger em 2012 projeto para Chapecó em sintonia com o Governo Dilma, com desenvolvimento econômico, desenvolvendo projetos sociais de inclusão, priorizando áreas abandonadas pela atual administração, como a habitação e a saúde”.

A conferência aprovou ainda que o PCdoB buscará alianças com todos os partidos da base do Governo Dilma, ao tempo que terá uma Chapa de Vereadores, objetivando retomar as cadeiras que já ocupou na Câmara de Vereadores na última legislatura, quando contava com os Vereadores Paulinho da Silva e Cesar Valduga. 

Os filiados presentes ao evento, de forma aberta e amplamente democrática, elegeram a nominata dos 27 membros do Diretório Municipal para o biênio de 2011/2013. Caberá ao Diretório eleito a escolha do Presidente e demais cargos da executiva, o que deverá ocorrer ainda o mês de setembro. Também foram eleitos 25 delegados à Conferência Estadual, que ocorrerá nos dias 05 e 06 de novembro, em Florianópolis.

Paulinho da Silva
Presidente PCdoB Chapecó



                                      Vitória a qualquer custo                                                        

Luciano Rezende *

Por ocasião dos festejos pela passagem do centenário de vida de um dos maiores generais da história da humanidade, o vietnamita Vo Nguyen Giap, ou simplesmente Giap, que celebrou seu aniversário no último dia 25, é salutar extrair alguns ensinamentos de quem simplesmente conduziu suas tropas à vitória sobre as três das maiores potências bélicas de sua época: França, Japão e Estados Unidos. Prova inequívoca que a justeza de uma causa, o povo unido em torno de seu objetivo comum e uma tática correta é capaz de fazer triunfar o mais subjugado dos povos. 

Ajuda-nos a revisitar a vida e obra desse ícone militar (e político) mundial, a instigante biografia de Giap, publicada no Brasil pela Biblioteca do Exército, das Forças Armadas brasileiras, escrita justamente pelo “inimigo”, o coronel reformado dos Estados Unidos e professor de História Militar da Universidade do Sul da Flórida, Cecil B. Currey. Inimigo entre aspas, pois esta obra foi publicada originalmente pela Associação do Exército dos Estados Unidos (AUSA, da sigla em inglês) e tenta tirar lições de uma das maiores derrotas sofridas pelo Império mais poderoso do planeta. 

De fato, como asseverou Francis Bacon, “... a capacidade de uma nação se defender depende menos das posses materiais do que do espírito do seu povo, menos das reservas de ouro do que da determinação férrea do seu corpo político”. Mas mesmo com publicações deste tipo, como se fizessem uma autocrítica de seus erros e abusos, parece que entre a teoria e a prática há um abismo colossal na política externa norte-americana que continua a incorrer nas mesmas inadvertências feitas pela AUSA. É o que nos faz crer que mesmo certos da desfortuna da guerra no Iraque e no Afeganistão, por exemplo, a tomada de decisão não é abalizada nos ensinamentos militares, senão na necessidade política imperialista para sobreviver. 

Do ponto de vista militar, Giap é admirado nas linhas de Currey. Há inúmeras passagens que narram com riqueza de detalhes sua têmpera revolucionária e dedicação à independência nacional e à revolução socialista. Por mais que centralize o enredo na figura militar de Giap, ele é indissociável do povo vietnamita - do qual diz ser o maior general e maior combatente de todos -, e é impossível relatá-lo individualizado, imaginando-o sob o trono de um gabinete, sacando-o do cenário coletivo, como se é comum ler em biografias de outros generais, sobretudo na Segunda Grande Guerra. 

Nas próprias palavras do autor estadunidense “nos EUA, por exemplo, estátuas foram erigidas e municípios, cidades, fortes, bibliotecas, escolas e parques públicos receberam os nomes dos generais do passado, muitos dos quais não foram mais que responsáveis por matanças sangrentas. (...) Ao mesmo tempo, porque Giap foi relegado a `apenas um logístico´. Talvez seja impossível para um asiático atingir no Ocidente o status de general competente e vitorioso”. 

Giap, Ho Chi Minh, o Vietnã e todo o Oriente com sua rica e peculiar experiência socialista necessitam ser mais estudados e compreendidos. Se o próprio Exército dos Estados Unidos dispõe a fazer essa análise, não fiquemos atrás e debrucemos sobre esses personagens que ajudaram a transformar o curso da história impingindo duras derrotas a três potências imperialistas. 

