domingo, 18 de setembro de 2011


PCdoB Chapecó elege novo diretório e define as diretrizes para                                            as eleições 2012                                          

Os filiados, amigos e simpatizantes do PCdoB em Chapecó participaram no último sábado (17) da Conferência Municipal do PCdoB. Na pauta, a situação política do município e o projeto político eleitoral para 2012, além da eleição do diretório e nomes de representantes para à Conferência Estadual.

Durante o evento, o partido recebeu dezenas de novas filiações, em especial ex-militantes do PSB, a exemplo de Protásio Fernandes e Vilson Zanin. Estas pessoas migraram para o PCdoB por não concordarem com os caminhos da antiga agremiação, que foi colocada a serviço da direita (PSD) em Chapecó e em todo o estado.

O suplente da Assembléia Legislativa, Cezar Valduga, deu as boas vindas aos novos filiados, afirmando que o “PCdoB é um partido de idéias, que cresce dia após dia sem perder os princípios, sempre se pautando pela democracia, desenvolvimento e inclusão social”. Já o líder sindical e dirigente partidário, Alzumir Rossari, lembrou da brilhante trajetória de lutas do PCdoB em Chapecó. “Nós temos militantes, pessoas que querem o bem comum, que lutam incansavelmente para uma melhora coletiva, e estes novos camaradas vão fortalecer ainda mais os ideais do partido”.

Conferência Municipal trouxe o debate sobre o quadro político local. Segundo Paulinho da Silva, ficou aprovado que “o PCdoB envidará todos os esforços para eleger em 2012 projeto para Chapecó em sintonia com o Governo Dilma, com desenvolvimento econômico, desenvolvendo projetos sociais de inclusão, priorizando áreas abandonadas pela atual administração, como a habitação e a saúde”.

A conferência aprovou ainda que o PCdoB buscará alianças com todos os partidos da base do Governo Dilma, ao tempo que terá uma Chapa de Vereadores, objetivando retomar as cadeiras que já ocupou na Câmara de Vereadores na última legislatura, quando contava com os Vereadores Paulinho da Silva e Cesar Valduga. 

Os filiados presentes ao evento, de forma aberta e amplamente democrática, elegeram a nominata dos 27 membros do Diretório Municipal para o biênio de 2011/2013. Caberá ao Diretório eleito a escolha do Presidente e demais cargos da executiva, o que deverá ocorrer ainda o mês de setembro. Também foram eleitos 25 delegados à Conferência Estadual, que ocorrerá nos dias 05 e 06 de novembro, em Florianópolis.

Paulinho da Silva
Presidente PCdoB Chapecó



                                      Vitória a qualquer custo                                                        

Luciano Rezende *

Por ocasião dos festejos pela passagem do centenário de vida de um dos maiores generais da história da humanidade, o vietnamita Vo Nguyen Giap, ou simplesmente Giap, que celebrou seu aniversário no último dia 25, é salutar extrair alguns ensinamentos de quem simplesmente conduziu suas tropas à vitória sobre as três das maiores potências bélicas de sua época: França, Japão e Estados Unidos. Prova inequívoca que a justeza de uma causa, o povo unido em torno de seu objetivo comum e uma tática correta é capaz de fazer triunfar o mais subjugado dos povos. 

Ajuda-nos a revisitar a vida e obra desse ícone militar (e político) mundial, a instigante biografia de Giap, publicada no Brasil pela Biblioteca do Exército, das Forças Armadas brasileiras, escrita justamente pelo “inimigo”, o coronel reformado dos Estados Unidos e professor de História Militar da Universidade do Sul da Flórida, Cecil B. Currey. Inimigo entre aspas, pois esta obra foi publicada originalmente pela Associação do Exército dos Estados Unidos (AUSA, da sigla em inglês) e tenta tirar lições de uma das maiores derrotas sofridas pelo Império mais poderoso do planeta. 

De fato, como asseverou Francis Bacon, “... a capacidade de uma nação se defender depende menos das posses materiais do que do espírito do seu povo, menos das reservas de ouro do que da determinação férrea do seu corpo político”. Mas mesmo com publicações deste tipo, como se fizessem uma autocrítica de seus erros e abusos, parece que entre a teoria e a prática há um abismo colossal na política externa norte-americana que continua a incorrer nas mesmas inadvertências feitas pela AUSA. É o que nos faz crer que mesmo certos da desfortuna da guerra no Iraque e no Afeganistão, por exemplo, a tomada de decisão não é abalizada nos ensinamentos militares, senão na necessidade política imperialista para sobreviver. 

Do ponto de vista militar, Giap é admirado nas linhas de Currey. Há inúmeras passagens que narram com riqueza de detalhes sua têmpera revolucionária e dedicação à independência nacional e à revolução socialista. Por mais que centralize o enredo na figura militar de Giap, ele é indissociável do povo vietnamita - do qual diz ser o maior general e maior combatente de todos -, e é impossível relatá-lo individualizado, imaginando-o sob o trono de um gabinete, sacando-o do cenário coletivo, como se é comum ler em biografias de outros generais, sobretudo na Segunda Grande Guerra. 

Nas próprias palavras do autor estadunidense “nos EUA, por exemplo, estátuas foram erigidas e municípios, cidades, fortes, bibliotecas, escolas e parques públicos receberam os nomes dos generais do passado, muitos dos quais não foram mais que responsáveis por matanças sangrentas. (...) Ao mesmo tempo, porque Giap foi relegado a `apenas um logístico´. Talvez seja impossível para um asiático atingir no Ocidente o status de general competente e vitorioso”. 

Giap, Ho Chi Minh, o Vietnã e todo o Oriente com sua rica e peculiar experiência socialista necessitam ser mais estudados e compreendidos. Se o próprio Exército dos Estados Unidos dispõe a fazer essa análise, não fiquemos atrás e debrucemos sobre esses personagens que ajudaram a transformar o curso da história impingindo duras derrotas a três potências imperialistas. 

