segunda-feira, 24 de maio de 2010

Os desafios econômicos e sociais de Cuba em 2010

"A tarefa que temos pela frente, nós comunistas cubanos e todo o povo, é grande, trata-se de definir com a mais ampla participação popular a sociedade socialista a que aspiramos e podemos construir nas condições atuais e futuras de Cuba, o modelo econômico que irá reger a vida da nação, em benefício de nossos compatriotas, e assegurar a irreversibilidade do sistema sócio-político do país, única garantia de sua verdadeira independência"(1)

Por Marc Vandepitte, em Rebelión

Assim soa um fragmento chamativo do discurso de Raúl Castro ante o parlamento de Cuba, em 01 de agosto de 2009. Parece que a revolução cubana está se preparando para reformas importantes. Isso não deve surpreender tanto, porque uma revolução que não é renovada periodicamente, que não corrige seus erros em tempo ou que não se adapta às novas circunstâncias não pode sobreviver. Especialmente em Cuba é assim, porque as condições externas mudaram várias vezes de uma forma muito extrema.

Na verdade, o último meio século foi marcado por várias ondas de mudança substancial. Na década de sessenta, a economia cubana foi obrigada a adaptar-se após a ruptura súbita e completa com os EUA, até então dominantes na ilha. Os dez anos seguintes foram uma grande busca de um caminho até o melhor modelo de desenvolvimento, uma estrada muito sinuosa, por vezes.

Nos anos setenta, este modelo foi consolidado e a economia cubana se integrou à dos países do Came (ou Comecon). Esta integração ofereceu muitos benefícios, mas também vários inconvenientes. Em meados dos anos oitenta, foi declarada uma campanha de retificação para corrigir os erros daquele período. Não foi dado muito tempo aos cubanos para fazerem isso, porque poucos anos depois o Muro de Berlim caiu e cortou a aorta econômica da ilha pela segunda vez em trinta anos. Além disso, o bloqueio se intensificou.

A economia estava prestes a entrar em colapso completo, então tratava-se de encontrar uma estratégia de sobrevivência. Proclamou-se um Período Especial e houve reformas muito grandes. Durante os anos noventa, a revolução praticamente não pôde contar com ninguém, mas isso mudou no início do novo milênio. A Venezuela e também a China e o Brasil tornaram-se parceiros econômicos muito importantes, e a nova Alba ofereceu novas perspectivas. Enquanto isso, a revolução estava se recuperando do golpe dos anos noventa, e criou-se mais espaço para reordenar várias questões.

Em novembro de 2005, Fidel já tinha começado a fazer isso, afirmando que o maior perigo para a revolução não vinha de fora, mas de dentro. Lançou um ataque frontal contra a corrupção que existia em todos os níveis. Durante o verão de 2007, Raúl retomou essa tarefa, denunciando a falta de eficiência na economia. Lançou uma consulta maciça à população, como a que foi feita no início do Período Especial. Estas pesquisas foram analisadas e, a partir delas, se lançam agora várias reformas, com a prudência necessária.

Em 2008-2009, este processo foi interrompido várias vezes. Primeiro pelos três furacões que passaram pela ilha durante o outono de 2008. Em apenas um par de semanas estes fenômenos meteorológicos causaram um dano enorme. Um em cada sete casas foi danificada ou destruída. O prejuízo chegou a significar 20% do PIB.

Em segundo lugar, a crise financeira e econômica atingiu a ilha, como golpeou o resto da região. O preço do níquel, produto de exportação mais importante de Cuba, despencou, enquanto o preço dos alimentos, o que Cuba mais importa, atingiu as nuvens. Este aumento foi o resultado de más colheitas em todo o mundo, acompanhadas simultaneamente por um aumento da procura no mercado mundial.

Por causa da crise, os turistas em Cuba gastam menos e também entram menos dólares provenientes do estrangeiro por parte dos familiares dos cubanos que vivem fora do país. A isso se somou uma ausência temporária, mas urgente, de carros, dólares e outras divisas. Cuba precisa de moeda estrangeira para fazer compras no mercado externo. Devido a esta falta, tivemos que reduzir as importações de petróleo e, portanto, o gasto energético. "Arrocho ou morte" foi o slogan.

Cuba enfrenta dois desafios tão urgentes como visíveis neste momento. De um lado, é necessário reparar todos os danos materiais causados pelos furacões e, do outro lado, precisamos reverter a falta de divisas. Mas, para além disso, também existem dois desafios estruturais que irão determinar o futuro da ilha, por isso queremos falar sobre eles.

1. O abismo entre a economia e o resto.

O desafio fundamental para a revolução é o abismo entre o setor econômico e os setores social, cultural e intelectual. Quando se trata dos três últimos, Cuba está em um nível comparável a qualquer país rico. A economia, por outro lado, tem o perfil dos países relativamente pobres da região. O grande desenvolvimento do setor cultural, social e intelectual causa elevadas expectativas para as quais não há apoio financeiro.

A fraca base econômica é o resultado do bloqueio econômico e do atraso sofrido após a queda da União Soviética. Se Cuba tivesse relações comerciais normais com o resto do mundo e se depois de 1989 tivesse alcalçado a mesma taxa de crescimento que teve nos 30 anos anteriores, Cuba teria agora o mesmo padrão de vida que a Itália. Mas não é o caso, e este fato causa frustração na população cubana. Uma pessoa é um pianista de altíssimo nível, mas não tem um piano de cauda, outra é um cirurgião, mas não tem carro próprio. Um engenheiro seguramente não terá celular ou laptop próprio...