Mas como nem tudo que reluz é ouro, o título do livro destoa da obra, pois quem realmente apregoava uma vitória a qualquer custo, fazendo uso das armas mais nefastas como o “Agente Laranja” e patrocinando tantos outros crimes de guerra não foi o Vietnã, mas o inimigo invasor que, ao final, teve que se curvar ao povo vietnamita conduzido à vitória por um grande professor de História, que fez história como general.

* Engenheiro agrônomo, mestre em Entomologia e doutorando em Genética. Professor do Instituto Federal do Alagoas.

              Trabalho e Dialética: Hegel, Marx e a teoria social do devir               


Em seu novo livro, "Trabalho e dialética: Hegel, Marx e a teoria social do devir", o professor de filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Jesus Ranieri demonstra a atualidade e relevância das contribuições de G. W. F. Hegel, Karl Marx e György Lukács em uma análise que busca responder aos impasses teóricos, éticos e sociopolíticos abertos pela crise permanente da modernidade.



Nesta obra, o autor aponta semelhanças profundas entre o conjunto de seu trabalho e a interpretação lukacsiana da obra de Hegel, para ele uma das mais originais e férteis, principalmente no que diz respeito à influência deste no pensamento de Marx.

Lukács nos permite perceber uma unidade entre Hegel e Marx que não é possível encontrar de forma nítida nem nos próprios textos marxianos, assim como nos deixa igualmente visualizar a propensão materialista de Hegel”, afirma na introdução. 

Oswaldo Giacoia Junior, prefaciador do livro, destaca três linhas de força que resumem o essencial da retomada de Hegel por Jesus Ranieri. Primeiro, o reconhecimento da importância da processualidade e do devir para a inteligência do real, na medida em que “mais decisivo que o ser é o processo pelo qual este se produz, em sua necessidade”. Segundo, a interpretação do débito de Marx com a teoria social de Hegel, que prepara as bases para uma concepção materialista dos processos históricos e vê no trabalho a condição pressuposta para todo desenvolvimento do ser.

Por fim, o terceiro operador teórico diz respeito à função das contradições no pensamento de Hegel e Marx, e é explicado por Ranieri como a forma e a matéria do agir humano no mundo, o motor do movimento da realidade, no sentido de que todo avanço, sendo ou não sinônimo de progresso, contrapõe-se a forças que o contradizem e é responsável pela definição da identidade de qualquer objeto. “O texto de Jesus Ranieri combina, de maneira equilibrada, forma e conteúdo, método e resultado”, conclui Giacoia.

Após traduzir diretamente dos originais os Manuscritos econômico-filosóficos (Boitempo, 2004), de Karl Marx, e publicar o livro A câmara escura (Boitempo, 2001), no qual dissecou parte importante das categorias presentes em obras seminais do filósofo alemão, Ranieri dá continuidade a uma análise rigorosa dos conceitos de alienação [Entäusserung] e estranhamento [Entfremdung]. O autor explora com densidade o lugar dessas categorias na formação histórica do espírito, como elemento que cria e, ao mesmo tempo, confronta-se com uma realidade que se faz estranha a ele mesmo. 

Este estudo ofereceu um avanço substantivo à distinção, tanto terminológica quanto categorial, dos termos”, afirma Ricardo Antunes, professor de sociologia da Unicamp, para quem o centro da reflexão do novo livro de Ranieri é o ato de trabalho como momento de reprodução social, indicado por Hegel, e inserido por Marx em uma totalidade dinâmica e desenvolvida, em que o ser social aparece tanto no início quanto no fim do processo.

Trecho do livro

Não é possível compreender o lugar do trabalho na reprodução da vida humana sem considerar que ele representa, além dessa reprodução, o caráter abstrato (ou seja, conceitual) de incorporação de necessidades que aparecem para nós como elementos constituintes de nossa existência, em um complexo que avança para além da mera elaboração de produtos. 

Nesse sentido é que o trabalho é propriamente o ‘princípio do novo’, algo vinculado à ‘categoria de gênese do social’ – a história do homem e o comportamento humano só podem ser compreendidos por meio de uma teoria das necessidades, uma vez que a gênese de nossa estrutura mental (formada a partir do trabalho) nos leva ao constante embate com toda e qualquer ‘estaticidade’.