Mas como nem tudo que reluz é ouro, o título do livro destoa da obra, pois quem realmente apregoava uma vitória a qualquer custo, fazendo uso das armas mais nefastas como o “Agente Laranja” e patrocinando tantos outros crimes de guerra não foi o Vietnã, mas o inimigo invasor que, ao final, teve que se curvar ao povo vietnamita conduzido à vitória por um grande professor de História, que fez história como general.

* Engenheiro agrônomo, mestre em Entomologia e doutorando em Genética. Professor do Instituto Federal do Alagoas.

              Trabalho e Dialética: Hegel, Marx e a teoria social do devir               


Em seu novo livro, "Trabalho e dialética: Hegel, Marx e a teoria social do devir", o professor de filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Jesus Ranieri demonstra a atualidade e relevância das contribuições de G. W. F. Hegel, Karl Marx e György Lukács em uma análise que busca responder aos impasses teóricos, éticos e sociopolíticos abertos pela crise permanente da modernidade.



Nesta obra, o autor aponta semelhanças profundas entre o conjunto de seu trabalho e a interpretação lukacsiana da obra de Hegel, para ele uma das mais originais e férteis, principalmente no que diz respeito à influência deste no pensamento de Marx.

Lukács nos permite perceber uma unidade entre Hegel e Marx que não é possível encontrar de forma nítida nem nos próprios textos marxianos, assim como nos deixa igualmente visualizar a propensão materialista de Hegel”, afirma na introdução. 

Oswaldo Giacoia Junior, prefaciador do livro, destaca três linhas de força que resumem o essencial da retomada de Hegel por Jesus Ranieri. Primeiro, o reconhecimento da importância da processualidade e do devir para a inteligência do real, na medida em que “mais decisivo que o ser é o processo pelo qual este se produz, em sua necessidade”. Segundo, a interpretação do débito de Marx com a teoria social de Hegel, que prepara as bases para uma concepção materialista dos processos históricos e vê no trabalho a condição pressuposta para todo desenvolvimento do ser.

Por fim, o terceiro operador teórico diz respeito à função das contradições no pensamento de Hegel e Marx, e é explicado por Ranieri como a forma e a matéria do agir humano no mundo, o motor do movimento da realidade, no sentido de que todo avanço, sendo ou não sinônimo de progresso, contrapõe-se a forças que o contradizem e é responsável pela definição da identidade de qualquer objeto. “O texto de Jesus Ranieri combina, de maneira equilibrada, forma e conteúdo, método e resultado”, conclui Giacoia.

Após traduzir diretamente dos originais os Manuscritos econômico-filosóficos (Boitempo, 2004), de Karl Marx, e publicar o livro A câmara escura (Boitempo, 2001), no qual dissecou parte importante das categorias presentes em obras seminais do filósofo alemão, Ranieri dá continuidade a uma análise rigorosa dos conceitos de alienação [Entäusserung] e estranhamento [Entfremdung]. O autor explora com densidade o lugar dessas categorias na formação histórica do espírito, como elemento que cria e, ao mesmo tempo, confronta-se com uma realidade que se faz estranha a ele mesmo. 

Este estudo ofereceu um avanço substantivo à distinção, tanto terminológica quanto categorial, dos termos”, afirma Ricardo Antunes, professor de sociologia da Unicamp, para quem o centro da reflexão do novo livro de Ranieri é o ato de trabalho como momento de reprodução social, indicado por Hegel, e inserido por Marx em uma totalidade dinâmica e desenvolvida, em que o ser social aparece tanto no início quanto no fim do processo.

Trecho do livro

Não é possível compreender o lugar do trabalho na reprodução da vida humana sem considerar que ele representa, além dessa reprodução, o caráter abstrato (ou seja, conceitual) de incorporação de necessidades que aparecem para nós como elementos constituintes de nossa existência, em um complexo que avança para além da mera elaboração de produtos. 

Nesse sentido é que o trabalho é propriamente o ‘princípio do novo’, algo vinculado à ‘categoria de gênese do social’ – a história do homem e o comportamento humano só podem ser compreendidos por meio de uma teoria das necessidades, uma vez que a gênese de nossa estrutura mental (formada a partir do trabalho) nos leva ao constante embate com toda e qualquer ‘estaticidade’.

Sobre o autorJesus Ranieri é professor livre-docente do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), autor de A câmara escura: alienação e estranhamento em Marx (Boitempo, 2001) e tradutor de Manuscritos econômico-filosóficos, de Karl Marx(Boitempo, 2004).

Fonte: Carta Capital

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

                                      Atílio Boron: Fidel em seus 85                                     
Fidel, lúcido como sempre e mais sábio do que nunca. O passar dos anos, acompanhado por uma notável capacidade para refletir sobre as vicissitudes de sua vida e do mundo o enriqueceram extraordinariamente.

Por Atílio Borón*, em seu blog


Seu olhar, que sempre teve o privilégio de internar-se no horizonte histórico-universal, tornou-se mais agudo: Fidel vê onde os demais não veem; e o que vê são as essências e não as aparências. Tinha razão García Márquez, quando disse que ele é "incapaz de conceber qualquer ideia que não seja descomunal”.

Retirado de todos os seus cargos à frente da revolução cubana, continua sendo, sem a menor dúvida, "o Comandante”. Não somente do glorioso "Movimento 26 de Julho” ou das Forças Armadas Revolucionárias Cubanas, mas de um exército mundial de mulheres e homens que lutam por sua vida, por sua dignidade e pela sobrevivência do gênero humano, hoje ameaçada por um arsenal nuclear de incalculáveis proporções uma pequeníssima parte do qual sobraria para arrasar toda forma de vida no planeta Terra. Sobrevivência também comprometida pela fúria predatória de um sistema –o capitalista-, que converte tudo o que toca em mercadoria, em um simples objeto, cuja excludente finalidade é produzir lucro.

A favor dessa visão de águia que, em seu momento, Lênin reconhecera em Rosa Luxemburgo, pode denunciar, quase solitário, a crise ecológica que hoje nos abruma, bem como os perigos da demente corrida armamentista desencadeada pelo imperialismo estadunidense.

