quarta-feira, 30 de junho de 2010

Faltam engenheiros, mas sobram caras de pau

Luciano Rezende *

"A educação é a base para o desenvolvimento. Com uma educação precária, o Brasil está se distanciando dos países do Primeiro Mundo. Como conseqüência, a economia começa a cobrar a conta em função dessa falta de estrutura".


Não há nada de errado na frase acima, com exceção da parte onde diz que estamos nos distanciando dos países do chamado primeiro mundo. Mas no geral, ela é correta. O problema é de onde ela partiu.

Em texto intitulado “Governo petista não preparou o País para o crescimento”, publicado no site do PSDB, o deputado tucano Luiz Carlos Hauly, do Paraná, teve a audácia de criticar o governo Lula pelo fato de que "só 15% dos jovens estão na universidade, o equivalente a um milhão de alunos, quando deveriam ter, no mínimo, 50% dos jovens nas universidades. Fora isso, o ensino médio não oferece cursos profissionalizantes para todos os alunos". Na visão do deputado, Lula é o responsável pelas deformidades do sistema educacional brasileiro, incapaz de formar engenheiros de qualidade para suprir a atual demanda ocasionada pelo crescimento econômico que o mesmo governo (Lula) promove.

A crítica parte justamente de um deputado filiado ao Partido (PSDB) que mais massacrou a educação brasileira. Aproveitou-se de artigo da Folha de São Paulo onde há o alerta que o “País perde US$ 15 bi com má formação de engenheiro” para alfinetar Lula. Mas essa má formação tem um histórico. O desmonte das universidades e escolas técnicas foi patrocinado pelo Governo Fernando Henrique Cardoso e, apesar da grande mobilização da sociedade, não foi possível interromper as políticas neoliberais que vetaram a contratação de novos professores e servidores por oito anos, diminuíram o acesso em vários cursos, sucatearam as estruturas físicas e laboratórios, desmotivaram professores e servidores, congelaram salários e bolsas e outros crimes mais.

O Brasil se tornou, a partir do governo do PSDB, o país com o maior índice de privatização da educação na América Latina e um dos cinco em todo o mundo, se considerados o número de instituições e o percentual de matrículas. Em 1994, 22,5% das instituições de ensino superior eram públicas e 77,5% eram privadas. Em 2002, apenas 11,9% eram públicas e 88,1% privadas. Um crescimento de 118% das instituições privadas enquanto o número de instituições públicas permaneceu o mesmo.

O deputado demonstra ter uma memória fraquíssima. Pensa (ou quer fazer pensar) que é possível saltar de 15% para 50% de jovens na universidade em sete anos. É de se perguntar quanto saltou esse percentual durante os oito anos de governo FHC.

Por isso mesmo é bom comparar. Ou o deputado Hauly também é uma daqueles de que na propaganda eleitoral acha melhor olhar pra frente e esquecer (ou esconder) o passado?

De fato, a carência de engenheiros em nosso país é fato preocupante. Mais que isso, engenheiros devidamente qualificados.

Mas a herança maldita deixada por FHC só vai ser superada em médio e longo prazo. Não se gradua um engenheiro com sólida formação da noite para o dia. Esses profissionais precisam ter uma preparação adequada que comece no ensino fundamental (o mesmo nível de educação em que os governadores - do partido do deputado Hauly - foram contrários a implantação do Piso Nacional para os professores nos seus estados), diferentemente do que propôs os governos tucanos em São Paulo, por exemplo, com o regime de “aprovação automática”, para reduzir custos com o ensino e com isso formar estudantes analfabetos funcionais.

Um partido que enquanto esteve na presidência da república não criou nenhuma universidade pública ou escola técnica em oito anos, não tem moral para vir agora cobrar a formação de engenheiros qualificados. Em contrapartida, Lula e Dilma inauguraram dez novas universidades e 214 escolas técnicas, mesmo assim, muito aquém do que a economia atual, inaugurada por Lula e Dilma, necessita.

No governo passado, nem se tinha engenheiros, nem se tinha empregos. Esse era o dilema. Mas parece que disso o deputado paranaense não se lembra. Ou será isso tudo mais uma invenção da “gente que mente”? O povo saberá quem está com a razão no dia 3 de outubro.

P.S.: Um breve depoimento pessoal: como engenheiro de formação, graduado em uma universidade pública federal em plena era FHC, aproveitei só agora os concursos públicos abertos no governo Lula para ser professor federal. Na época em que me formei (1999) o desemprego era assustador e não houve nenhum concurso público durante todo esse período. Quem não se lembra disso? Meus colegas que antes eram oposição a Lula são hoje anti-PSDB declarados, assim como quase todos os reitores, diretores de escolas e a ampla maioria dos professores que puderam comparar e sentir na carne os dois governos.

* Engenheiro agrônomo, mestre em Entomologia e doutorando em Genética. Da direção estadual do PCdoB - MG

Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna

Aldo Rebelo: a comida vai cair do céu

Sob o autoexplicativo título Farms Here, Forests There (Fazendas Aqui, Florestas Lá), foi publicado nos Estados Unidos, em maio, estudo patrocinado pela National Farmers Union (Associação Nacional de Fazendeiros) e pela organização não-governamental Avoided Deforestation Partners (Parceiros contra o Desmatamento, em tradução livre). 


Por Aldo Rebelo, no O Estado de S.Paulo

A autora principal do relatório é Shari Friedman, ex-funcionária do governo Clinton, quando trabalhou na Environmental Protection Agency (EPA, a Agência de Proteção Ambiental), analisando políticas domésticas de mudanças climáticas e competitividade internacional. Ela também fez parte da equipe norte-americana de negociações para o Protocolo de Kyoto, que os Estados Unidos se negaram a assinar.


O tema do relatório é a perda de competitividade da agroindústria norte-americana diante dos países tropicais, principalmente o Brasil. A tese principal do estudo é que a única forma de conter essa perda de competitividade é reduzir o aumento da oferta mundial de produtos agropecuários, restringindo a expansão da área agrícola nos países tropicais pela promoção de políticas ambientais internacionais mais duras.

Segundo o relatório, "a destruição das florestas tropicais pela produção de madeira, produtos agrícolas e gado tem levado a uma dramática expansão da produção de commodities que competem diretamente com a produção americana". Desse modo, "a agricultura e as indústrias de produtos florestais dos Estados Unidos podem beneficiar-se financeiramente da conservação das florestas tropicais por meio de políticas climáticas".

O estudo avalia que "acabar com o desmatamento por meio de incentivos nos Estados Unidos e da ação internacional sobre o clima pode aumentar a renda agrícola americana de US$ 190 bilhões para US$ 270 bilhões entre 2012 e 2030". Esse aumento incluiria benefícios diretos de US$ 141 bilhões, decorrentes do aumento da produção de soja, carne, madeira e substitutos de óleo de palma, e economias indiretas de US$ 49 bilhões, em razão do menor custo da energia e de fertilizantes, pela redução das medidas compensatórias associadas à diminuição das florestas tropicais, ou seja, na medida em que os países tropicais poluírem e desmatarem menos, eles poderiam poluir e desmatar mais, sem ter de pagar por isso comprando créditos de carbono e outras medidas mitigadoras.

A candura com que eles tratam do tema é comovedora. O estudo revela que na cabeça deles não passamos mesmo de um fundo de quintal que precisa ser preservado para que eles possam destruir o resto do mundo com a consciência tranquila e, principalmente, com o bolso cheio.

Já vai longe — e sem saudades — o tempo em que a sociedade brasileira se curvava, sem questionamentos e sem esperneio, à tutela dos países ditos do Primeiro Mundo. Hoje é inadmissível pensar que países livres tenham de se submeter às manipulações econômicas de outras nações.

O aspecto trágico dessa proposta é a completa ausência de responsabilidade social dos agricultores norte-americanos, que veem a agricultura apenas como uma forma de aumentar sua própria fortuna, e não como a solução para a questão da fome no mundo. Ao produzir mais alimentos — e, com isso, mantendo seus preços mais acessíveis aos países pobres —, o Brasil ajuda a evitar que essa epidemia terrível se espalhe ainda mais no planeta.

Houve ainda uma época em que a divisão internacional do trabalho imposta pelos países ricos reservava para eles a produção de bens manufaturados e aos países pobres, o fornecimento de bens agrícolas e matérias-primas. Hoje se vai estabelecendo uma nova divisão: os Estados Unidos e a Europa transformaram-se em economias de serviço e grandes produtores e exportadores agrícolas, enquanto a produção industrial se deslocou para a Ásia.