Sobre o autorJesus Ranieri é professor livre-docente do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), autor de A câmara escura: alienação e estranhamento em Marx (Boitempo, 2001) e tradutor de Manuscritos econômico-filosóficos, de Karl Marx(Boitempo, 2004).

Fonte: Carta Capital

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

                                      Atílio Boron: Fidel em seus 85                                     
Fidel, lúcido como sempre e mais sábio do que nunca. O passar dos anos, acompanhado por uma notável capacidade para refletir sobre as vicissitudes de sua vida e do mundo o enriqueceram extraordinariamente.

Por Atílio Borón*, em seu blog


Seu olhar, que sempre teve o privilégio de internar-se no horizonte histórico-universal, tornou-se mais agudo: Fidel vê onde os demais não veem; e o que vê são as essências e não as aparências. Tinha razão García Márquez, quando disse que ele é "incapaz de conceber qualquer ideia que não seja descomunal”.

Retirado de todos os seus cargos à frente da revolução cubana, continua sendo, sem a menor dúvida, "o Comandante”. Não somente do glorioso "Movimento 26 de Julho” ou das Forças Armadas Revolucionárias Cubanas, mas de um exército mundial de mulheres e homens que lutam por sua vida, por sua dignidade e pela sobrevivência do gênero humano, hoje ameaçada por um arsenal nuclear de incalculáveis proporções uma pequeníssima parte do qual sobraria para arrasar toda forma de vida no planeta Terra. Sobrevivência também comprometida pela fúria predatória de um sistema –o capitalista-, que converte tudo o que toca em mercadoria, em um simples objeto, cuja excludente finalidade é produzir lucro.

A favor dessa visão de águia que, em seu momento, Lênin reconhecera em Rosa Luxemburgo, pode denunciar, quase solitário, a crise ecológica que hoje nos abruma, bem como os perigos da demente corrida armamentista desencadeada pelo imperialismo estadunidense.

Alguns, certamente, recordarão sua intervenção na I Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro, em 1992, quando o Comandante alertou sobre o risco ecológico no qual o planeta se encontrava. Enquanto o presidente dos Estados Unidos, George Bush, negava-se a assinar os protocolos do Rio, Fidel denunciava que "uma importante espécie biológica está em risco de desaparecer devido à rápida e progressiva liquidação de suas condições naturais de vida: o ser humano”.

E prosseguia sua análise, dizendo que o consumismo desenfreado e o desperdício irracional que a economia capitalista propicia são os responsáveis fundamentais por essa situação: "com somente 20% da população mundial... (os capitalismos metropolitanos) consomem as duas terças partes da energia produzida no mundo. Envenenaram o ar; debilitaram e perfuraram a camada de ozônio; saturaram a atmosfera de gases que alteram as condições climáticas com efeitos catastróficos que já começamos a padecer. Os bosques desaparecem; os desertos se estendem; milhões de toneladas de terra fértil vão parar, anualmente, no mar. Inúmeras espécies se extinguem. A pressão populacional e a pobreza conduzem a esforços desesperados para sobreviver, mesmo à custa da natureza. Não é possível culpar os países do Terceiro Mundo por essa situação; colônias ontem, nações exploradas e saqueadas hoje por uma ordem econômica mundial injusta”.

Com certeza, suas palavras não foram escutadas pela quase totalidade dos chefes de Estado lá convocados - quem, agora, recorda agora seus nomes?- e que continuaram bailando desprevenidos no deck do Titanic.

Sábio como poucos, Fidel se perguntava nesse mesmo discurso: "Quando as supostas ameaças do Comunismo desapareceram e já não restam pretextos para guerras frias, corridas armamentistas e gastos militares, o que impede dedicar, imediatamente, esses recursos para promover o desenvolvimento do Terceiro Mundo e combater a ameaça de destruição ecológica do planeta?”. Ele sabia perfeitamente bem a resposta, tal como a expusera em milhares de ocasiões: o impedimento radica na própria essência do capitalismo como sistema e no imperialismo como sua forma atual.

Lúcido e valoroso combatente desse flagelo, na prática, porém também no plano das ideias, Fidel denunciou seus horrores desde antes do assalto ao Moncada e em seu extraordinário alegado em defesa própria.