Alguns, certamente, recordarão sua intervenção na I Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro, em 1992, quando o Comandante alertou sobre o risco ecológico no qual o planeta se encontrava. Enquanto o presidente dos Estados Unidos, George Bush, negava-se a assinar os protocolos do Rio, Fidel denunciava que "uma importante espécie biológica está em risco de desaparecer devido à rápida e progressiva liquidação de suas condições naturais de vida: o ser humano”.

E prosseguia sua análise, dizendo que o consumismo desenfreado e o desperdício irracional que a economia capitalista propicia são os responsáveis fundamentais por essa situação: "com somente 20% da população mundial... (os capitalismos metropolitanos) consomem as duas terças partes da energia produzida no mundo. Envenenaram o ar; debilitaram e perfuraram a camada de ozônio; saturaram a atmosfera de gases que alteram as condições climáticas com efeitos catastróficos que já começamos a padecer. Os bosques desaparecem; os desertos se estendem; milhões de toneladas de terra fértil vão parar, anualmente, no mar. Inúmeras espécies se extinguem. A pressão populacional e a pobreza conduzem a esforços desesperados para sobreviver, mesmo à custa da natureza. Não é possível culpar os países do Terceiro Mundo por essa situação; colônias ontem, nações exploradas e saqueadas hoje por uma ordem econômica mundial injusta”.

Com certeza, suas palavras não foram escutadas pela quase totalidade dos chefes de Estado lá convocados - quem, agora, recorda agora seus nomes?- e que continuaram bailando desprevenidos no deck do Titanic.

Sábio como poucos, Fidel se perguntava nesse mesmo discurso: "Quando as supostas ameaças do Comunismo desapareceram e já não restam pretextos para guerras frias, corridas armamentistas e gastos militares, o que impede dedicar, imediatamente, esses recursos para promover o desenvolvimento do Terceiro Mundo e combater a ameaça de destruição ecológica do planeta?”. Ele sabia perfeitamente bem a resposta, tal como a expusera em milhares de ocasiões: o impedimento radica na própria essência do capitalismo como sistema e no imperialismo como sua forma atual.

Lúcido e valoroso combatente desse flagelo, na prática, porém também no plano das ideias, Fidel denunciou seus horrores desde antes do assalto ao Moncada e em seu extraordinário alegado em defesa própria.

Testemunha e, ao mesmo tempo, excepcional protagonista da lenta, porém inexorável decadência do imperialismo estadunidense, suas iniciativas práticas bem como suas didáticas reflexões oferecem aos povos um riquíssimo arsenal de ideias e informações, recolhidas com a minuciosidade própria de um Darwin, sabedor de que para mudar a complexa realidade de nosso tempo, de nada valem esquemas preconcebidos ou rotundas simplificações.

Retirado de seus cargos oficiais, o infatigável soldado continua lutando sem quartel na crucial "batalha de ideias”, uma frente que, lamentavelmente, a esquerda descuidou durante muito tempo; porém, agora, conta com inúmeros combatentes. E desde lá, ilumina o esperançado caminho que conduz rumo à emancipação humana e social. Como diz a canção popular mexicana, Fidel, "feliz em teu dia, e que vivas muitos anos mais”.


* Atilio Borón é doutor em Ciência Política pela Harvard University e professor titular de Filosofia Política da Universidade de B. Aires, Argentina
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          Dilma anuncia 1,2 milhão de vagas nas universidades federais           

A presidente Dilma Rousseff afirmou, hoje, que o governo tem como meta alcançar 1,2 milhão de matrículas em universidade federais até 2014. Foi anunciada, semana passada, a criação de quatro unidades em estados do Norte e do Nordeste. Com a expansão, a rede federal passa a contar com 63 universidades.
No programa semanal Café com a Presidente, Dilma avaliou o anúncio como um passo importante na terceira fase do Plano de Expansão da Rede Federal de Educação, formada por universidades federais e também por Institutos Federais de Educação Profissional, Ciência e Tecnologia (Ifets).

“Estamos criando condições para formar engenheiros, médicos, agrônomos, professores, dentistas e técnicos das mais diversas especializações, em municípios dos mais diferentes tamanhos, em todas as regiões”, afirmou a presidente.

Dilma lembrou que cidades com mais de 50 mil habitantes foram priorizadas na escolha dos locais para as universidades. Segundo ela, tratam-se de microrregiões onde não existiam unidades da rede federal, sobretudo no interior do país. Também foram considerados municípios com elevado percentual de pobreza e com mais de 80 mil habitantes, mas onde as prefeituras têm dificuldade de investir em educação.

“Antes, para realizar o sonho de ter uma profissão, o jovem tinha que sair de casa, viajar para estudar na capital ou nos grandes centros urbanos. Agora, o ensino universitário, o ensino tecnológico está indo onde o cidadão mora ou nas suas vizinhanças”, explicou.

Para Dilma, um salto na educação brasileira pode contribuir para o enfrentamento da crise econômica que atinge países da União Europeia e Estados Unidos.

“Temos que ter consciência de que estamos vivendo uma situação mundial de muitas turbulências lá fora. Estamos preparados para atravessar esse momento de instabilidade econômica mundial, mas não podemos descuidar. Temos que enfrentar os desafios de hoje sem tirar os olhos do amanhã.”


Fonte: Agência Brasil
           Mauro Santayana: Revoltas no mundo e a ausência da teoria                       

Em todos os séculos houve a percepção de que o mundo chegava a seu fim, com a extinção da vida na Terra, como castigo divino ou inevitável cataclismo. Mas a vida, essa inexplicável rebelião da matéria, que encontra sua perfeição e perversão na existência do homem, consegue impor-se.

Por Mauro Santayana, em seu blog

O preço da sobrevivência é o conflito. Desde que o registro da vida da espécie existe, a existência tem sido a crônica da resistência contra as forças naturais, os outros seres biológicos, feras, bactérias e vírus, e, sobretudo, contra parcelas da própria espécie.

Há uma tese, presente em vários pensadores, e de forma difusa, que explica o conflito básico do homem entre o predador e o solidário. O instinto de caça e de destruição, enfim, de canibalismo direto ou sutil, só consegue ser combatido pela inteligência. A inteligência conduziu o homem a se ver como ser frágil e precário que só poderia sobreviver em comunhão com os outros, multiplicando a força individual, certo de que sua proteção dependia da vida do companheiro. Mas houve o momento em que essa mesma inteligência, que indicava a solidariedade como necessária à existência individual e coletiva, passou a servir ao instinto predador.