No mundo inteiro, trabalhadores altamente qualificados são bem pagos, em Cuba isto não acontece - nem poderia, neste momento -, porque a sua riqueza seria às custas do bem-estar do resto da população. Esse problema é amplificado por causa do turismo. A câmera digital, o IPod e os celulares são muito comuns para os turistas, mas para a maioria dos cubanos são praticamente inacessíveis. Isso frustra os cubanos.

As frustrações do setor de consumo têm um efeito importante sobre o setor produtivo. Como incentivar as pessoas a trabalharem de forma eficaz se, com os salários que ganham, não têm acesso a esses produtos de luxo tão cobiçados, seja porque os salários são demasiado baixos ou porque a venda desses produtos está proibida? Como motivar os jovens altamente qualificados para trabalharem no campo com temperaturas acima de 30 graus e uma umidade importante? Especialmente porque, em qualquer caso, têm um posto de trabalho garantido. Nesse sentido, Cuba é um pouco vítima do seu próprio êxito.

Em 2008, foi legalizada a venda de telefones celulares, laptops e players de DVD. Foi um passo importante, mas apenas para uma fração da população. A única solução estrutural para resolver frustrações no setor de consumo consiste no desaparecimento acelerado de um atraso no setor econômico. A grande questão é: como fazer isso? Nos últimos anos, Cuba teve um crescimento de 3% acima dos outros países da América Latina (3). Tudo pode ser melhorado, mas há limites, claro.

No caso de Cuba, esses limites são determinados por três fatores, pelo menos. O primeiro é o bloqueio. O bloqueio tira, a cada ano, um par de pontos percentuais do PIB, mas também remove créditos financeiros e tecnologia necessária para aumentar a produtividade (e portanto o crescimento econômico). Outro obstáculo para o desenvolvimento é o envelhecimento da população. Finalmente, o terceiro freio está posto pelo aquecimento global, que causa secas mais prolongadas e furacões cada vez mais fortes.

Há, pelo menos, quatro pistas para acelerar o crescimento. A primeira é a mais fácil, mas não é determinada por Cuba. É a autorização para os habitantes dos EUA visitarem a ilha. Se isso acontecesse, significaria um enorme fortalecimento do turismo, que é a principal fonte de divisas. Em um curto espaço de tempo, duplicaria do número de turistas, o que aumentaria o PIB em alguns pontos. Resolveria da noite para o dia a falta de divisas e fortaleceria a moeda nacional. Esta medida provavelmente levaria ao fim do bloqueio, o que por sua vez significaria mais alguns pontos para o crescimento. Infelizmente, esta medida é decidida em Washington.

Outra possível pista é a exploração petroleira. No Golfo do México, em águas territoriais de Cuba, encontraram alguns campos de petróleo promissores. A exploração destes não somente daria muitas dfivisas para a ilha, mas também atrairia investimentos estrangeiros com mais facilidade, e colocaria Cuba num posto superior na escala para receber crédito.

No entanto, esta pista tem uma série de riscos e problemas. Primeiro, a exploração exige investimentos substanciais e conhecimentos especializados de que a ilha não dispõe. Mas, principalmente, estes depósitos estão perto das águas territoriais dos Estados Unidos. Nós todos sabemos que, quando se trata de petróleo, aos EUA não importa uma guerrinha a mais ou a menos. A grande questão é saber se admitiriam que Cuba explorarasse estas riquezas.

Uma terceira pista possível é a orientação da economia para setores com elevado valor agregado. Trata-se principalmente de setores de alta tecnologia. O ensino excelente e altos níveis de capacitação são vantagens consideráveis de que dispõe a ilha. Já na década de oitenta, havia esforços significativos nas áreas de biotecnologia e farmacêutica. A partir de 2002, desenvolveu-se uma universidade de informática muito avançada. Mas, para poder jogar mais na carta de alta capacitação, seria preciso dar maior prioridade à formação técnica.

Hoje há um número relativamente alto de estudantes que optam por ciências humanas. Mas não basta apenas uma reorientação dos alunos. O desenvolvimento de setores de alta tecnologia exige investimentos muito grandes, que terão que vir principalmente de fora. Neste tema, houve um progresso significativo nos últimos anos. A afirmação dos chamados países em crescimento no cenário econômico global se traduz em uma crescente cooperação Norte-Sul (4). Cuba também contribui, especialmente no plano médico, mas também colhe os frutos desse esforço.

A crescente integração da América Latina tem uma boa influência sobre este processo. As áreas em que Cuba tem uma vantagem comparativa são as da biotecnologia, da farmacêutica, equipamentos médicos, informática e serviços médicos. Existe também um potencial na área de automação, engenharia, projetos ambientais e de ensino. É preciso um planejamento de longo prazo para fazer essa mudança, por isso se retomou a tradição dos planos quinquenais (5).