Testemunha e, ao mesmo tempo, excepcional protagonista da lenta, porém inexorável decadência do imperialismo estadunidense, suas iniciativas práticas bem como suas didáticas reflexões oferecem aos povos um riquíssimo arsenal de ideias e informações, recolhidas com a minuciosidade própria de um Darwin, sabedor de que para mudar a complexa realidade de nosso tempo, de nada valem esquemas preconcebidos ou rotundas simplificações.

Retirado de seus cargos oficiais, o infatigável soldado continua lutando sem quartel na crucial "batalha de ideias”, uma frente que, lamentavelmente, a esquerda descuidou durante muito tempo; porém, agora, conta com inúmeros combatentes. E desde lá, ilumina o esperançado caminho que conduz rumo à emancipação humana e social. Como diz a canção popular mexicana, Fidel, "feliz em teu dia, e que vivas muitos anos mais”.


* Atilio Borón é doutor em Ciência Política pela Harvard University e professor titular de Filosofia Política da Universidade de B. Aires, Argentina
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          Dilma anuncia 1,2 milhão de vagas nas universidades federais           

A presidente Dilma Rousseff afirmou, hoje, que o governo tem como meta alcançar 1,2 milhão de matrículas em universidade federais até 2014. Foi anunciada, semana passada, a criação de quatro unidades em estados do Norte e do Nordeste. Com a expansão, a rede federal passa a contar com 63 universidades.
No programa semanal Café com a Presidente, Dilma avaliou o anúncio como um passo importante na terceira fase do Plano de Expansão da Rede Federal de Educação, formada por universidades federais e também por Institutos Federais de Educação Profissional, Ciência e Tecnologia (Ifets).

“Estamos criando condições para formar engenheiros, médicos, agrônomos, professores, dentistas e técnicos das mais diversas especializações, em municípios dos mais diferentes tamanhos, em todas as regiões”, afirmou a presidente.

Dilma lembrou que cidades com mais de 50 mil habitantes foram priorizadas na escolha dos locais para as universidades. Segundo ela, tratam-se de microrregiões onde não existiam unidades da rede federal, sobretudo no interior do país. Também foram considerados municípios com elevado percentual de pobreza e com mais de 80 mil habitantes, mas onde as prefeituras têm dificuldade de investir em educação.

“Antes, para realizar o sonho de ter uma profissão, o jovem tinha que sair de casa, viajar para estudar na capital ou nos grandes centros urbanos. Agora, o ensino universitário, o ensino tecnológico está indo onde o cidadão mora ou nas suas vizinhanças”, explicou.

Para Dilma, um salto na educação brasileira pode contribuir para o enfrentamento da crise econômica que atinge países da União Europeia e Estados Unidos.

“Temos que ter consciência de que estamos vivendo uma situação mundial de muitas turbulências lá fora. Estamos preparados para atravessar esse momento de instabilidade econômica mundial, mas não podemos descuidar. Temos que enfrentar os desafios de hoje sem tirar os olhos do amanhã.”


Fonte: Agência Brasil
           Mauro Santayana: Revoltas no mundo e a ausência da teoria                       

Em todos os séculos houve a percepção de que o mundo chegava a seu fim, com a extinção da vida na Terra, como castigo divino ou inevitável cataclismo. Mas a vida, essa inexplicável rebelião da matéria, que encontra sua perfeição e perversão na existência do homem, consegue impor-se.

Por Mauro Santayana, em seu blog

O preço da sobrevivência é o conflito. Desde que o registro da vida da espécie existe, a existência tem sido a crônica da resistência contra as forças naturais, os outros seres biológicos, feras, bactérias e vírus, e, sobretudo, contra parcelas da própria espécie.

Há uma tese, presente em vários pensadores, e de forma difusa, que explica o conflito básico do homem entre o predador e o solidário. O instinto de caça e de destruição, enfim, de canibalismo direto ou sutil, só consegue ser combatido pela inteligência. A inteligência conduziu o homem a se ver como ser frágil e precário que só poderia sobreviver em comunhão com os outros, multiplicando a força individual, certo de que sua proteção dependia da vida do companheiro. Mas houve o momento em que essa mesma inteligência, que indicava a solidariedade como necessária à existência individual e coletiva, passou a servir ao instinto predador.