Ora o homem é o lobo do homem, na definição de Plauto, ora o homem é o anjo do homem, como ocorre, quase todos os dias, no heroísmo de pessoas simples, que chegam a morrer para salvar a vida de outras. Os homens são construtores de sua História. E a História, não obstante a presunção de alguns acadêmicos parvos, como Fukuyama, nunca chegará a seu fim – a menos que o Sol esfrie de repente ou de repente estoure, na impaciência de seus gases comprimidos.

O tempo histórico de vez em quando entra em exaustão. São momentos, que podem durar décadas ou séculos, em que os ritos essenciais da vida são perturbados pelas superestruturas da sociedade, e o indivíduo redescobre a solidariedade, aquele sentimento de que a sua sobrevivência (e sua autonomia como ente, ou aquele que é) só pode ser defendida se contar com o outro. Nesses momentos, para o bem – e, algumas vezes, para o mal – surgem as grandes mudanças, com novas normas de convivência da espécie. Embora possam identificar-se como religiosas ou étnicas, são necessariamente políticas, porque se referem à vida prática dos seres humanos.

Ontem, Londres entrava em seu terceiro dia de tumultos urbanos. Não é a primeira vez que isso ocorre. Além dos protestos sangrentos de Brixton, de há trinta anos, a cidade conheceu o conflito brutal de 1780, em que centenas de católicos foram massacrados pelos protestantes açulados por Lord George Gordon. Vivendo como cidadãos de segunda classe, desde Henrique VIII, os católicos recuperaram sua cidadania de acordo com o Catholic Relief Act, de 1778. Gordon, um nobre frustrado em sua tentativa de fazer carreira no Almirantado, encontrou sua chance para a demagogia, mobilizando os protestantes contra a lei e os levando a queimar propriedades de católicos e a assassiná-los em plena rua. Antes de ser condenado à prisão por rebeldia, Gordon se converteu ao judaísmo. Acabou morrendo na prisão de Newgate.

Há uma diferença entre as agitações urbanas e as revoluções. Como resumia um autor inconveniente, Lenine, sem teoria revolucionária não há revolução. Jean Tulard, um dos melhores historiadores contemporâneos, é seguro quando afirma que as rebeliões populares podem ser facilmente vencidas, seja pela repressão policial, seja pelo engodo por parte do poder. As revoluções necessitam de um esforço intelectual poderoso, de líderes que pensem uma nova ordem e a imponham no exercício da razão. Esses líderes podem surgir no desenvolvimento natural das rebeliões, como ocorreu na França de 1789, depois da Queda da Bastilha, ou em demoradas e pacientes carreiras políticas.

Londres repete, com a mesma impaciência, o que está ocorrendo em várias partes do mundo, e parece provável que virá a ocorrer nas regiões ainda preservadas. O tempo, e nele, os homens, parecem exaustos do modelo da sociedade contemporânea, baseado na competitividade, na voracidade do consumo e do lucro. É uma sociedade contraditória. De um lado, a aplicação tecnológica das descobertas científicas torna a vida mais confortável e mais durável, mas não parece que isso responda aos anseios mais profundos da espécie. E, ainda pior: a tecnologia torna a crueldade mais organizada e mais eficaz. O nazismo foi a mais perfeita utilização da tecnologia para o assassinato em massa de toda a História. Os norte-americanos os repetem, desde a Guerra do Golfo, no Oriente Médio.

Como em outras épocas, a civilização se encontra diante de uma ruptura. O sistema econômico, submetido ao domínio do capital financeiro, entra em crises sucessivas, com a criminosa especulação dos operadores no mercado de capitais. Os indignados, com razões maiores ou menores, se multiplicam. A internet substitui – é outra das surpresas da tecnologia – os agitadores de rua, na condução dos protestos. Falta apenas a ideologia, a que se referem, entre outros, Lenine e Tulard.

                         Governados por cegos e irresponsáveis                                        

Somos governados por cegos e irresponsáveis, incapazes de dar-se conta das consequências do sistema econômico-político-cultural que defendem. Criou-se uma cultura do consumismo propalada por toda a mídia. Há que consumir o último tipo de celular, de tênis, de computador. 66% do PIB norteamericano não vem da produção mas do consumo generalizado.

Leonardo Boff


Afunilando as muitas análises feitas acerca do complexo de crises que nos assolam, chegamos a algo que nos parece central e que cabe refletir seriamente. As sociedades, a globalização, o processo produtivo, o sistema econômico-financeiro, os sonhos predominantes e o objeto explícito do desejo das grandes maiorias é: consumir e consumir sem limites. Criou-se uma cultura do consumismo propalada por toda a midia. Há que consumir o último tipo de celular, de tênis, de computador. 66% do PIB norteamericano não vem da produção mas do consumo generalizado.


As autoridades inglesas se surpreenderam ao constatar que entre os milhares que faziam turbulências nas várias cidades não estavam apenas os habituais estrangeiros em conflito entre si, mas muitos universitários, ingleses desempregados, professores e até recrutas. Era gente enfurecida porque não tinha acesso ao tão propalado consumo. Não questionavam o paradigma do consumo mas as formas de exclusão dele. 

No Reino Unido, depois de M.Thatcher e nos USA depois de R. Reagan, como em geral no mundo, grassa grande desigualdade social. Naquele país, as receitas dos mais ricos cresceram nos últimos anos 273 vezes mais do que as dos pobres, nos informa a Carta Maior de 12/08/2011.

Então não é de se admirar a decepção dos frustrados face a um “software social” que lhes nega o acesso ao consumo e face aos cortes do orçamento social, na ordem de 70% que os penaliza pesadamente. 70% do centros de lazer para jovens foram simplesmente fechados. 