Uma dica final é o aumento da produtividade. Na maioria dos setores é muito baixa. É uma consequencia da burocracia, mas ainda mais de uma baixa motivação no trabalho e um grau relativamente elevado de corrupção. Os dois últimos fenômenos são, por sua vez, uma consequência do duplo sistema monetário e da falta de ligações entre o trabalho, salários e poder de compra.

Analisemos mais detalhadamente como isso acontece. Quanto à burocracia, nós concordamos com a idéia de Hugo Chávez que diz que a burocracia é o colesterol da economia, mas devemos ter em mente que não há soluções simples. Em uma economia que tem como objetivo maximizar os lucros, mas maximizar o social e que está dirigida pela política, é inevitável certo grau de burocracia. Se dá caminho livre para a dinâmica econômica, automaticamente perde as prioridades sociais. Mas, por outro lado, também uma direção política demasiado rigída mata qualquer dinâmicas e compromete o apoio financeiro para os objetivos sociais. É um equilíbrio difícil de manter.

Na década de noventa, houve tentativas para aperfeiçoar tanto o planejamento macro como micro, com resultados muito diversos. Raul Castro anunciou no verão de 2008 que ele quer continuar tentando. Se está tentando dar mais autonomia para a gestão empresarial e a cooperativização do pequeno comércio, que, neste momento, é em grande medida controlada diretamente pelo Estado. No 1° de Agosto de 2009, o Parlamento votou uma lei geral de controle que submeterá todas as empresas a uma auditoria com a finalidade de aumentar a eficiência e reduzir a corrupção.

2. A diferença entre o trabalho, salário e poder de compra

O segundo desafio fundamental tem a ver com as consequências do Período Especial. A economia teve uma crescimento negativo de 35%. É difícil imaginar o que significa tal queda. Estatisticamente falando, nesse momento deve ter havido uma explosão. Outros países em tal situação econômica (ou mesmo com um retrocesso menor) estão freqüentemente envolvidos em guerras civis e, no melhor dos casos, com os protestos em massa, saques, anarquia, golpes de Estado ou queda do governo.

Cuba sobreviveu ao golpe e, em 15 anos, voltou ao nível que estava em 1989 (6). Para o desenvolvimento econômico significa um atraso de 15 anos, mas houve outros importantes efeitos permanentes. A produção agrícola se desfez em pedaços. Na década de oitenta, Cuba pertencia ao grupo dos países com maior produção agrícola mecanizada do mundo. Devido à falta de peças de reposição e de divisas, toda a maquinaria tornou-se inutilizável em pouco tempo. Bovinos vivos foram dizimadas por falta de alimentação adequada para os animais e a enorme necessidade alimentícia da população.

Para a economia cubana em seu conjunto, esta situação foi muito grave. A partir de agora, o pequeno e vulnerável país em vias de desenvolvimento se viu exposto ao impacto do mercado global. Além disso, apenas teve tempo de se preparar para isso. A ilha perdeu suas relações comerciais vantajosas e teve que começar a pagar por suas importações em duras divisas. Também para seus produtos de exportação, naquela época sobretudo o açúcar e níquel, Cuba foi forçada a aceitar os preços do mercado flutuante do mundo.

Além disso, durante este período, os EUA reforçaram bastante o bloqueio econômico, graças às leis Torricelli (1992) e Helms-Burton (1996). A partir desse momento começaram a pressionar países terceiros para que deixassem de comercializar com Cuba ou para que retirarassem seus investimentos. Cuba já não podia contar nem com a URSS para suas reivindicações.

Uma das piores consequências desta nova situação foi a queda da moeda nacional, o peso. Antes de 1989, um peso equivalia a um dólar. No mercado negro se podia trocar um dólar por sete pesos. No pior momento da crise, era preciso pagar 150 pesos para um dólar. Foi tomado todo tipo de medida, com o objetivo de reduzir essa siferenã insustentável, ações que tiveram bastante êxito

Foi possível eliminar o mercado negro e, a partir de 1996, o dólar custava entre 20 e 25 pesos. Esta foi uma grande melhoria comparado com 1994, mas o valor da moeda ainda era três ou quatro vezes menor do que em 1989. Para poder dispor de todas as divisas disponíveis, o governo introduziu uma nova moeda, o CUC, cujo valor é ligeiramente superior ao valor do dólar.

Este duplo sistema de câmbio, contudo, não conseguiu evitar a criação de um fosso entre os cubanos que por algum motivo dispunham de divisas estrangeiras (60%) e os outros compatriotas. As consequências tanto para a ética do trabalho como para a estrutura de preços de consumo foram enormes. Da ética do trabalho já falamos em detalhe em outro artigo (7). Aqui nos concentramos nos preços do consumo.

O salário, pago em pesos, quase perdeu o seu valor em comparação com o dólar ou o CUC. Um cirurgião ou um professor universitário pode facilmente ganhar o dobro ou triplo trabalhando como motoristas de táxi ou no setor do turismo. Aqueles que se deslocam para Miami, que fica a apenas 200 km, podem multiplicar seu salário por 10 ou 20. Mas este não é o único problema.

Um cubano que somente dispõe de pesos tem que pagar preços exorbitantes por um par de sapatos, um pedaço de carne fora da oferta básica ou um microondas. Trabalhem o que trabalhem, o salário dessas pessoas não lhes servirá de muito. Em outras palavras, não há ligação direta entre o trabalho, o salário e poder de compra. Esta situação é muito ruim para a motivação do trabalho. Não faz nenhum sentido trabalhar bem e muito se com o que você ganha não pode comprar quase nada.