Nesse novo esquema, países como o Brasil deveriam, na opinião deles, cumprir um novo papel: tornar-se uma espécie de "área de preservação permanente global". Com isso se resolveriam dois problemas: o comercial, pois sua produção agrícola ineficiente se viabilizaria pela redução da oferta e pelo aumento dos preços internacionais; e o ambiental, porque garantiríamos a compensação necessária para que eles continuem a manter seu atual padrão de consumo, que exige a exploração dos recursos naturais globais acima da capacidade que a natureza tem de repô-los.

Tudo isso funcionaria muito bem, não fosse o fato de sermos um país de mais de 190 milhões de habitantes, que precisam satisfazer as mesmas necessidades básicas que os americanos e europeus e têm as mesmas aspirações de progresso material e espiritual, cada vez mais parecidas e universais no mundo globalizado. Sim, nós também temos direito à felicidade nos mesmos moldes dos europeus ocidentais e dos norte-americanos!

Faz sentido, portanto, a defesa "desinteressada" que eles fazem dos chamados "povos da floresta". Além de sua expressão quantitativa reduzida, esses brasileiros têm um padrão de consumo que não compete com eles no uso dos recursos naturais e torna perfeitamente viável o esquema de "fazendas lá e florestas aqui".

Só não dizem o que fazer com os 190 milhões de nossa população que não vivem nas florestas e precisam produzir comida e outros bens para ter um padrão de vida digno. Para estes eles têm a solução que já aplicam na África, depois de arruinarem a produção local de algodão, milho, tomate e outros alimentos, com os subsídios milionários que dão aos seus próprios fazendeiros: a chamada "ajuda humanitária".

A continuar nesse ritmo, em vez de comprar comida nos supermercados, vamos acabar tendo de esperá-la cair do céu em fardos atirados pela Força Aérea Americana ou distribuídos pela Cruz Vermelha e pelo Greenpeace.

* Aldo Rebelo é deputado federal (PCdoB-SP), relator do Código Florestal, presidiu a Câmara dos Deputados e foi Ministro de Relações Institucionais no governo Lula

Fonte: http://www.vermelho.org.br/noticia

Paul Krugman: quem vai pagar a conta da terceira depressão?

Em artigo reproduzido nesta terça (29) pelo jornal O Estado de São Paul, o economista estadunidense Paul Krugman manifesta o receio de que o mundo já ingressou “nos estágios iniciais de uma terceira depressão” em função do arrocho fiscal que a Europa, agora com apoio do G20, está adotando em resposta à crise.

Krugman lembra a Grande Depressão, que veio no rastro do crahs da Bolsa de Nova York em 1929, para enfatizar que o triunfo das teses conservadoras terá um preço alto e quem vai pagar o pato são “dezenas de milhões de trabalhadores desempregados, muitos deles sujeitos a ficar sem emprego por anos e outros que nunca mais voltarão a trabalhar”.

Leia abaixo a íntegra do artigo:

A terceira depressão

Recessões são comuns; depressões são raras. Pelo que sei, houve apenas duas eras na história econômica qualificadas como “depressões” na ocasião: os anos de deflação e instabilidade que acompanharam o Pânico de 1873, e os anos de desemprego em massa, após a crise financeira de 1929-31.

Nem a Longa Depressão do século 19, nem a Grande Depressão, no século 20, registraram um declínio contínuo. Pelo contrário, ambas tiveram períodos em que a economia cresceu. Mas esses períodos de melhora jamais foram suficientes para desfazer os danos provocados pela depressão inicial e foram seguidos de recaídas.

Receio que estamos nos estágios iniciais de uma terceira depressão. Que provavelmente vai se assemelhar mais à Longa Depressão do que a uma Grande Depressão mais severa. Mas o custo – para a economia mundial e, sobretudo, para os milhões de pessoas arruinadas pela falta de emprego – será imenso.

E esta terceira depressão tem a ver, principalmente, com o fracasso político. Em todo o mundo – e, mais recentemente, no profundamente desanimador encontro do G-20, no fim de semana -, os governos se mostram obcecados com a inflação quando a verdadeira ameaça é a deflação, e insistem na necessidade de apertar o cinto, quando o problema de fato são os gastos inadequados.

Em 2008 e 2009, parecia que tínhamos aprendido com a história. Ao contrário dos seus predecessores, que elevavam as taxas de juros para enfrentar uma crise financeira, os atuais líderes do Federal Reserve e do BCE (Banco Central Europeu) cortaram os juros e partiram em apoio aos mercados de crédito. Ao contrário dos governos do passado, que tentaram equilibrar os orçamentos para fazer frente a uma economia em forte declínio, os governos hoje deixam os déficits aumentarem. E melhores políticas ajudaram o mundo a evitar o colapso total: podemos dizer que a recessão provocada pela crise financeira acabou no verão (no hemisfério norte) passado.

Mas os futuros historiadores irão nos dizer que esse não foi o fim da terceira depressão, da mesma maneira que a retomada econômica em 1933 não foi o fim da Grande Depressão. Afinal, o desemprego – especialmente o desemprego a longo prazo – continua em níveis que seriam considerados catastróficos há alguns anos e não dão sinal de queda. E tanto Estados Unidos como Europa estão próximos de cair na mesma armadilha deflacionária que atingiu o Japão.
Diante desse quadro sombrio, você poderia esperar que os legisladores tivessem entendido que não fizeram o suficiente para promover a recuperação. Mas não. Nos últimos meses observamos o ressurgimento da ortodoxia do equilíbrio orçamentário e da moeda forte.

O ressurgimento dessas teses antiquadas é mais evidente na Europa, onde as autoridades parecem estar usando os discursos de Herbert Hoover para fundamentar sua retórica, incluindo a afirmação de que elevar impostos e cortar gastos vai expandir a economia, melhorando a confiança nos negócios. Mas, em termos práticos, os EUA não estão agindo muito melhor. O Fed parece consciente dos riscos de uma deflação – mas o que propõe fazer com relação a esses riscos é, bem, nada.

O governo Obama entende os perigos de uma austeridade fiscal prematura – mas como os republicanos e democratas conservadores do Congresso não aprovam uma ajuda adicional aos governos estaduais, essa austeridade se impõe de qualquer maneira, com os cortes no orçamento estaduais e municipais.

Por que essa virada equivocada da política? Os radicais com frequência referem-se às dificuldades da Grécia e outros países na periferia da Europa para justificar seus atos. E é verdade que os investidores atacaram os governos com déficits incontroláveis. Mas não há nenhuma evidência de que uma austeridade a curto prazo, face a uma economia deprimida, vai tranquilizar os investidores. Pelo contrário: a Grécia concordou com a adoção de um plano severo de austeridade, mas viu seus riscos se ampliarem ainda mais; a Irlanda estabeleceu cortes brutais dos gastos públicos e foi tratada pelos mercados como um país com risco maior do que a Espanha, que até agora reluta em adotar medidas drásticas propugnadas pelos radicais.

É como se os mercados financeiros entendessem o que os legisladores aparentemente não compreendem: que, embora a responsabilidade fiscal a longo prazo seja importante, cortar gastos no meio de uma depressão vai aprofundar essa depressão e abrir caminho para a deflação, o que é contraproducente.

Portanto, não acho que as coisas tenham a ver de fato com a Grécia, ou com qualquer apreciação realista sobre o que priorizar, déficits ou empregos. Em vez disso, trata-se da vitória de teses conservadoras que não se baseiam numa análise racional e cujo principal dogma é que, nos tempos difíceis, é preciso impor o sofrimento para outras pessoas pra mostrar liderança.

E quem irá pagar o preço pelo triunfo dessas teses conservadoras? A resposta é: dezenas de milhões de trabalhadores desempregados, muitos deles sujeitos a ficar sem emprego por anos e outros que nunca mais voltarão a trabalhar.
Fonte: http://www.vermelho.org.br/noticia

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Aldo admite corrigir imprecisões para não facilitar desmatamento

A cada resposta, Aldo Rebelo reforça o mesmo argumento: o novo Código Florestal Brasileiro, pelo menos da forma como o deputado do PCdoB de São Paulo o concebeu, não implicará em novos desmatamentos. A concepção, porém, é diferente do resultado final presente no texto, concluído após ampla discussão. As novas regras, conforme o que está escrito no relatório de Aldo, podem ampliar o desmatamento, e o deputado já admite alterar o texto para corrigir "ambiguidades" e "distorções".

 

 Código Florestal Deputado federal há 20 anos, ex-ministro de Lula e ex-presidente da Câmara, Aldo Rebelo, 54, enfrenta a saraivada de críticas ao relatório – apontado como explicitamente favorável aos ruralistas – com uma alternância de serenidade e irritação. Explica pausadamente os pontos mais importantes, garante que analisa todas as sugestões de mudança e tenta conter o duelo raivoso entre ambientalistas e ruralistas. "As pessoas estão interpretando o relatório como interpretam Dom Casmurro, se Capitu traiu ou não traiu Bentinho, se vai ou não vai haver desmatamento."