O alarmante é que nem primeiro ministro David Cameron nem os membros da Câmara dos Comuns se deram ao trabalho de perguntar pelo porquê dos saques nas várias cidades. Responderam com o pior meio: mais violência institucional. O conservador Cameron disse com todas as letras:”vamos prender os suspeitos e publicar seus rostos nos meios de comunicação sem nos importarmos com as fictícias preocupações com os direitos humanos”. Eis uma solução do impiedoso capitalismo neo-liberal: se a ordem que é desigual e injusta, o exige, se anula a democracia e se passa por cima dos direitos humanos. Logo no pais onde nasceram as primeiras declarações dos direitos dos cidadãos.

Se bem reparmos, estamos enredados num círculo vicioso que poderá nos destruir: precisamos produzir para permitir o tal consumo. Sem consumo as empresas vão à falência. Para produzir, elas precisam dos recursos da natureza. Estes estão cada vez mas escassos e já delapidamos a Terra em 30% a mais do que ela pode repor. Se pararmos de extrair, produzir, vender e consumir não há crescimento econômico. Sem crescimento anual os paises entram em recessão, gerando altas taxas de desemprego. Com o desemprego, irrompem o caos social explosivo, depredações e todo tipo de conflitos. Como sair desta armadilha que nos preparamos a nós mesmos?

O contrário do consumo não é o não consumo, mas um novo “software social” na feliz expressão do cientista político Luiz Gonzaga de Souza Lima. Quer dizer, urge um novo acordo entre consumo solidário e frugal, acessivel a todos e os limites intransponíveis da natureza. Como fazer? Várias são as sugestões: um “modo sustentável de vida”da Carta da Terra, o “bem viver” das culturas andinas, fundada no equilíbrio homem/Terra, economia solidária, bio-sócio-economia, “capitalismo natural”(expressão infeliz) que tenta integrar os ciclos biológicos na vida econômica e social e outras.

Mas não é sobre isso que falam quando os chefes dos Estados opulentos se reunem. Lá se trata de salvar o sistema que veem dando água por todos os lados. Sabem que a natureza não está mais podendo pagar o alto preço que o modelo consumista cobra. Já está a ponto de pôr em risco a sobrevivência da vida e o futuro das próximas gerações. Somos governados por cegos e irresponsáveis, incapazes de dar-se conta das consequências do sistema econômico-político-cultural que defendem.

É impertivo um novo rumo global, caso quisermos garantir nossa vida e a dos demais seres vivos. A civilização técnico-científica que nos permitiu niveis exacerbados de consumo pode pôr fim a si mesma, destruir a vida e degradar a Terra. Seguramente não é para isso que chegamos até a este ponto no processo de evolução. Urge coragem para mudanças radicais, se ainda alimentamos um pouco de amor a nós mesmos.

Leonardo Boff é teólogo e escritor.


terça-feira, 2 de agosto de 2011

                                              A FALÁCIA DA DESCENTRALIZAÇÃO                                                    


Em Chapecó e no Estado de Santa Catarina se faz enorme pirotecnia em cima do que eles chamam de descentralização do poder, para melhor atender as demandas de políticas publicas, mas que podemos avaliar e conceituar de reduto aparelhista de cargos públicos. Território de lobos vorazes, de felinos audazes e cobras criadas. 

Qualquer aspiração de críticas ao modelo sem dúvida incomoda. Basta perceber a reação do Sub-Prefeito da Região Efapi que não gostou de intervenção no programa de entrevista na rádio local, chamando os filósofos de propulsores de criticas, sem efetiva ação prática na transformação da realidade, numa clara demonstração de desespero e profunda ignorância histórica ante as justificativas da existência das sub-prefeituras.

Justificativas, qualquer um pode apresentar para o meio e forma de atuação que estão à serviço. Mas isso não nos impedem de avaliar e denunciar que os tais modelos de Descentralização por eles apontados como de eficaz necessidade, no fundo são pleonasmos malditos; não passam de APARELHISMO de Estado. 

Tendo como função especifica prover pleitos eleitorais, repartidos em pedaços como um para cada força política aliada do governo, sem uma efetiva relação de transformação e inserção com a realidade local. Prova disso é como as forças políticas partidárias aliadas do governo do Estado repartiram as suas Regionais como lobos vorazes. Não diferente da forma como as forças políticas partidárias também dividiram as subprefeituras por regiões aqui em Chapecó. Se fizessemos uma lista das citadas ações fantasmagóricas poderíamos assim descrever:

- falam tanto em segurança, e no entanto a criminalidade só tem aumentado  no município;
- falam em educação e tivemos mais de 50 dias de greve dos professores;
- falam de obras e infraestrutura, mas o acesso a 282 é um projeto réptil que rasteja a tempo;
- a saída ao Rio Grande do sul cada vez que chove fica mais intransitável; é a rodovia da casca de ovo;

- falam em Força Tarefa, mas o Estado cobra dos cidadãos taxas até para fazer cópia do RG;
- falam de Chapecó como polo de desenvolvimento do oeste, mas não citam os dados do IBGE que apontaram a cidade com a terceira no ranking de pobreza no estado;



A partir daí poderíamos entender o por que do desespero do Subprefeito em tentar justificar a ineficácia com criticas vazias aos Filósofos. Uma vaga na universidade ajudaria ele abrir os olhos para a realidade com certeza embora possa ser um desafio para um professor de universitário de filosofia ter que recondicionar um papagaio-de-pirata a ver a ver com os olhos da realidade. E Merleau-Ponty pode apresentar de ante-mão uma dica: " A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo!"


Neuri Alves
Lic Filosofia e Esp. Antropologia





quinta-feira, 14 de julho de 2011



   Notas e conotações                                                                                          


Gabriel Perissé
 
Que notas ainda temos de “dar” aos nossos alunos? Notas musicais? Notas de rodapé? Notas fiscais?


As notas têm conotações nas quais nem sempre pensamos. Se “dou” nota 2 para um aluno meu... estou “dando” nota 2 para mim. Afinal, que professor sou eu que não consegue que um aluno obtenha mais do que a miserável nota 2?


Por outro lado, que triste vitória receber nota 10. Nota máxima demonstra que o aluno já chegou ao final, ao cume, já conquistou tudo. Ao passo que a nota 5, a nota 4 vêm carregadas de expectativas. Quanta coisa ainda a aprender e entender!