Por isso há um grande número de cubanos que desenvolvem atividades ilegais para obter alguns CUC extra. Mas, desta forma, entram numa dinâmica negativa. A motivação laboral é baixa e, portanto, o serviço prestado ou a qualidade da produção (em pesos) também baixa. Se você quer uma melhor qualidade ou um serviço melhor, isso se paga em CUC muito mais caro, ou diretamente se bisca no mercado negro. Mas só se você dispõe de CUC.
E assim se completa o ciclo e de generaliza o sistema de "resolver". Desta forma, Cuba corre o risco de que os trabalhadores sejam alienados do setor econômico. Já não se sentem responsáveis pelo produto final ou o serviço que prestam e se sentem, ainda, menos proprietários dos meios de produção.

Desta forma, se mina um dos pilares essenciais do socialismo e, eventualmente, a situação se torna insustentável. Temos de restabelecer a ligação entre trabalho, salário e poder de compra no curto prazo. Os salários devem variar de acordo com o trabalho realizado e os resultados.

A partir de 2008 o governo tomou várias medidas neste contexto, aumentando os salários dos professores, a introdução da remuneração variável por hora de trabalho ou a possibilidade de ter dois empregos. A partir do ano letivo de 2009-2010 também se permitem trabalhos estudantis. Mais e mais empresas estão ajustando o salário segundo a pontualidade, as horas trabalhadas, etc, do trabalhador. Estas medidas são um bom começo, mas não suficientes e não resolvem completamente o problema de hoje para amanhã.

Depois, há a relação entre os salários e o poder de compra. O sistema de preços para alguém de fora é muito estranho. Por exemplo, a fatura mensal de energia e de água custa tanto quanto duas cervejas no setor CUC. Porque os produtos básicos (como os serviços básicos) são altamente subsidiados, enquanto os demais produtos têm um preço relativamente elevado. Este sistema impede que nasça uma verdadeira lacuna entre ricos e pobres. Tem seu valor, mas há excessos e precisa de alguma correção.

Não pode um jeans ou sapatos valerem um salário mensal. É igualmente absurdo que algumas famílias não saibam o que fazer com suas cartilhas mensais de produtos básicos, como arroz ou açúcar. A porção é muito elevada e os salários muito baixos. Recentemente, foi dado um passo neste quadro. Acabaram com a comida de graça no trabalho, mas os salários subiram 15 pesos por dia. Em termos globais, temos de reorientar os subsídios: ao invés de subvencionar os bens, é preciso subvencionar as pessoas (frágeis). Esta é uma questão delicada, porque a tradição do subsídio alimentar está profundamente enraizada na sociedade cubana e é considerada uma grande conquista. Temos de organizar um processo muito lento e gradual de reorientação.

Para restabelecer a ligação entre o trabalho, os salários e o poder aquisitivo e resolver de verdade o estranho sistema de preços, é preciso realizar dois objetivos. De um lado, tem que baixar as importações e, do outro lado, tem que aumentar o valor das exportações. O efeito combinado irá fortalecer a moeda nacional, reduzindo assim a diferença entre os proprietários de pesos e de CUC. Também reduzirá os preços exorbitantes de alguns produtos.

O crescimento das exportações só faz sentido se Cuba se concentrar em setores que têm um valor agregado mais alto. Já falamos sobre isso antes. Quanto às importações, as razões para baixá-la o quanto for possível são muitos. Por si, o bloqueio econômico já faz com que as importações sejam caros. A débil posição da moeda nacional faz com que os produtos importados consumam a maior parte do orçamento nacional.

Também está em jogo o aspecto da segurança. Quanto mernos dependa a ilha das importações, menos vulnerável será a possíveis agressões dos Estados Unidos. Um bom exemplo de substituição de importações é a construção de automóveis chineses na província de Havana. Esta substituição, porém, é uma questão muito complicada. Cuba tem mão de obra capacitada, gerentes e infra-estrutura para o desenvolvimento de novas indústrias, mas isto não é suficiente. Também sãop necessários investimentos significativos tanto em capital como em tecnologia.

Cuba já tem uma dívida externa bastante grande e o bloqueio é um impedimento significativo para conseguir a tecnologia necessária. Outra desvantagem para os cubanos é a escala reduzida. Montar linhas de produção para uma área de apenas 11 milhões de habitantes é muito mais caro do que para uma região de 50 milhões ou mais de 1 bilhão, como é o caso da China. Em todo caso, a história mostra que a substituição de importações não é uma varinha mágica. Foi a estratégia de desenvolvimento na América Latina nos anos 50 e 60, e na maioria dos países foi um fracasso total.

Para a substituição de importações, o setor mais importante em termos de segurança é a agricultura. Em 2008, Cuba importou mais de 80% dos seus alimentos. Ao mesmo tempo, desperdiçou metade das terras férteis da ilha. Alguns são deixadas em alqueive, outras simplesmente são comidas por ervas daninhas. Neste tópico, o governo cubano caminha de duas maneiras. Por um lado ataca a burocracia, descentralizando e dando mais autonomia aos produtores locais. Não se sabe ainda se esta abordagem vai dar bons resultados.