Ora o homem é o lobo do homem, na definição de Plauto, ora o homem é o anjo do homem, como ocorre, quase todos os dias, no heroísmo de pessoas simples, que chegam a morrer para salvar a vida de outras. Os homens são construtores de sua História. E a História, não obstante a presunção de alguns acadêmicos parvos, como Fukuyama, nunca chegará a seu fim – a menos que o Sol esfrie de repente ou de repente estoure, na impaciência de seus gases comprimidos.

O tempo histórico de vez em quando entra em exaustão. São momentos, que podem durar décadas ou séculos, em que os ritos essenciais da vida são perturbados pelas superestruturas da sociedade, e o indivíduo redescobre a solidariedade, aquele sentimento de que a sua sobrevivência (e sua autonomia como ente, ou aquele que é) só pode ser defendida se contar com o outro. Nesses momentos, para o bem – e, algumas vezes, para o mal – surgem as grandes mudanças, com novas normas de convivência da espécie. Embora possam identificar-se como religiosas ou étnicas, são necessariamente políticas, porque se referem à vida prática dos seres humanos.

Ontem, Londres entrava em seu terceiro dia de tumultos urbanos. Não é a primeira vez que isso ocorre. Além dos protestos sangrentos de Brixton, de há trinta anos, a cidade conheceu o conflito brutal de 1780, em que centenas de católicos foram massacrados pelos protestantes açulados por Lord George Gordon. Vivendo como cidadãos de segunda classe, desde Henrique VIII, os católicos recuperaram sua cidadania de acordo com o Catholic Relief Act, de 1778. Gordon, um nobre frustrado em sua tentativa de fazer carreira no Almirantado, encontrou sua chance para a demagogia, mobilizando os protestantes contra a lei e os levando a queimar propriedades de católicos e a assassiná-los em plena rua. Antes de ser condenado à prisão por rebeldia, Gordon se converteu ao judaísmo. Acabou morrendo na prisão de Newgate.

Há uma diferença entre as agitações urbanas e as revoluções. Como resumia um autor inconveniente, Lenine, sem teoria revolucionária não há revolução. Jean Tulard, um dos melhores historiadores contemporâneos, é seguro quando afirma que as rebeliões populares podem ser facilmente vencidas, seja pela repressão policial, seja pelo engodo por parte do poder. As revoluções necessitam de um esforço intelectual poderoso, de líderes que pensem uma nova ordem e a imponham no exercício da razão. Esses líderes podem surgir no desenvolvimento natural das rebeliões, como ocorreu na França de 1789, depois da Queda da Bastilha, ou em demoradas e pacientes carreiras políticas.

Londres repete, com a mesma impaciência, o que está ocorrendo em várias partes do mundo, e parece provável que virá a ocorrer nas regiões ainda preservadas. O tempo, e nele, os homens, parecem exaustos do modelo da sociedade contemporânea, baseado na competitividade, na voracidade do consumo e do lucro. É uma sociedade contraditória. De um lado, a aplicação tecnológica das descobertas científicas torna a vida mais confortável e mais durável, mas não parece que isso responda aos anseios mais profundos da espécie. E, ainda pior: a tecnologia torna a crueldade mais organizada e mais eficaz. O nazismo foi a mais perfeita utilização da tecnologia para o assassinato em massa de toda a História. Os norte-americanos os repetem, desde a Guerra do Golfo, no Oriente Médio.

Como em outras épocas, a civilização se encontra diante de uma ruptura. O sistema econômico, submetido ao domínio do capital financeiro, entra em crises sucessivas, com a criminosa especulação dos operadores no mercado de capitais. Os indignados, com razões maiores ou menores, se multiplicam. A internet substitui – é outra das surpresas da tecnologia – os agitadores de rua, na condução dos protestos. Falta apenas a ideologia, a que se referem, entre outros, Lenine e Tulard.

                         Governados por cegos e irresponsáveis                                        

Somos governados por cegos e irresponsáveis, incapazes de dar-se conta das consequências do sistema econômico-político-cultural que defendem. Criou-se uma cultura do consumismo propalada por toda a mídia. Há que consumir o último tipo de celular, de tênis, de computador. 66% do PIB norteamericano não vem da produção mas do consumo generalizado.