Conta-se que o filósofo Henri Bergson, ao divulgar as notas de seus alunos, fazia-o acrescentando comentários. Começava pelas notas mais baixas: 

— Pierre, nota 2. Quero destacar, no entanto, que as suas respostas foram muito originais, e algumas com um toque de ironia que me lembrou nosso Voltaire. Parabéns! Apesar de não corresponderem ao conteúdo pedido, suas considerações paralelas, errando o alvo, acertaram em cheio uma bela árvore. Pense em desenvolver o seu estilo literário. Você deve ter um grande poeta escondido em sua pena. Mais uma vez, meus parabéns! 

E assim ia, prodigalizando elogios e incentivos entre os “fracassados”. À medida que chegavam as notas mais altas, mudava o tom de voz, distribuía sérias críticas. Os primeiros colocados ouviam coisas assim: 

— Charles, nota 10. Entristece-me, porém, o modo como respondeu. Acertadamente, sem dúvida, mas sem um mínimo de reflexão. Não posso recriminá-lo pela exatidão quanto às informações, tampouco pela correção gramatical do seu texto. Lamento, contudo, que sua memória seja mais prodigiosa que sua imaginação. Esta sua vitória é a vitória dos que já sabem. Fica a minha esperança de que este sucesso não o afaste da busca da verdade, sempre mais arriscada! 

Possivelmente Bergson colocava em prática o pensamento de outro francês, Blaise Pascal. Para este, é necessário mostrar ao homem que ele não é anjo nem animal. Se alguém se exalta, devemos humilhá-lo. Se alguém se humilha, devemos exaltá-lo: “Contradigo-o sempre, até que ele compreenda que é um monstro incompreensível”. 

Talvez as notas musicais criem nova harmonia pedagógica. O que fazer? Dançar, tocar. Para você, Fá sustenido! Para você, Sol bemol maior! Para você, Si bemol menor! E agora... cantemos! 


Gabriel Perissé é coordenador pedagógico do Ipep (Instituto Paulista de Ensino e Pesquisa) e autor do livro recém-lançado A arte de ensinar, pela Editora Montiei.





Mauro Santayana: do Manifesto Comunista à rebelião dos homens

Imagine o leitor que em fevereiro de 1848 já houvesse a rede mundial de computadores. Vamos supor que, em lugar de imprimir os primeiros e poucos exemplares do Manifesto Comunista, Marx e Engels tivessem usado a internet, de forma a que todos os trabalhadores europeus e norte-americanos pudessem ler o texto. Qual teria sido o desenvolvimento do processo?

Por Mauro Santayana, em seu blog

Como sabemos, o ano de 1848 foi de rebeliões operárias na Europa, reprimidas com toda a violência. O capitalismo selvagem de então, um dos filhos bastardos da Revolução Francesa, sentiu-se animado pela derrota dos trabalhadores. Na França a burguesia tomou conta do poder e, derrotada a monarquia, assumiu-o sem disfarces e sem intermediários, em um período que os historiadores denominam de “A República dos homens de negócios”.Os trabalhadores e intelectuais tentaram, mais tarde, em 1871, logo depois de a França ser derrotada pelos alemães, criar um governo autônomo e igualitário em Paris. Com a ajuda dos invasores, o Exército de Thiers executou 20 mil parisienses nas ruas.

As manifestações populares dos países árabes, que os governos e a imprensa dos Estados Unidos e da Europa saudaram como o fim dos tiranos e o início da democratização do mundo islâmico, entram em nova etapa, ao atingir os países ricos. Os analistas apressados são conduzidos a rever suas conclusões. O mal-estar que levou os povos às ruas não se limita ao norte da África: é fenômeno mundial. Uma das contradições do capitalismo, principalmente nessa nova etapa, a do imperialismo desembuçado, no qual os governos nacionais não passam de meros servidores dos donos do dinheiro, é a de sua incapacidade em estabelecer limites. 

Hoje, nos Estados Unidos — que foram, em um tempo, o espaço para a realização de milhões de pessoas mediante o trabalho — a diferença entre os ricos e os pobres é maior do que durante toda a sua História, incluído o tempo da escravidão. Um por cento da população norte-americana detém 40% de toda a riqueza nacional. A mesma situação se repete em quase todos os países nórdicos.Quando redigíamos este texto, milhares de pessoas se encontravam acampadas no centro de Madri, em continuidade ao movimento Democracia Real, Já, que se iniciou em 15 de maio, com protestos em todas as grandes cidades espanholas. 

A Espanha hoje está dominada pelos grandes banqueiros e companhias multinacionais, que não só exploram o trabalho nacional, como vivem de explorar os países latino-americanos. Bancos como o Santander — cujos resultados mais expressivos ele os obtém no Brasil — dividem com os dois partidos que se revezam no poder (os socialistas e os conservadores) o resultado do assalto à economia do país. É contra esse sistema odioso que os espanhóis foram às ruas, e nas ruas continuam.Não são apenas os jovens desempregados que se indignam. São principalmente as mulheres e homens maduros, os que estimulam o movimento. 

Eles sentem que seus filhos e netos estarão condenados a um futuro a cada dia mais tenebroso e mais violento, se os cidadãos não reagirem imediatamente. Os espanhóis estão promovendo a articulação internacional de movimentos semelhantes, que ocorrem em outros países, como a Islândia, a França, a Inglaterra e mesmo os Estados Unidos. Se o sistema financeiro se articulou, com o Consenso de Washington e os encontros periódicos entre os homens mais ricos do planeta, a fim de dominar e explorar globalmente os povos, é preciso que os cidadãos do mundo inteiro reajam.Marx queria a união de todos os proletários do mundo. O movimento de hoje é mais amplo e seu lema poderia ser: Seres humanos do mundo inteiro, uni-vos.


Fonte: 
http://www.vermelho.org.br/noticia.

sexta-feira, 8 de julho de 2011


                                  As mágoas que Itamar levou consigo                                 



O senador e ex-presidente da República Itamar Franco, morto no último sábado 2, teve, como todo político, suas contradições. Ele completou o restante do governo Fernando Collor de Mello -cassado por corrupção. Chegou ao final com alto índice de aceitação popular tanto pela estabilidade econômica como pelo combate à corrupção.