Por outro lado, são colocam terras em alqueive a disposição dos cubanos que querem explorá-las. A renda que ganham superam o salário médio em outros setores. Esta fórmula foi bem sucedida. Houve mais solicitações que lugares disponíveis. No outono de 2009, já se voltou a fazer uso de 40% das terras em alqueive. Também não se sabe ainda se essa estratégia vai pagar. Você não pode esperar altos rendimentos a curto prazo de novos agricultores inexperientes. Na produção agrícola, a experiência vale ouro.

3. Rumo a um modelo diferente?

Quando Raúl Castro assumiu o lugar de seu irmão, a mídia ocidental previa uma grande mudança de rumo. Raul supostamente gostava mais do modelo chinês e do sistema de mercado. É claro que a mídia "esquece" que as decisões são tomadas coletivamente em Cuba e se submetem à população antes de serem aprovadas. Além disso, as alterações importantes em Cuba e em outros lugares têm mais a ver com o novo contexto e os novos desafios que surgem que com o aparecimento de um novo líder.

Portanto, qualquer mudança de rumo não dependerá tanto do temperamento ou das idéias do líder, como do resultado de um intenso processo de tomada de decisão coletiva. Parece que a mídia ocidental havia se esquecido de que na década de noventa, sob Fidel, foram tomadas decisões muito drásticas e enfocadas no mercado, também depois de extensas consultas com a população.

No entanto, a comparação com a China é interessante e instrutiva. Os dois países compartilham semelhanças importantes nas suas estratégias de desenvolvimento. Tanto na China como em Cuba a economia está dirigida pelas autoridades políticas. As áreas-chave estão nas mãos do Estado. O governo controla e gerencia o banco central e a política monetária. As principais diretrizes econômicas - quanto investir e em que setores - estão modeladas nos planos a longo prazo, de vários anos.

O Partido Comunista joga um papel importante no desenvolvimento local nos dois países. Também nas duas nações se dedica um orçamento relativamente elevado à educação e à infraestrutura. Por fim, Cuba e China desenvolvem estreitas relações com outros países do Sul, com o objetivo de reforçar o desenvolvimento mútuo. Mas também devemos ter em mente que existem pelo menos seis pontos muito diferentes entre o caminho chinês e o cubanos, que devem ser entendidos.

Para começar, o ponto de partida foi muito diferente para os dois países. Quando Deng Xiaoping começou as reformas no final dos anos setenta, a China tinha um atraso econômico significativo. A China tinha sido destruída por cem anos de ocupação e guerras civis. Durante o período de Mao (1949-1976), o crescimento econômico já era superior ao de outros países do Terceiro Mundo, mas o país se manteve como uma das regiões mais pobres do mundo. O PIB per capita se situava muito abaixo à média da Ásia e era, inclusive, duas vezes menor ao da África (8).

Nos países inimigos de sempre, Japão, Taiwan e Coreia do Sul, havia um crescimento enorme na época. Neste contexto, Deng lançou o slogan "O socialismo não é pobreza e ficar rico é glorioso". O princípio da igualdade foi sacrificado, temporariamente, para o desenvolvimento acelerado das forças produtivas, a partir das províncias do litoral. Em Cuba, a situação era muito diferente. Em 1959, Cuba se sitava acima da média latino-americana. Neste contexto, se dava total prioridade ao desenvolvimento social e cultural.

Outro ponto de diferença está nas conclusões que as duas revoluções tiraram de seu próprio passado recente. Os primeiros 30 anos da revolução chinesa foram muito tumultuados. O grande salto adiante (1958-1960) e a Revolução Cultural (1966-1976) foram experiências traumáticas. Ocorreram sob a liderança da ala esquerda do Partido Comunista. Os chineses tiraram conclusões desses desastres.

As reformas desde 1978, provavelmente, foram uma reação (de direita) muito forte a esses acontecimentos. A primeira geração de revolucionários quis introduzir o comunismo muito rapidamente, pulando a fase histórica do capitalismo. Isso não foi possível porque a situação econômica e tecnológica não tinha amadurecido ainda. Este processo de amadurecimento é justamente o papel histórico do capitalismo.

Assim, foram introduzidos, no final dos anos setenta (temporariamente), elementos capitalistas que resultaram no desaparecimento de importantes princípios socialistas, como a propriedade coletiva dos meios de produção, a proibição do emprego privado - base para a exploração - e os serviços de saúde e educação gratuita. Deng dizia: "Não importa se o gato é branco ou preto, enquanto capture ratos".

Em Cuba, de certa forma, houve uma evolução no sentido inverso. Durante os anos setenta e início dos anos oitenta, elementos capitalistas foram introduzidas sob a influência da URSS. Isto levou a uma estagnação em meados dos anos oitenta. A campanha de retificação de 1986, que foi totalmente contra a perestroika de Gorbachov, tirou esses elementos capitalistas. O resultado foi que a revolução cubana permaneceu de pé, enquanto todos os países do Leste caíram um por um.