 A seguir, confira íntegra da entrevista ao Correio Braziliense:

Correio Braziliense- O que ainda não ficou claro no relatório final, quais pontos o senhor enxerga contradições ou interpretações equivocadas?
Aldo Rebelo - A legislação florestal no Brasil foi profundamente alterada nos últimos anos. O código de 1965 só previa reserva legal numa proporção de 50% na Amazônia e 20% na Mata Atlântica. Não protegia savanas, a caatinga, o pantanal e os pampas. Com as alterações, passou a proteger os demais biomas e ampliou de 50% para 80% a reserva na Amazônia. Por outro lado, a proteção de mata ciliar começava com 5 metros e terminava com 100 metros. Houve alteração para uma proteção mínima de 30 metros e uma proteção máxima de 500 metros. As áreas de preservação permanente, a partir de uma resolução do Conama de 2002, deixaram na ilegalidade 75% da produção de arroz no país, a criação de gado no pantanal, de maçã e uva no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, e de café em São Paulo, no Espírito Santo e em Minas Gerais. A obrigação da averbação de reserva legal na pequenas propriedades praticamente inviabilizou essas propriedades, causando êxodo rural e transferindo um problema social e ambiental do campo para a cidade. Por todas essas razões é que a legislação ambiental precisa de adaptação, para proteger o meio ambiente e também impedir o êxodo rural e a concentração da terra.

CB - O senhor constatou que realmente a necessidade de se manter áreas preservadas está por trás da expulsão dessas pessoas para as cidades?
AR - O jovem não quer mais permanecer na roça, porque a renda é muito baixa e o acesso à educação, à saúde, à cultura e à vida social é mais difícil do que na cidade. Além disso, como a legislação ambiental impõe a recomposição da área de vegetação nativa nas pequenas propriedades, a um custo que o produtor não tem condição de pagar – a recomposição de um hectare varia de 10 a 15 mil reais –, o proprietário prefere sair da área, vendê-la, trocar por um carro usado, por uma casa na periferia das cidades. Eu vi isso em todos os estados que visitei. Muitos assentados estão sem crédito porque não conseguem averbar a reserva legal. Noventa por cento das propriedades agrícolas no Brasil são familiares, é uma agricultura ainda quase pré-capitalista, semi-capitalista, sem uma renda elevada. Não é aquele agricultor que tem 200 mil hectares de soja, ou 200 cabeças de gado, e que nem mora no campo. Este é um investidor rural, que mora na cidade, é um empresário que tem terras.

CB - Quais pontos considera cruciais no relatório? O texto foi muito atacado porque, segundo os críticos, não traz o equilíbrio entre preservação ambiental e produção agropecuária.
AR - Primeiro é preciso destacar que algumas organizações não-governamentais atacaram o relatório, mas muitas entidades defenderam, como a Contag e a Força Sindical. O que é mais importante no relatório, e que a legislação atual não assegura, é uma moratória de cinco anos com qualquer tipo de desmatamento no país. Enquanto os estados não realizarem zoneamento ecológico e econômico, nós não vamos permitir a abertura de nenhuma nova área para a agricultura e para a pecuária. A legislação não protege o que resta de vegetação nativa, o que não é pouco: representa mais de 70% do território brasileiro. O compromisso de proteger esse patrimônio é um ganho muito importante do relatório. Por outro lado, o relatório procura resolver passivos, as áreas que já foram ocupadas, cuja recomposição é quase impossível. Alguns estados não têm estoque para recomposição, como é o caso de São Paulo, Rio Grande do Sul e dos estados do Nordeste.

CB - Esse é um ponto controverso, pois o relatório libera as propriedades de até quatro módulos de terem reserva legal, o que permitiria o desmatamento. Não é isso que o texto diz?
AR - O produtor não precisa averbar a reserva legal, mas o mesmo projeto proíbe o desmatamento, o que vale para o pequeno e para o grande proprietário.

CB - Mas isso somente no período da moratória?
AR - Não somente nesse período. Eu disse ao Ministério do Meio Ambiente que, se houver qualquer dúvida quanto a isso, que façam uma emenda e eu acolho. Nem o pequeno nem o grande estarão autorizados a se desfazer de nenhuma área de vegetação nativa.

CB - O senhor concorda que ficou uma dúvida em relação a isso? Esse é um ponto passível de mudança, para que fique mais claro na legislação?
O que deve ficar claro no relatório é que ninguém está autorizado a se desfazer de nenhum fragmento de vegetação nativa em suas propriedades. Pode ser feito até mesmo um cadastramento da mata que exista por lá, e o proprietário se compromete a preservar.

CB - Haverá uma modificação do texto nesse sentido?
AR - Se for para ficar mais claro, não tenho dúvida nenhuma. Os consultores que redigiram, com preocupação deles e minha, acham que não há problema de falta de clareza. Mas tanto eles quanto eu estamos dispostos a deixar mais claro, talvez acrescentando uma expressão que nós examinamos: "exclusivamente para efeito de recomposição".

CB - Um outro ponto que gerou dupla interpretação é a possibilidade de se excluir quatro módulos fiscais do cálculo da reserva legal nas grandes propriedades. O Ministério do Meio Ambiente chegou a fazer as contas sobre as perdas de vegetação em razão desse mecanismo. Também há dubiedade nesse ponto?
AR - Nas primeiras conversas, o Ministério do Meio Ambiente não tinha apresentado nenhuma proposta de alteração. Isso só me chegou ontem (quarta-feira, 23) à noite. O que houver de dúvida em relação ao compromisso do relatório com a preservação da vegetação, temos interesse em deixar claro. A clareza impedirá que amanhã alguém, com base em qualquer ambiguidade da redação, possa usar o direito de se desfazer da vegetação nativa. Vou passar o fim de semana examinando as sugestões do ministério para ver o que posso acolher, no sentido de deixar o relatório mais cristalino.

CB - Foi a própria ministra Izabella Teixeira que apresentou as sugestões?
AR - Eu falei com ela, secretários executivos e um grupo de técnicos do ministério. Deixei claro a eles que meu objetivo é trabalhar com a consolidação das áreas e correção do passivo existente.

CB - O senhor mesmo pode fazer as alterações no projeto ou é necessário que alguém provoque isso?
AR - Eu posso fazer, mas pedi que deputados e entidades enviem sugestões. O relatório não é um projeto grande, são apenas 50 artigos, e alguns deles repetem a legislação anterior. Qualquer cidadão pode enviar sugestões para eu analisar e apresentar à comissão.

CB - A votação do relatório pela comissão vem sendo sucessivamente adiada, em meio a debates acalorados entre ambientalistas e ruralistas. Há alguma razão para esses adiamentos? Foi um pedido para que o relator possa avaliar melhor o projeto?
AR - A primeira razão é essa. É preciso tempo para as pessoas lerem o relatório, receberem sugestões e examinarem. Eu não trabalho sozinho. Tenho uma equipe de consultores que organizou o relatório, além da própria comissão e de ministérios.

CB - O relatório deve ser votado ainda neste semestre?
AR - Eu defendo que sim. É um respeito à própria Câmara, que constituiu essa comissão há quase um ano. Os prazos já foram esgotados várias vezes. A resolução do Conama de 2002, por exemplo, que colocou produtores na ilegalidade, nunca foi corrigida. Por que o Ministério do Meio Ambiente não corrigiu, não fez o debate? A comissão fez essa discussão, ouviu inclusive o ministério. É preciso que se dê uma solução, não se pode deixar as pessoas na ilegalidade.

CB - O relatório que será votado na comissão especial pode ser diferente do atual?
AR - Pode, com correções das ambiguidades e maior clareza quanto à consolidação, de um lado, e à proteção efetiva, de outro. Não deve haver dúvidas quanto ao desmatamento zero nas propriedades. Muitas agressões contra o meio ambiente acontecem por ignorância. Eu nasci na roça, e nunca ouvi falar que precisava manter uma mata ciliar. As pessoas não sabiam disso, só queriam chegar perto da água para plantar macaxeira, inhame, batata. Não adianta pensar que o meio ambiente será preservado em 5.600 municípios brasileiros a partir de Brasília. A Polícia Federal faz uma operação, chega em helicóptero, prende as pessoas, e depois vai embora.

CB - Há possibilidade de revisão do tópico que inclui as áreas de preservação permanente no cálculo da reserva legal, já que se prevê um desmatamento maior com esse mecanismo?