Elegeu o Coisa Ruim (FHC) seu sucessor pensando em retornar ao poder quatro anos depois, já que tinha dele a garantia de apoio neste sentido. Itamar acreditou na gratidão daquele a quem tirou do ostracismo político, fez dele ministro das Relações Exteriores e depois da Fazenda para coordenar a equipe que elaborava o Plano Real.

A primeira grande decepção com o seu sucessor foi logo no primeiro mês de governo: no dia 19 de janeiro de 1995, através do Decreto nº 1.376 o Coisa Ruim extingui a Comissão Especial de Investigação (CEI) criada por ele, Itamar, para apurar denúncias de corrupção em todas as esferas do governo federal. A CEI era um dos orgulhos de Itamar, e ele esperava que o seu sucessor desse continuidade. 

A segunda grande decepção, e esta doeu profundamente, foi descobrir que o seu sucessor extinguiu a CEI justamente para cimentar a estrada da corrupção que levaria à aprovação da Proposta de Emenda Constitucional da reeleição, como ficou amplamente demonstrada pela oposição de então e através de depoimentos de parlamentares que declararam ter recebido R$ 200 mil para rever a posição e votar a favor, entre eles João Maia e Ronivon Santiago, ambos do PFL do Acre e que tiveram de renunciar ao mandato para não ser cassados e ficar inelegíveis por oito anos.

A traição a Itamar Franco - e ao Brasil - foi tamanha que este declarou que o maior arrependimento de sua vida foi ter indicado e apoiado o Coisa Ruim para sucedê-lo. Se a institucionalização da corrupção, com a extinção da CEI, já era inaceitável, posto que Itamar sempre foi um ferrenho defensor do combate à corrupção, com a quebra unilateral do acordo que certamente o levaria de volta ao Palácio do Planalto fez Itamar a perder todo o respeito que um dia nutriu pelo Coisa Ruim. O ex-senador mineiro também se disse arrependido de ter permitido que o seu sucessor assinasse a cédula do Real mesmo não sendo mais ministro da Fazenda.

O zelo pela coisa pública marcou a passagem do político mineiro pela Presidência da República e pelo governo de Minas Gerais. Ele afastou da chefia da Casa Civil o seu ministro Henrique Hargrives – seu amigo-irmão e o auxiliar de mais confiança – por este ter sido acusado de corrupção. Mandou realizar profunda investigação, ficando constatada a inocência de Hargrives, sendo este reconduzido ao cargo.

O governo neoliberal tucano-pefelista foi o mais corrupto da história republicana. Quem não se lembra dos escândalos da reeleição, do Proer, do DNER, da Sudam, da Sudene, da Pasta Rosa, do Sivam e principalmente das privatizações? E o que dizer do escândalo que ficou conhecido como Pavilhão de Hanouver, onde Paulo Henrique Cardoso, filho do Coisa Ruim gastou R$ 14 milhões liberado pelo governo para montar o pavilhão brasileiro na Expo 2000, na Alemanha? Modesto Carvalhosa - advogado, doutor e livre-docente em Direito pela Universidade de São Paulo e ex-membro da CEI, afirmou categoricamente que “Infelizmente, verifica-se que no governo FHC a corrupção grassou de forma nunca antes vista”. E o general Felicíssimo Cardoso, tio do Coisa Ruim, afirmou que “Esse meu sobrinho não merece confiança”. Precisa dizer mais?Mas as decepções do criador com a sua criatura não param por aí. Quando assumiu o governo de Minas Gerais, Itamar tentou renegociar a dívida do Estado com a União, mas o Coisa Ruim foi contra, forçando-o a decretar uma moratória, fato que gerou uma retaliação contra o governo mineiro. 

O uso de tropas do Exército em Minas para desalojar os integrantes do MST da fazenda do Coisa Ruim foi outra afronta que ele, Itamar, não engoliu, pois considerou uma intervenção federal indevida. Por fim, Itamar o chamou de mentiroso por ele ter se apresentado ao País como o pai do Plano Real.Essas mágoas Itamar Franco levou consigo para o túmulo, ou melhor, para o crematório.



Messias Pontes *
* Diretor de comunicação da Associação de Amizade Brasil-Cuba do Ceará, e membro do Conselho de Ética do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Ceará e do Comitê Estadual do PCdoB.

                                                   SIGILO                                                                   


Encerrado o apocalipse, julgados vivos e mortos na grande assembléia universal do Vale de Jericó, Matusalém e Noé, encarregados do rescaldo final, encontraram nos escombros de Brasília, espalhados entre ruínas dos ministérios, os arquivos ultra-secretos da República.

― Veja só, Noé, esses aqui trazem o carimbo de “sigilo eterno”.

― Eterno?! Essa gente não deu ouvidos ao que disse Jesus, que tudo aquilo que se passasse às ocultas seria proclamado nos telhados? Do que as autoridades brasileiras se envergonhavam?, indagou o ancião da arca.

― Vejamos esses papéis aqui. Tratam da Guerra do Paraguai. Eis o relatório da atuação do comandante Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias... Nossa, Noé, que coisa! Como os soldados brasileiros foram cruéis com os paraguaios!

― Soldados, Matusalém?! Leia isto aqui: escravos arregimentados sob a promessa de uma liberdade que nunca veio. A maioria teve a morte como prêmio de combate.

― Nossa, Noé, e o Barão do Rio Branco! Como ele ousou ampliar assim, na cara de pau, as fronteiras do Brasil?!

― É, Matu, por isso há quem, no Itamaraty, prefira que os documentos fiquem à sombra das barbas do barão. A história se faz entre heroísmos e baixarias. Só que sempre foi escrita pelos vencedores, jamais pelas vítimas. Isso de “sigilo eterno” foi para jogar as infâmias pra debaixo do tapete.