A lição era clara: para que a revolução sobreviva, temos que manter os princípios socialistas. Provavelmente, para Raul Castro ou seus sucessores, este foi o motivo mais importante para não escolher o caminho da China. Nas palavras de Raul: "Eu não fui eleito presidente para reintroduzir do capitalismo em Cuba, ou derrubar o socialismo. Fui eleito para defendê-lo, preservá-lo e melhorá-lo, não para destruí-lo. "

Um terceiro ponto de diferença é a escala. Nas relações de força com as multinacionais, a escala joga muito a favor da China e muito contra Cuba. China tem um mercado de quase um quarto da população mundial, razão pela qual as corporações transnacionais estão na fila para poder investir. Cuba tem apenas 0,2% da população mundial e, portanto, não tem essa vantagem. Além disso, as grandes empresas chinesas, ao contrário das cubanos, são grandes o suficiente para competir com empresas transnacionais.

Tomemos o exemplo da Bacardi. Os proprietários originais deste rum se opuseram à revolução cubana e tiraram seus capitais de Cuba, pouco depois de 1959, para continuar a produzir no exterior. Hohe, a Bacardi concorre diretamente com o rum cubano Havana Club, um produto de exportação importante para a ilha. As vendas da Bacardi quase igualam ao total das exportações de Cuba.

Um quarto ponto de diferença reforça ainda mais a desvantagem da escala que sofre Cuba: o bloqueio econômico. Washington e a CIA fazem todo o possível para impedir que países terceiros tenham relações comercias com Cuba, que inivstam na ilha ou concedam crédito. Isso também enfraquece a posição de negociação de Cuba com empresas estrangeiras e bancos. A China, pelo contrário, é o país que deu mais crédito aos EUA e, portanto, tem uma posição de poder muito forte em relação a Washington.

A quinta diferença é adiáspora. Desde a década de noventa, muito do investimento estrangeiro na China provinha do capital chinês situado, acima de tudo, na Ásia. A diáspora chinesa é muito fragmentada e é muito patriótica. Os cubanos com muito capital que estão fora do país são outra história. Eles são politicamente organizados e formam um lobby poderoso nos EUA. Junto com Washington, tudo que eles querem é a derrota da revolução. Foi assim que um funcionário da Bacardi foi responsável pela formulação, em 1996, da Lei Helms-Burton, que exacerbou ainda mais o bloqueio.

O sexto e último ponto de diferença é o contexto geopolítico. Para Cuba tem sido pouco favorável. Em um período de 30 anos, a pequena ilha perdeu duas vezes seus parceiros comerciais mais importantes. Teve que reorientar a sua economia completamente com muitas consequência desastrosas. Cuba não pôde tirar muito proveito da região, não pôde tirar proveito de uma tendência regional. O desenvolvimento econômico da América Latina foi muito lento e também as relações com os países da região eram pobres.

No plano econômico, mandavam as empresas estadunidenses e, no plano político e diplomático, os países da região sofriam uma grande pressão por parte dos EUA. Nos últimos dez anos melhoraram muito as relações com estes países, mas não há garantia de que as coisas sigam assim. O governo atual dos EUA gostaria de recuperar o terreno que perdeu nas duas administrações Bush. Também não há qualquer garantia de que seguirá a atual onda esquerdista na América Latina.

O contexto econômico chinês era e é muito mais favorável. Desde os anos cinquenta, a região conhece um regime cumulativo muito favorável. Com muitas empresas de alta tecnologia no Japão, que tem vínculos orgânicos com subcontratados nos países da região, países onde, por sua vez, sobrava a mão de obra barata. Grande parte da produção ia para os EUA e Europa.

Graças a esse clima favorável acumulado, houve um crescimento muito elevada no Leste e Sudeste da Ásia. A China pôde aproveitar esta situação, especialmente desde os anos oitenta. Nesta região, Washington teve muito menos influência do que na América Latina, pois não a considera o seu quintal. Finalmente, graças à sua dimensão, a China tem - e reforça ainda mais - uma posição forte em comparação com outros países da região.

Os últimos quatro pontos mostram claramente que o contexto econômico chinês não pode ser comparado com o cubano. A China é capaz de pôr exigências às empresas transnacionais. Cuba, pelo contrário, tem para oferecer um negócio muito atraente para atrair capital estrangeiro. Da atual fase da estratégia de desenvolvimento da China faz parte uma atração maciça de capital estrangeiro para adquirir tecnologia e capital como base para uma hiperexpansão das exportações. Para Cuba, este caminho não é possível.

A China pode se permitir uma economia muito aberta, pode deixar que jogue o mercado e pode dar espaço para jogadores estrangeiros no mercado doméstico, sem perder o controle sobre a economia. Em Cuba, é o oposto. Ali, o funcionamento do mercado possui um elevado potencial de desestabilização e é uma ameaça à soberania. Há pouca margem de manobra econômica, a regulamentação estrita do mercado é uma questão de sobrevivência.

Não mencionamos as diferenças essenciais entre os dois países para julgar, de maneira nenhuma, se o caminho chinês é correto ou não. Essa é outra discussão. Tentamos, sim, deixar claro que os caminhos diferentes que seguem estão, em grande parte, determinados pelas circunstâncias históricas e as opções escolhidas. Também queríamos mostrar que o que é melhor para um, não necessariamente se adequar ao outro. Uma das lições mais importantes que a história nos ensinou é que de nada serve um país copiar o rumo tomado por outro. É claro que podemos aprender com os erros e os pontos fortes de outros países e é necessário fazê-lo, mas cada um deve desenvolver-se de sua própria maneira, de acordo com as suas próprias condições internas e externas.