AR - Essa previsão está completamente enganada. As pessoas estão interpretando o relatório como interpretam Dom Casmurro, se Capitu traiu ou não traiu Bentinho, se vai ou não vai haver desmatamento. Não haverá desmatamento. Ao juntar APP e reserva legal, permite-se apenas a regularização de áreas onde não há estoque de vegetação. A legislação atual já permite somar APP e reserva legal na Amazônia. O que se permitirá é o regime de servidão: o proprietário poderá alugar reserva legal para quem não tem. Se houver dúvida nesse artigo, nós vamos deixar claro que não está autorizado qualquer tipo de desmatamento.

CB - O senhor tem criticado essa briga que se instalou na comissão especial entre ambientalistas e ruralistas, e foi bem duro com as ONGs ambientais internacionais, enquanto dedica o relatório aos agricultores brasileiros. Como o senhor analisa o comportamento dos ambientalistas? E acredita que o relatório esteja sendo usado como instrumento de interesses do agronegócio?
AR - Homenagear os agricultores é homenagear uma parcela do nosso país, a quem devemos muito. Eu homenageei também os ambientalistas, dedico a eles um belo poema de Castro Alves, chamado A Queimada. Noventa por cento das ONGs merecem respeito e nós devemos a elas as denúncias de crimes ambientais no país. O que distingo são ONGs com sede no exterior e que vêm ao Brasil para defender os interesses de seus países. Eu tenho o direito de pensar dessa forma porque existe uma guerra comercial na agricultura mundial. Essas ONGs defendem os interesses dos agricultores ricos dos seus países. Não me peçam que, quando houver conflito de interesse entre o produtor de soja do Brasil e o produtor de soja dos Estados Unidos, eu fique do lado do americano. Nós devemos proteger a agricultura no que ela tem de bom e criticar o que ela tem de socialmente atrasado.

Fonte: http://www.vermelho.org.br

Condenação do Cristo marxista


Gilson Caroni *

Nas páginas do “Evangelho segundo Jesus Cristo”, a grande heresia não está no fato de o personagem pedir perdão pelos pecados de Deus. O que o Vaticano não pode perdoar é a denúncia corajosa a um cristianismo imperial e colonialista.

 

Que estranhos desígnios inspiraram o "L'Osservatore Romano" a atacar,em editorial, o escritor José Saramago, falecido recentemente na Espanha? Chamá-lo de populista extremista, que se referia "com comodidade a um Deus no qual jamais acreditou por considerar-se todo poderoso e onisciente" não revela apenas uma atitude fria e inflexível com um humanista ateu. Vai além. Reforça apreensões em relação aos objetivos políticos do Vaticano e suas consequências éticas.

Se a eleição do cardeal Ratzinger como supremo pontífice da Igreja Católica constituiu um acontecimento cuja gravidade poucos subestimaram, a superação integrista das contradições do Concílio Vaticano II já se delineava claramente no pontificado de seu antecessor, João Paulo II, quando as bases sociais da Teologia da Libertação foram firmemente atacadas.

Em 1983, ao visitar a América Central, suas homilias mantiveram fina sintonia com o projeto do governo Reagan para a região. Em Manágua, o papa não apenas não correspondeu às expectativas do povo nicaraguense de condenação clara às agressões incentivadas pelo imperialismo estadunidense, como também deu ênfase ao que mais dividia o governo sandinista e a hierarquia eclesiástica, à época: o da fidelidade dos sacerdotes e religiosas à igreja e à exigência de não participarem na responsabilidade da gestão governamental. Uma declaração de guerra aos partidários de um cristianismo progressista. Reafirmação classista de uma instituição multissecular.

Na Guatemala, um dos países em que a repressão dos governos militares fez mais vítimas entre os religiosos, João Paulo II não só visitou o presidente Ríos Montt, conhecido por ordenar massacres contra a oposição, como permitiu que o general lhe pedisse o afastamento de sacerdotes da política. Nos discursos papais não houve qualquer protesto contra fuzilamentos sistemáticos; apenas menções genéricas a Direitos Humanos. O Cristo do Vaticano, ao contrário do de Saramago, não deu ouvido a comunidades indígenas e camponesas tratadas como estrangeiras em seus próprios países.

Embora saiba muito bem que estão implícitas, na violência que se expande, a questão do poder, dos interesses econômicos nacionais e internacionais, além das considerações geopolíticas, o Jesus do "L'Osservatore" ignora que a promessa anunciada só se efetivará provocando uma transformação radical da condição social do homem. No livro de Saramago, Jesus, filho de José e amante de Madalena, vive a Paixão dos novos sujeitos. Seu sacrifício é a labuta das populações negras, o sofrimento das índias e o sangue camponês que jorra nos latifúndios.

A coexistência de um papado ultra-reacionário com governos de extrema-direita, como foi o de Bush, implica uma luta mundial de idéias que, não duvidem, será muito intensa. A crítica a uma religião de mercado, que exige o sacrifício de vidas humanas e o aniquilamento de natureza é a batalha da esquerda de nosso tempo.

Nessa guerra, ao contrário do que afirma o Vaticano, o Cristo de Saramago é aliado fundamental. Nas páginas do "Evangelho segundo Jesus Cristo", a grande heresia não está no fato de o personagem pedir perdão pelos pecados de Deus. O que o Vaticano não pode perdoar é a denúncia corajosa a um cristianismo imperial e colonialista. Um sistema de crenças que, para validar a opressão, necessita de uma metafísica negativa sobre os homens e sua história.

Saramago provocou a ira da cúpula da Igreja Católica ao reafirmar a modernidade e os valores de igualdade e liberdade. Foi isso que seu Cristo Marxista proclamou. Não de maneira idílica, mas de forma dialética, como reafirmação de vidas que devem transcender a si mesmas, eliminando práticas e relações que geram opressão e miséria.
* É professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil

 Fonte: http://www.vermelho.org.br

sábado, 26 de junho de 2010

Ciência festeja criação da vida e Vaticano estrebucha

Carlos Pompe *

Pesquisadores anunciaram, dia 20 de maio, a criação da primeira célula controlada por um genoma sintético. Um êxito que poderá levar à produção de micro-organismos especialmente criados para desempenhar funções específicas, como secretar biocombustíveis, retirar poluentes da atmosfera ou produzir vacinas. O resultado assustou os criacionistas e sua principal organização mundial, a Igreja Católica e Apostólica Romana.

 
Cultura de células sintéticas, por microscópio eletrônico  
J. Craig Venter, que chefiou o programa privado de sequenciamento do genoma humano e liderou a atual pesquisa, anunciou: "Esta é a primeira célula sintética já feita, e nós a chamamos de sintética porque ela é totalmente derivada de um cromossomo sintético, feito com quatro garrafas de produtos químicos e um sintetizador, a partir de informação em nosso computador. Esta passa a ser uma ferramenta muito importante para tentar projetar o que queremos que a biologia faça". Nos planos dos autores está a produção de algas capazes de capturar dióxido de carbono e transformá-lo em novos combustíveis. Eles também estudam meios de acelerar a produção de vacinas.

A equipe de Venter sintetizou o genoma da bactéria M. mycoides, acrescentando a ele uma "marca d'água" para distingui-lo da versão natural. A marca d'água inclui os nomes de coautores e colaboradores do estudo, um endereço na internet, um e-mail e três citações, incluindo uma de James Joyce e uma do físico Richard Feynman: "O que sou incapaz de construir, sou incapaz de compreender". Tudo codificado em DNA.

Como as máquinas atuais apenas conseguem montar sequências curtas de DNA, os cientistas inseriram os fragmentos em leveduras, cujas enzimas reparadores de DNA "amarraram" as sequências. Eles então transferiram as sequências de tamanho médio para a bactéria E. coli e de volta para a levedura. Depois de três rodadas de montagem, havia um genoma de mais de um milhão de bases pronto.

Os pesquisadores pretendem, agora, construir genomas originais, e não de meras cópias do que já existe na natureza. Venter reconheceu que com a tecnologia do DNA sintético poderão ser criados agentes causadores de doenças. Mas a técnica representa "um aumento linear na capacidade de fazer o mal e um aumento exponencial na capacidade de fazer o bem".

Pego com as batinas nas mãos diante de mais esta refutação da necessidade de um ser superior para criar o mundo e a vida, as autoridades do Vaticano consideraram, no órgão oficial da Igreja, L'Osservatore Romano, a célula sintética um "resultado interessante", mas destacou que "deve ter regras, como tudo o que toca o coração da vida". Ora, foi exatamente usando as regras da natureza que os cientistas chegaram ao resultado exitoso de sua experiência.

Sem argumentos para contrapor ao irrefutável, o monsenhor Rino Fisichella, considerado autoridade em bioética pelo Vaticano, tratou de mudar de assunto: “Pensamos, acima de tudo, no significado que deve ser dado à vida". Então, tá.