― Veja isso aqui, Noé, os arquivos da ditadura militar. Repare neste mapa: assinala quando, quem, como e onde foram presas, torturadas e assassinadas as vítimas cujos corpos jamais foram localizados e pranteados por suas famílias. E ainda constam os nomes dos militares que participaram de torturas, assassinatos e seqüestros.

― Matu, e este documento aqui, que vergonha!

― Vergonha por quê?

― São os “decretos secretos” da ditadura. Como um documento público, o decreto, pode ser secreto? Isso é o mesmo que alguém se apresentar como ladrão honesto...

― Ora, Matu, vergonhosos são esses papéis que tratam dos governos Sarney e Collor.

― O que há de interessante neles?

― São dados estarrecedores! Quanta sujeirada em tantos governos do Brasil! Haja tráfico de influência, corrupção, nepotismo e favorecimentos. Agora compreendo por que as autoridades brasileiras sonegaram aos historiadores tantos períodos e fatos da história do Brasil!

― Naquela pasta ali – disse Noé – estão as licitações secretas da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016 no Brasil. Haja maracutaia! Obras que ficariam em quinhentos foram multiplicadas por bilhões!

― Pena que o mundo acabou, a história findou e toda essa gente virou pó. Como teria sido importante o povo brasileiro ter direito à transparência histórica! Com certeza teria evitado que a nação repetisse tantos erros e reelegesse aqueles que distorceram os fatos e os encobriram para perpetuarem uma boa imagem que jamais mereceram.

Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira”, entre outros livros.

                                Como é fácil escrever                            

Nos últimos anos tem surgido um súbito interesse pelo ato de escrever. Jovens e maduros têm se debruçado de repente sobre a bruxaria que é o escrever sem antes muito ler, algo tão extraordinário quanto o falar sem jamais ter ouvido. As mais difíceis provas de concursos para empregos públicos e de vestibulares exigem uma torturante redação. 

E, aparentemente estranho, até headhunters, até selecionadores de empresas privadas descobriram a pólvora: que não há bom falante de inglês, nem bom falante de qualquer língua estrangeira que não seja antes um bom conhecedor da própria língua, aquela maltratada e desprezada que o indivíduo ouve desde o ventre da mãe.

Daí que no mercado pululem e pulem livros que dizem ensinar a escrever sem o processo longo, permanente, educador de ler. Daí que apareçam prodígios como “Escrever é fácil”, um livro cujo título já é uma declaração de engodo. Imaginem lições do gênero “Porque escrever não passa disso: uma técnica de comunicação...”.

Numa só frase o autor do remédio para incautos faz uma brevidade-maravilha: que escrever é uma técnica!, e de comunicação. Sabemos todos que técnica é um modo, um método prático de se fazer algo, plenamente transmissível por treino, por repetição. (Sinto o autor assentindo com o queixo, “pois é isso mesmo”. ) Pois acabamos de entrar no reino da mais pura animalidade. Temos que descer às profundas para de lá forcejar um retorno. Vejam.No reino das profundas onde nos achamos já vemos que escrever, se é uma técnica, certamente não é como uma técnica de consertar um radinho de pilha ou uma televisão. “Mas é, de uma outra maneira”, insiste o autor do manual-maravilha. De que maneira ? ousaríamos perguntar. Ao que ele nos responde: “Usem sempre a ordem direta: sujeito, verbo, complemento. 

Escrevam períodos curtos usando palavras de uso comum”. Ah, e mais, de passagem, ele nos diz: “Evitem também a dupla negação. Há quem escreva: ‘Eu não entendi nada’. Ora, se não entendeu nada, então entendeu tudo, certo? Lembrem-se da regra de álgebra: menos com menos é igual a mais! Em vez disso, prefiram: ‘Nada entendi’ ”. Muito bom. Se com esse gênero de mestre as novas gerações aprenderem a escrever, estamos perdidos. Porque vejam, a profundidade das profundas não tem fundo, não tem limite. 


Porque vejam. Primeiro, um mestre não deveria recolher exemplos de disciplinas que desconhece. Menos com menos jamais foi igual a mais, sequer na aritmética – o que existe é uma operação, de multiplicação, cujo produto de números negativos, etc. Segundo, o que dá um sinal contrário em matemática não faz o mesmo quando se escreve. Pelo contrário, “não entendi nada” tem um peso expressivo, de reforço de negação, que não está presente em “nada entendi”. Quem assim se expressa é cidadão inglês de anedota. Terceiro, é muita estupidez fechar o pensamento na ordem direta, tão só e somente. 

O pensamento é, antes, o pulo, o salto, o alcance da essência numa desordem que é uma nova ordem, que não se expressa tão burramente como em “O bebê é bonito”. Vejam, essa frase anterior é de uma burrice que rejeita o poeta João Cabral em “De sua formosura deixai-me que diga: é tão belo como um sim numa sala negativa”. E reduzir a escrita à finalidade da comunicação traz danos irreparáveis ao pensamento. Um deles é subestimar a capacidade de compreensão do público leitor. Esse é um preconceito que termina por contagiar a própria criação. Para melhor “comunicar”, começariam a ser censuradas manifestações importantes do fazer e fazer-se humano. Ou seja: baixem o nível, porque o povo é burro. 

E como não temos mais tempo, deixem-nos por favor soltar de vez mais alguns trechos de crua tragédia para a sensibilidade humana no livro: “Toda frase é uma equação ... vírgulas geralmente quebram a fluência da leitura, exigindo que os olhos e a mente do leitor avancem aos trancos pelo texto ... a lógica é uma parte da filosofia encarregada justamente de pôr as idéias em ordem ... Lembrem-se sempre de que a concepção precede a criação ... Como puderam ver, escrever é fácil. Desde que tenham o que dizer” .De frases que são verdadeiras equações até o escrever que é fácil para quem tem o que dizer, só nos resta parodiar Mark Twain, quando ele se referia à luta para deixar de fumar: escrever é fácil, eu mesmo já tentei várias vezes. 


Urariano Mota *
http://www.vermelho.org.br

* Autor de “Os Corações Futuristas” e de “Soledad no Recife”, que recria os últimos dias de Soledad Barrett, mulher do Cabo Anselmo, executada por Fleury com o auxílio do traidor.