Leonardo Boff


Afunilando as muitas análises feitas acerca do complexo de crises que nos assolam, chegamos a algo que nos parece central e que cabe refletir seriamente. As sociedades, a globalização, o processo produtivo, o sistema econômico-financeiro, os sonhos predominantes e o objeto explícito do desejo das grandes maiorias é: consumir e consumir sem limites. Criou-se uma cultura do consumismo propalada por toda a midia. Há que consumir o último tipo de celular, de tênis, de computador. 66% do PIB norteamericano não vem da produção mas do consumo generalizado.


As autoridades inglesas se surpreenderam ao constatar que entre os milhares que faziam turbulências nas várias cidades não estavam apenas os habituais estrangeiros em conflito entre si, mas muitos universitários, ingleses desempregados, professores e até recrutas. Era gente enfurecida porque não tinha acesso ao tão propalado consumo. Não questionavam o paradigma do consumo mas as formas de exclusão dele. 

No Reino Unido, depois de M.Thatcher e nos USA depois de R. Reagan, como em geral no mundo, grassa grande desigualdade social. Naquele país, as receitas dos mais ricos cresceram nos últimos anos 273 vezes mais do que as dos pobres, nos informa a Carta Maior de 12/08/2011.

Então não é de se admirar a decepção dos frustrados face a um “software social” que lhes nega o acesso ao consumo e face aos cortes do orçamento social, na ordem de 70% que os penaliza pesadamente. 70% do centros de lazer para jovens foram simplesmente fechados. 

O alarmante é que nem primeiro ministro David Cameron nem os membros da Câmara dos Comuns se deram ao trabalho de perguntar pelo porquê dos saques nas várias cidades. Responderam com o pior meio: mais violência institucional. O conservador Cameron disse com todas as letras:”vamos prender os suspeitos e publicar seus rostos nos meios de comunicação sem nos importarmos com as fictícias preocupações com os direitos humanos”. Eis uma solução do impiedoso capitalismo neo-liberal: se a ordem que é desigual e injusta, o exige, se anula a democracia e se passa por cima dos direitos humanos. Logo no pais onde nasceram as primeiras declarações dos direitos dos cidadãos.

Se bem reparmos, estamos enredados num círculo vicioso que poderá nos destruir: precisamos produzir para permitir o tal consumo. Sem consumo as empresas vão à falência. Para produzir, elas precisam dos recursos da natureza. Estes estão cada vez mas escassos e já delapidamos a Terra em 30% a mais do que ela pode repor. Se pararmos de extrair, produzir, vender e consumir não há crescimento econômico. Sem crescimento anual os paises entram em recessão, gerando altas taxas de desemprego. Com o desemprego, irrompem o caos social explosivo, depredações e todo tipo de conflitos. Como sair desta armadilha que nos preparamos a nós mesmos?

O contrário do consumo não é o não consumo, mas um novo “software social” na feliz expressão do cientista político Luiz Gonzaga de Souza Lima. Quer dizer, urge um novo acordo entre consumo solidário e frugal, acessivel a todos e os limites intransponíveis da natureza. Como fazer? Várias são as sugestões: um “modo sustentável de vida”da Carta da Terra, o “bem viver” das culturas andinas, fundada no equilíbrio homem/Terra, economia solidária, bio-sócio-economia, “capitalismo natural”(expressão infeliz) que tenta integrar os ciclos biológicos na vida econômica e social e outras.

Mas não é sobre isso que falam quando os chefes dos Estados opulentos se reunem. Lá se trata de salvar o sistema que veem dando água por todos os lados. Sabem que a natureza não está mais podendo pagar o alto preço que o modelo consumista cobra. Já está a ponto de pôr em risco a sobrevivência da vida e o futuro das próximas gerações. Somos governados por cegos e irresponsáveis, incapazes de dar-se conta das consequências do sistema econômico-político-cultural que defendem.

É impertivo um novo rumo global, caso quisermos garantir nossa vida e a dos demais seres vivos. A civilização técnico-científica que nos permitiu niveis exacerbados de consumo pode pôr fim a si mesma, destruir a vida e degradar a Terra. Seguramente não é para isso que chegamos até a este ponto no processo de evolução. Urge coragem para mudanças radicais, se ainda alimentamos um pouco de amor a nós mesmos.

Leonardo Boff é teólogo e escritor.