Numa sociedade dividida e em permanente luta de classes, a utilização da ciência pode ser feita para o avanço social ou utilizada em crimes contra a humanidade. O avanço do conhecimento atômico propiciou a invenção de inúmeras máquinas a serviço da medicina, e também possibilitou aos Estados Unidos lançarem duas bombas atômicas contra o Japão, na primeira metade do século passado.

No entanto, a cada avanço científico é reafirmado o poder do conhecimento humano e o obsoletismo das crendices que obstaculizam o domínio sobre a natureza e que são utilizadas para manter as massas dóceis e submissas aos seus opressores. Como poetou Cecília Meireles:

Pelos caminhos do mundo
nenhum destino se perde:
há os grandes sonhos dos homens,
E a surda força dos vermes.
* Jornalista e curioso do mundo.

Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna

O pensamento vivo de José Saramago

Carlos Pompe *

Deixou de bater, dia 18 de junho, o coração do escritor, pensador, jornalista e político (filiado e, por um período, dirigente do Partido Comunista Português) José Saramago. Grande leitor e admirador da obra de Karl Marx, atuava também como um militante ateísta, combatendo o pensamento religioso. Perseguido pelo governo português e pela Igreja Católica, criticado por sionistas e obscurantistas de toda a sorte, dizia ter a “pele dura” para aguentar – e responder – os ataques que sofria. Um pouco de seu pensamento:

"Eu sou um comunista hormonal, meu corpo contém hormônios que fazem crescer minha barba e outros que me tornam um comunista. Mudar, para quê? Eu ficaria envergonhado, eu não quero me tornar outra pessoa". (ao repórter da BBC Alfonso Daniels, junho de 2009).

“Você sabe, eu nunca escondi minhas convicções. Sou comunista e por isso sou tratado como inimigo da democracia. Pelo contrário, eu quero é salvar a democracia e para isso é preciso criticar esse simulacro de democracia em que vivemos. As democracias ocidentais são fachadas políticas do poder econômico. Fachadas com cores, bandeiras, discursos intermináveis sobre a democracia.” “Foi o poder econômico que enfiou nas consciências que o mercado deve agir de mãos livres e, assim fazendo, levou à conclusão de que o pleno emprego é um obstáculo”. (entrevista a Didier Jacob, Le Nouvel Observateur, novembro de 2006)

"Que Ratzinger tenha a coragem de invocar Deus para reforçar seu neomedievalismo universal, um Deus que ele jamais viu, com o qual nunca se sentou para tomar um café, mostra apenas o absoluto cinismo intelectual desta pessoa."

“Deus não existe fora da cabeça das pessoas que nele creem. Pessoalmente, não tenho nenhuma conta a ajustar com uma entidade que durante a eternidade anterior ao aparecimento do universo nada tinha feito (pelo menos não consta) e que depois decidiu sumir-se não se sabe para onde. O cérebro humano é um grande criador de absurdos. E Deus é o maior deles”.

“Caim (sua última publicação) é um livro escrito contra toda e qualquer religião. Ao longo da História, as religiões, todas elas, sem exceção, fizeram à humanidade mais mal que bem. Todos o sabemos, mas não extraímos daí a conclusão óbvia: acabar com elas. Não será possível, mas ao menos tentêmo-lo. Pela análise, pela crítica implacável. A liberdade do ser humano assim o exige”.

(entrevista a Ubiratan Brasil, O Estado de São Paulo, outubro de 2009)
“O poder de cada um de nós limita-se na esfera política a tirar um governo de que não gosta e colocar outro de que talvez venha a gostar. Mas as grandes decisões são tomadas em outra esfera. E todos sabemos qual é: as grandes relações financeiras internacionais.” (Folha de S. Paulo, 2008)

"Estamos afundados na merda do mundo e não se pode ser otimista. O otimista, ou é estúpido, ou insensível ou milionário". (dezembro de 2008, na apresentação em Madri de "As pequenas memórias").

“Hoje, existe uma espécie de menosprezo por essa coisa tão simples que antes era falar com propriedade. Quando eu era trabalhador, sempre tinhas as ferramentas limpas e em bom estado. Não conheço uma ferramenta mais rica e capaz que o idioma. E isso significa que se deve ser elegante na dicção. Falar bem é um sinal de pensar bem”. (entrevista coletiva no lançamento do As pequenas memórias, 2006)

“Uma vez que foi dito e do dito se fez escrito para valer e dar fé”. (História do cerco de Lisboa, 1989)
“... cada um de nós é, acima de tudo, filho das suas obras, daquilo que vai fazendo durante o tempo que cá anda”. (Crônica Retrato de antepassados, in Os apontamentos, 1976)

“... aos jornais e demais meios de comunicação sociais pela facilidade com que passam dos aplausos do capitólio às precipitações da rocha tarpeia, como se eles não fossem uma parte activa na preparação do desastre”. (Ensaio sobre a lucidez, 2004)

“Eu digo de outra maneira aquilo que a minha avó disse, já devia estar farta de viver, e disse: o mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer”. (frase dita ao cineasta Fernando Meirelles, que adaptou “Ensaio sobre a cegueira” para o cinema)
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Persigamos as ideias imortais, juntos, no Twitter: http://twitter.com/Carlopo
* Jornalista e curioso do mundo.
Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna

 Porta-aviões Harry S. Truman

Porta-aviões Harry S. Truman, um dos  que navegam pelo Canal de Suez


Fidel Castro: Como gostaria de estar enganado                                               

Em mais um artigo de sua série de reflexões, Fidel Castro analisa as ações belicistas dos Estados Unidos, que parecem passar despercebidas por boa parte da população entretida com os jogos da Copa do Mundo. “Haveria de se perguntar quantos, em contrapartida, tomaram conhecimento que desde o dia 20 de junho, navios militares norte-americanos (...) navegam pelas costas iranianas através do canal de Suez”, escreve. Acompanhe a íntegra a seguir.

Quando estas linhas tiverem sido publicadas no jornal Granma desta sexta-feira, o dia 26 de Julho – data em que sempre recordamos com orgulho a honra de termos resistido aos ataques do império – estará distante, apesar de faltarem apenas 32 dias.

Os que determinam cada passo do pior inimigo da humanidade – o imperialismo dos Estados Unidos, uma mescla de mesquinhos interesses materiais, desprezo e subestimação às demais pessoas que habitam o planeta – o calcularam com precisão matemática. Na reflexão do dia 16 de junho, escrevi: “A cada jogo da Copa do Mundo, as diabólicas notícias vão deslizando pouco a pouco, de modo que ninguém se ocupe delas”.

O famoso evento esportivo entrou em seus momentos mais emocionantes. Durante 14 dias, as equipes integradas pelos melhores futebolistas de 32 países estiveram competindo para avançar até a fase de oitavas de final; depois virão sucessivamente as fases de quartas de final, semifinais e o final do evento. O fanatismo esportivo cresce incessantemente, envolvendo talvez centenas de milhares de pessoas em todo o planeta.

Haveria de se perguntar quantos, em contrapartida, tomaram conhecimento que desde o dia 20 de junho, navios militares norte-americanos – incluídos o porta-aviões Harry S. Truman, escoltado por um ou mais submarinos nucleares e outros submarinos de guerra com foguetes e canhões mais potentes que os dos velhos encouraçados utilizados na última guerra mundial entre 1939 e 1945 – navegam pelas costas iranianas através do canal de Suez.

Junto às forças navais ianques, avançam submarinos militares israelenses, com armamento igualmente sofisticado para inspecionar qualquer embarcação que parta para exportar e importar produtos comerciais necessário ao funcionamento da economia iraniana.

O Conselho de Segurança da ONU, por proposta dos Estados Unidos e com o apoio da Grã-Bretanha, França e Alemanha, aprovou uma dura resolução que não foi vetada por nenhum dos cinco países que ostentam esse direito. Outra resolução, mais dura, foi aprovada por acordo do Senado dos Estados Unidos. Posteriormente, uma terceira e, todavia mais dura, foi aprovada pelos países da Comunidade Europeia. Tudo isso ocorreu antes do dia 20 de junho, o que motivou uma viagem urgente do presidente francês Nicolas Sarkozy à Rússia, segundo o noticiário, para encontrar-se com o chefe de Estado desse poderoso país, Dmitri Medvédev, na esperança de negociar com o Irã e evitar o pior.

Agora, trata-se de calcular quando as forças navais dos EUA e de Israel se colocarão frente às costas do Irã e se unirão ali aos porta-aviões e demais submarinos militares norte-americanos que montam guarda nessa região.

O pior é que, assim como os Estados Unidos, Israel – seu gendarme no Oriente Médio – possui moderníssimos aviões de ataque e sofisticadas armas nucleares fornecidos pelos EUA, o que os converteu na sexta potência nuclear do planeta por seu poder de fogo entre as oito reconhecidas como tais, grupo que inclui ainda a Índia e o Paquistão.