Em Cuba, podemos esperar toda uma série de reformas, já que o país se encontra ante desafios muito importantes. Mas isso não significa de forma alguma que Cuba tem que mudar de curso ou modelo, ou que esteja considerando isso. Isso significa, para colocar as palavras de Raúl, que se buscará um modelo "economicamente favorável" para a ilha e que assegure "a continuidade do sistema social e político do país".

(Agradeço a Alejandro Aguilar Trujillo, professor emérito da Universidade de Havana, por suas valiosas contribuições e comentários).

Bibliografia

Banco Central de Cuba, Economía cubana 1996-2006, La Habana 2007.

Cepal, http://www.eclac.org/ .

Demuynck K. & Vandepitte M., De Factor Fidel, Antwerpen 2008.

Herrera R., Cuba revolutionaire. Tome 2. Économie et planification, París 2006

Ng Sauw T. & Vandepitte M., Made in China, Meningen van daar, Berchem 2006.

Oficina Nacional de Estadísticas, Panaroma económico y social. Cuba 2008, La Habana 2009.

UNDP, Human Right Development Report, Washington 2009.

Vandepitte M., De gok van Fidel. Cuba tussen socialisme en kapitalisme?, Berchem 1998. 



Fonte: http://www.vermelho.org.br

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Contribuição para uma nova visão marxista do direito 

I PARTE

Leandro Alves *

Esse texto é a ultima parte - adaptada - do artigo "Direito e Marxismo: um encontro necessário", que elaborei com o escopo de iniciar um debate para atualizar a visão marxista acerca do direito.


Face ao tamanho do artigo não é possível sua publicação nesta coluna, mas quem desejar ter acesso ao artigo completo, basta entrar em contato comigo por e-mail que terei o maior prazer de remetê-lo.

A visão mais difundida no meio marxista acerca do direito é a que - por ser ele parte da superestrutura - o toma como mero reflexo das relações econômicas da sociedade. O modo produção da vida material condiciona a vida social e política, é, em última instância, o determinante absoluto do direito.

Entretanto, um dos próprios fundadores do marxismo nos alertou para esse erro. Engels foi enfático ao dizer que "A situação econômica é a base, mas os diversos fatores da superestrutura que sobre ela se levantam - as formas políticas e a luta de classes e seus resultados, as Constituições que, depois ganha uma batalha, a classe triunfante redige, etc., as formas jurídicas, e inclusive os reflexos de todas essas lutas reais no cérebro dos participantes, as teorias políticas, jurídicas, filosóficas, as ideias religiosas e o desenvolvimento ulterior destas até convertê-las em um sistema de dogmas - exercem também sua influência sobre o curso das lutas históricas e determinam, predominantemente em muitos casos, sua forma" ("Fios de Ariadne - Ensaios de interpretação marxista", Editora UPF, p.36).

O marxismo não é um materialismo mecânico, que entende que a consciência social fica reduzida às condições econômicas. Ao contrário, o marxismo é uma teoria viva e vale lembrar que já se passou o período de dogmas, receitas e manuais que tanto prejudicaram a evolução do nosso pensamento. O marxismo não pode enxergar o direito, simplesmente, como a lei - a forma jurídica. Esse é apenas o fenômeno, nós precisamos ir mais longe, devemos buscar a essência do direito, que tem relação direta com as relações sociais.

Em sua complexidade, fenômeno jurídico possui três dimensões fundamentais, quais sejam: a ciência jurídica - o ordenamento posto - a lei; a sociologia jurídica - os fatos sociais que o geram; e a filosofia jurídica - os valores sociais que lhes dão suporte. Cabe salientar que essas três dimensões não são estanques, havendo uma interpenetração entre as mesmas. Essas três dimensões formam o todo do fenômeno jurídico.

Toda ordem social pressupõe relações humanas. Para consolidação de determinada ordem, essas relações devem ser planejadas e devem possuir certa continuidade. Como e por quem serão planejadas dependerá do sistema social e político dessa sociedade. O direito faz a mediação entre as relações sociais e os objetivos da sociedade. Essa mediação tem por fulcro consolidar valores numa sociedade especifica. Esses valores, por sua vez, são historicamente determinados pelas próprias relações sociais. E essas relações têm seus limites impostos pelo grau de desenvolvimento das forças produtivas.

Sendo o direito um fenômeno social, ele não existe por si. Ao contrário, é obra dos seres humanos organizados em sociedade. Isso é fundamental para nossa compreensão. O direito não é algo acima da sociedade, mas é o resultado da relação entre os seres humanos.

Apresentei em meu artigo "Direito e Marxismo: um encontro necessário" os elementos que entendo que devem ser levados em conta para uma real apreensão do direito, quais sejam: a) a infra-estrutura ou base econômica, na qual incluo o grau de desenvolvimento das forças produtivas - em nível internacional e nacional; b) as instituições políticas - que compreendem Executivo, Legislativo, Judiciário, funções essenciais à Justiça, etc.; c) as instituições sociais - que abrangem as entidades sindicais, estudantis, comunitárias, enfim, os movimentos sociais em geral e a mídia; e, d) o grau de desenvolvimento da luta de classes, tanto internacional como nacional.