O xá do Irã havia sido derrocado pelo aiatolá Ruhollah Komeini em 1979 sem usar uma arma. Os Estados Unidos impuseram a guerra àquela nação com o emprego de armas químicas, cujos componentes forneceu ao Iraque junto com a informação requerida por suas unidades de combate e que foram empregadas por estas contra os Guardiões da Revolução. Cuba o conhece porque era então, como explicado outras vezes, presidente do Movimento de Países Não Alinhados. Sabemos bem os estragos que causou em sua população. Mahmoud Ahmadinejad, hoje chefe de Estado do Irã, foi chefe do sexto exército dos Guardiões da Revolução e chefe do Corpo de Guardiões nas províncias ocidentais do país, que tiveram peso fundamental naquela guerra.

Hoje, em 2010, tanto os EUA como Israel, depois de 31 anos, subestimam milhares de homens das Forças Armadas do Irã e sua capacidade de combate por terra e as forças aéreas, marítimas e terrestres dos Guardiões da Revolução.

A estas se somam os 20 milhões de homens e mulheres, entre 12 e 60 anos, escolhidos e treinados sistematicamente por suas diversas instituições armadas entre os 70 milhões de pessoas que habitam o país.

O governo dos Estados Unidos elaborou um plano para levar a cabo um movimento político que, apoiando-se no consumismo capitalista, que dividiria os iranianos e derrotaria o regime. Tal esperança é inócua. É risível pensar que com os navios de guerra estadunidenses, unidos aos israelenses, despertem as simpatias de apenas um cidadão iraniano.

Acreditava inicialmente, ao analisar a atual situação, que a contenda começaria pela península da Coreia, e ali estaria o detonador da segunda guerra coreana que, por sua vez, daria lugar imediatamente à segunda guerra que os EUA imporiam ao Irã. Agora, a realidade muda as coisas em sentido inverso: a do Irã desatará de imediato a da Coreia.

A administração central da Coreia do Norte, que foi acusada de afundar o navio Cheonan e sabe que o mesmo foi afundado por uma mina que os serviços de inteligência ianques conseguiram colocar no casco desse navio, não esperariam um segundo para agir tão logo se iniciasse um ataque ao Irã.

É muito justo que os fanáticos pelo futebol desfrutem como desejarem das competições da Copa do Mundo. Cumpro apenas o dever de exortar nosso povo, pensando, sobretudo, em nossa juventude, cheia de vida e esperanças, e especialmente em nossas maravilhosas crianças, para que os fatos não nos surpreendam absolutamente desprevenidos.

Dói-me pensar em tantos sonhos concebidos pelos seres humanos e as assombrosas criações feitas em poucos milhares de anos. Quando os sonhos mais revolucionários estão reunidos e a pátria se recupera firmemente, como eu gostaria de estar equivocado!


Fonte: Reflexões de Fidel, no site Cuba Debate, com tradução do Vermelho
        André Tokarski é o novo presidente da UJS         

Cerca de 2 mil jovens participaram de quatro dias de debates, atos políticos e atividades culturais na capital baiana

Terminou em Salvador, em clima de torcida pelo Brasil, o 15° Congresso Nacional da UJS. Os cerca de 2 mil jovens, de todos os estados brasileiros, que mais tarde se reunirão para a despedida assistindo ao jogo da seleção brasileira contra a Costa do Marfim, estiveram devidamente uniformizados de verde e amarelo, na parte da manhã, para a plenária final. Foram decididas as resoluções da entidade para os próximos dois anos e houve a eleição da nova diretoria. O goiano André Tokarski, de 26 anos, foi eleito novo presidente da UJS, um dos mais jovens da história da entidade.

Tokarski admite que presidir a UJS é a maior responsabilidade de sua vida. Porém, sente-se seguro ao contar com a construção diária, de toda a militância, para o sucesso dessa gestão. “Chegamos nesse Congresso com mais de 100 mil filiados e representações em todos os estados, o que dá um pouco da dimensão do nosso alcance com a Juventude Brasileira”, declarou. Leia mais abaixo uma entrevista completa com o novo presidente da UJS.

O Congresso, que teve início na quinta-feira (17) foi marcado pela oficialização do apoio da UJS à candidatura de Dilma Roussef nas eleições presidenciais 2010. Também tiveram destaque os debates do Seminário Nacional Juventude, Participação e Políticas Públicas, realizado pelo Centro de Estudos e Memória da Juventude em parceria com a UJS. O encontro em Salvador teve também a presença de jovens estrangeiros representando juventudes socialistas de cinco outros países: Portugal, Grécia, Venezuela, Sudão e Argentina. Os estrangeiros falaram aos congressistas, durante a plenária final, saudando a UJS.

Resoluções
No campo das políticas para a Juventude, os congressistas defenderam que a Secretaria Nacional de Juventude, criada a partir da mobilização das entidades, ganhe status de Ministério da Juventude. Preocupada na questão do emprego e oportunidade para os jovens, a UJS aprovou a resolução de pressionar o pode público pelo cumprimento da lei de estágio.

Para educação, a UJS propôs mudanças no ensino médio para valorizarem o caráter politécnico e humanista, através de uma estrutura esportiva e cultural. A entidade também cobrou a implementação efetiva da lei 10639, que determina o ensino da história da África e manifestações afro-brasileiras nas escolas. Em relação aos movimentos sociais, os jovens pediram a aprovação do projeto de lei que criminaliza a homofobia e decidiram por uma participação ainda mais forte da UJS no movimento LGBT.

No campo internacional, a UJS manifestou sua solidariedade ao Haiti e defendeu uma ação prolongada do Brasil no país nos campos educacionais e de combate à pobreza. Foi também manifestado repúdio ao recente ataque de Israel a um comboio humanitário que se dirigia à Faixa de Gaza. Outras resoluções aprovadas foram o desenvolvimento de uma campanha pela internet banda larga no Brasil e a participação efetiva da juventude na realização das propostas do Plano Decenal da Terceira Conferência de Esporte.
Emoção e Despedidas
Durante a plenária final, também foi realizada uma homenagem aos militantes que, após anos de participação, deixam a UJS nesse 15 Congresso, entre eles, o presidente Marcelo Gavião, que encerrou sua gestão. Ele fez questão de realizar um pequeno pronunciamento de agradecimento aos companheiros: “Esse momento sempre emociona muito quem sai e também a quem fica. Não é exagero dizer, mas vejo aqui entre os companheiros que encerram sua participação, pessoas que dedicaram, pelo menos metade de suas vidas à construção da UJS”, disse.


Entrevista com o novo presidente da UJS André Tokarski:

Como você se sente, pessoalmente tendo a responsabilidade de dirigir a União da Juventude Socialista?
Essa é a maior responsabilidade da minha vida, mas sei que, nesse momento, a minha eleição não é o mais importante para a UJS. Não é a direção que define essa entidade, e sim o conjunto da militância na luta do dia a dia. Sei que precisaremos ter muita consciência em nossas ações porque, atualmente, cria-se sempre uma grande expectativa sobre o posicionamento da UJS nas questões nacionais e muita repercussão com as suas mobilizações. Temos uma interlocução em que levamos nossas reivindicações ao presidente da república, ministros, governadores. Isso gera muita responsabilidade e eu espero contribuir da melhor forma para que a UJS cresça ainda mais.
Qual a sua trajetória nos movimentos de juventude?

Comecei no movimento secundarista em 1997, com 13 anos, quando fui a meu primeiro encontro estudantil, o congresso da UBES. Depois disso, me engajei no grêmio da escola, me filiei à UJS e me juntei à União Municipal de Estudantes Secundaristas (UMES) de Goiânia, da qual acabei sendo presidente. Ingressei na Universidade Federal de Goiânia (UFG) e lá me formei como bacharel em Direito. Durante a universidade, participei do Centro Acadêmico do Curso e fui presidente da União Estadual de Estudantes de Goiás (UEE-MG). Fui também diretor jurídico da União Nacional dos Estudantes (UNE).


Qual é, na sua opinião, o saldo do 15° Congresso da UJS?

Foi um Congresso muito importante. O tema principal “Para ser muito mais Brasil” remete a um momento de muito otimismo do país. Na nossa história recente, nunca tivemos tantas oportunidades de o Brasil dar certo em diversas áreas, incluindo-se aí a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Nós temos hoje 50 milhões de jovens no país e as resoluções desse Congresso estão muito relacionadas à mobilização desse grupo. É impossível, atualmente, que qualquer processo importante do país não passe pela juventude.


Quais deliberações foram importantes nesse sentido?

Destaco as resoluções que tivemos em defesa dos 50% do fundo social do pré-sal para a educação e em defesa do marco regulatório para as políticas públicas de juventude. Desde a década de 80, o jovem era visto como um problema social, depois houve um avanço para tratá-lo como um sujeito de direitos. Agora, nós defendemos que o jovem seja entendido como um verdadeiro protagonista nas questões nacionais. Infelizmente, ainda há muito preconceito com os jovens que são vistos como menos capazes. Precisamos mudar esse quadro.


Como será a participação da UJS na campanha da Dilma para presidência da República?

O ato de apoio à candidatura da Dilma demonstrou o prestígio da nossa instituição e a força que ela pode ter em um momento tão crucial como esse das eleições. Todos os nossos anseios, discussões, projetos dependem totalmente do resultado das eleições de 2010. Eu acredito que esse ano teremos um dos maiores desafios da história da UJS, comparado somente a momentos como o Fora Collor em 1992 e a eleição de Lula. Isso porque corremos o risco de pôr a perder uma série de conquistas dos movimentos sociais e dos jovens. O outro candidato é algo como um exterminador do futuro da juventude. Por isso, vamos com tudo para a campanha da Dilma, com a força e as propostas da UJS para a juventude, educação e tantos outros temas debatidos neste 15° Congresso.


Houve uma polêmica, durante a votação das propostas na plenária final, sobre a questão da legalização das drogas. Qual o saldo desse debate?

Primeiro, é importante dizer que a mesa de debate sobre as drogas foi uma das mais concorridas e qualificadas deste Congresso da UJS. Nosso objetivo é ampliar a discussão em torno do tema não apenas da legalização da maconha, mas sobre as drogas como um todo. Este problema, claro, diz respeito a toda a sociedade, mas, principalmente, aos jovens. Haviam três resoluções em votações. Uma dizia que a UJS deveria lutar pela descriminalização da Maconha, outra falava sobre a Legalização. A proposta aprovada, no entanto, foi a de realização no primeiro semestre do ano que vem de um seminário para ampliar o debate sobre o tema. A resolução da UJS avança no sentido da nossa entidade cobrar do Estado e da sociedade um debate sem hipocrisia. Vamos realizar este seminário e de lá sairemos com um proposta mais elaborada sobre este assunto. Assim é a UJS, existe a diversidade, debate, constrói e unifica.


Como a UJS se encaixa nesse novo perfil de juventudes do século XXI

Toda a diversidade que pôde ser vista neste Congresso consolida, um processo de trabalho que a UJS construiu com suas frentes de trabalho, como o Hip Hop e LGBT. Isso reflete também a diversidade que é a juventude brasileira, que se organiza de maneiras diferentes, mas sempre com a consciência politica. Chegamos nesse Congresso com mais de 100 mil filiados e representações em todos os estados, o que dá um pouco da dimensão do nosso alcance com a Juventude Brasileira. Além disso, ampliamos a possibilidade de contato em novos canais como a internet. É muito importante citar a criação da Rede UJS, uma rede social online que já conta com 50 mil participantes e através da qual podemos expandir a nossa luta. É importante lembrar também que esse Congresso foi transmitido ao vivo, pela internet, com um alcance maior para os companheiros que não puderam estar presentes e para todos outros jovens que venham a conhecer as ideias e propostas da UJS.

Rafael Minoro e Artênius Daniel www.ujs.org.br
Fome de coerência, o gesto de Manoel da Conceição


“Os valores do PT não podem ser negociados. Devem ser reafirmados como princípios da reconstrução partidária e ideal dos movimentos sociais” (Manoel da Conceição).

por Wagner Cabral da Costa*

Muito tem se falado sobre a greve de fome, iniciada em 11 de junho, do fundador do PT, Manoel da Conceição, do deputado Domingos Dutra e da ex-deputada Terezinha Fernandes, contra a intervenção do Diretório Nacional que revogou a decisão estadual de apoiar Flávio Dino (PCdoB) para governador do Maranhão, aprovando, em substituição, o nome de Roseana Sarney (PMDB). Parcela expressiva da opinião pública e da imprensa tomou contato (quase) pela primeira vez com a pessoa de Manoel da Conceição. Afinal, quem seria esse “desconhecido”, esse Mané, que ousou desafiar, em gesto radical, a direção do partido no poder e a Presidência, em mais uma capitulação cínica diante da mais velha oligarquia da República?

Filho de lavradores do vale do rio Itapecuru, Manoel vivenciou experiências que lhe propiciaram uma sólida convicção ética, humanista e socialista, de dedicação à causa dos trabalhadores. A começar, ainda na juventude, pela expulsão de sua família por proprietários rurais, violência presenciada ainda em inúmeros outros massacres; depois, a migração em busca de “terra liberta”; a crença evangélica e o início da militância; o envolvimento com o Movimento de Educação de Base (MEB), ligado à Igreja progressista; o engajamento na Ação Popular (AP) e a luta pelas Reformas de Base; até o golpe de 1964, quando sofreu as primeiras prisões.

Durante a ditadura militar, Mané se dedicou à organização e educação de trabalhadores rurais na região do rio Pindaré em sua luta contra o latifúndio e pela conquista da terra. Foi alvo de violenta repressão da polícia militar do governo José Sarney (1966-70), sendo baleado e preso em julho de 1968, ocasião em que teve parte da perna direita amputada por falta de atendimento médico. Na seqüência, foi preso pela polícia política (1972) e dado como “desaparecido”, quando foi submetido a sessões de interrogatório e tortura, sendo solto graças à intervenção da AP e da Anistia Internacional. Liberdade breve, pois, mais uma vez, os militares o prenderam, desta vez em São Paulo, com mais torturas e sevícias (1975). Novamente a solidariedade – da Anistia e das Igrejas católica e protestante – conseguiu resgatá-lo das mãos assassinas da ditadura, com o que Manoel partiu para a Suíça (1976), onde permaneceu até a decretação da Lei da Anistia (1979).

No exílio, lançou o livro-denúncia Essa terra é nossa, contando sua história de luta pela reforma agrária e de resistência à ditadura, uma leitura necessária e fundamental para compreender os “anos de chumbo”. Livro que acaba de ser reeditado pela UFMG (com o título: Chão de minha utopia), através do Projeto República, com o apoio do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). A ironia não podia ser mais evidente: o mesmo governo petista que, por um lado, promove o resgate de sua memória e história; por outro, lhe recusa o direito de, aos 75 anos, continuar sendo um militante ativo das lutas sociais e políticas – defendendo a democracia interna do partido e a democratização do Maranhão contra a oligarquia patrimonial e golpista. Que resposta obteve Manoel após lançar duas cartas abertas ao companheiro e presidente Lula?

Esse silêncio, no entanto, inexistia em fevereiro de 1980. Pois, na fundação do Partido dos Trabalhadores se pretendeu vinculá-lo organicamente às diversas tradições de luta do povo brasileiro, sendo convidados seis signatários que representavam simbolicamente essas vertentes da esquerda: 1) Mário Pedrosa, escritor, crítico e líder socialista; 2) Manoel da Conceição, líder camponês; 3) Sérgio Buarque de Holanda, historiador; 4) Lélia Abramo, do Sindicato dos Artistas de SP; 5) Moacir Gadoti, que assinou em nome do educador Paulo Freire; e 6) Apolônio de Carvalho, combatente na Guerra Civil Espanhola e na Resistência Francesa, um dos líderes dos movimentos da resistência popular (Ata da reunião no Colégio Sion – site da Fundação Perseu Abramo).

Dos personagens-símbolo da identidade e dos valores do PT, o único que permanece vivo é Manoel da Conceição Santos, marido amoroso, pai e avô dedicado, brasileiro nascido em 1935 no distrito de Pirapemas, em Coroatá, Maranhão. Era esse “desconhecido”, esse Mané, que se encontrava em greve de fome no plenário da Câmara dos Deputados. Por cima de quantos cadáveres (reais e simbólicos) o PT terá que passar em seu processo de transformação em Partido da Ordem?

Ps.: Poucas horas após o fechamento deste artigo, Manoel da Conceição e Domingos Dutra foram internados inconscientes em Brasília, com risco de vida. A situação forçou o Diretório Nacional do PT a fazer um acordo pelo qual os petistas maranhenses ficaram liberados de apoiar a oligarquia Sarney e ter campanha independente em favor de Flávio Dino. Este acordo encerrou a greve de fome, após uma semana, em 18 de junho de 2010, continuando ambos sob cuidados médicos.

* Wagner Cabral da Costa é Historiador e professor da UFMA. Autor de “Sob o signo da morte: o poder oligárquico de Vitorino a Sarney” (2006); co-organizador de “A terceira margem do rio: ensaios sobre a realidade do Maranhão no novo milênio” (2009). Este artigo foi publicado no jornal O Estado de São Paulo, suplemento Aliás, domingo, 20 de junho de 2010.

Fonte:  Estado de São Paulo

quinta-feira, 24 de junho de 2010

                Saramago: um crítico da democracia formal                  


Morre José Saramago (1922-2010), um dos maiores romancistas da língua portuguesa (prêmio Nobel de Literatura de 1998). Além de escritor, Saramago foi conhecido também como um crítico da humanidade contemporânea (por andar sem racionalidade) e do sistema de governo democrático vigente no mundo. Nas palavras do escritor: "Todos estamos de acordo que vivemos em um sistema democrático; portanto, somos cidadãos, somos eleitores, há eleições, votamos, forma-se um parlamento e, a partir desse parlamento, forma-se uma maioria parlamentar. Temos os juízes, tribunais, temos todo o esquema montado. Este esquema é formal. Mas até que ponto se permite que esse sistema seja substancial?".
 
Saramago leva-nos a refletir sobre o papel da democracia contemporânea também debatida em duas diferentes correntes da Ciência Política: a institucionalista e a participativa. A corrente institucionalista é conhecida também como teoria democrática elitista, competitiva, procedimental ou pluralista, teoria realista ou ainda teoria democrática descritiva, ou seja, uma democracia formal.
 
Para os teóricos que defendem esta teoria, somente cabe aos cidadãos, periodicamente, referendar ou mudar as elites que fazem parte dos governos por intermédio do processo eleitoral. A vertente institucionalista (teoria política das elites) foi inaugurada por Max Weber e Schumpeter, a qual define a democracia como um arranjo institucional para chegar a decisões políticas e se constituiu, antes de tudo, numa competição entre elites. No institucionalismo, a política é estruturada pelas instituições que influenciam os indivíduos e modificam o comportamento.
 
Por outro lado, temos a corrente teórica que defende a teoria participativa. Carole Pateman e C. B. Macpherson são os principais representantes. Os participacionistas buscam multiplicar as práticas democráticas, institucionalizando-as dentro de uma maior diversidade de relações sociais, dentro de novos âmbitos e contextos: instituições educativas e culturais, serviços de saúde, agências de bem-estar e serviços sociais, centros de pesquisa científica, meios de comunicação, entidades desportivas, organizações religiosas, instituições de caridade, em síntese, na ampla gama de associações voluntárias existentes nas sociedades atuais.
 
No entendimento de Pateman, para que exista uma forma de governo democrático, é imprescindível a existência de uma sociedade participativa, isto é, uma sociedade onde todos os sistemas políticos tenham sido democratizados e a socialização possa ocorrer em todas as áreas. Para a autora, a área mais importante de participação é o seu próprio lugar de trabalho, ou seja, a indústria, pois é exatamente ali que a maioria dos indivíduos despende grande parte de suas vidas e pode propiciar uma educação na administração dos assuntos coletivos praticamente sem paralelo em outros lugares.
 
Saramago tinha bem presente estas duas correntes teóricas da democracia. Optou claramente pela segunda, a democracia participativa (substancial). Fez uma crítica ao sistema democrático formal na medida em que os cidadãos são meros expectadores, pois quem toma as decisões são as elites políticas e econômicas. Nas palavras de Saramago: "Os governos que elegemos, no fundo, são correias de transmissão das decisões e das necessidades do poder econômico (representado pelo FMI, OMC e pelo Banco Mundial), e os governos não só funcionam como correias de transmissão, mas também como os agentes que preparam as leis, como as que levam ao emprego precário".
 
Por fim, Saramago conclui: "ou a democracia transcende o poder (sai da bolha), tendo uma ação fora dela, ou vamos continuar a viver na ilusão do mundo democrático". Com a morte de Saramago o mundo certamente fica um pouco mais pobre de saber e de crítica...
 
Dejalma Cremonese é professor do Instituto de Sociologia e Política da UFPel–RS. 

Fonte: http://www.correiocidadania.com.br 
 Almas Secas: A Perpetuação do Genocídio (2)

Oh! Deus, perdoe este pobre coitado
Que de joelhos rezou um bocado
Pedindo pra chuva cair sem parar
("Súplica cearense", Gordurinha/Nelinho/Luiz Gonzaga)

Sabidamente, a desnutrição, a subalimentação e a fome são elementos de voraz impacto no corpo, seja no âmbito físico, seja nos interstícios psicológicos. A miséria é o monstruoso produto principal da concentração excludente de riquezas. Moradores de zonas de habitação precária, por exemplo, em momentos de destruição causada por desastres ambientais, são tratados como indigentes ou párias sociais. Em áreas de violência endêmica como nas favelas que margeiam os grandes centros econômicos, em nome do combate ao narcotráfico, sucedem-se cenas de assassinato de pobres pelo poder de coerção policial com a benção velada do Estado e aplausos disfarçados de segmentos da sociedade mais abastados (uma forma fascista de minimizar a pobreza: matando os pobres). 

O cataclismo da fome ainda é muito mais latente em zonas esquecidas pelo Poder Público e somente lembrado em período eleitoral, acentuadamente no Norte e Nordeste do Brasil. Aplicar indiscriminadamente políticas de renda mínima (as populares bolsas assistencialistas), sem construir um aporte de recursos que possa criar um circuito auto-sustentável de riquezas materiais e humanas, é perpetuar a endemia famélica. A fome urge e se faz necessária sua eliminação como matriz fundamental de ações do Estado. Privatizar as ações sociais, deixando-as em mãos de ONGs ou empresas similares (geralmente movidas por duvidosos interesses "humanitários"), é covardemente fugir do princípio básico do Estado, que é garantir a vida dos seus cidadãos. Pensar o desenvolvimento local é necessariamente criar um conjunto de agregados que privilegie a auto-sustentação dos ambientes de endemia famélica. Políticas de promoção ao emprego e a ampliação de cooperativas de trabalhadores sob a forma de auto-gestão poderão ser usadas como um contraponto à fábrica de espoliação e acumulação capitalista. 

Calando a veracidade dos intelectuais capitalistas, algumas experiências de cooperativas auto-gestoras mostram a viabilidade real deste sistema. 

A política de promoção do ser humano deverá enfaticamente ser sempre a meta de qualquer governo em detrimento da mediocridade atávica gerada pelos favores de campanhas políticas para o grande capital. É muito simples beijar a mão do grande empresário (às vezes, literalmente!), sorrir escancaradamente em luxuosos coquetéis para angariar "fundos de campanha" e preparar planos de governo em que a prioridade é sempre a manutenção da ordem do capital. Apesar da exaustão dos discursos, a fome nunca foi de fato um problema político a ser enfrentado, mas simplesmente é sempre deixada propositadamente de lado. Neste ínterim, Josué de Castro redige: "Mais grave ainda que a fome aguda e total, devido às suas repercussões sociais e econômicas, é o fenômeno da fome crônica ou parcial, que corrói silenciosamente inúmeras populações do mundo". A brutal desigualdade dos recursos materiais somente não é pior do que a estupidez dos que acreditam que ela é fruto tão natural quanto a fusão permanente de átomos dentro do interior do Sol. 

Uma sociedade que priva pela competição selvagem somente parirá seu subproduto maior: a cegueira da barbárie. Podemos nos amparar por várias justificativas, porém é inegável o apego à desagregação e o poder de destruição que as sociedades operam no inconsciente social. Muito mais fácil destinar bilhões de dólares à supostas usinas atômicas em nome de "energia limpa" ao invés de investir em estruturas que busquem operar para a dinâmica de trabalho e desenvolvimento local (o caso da construção de usinas nucleares nas terras fluminenses de Angra dos Reis é emblemático). Os arautos do desenvolvimentismo às cegas dirão que a energia é fundamental para a economia, que por sua vez propicia a criação de riquezas. 

A pergunta é: quem se beneficia do emprego massivo de recursos públicos destinados a operar dentro das engrenagens da iniciativa privada (seja via direta de investimentos, ou indireta da renúncia fiscal/tributária) em nome do santo rótulo do "progresso material"? Se a abundância material é a marca que se projeta do progresso capitalista, qual o motivo da persistência da miséria e da fome? Notadamente, o progresso material na ordem capitalista é profundamente excludente. 

Almas Secas: A Perpetuação do Genocídio (1)
 
Wellington Fontes Menezes é mestrando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), bacharel e licenciado em Física pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Rede Pública do estado de São Paulo.
Contato: wfmenezes@uol.com.brEste endereço de e-mail está protegido contra spam bots, pelo que o Javascript terá de estar activado para poder visualizar o endereço de email
Blog do autor: http://www.wfmenezes.blogspot.com/

Fonte: http://www.correiocidadania.com.br