Além desses elementos, precisamos romper com a visão dogmática que o marxismo tem sobre o direito. Não é de hoje que um grande número de juristas progressistas defende essa opinião. Em sua obra Fabio Coelho questiona essa visão dogmática por parte dos marxistas. Diz ele:

Essa equação reducionista, esse economicismo, é uma deturpação simplificadora do marxismo marxista O modo de produção existente em uma sociedade é a sua base real no sentido de que condiciona as demais relações sociais. Não as determina, por certo; apenas a condiciona. As manifestações do espírito humano possuem o que se costuma chamar de relativa autonomia, de uma lógica interna que não se consegue entender apenas com o reporte às condições materiais da vida social". (Coelho, 2005: 08).

Mais adiante, Coelho diz:

Pela redução voluntarista, o Direito é visto como mera expressão dos interesses da classe dominante. Ignora -se, nessa perspectiva, o papel que as classes dominadas desempenham na história e a própria dinâmica da luta de classes. O Direito acompanha, com maior ou menor proximidade, os movimentos dessa luta. As concessões localizadas da burguesia e os avanços e as conquistas do proletariado estão presentes no condicionamento da produção normativa. Além disso, a classe dominante possui suas segmentações, seus projetos diferenciados, que compõem uma complexa rede de interesses, impossível de ser sintetizada na idéia de um Direito que atenda exclusivamente aos de uma classe social apenas. (Coelho: 2005, 8-9).

Na verdade achar que o direito é uma mera imposição das classes dominantes é desconsiderar o papel do proletariado e dos excluídos na luta de classes. Entre desejo da classe dominante e a imposição há um grande caminho a ser percorrido, que é o caminho da luta de classes. Dependendo do grau da organização da classe operária, bem como da correlação de forças em dado momento dessa luta, o resultado penderá para um ou outro lado. E mesmo dentro da classe dominante há frações de classes com interesses diferentes. Por isso é equivocado dizer que o direito é mero fruto da vontade das elites.

* Leandro Alves é Servidor do Poder Judiciário Gaúcho, ex-assessor Sindical, ex-assessor Parlamentar. E-mail: leandroalvesrs@hotmail.com
Fonte:http://vermelho.org.br/vermelho.htm

Contribuição para uma nova visão marxista do direito

  II PARTE
 
Leandro Alves *
 

Para garantir a sobrevivência do ser humano e a execução de seus objetivos essenciais, é necessária a instauração de uma ordem. Seja ela capitalista, socialista, ou comunista. Para determinada sociedade alcançar seus objetivos, é necessário prever as relações e as situações possíveis, dando-lhes um direcionamento, um objetivo, que pode ser o lucro individual, que precisa da exploração para se perpetuar, ou o desenvolvimento de toda a humanidade, que precisa da socialização das riquezas produzidas coletivamente. O direito é o instrumento que cumpre a função de consolidar os objetivos de determinada sociedade. Ele funciona como mediador das relações sociais, econômicas e políticas; portanto, relações de poder. O direito tem um caráter socializador/educador; por consequência, serve como amálgama e guia da sociedade em desenvolvimento.

O espaço em que se dá a produção do direito é complexo e possui várias esferas, pois abrange o próprio produzir-se de determinada sociedade. O direito posto como está hoje, sob a hegemonia da burguesia, não pode exercer seu potencial mediador e organizador de determinada sociedade. Os entraves positivistas não permitem seu desenvolvimento pleno. Ou, como nos ensina o eminente professor Herkenhoff (2001: 16) “O positivismo reduz o direito a um papel mantenedor da ordem. Sacraliza a lei. Coloca o jurista a serviço da defesa da lei e dos valores e interesses que ela guarda e legitima, numa fortaleza inexpugnável”.

O positivismo jurídico – não importa sua variável – que fundamenta e estrutura o nosso pensamento jurídico é limitado para a apreensão da complexidade social. De maneira simples, podemos dizer que o positivismo, tem por pressuposto que só é direito aquilo que emana do Estado; portanto, só leva em conta as leis escritas de determinado Estado. Em nome de uma pseudo neutralidade, deixa a complexidade da realidade social fora de seu horizonte.

Como disse anteriormente, entendo o direito como um mecanismo que faz a mediação entre as relações sociais e os objetivos de determinada sociedade, ou seja, ele tem um papel essencialmente político. Para fazer uma mediação que consiga apreender toda a complexidade social, o direito precisa estar permeável a todos os elementos que compõem essa sociedade.

A ciência e a filosófica marxista podem fazer com que o direito rompa com os entraves positivistas. Sob a ótica marxista, o direito tem que criticar a concepção positivista, levar em conta a totalidade da experiência humana, representando os diversos componentes da sociedade, os fatores culturais dos diferentes grupos sociais, os interesses das diferentes classes, os objetivos socialmente aceitos em determinada época, os valores ainda não aceitos, mas que detenham uma carga positiva rumo ao futuro da humanidade.
A ideia de tornar o direito permeável à complexidade do produzir e do reproduzir-se da sociedade não é uma novidade, existe uma série de “movimentos” nesse sentido. A Nova Escola de Direito, o chamado “Direito achado na rua” ou Direito Alternativo, e os “Abolicionistas” são exemplos importantes dessas tentativas. Há, com relação a esses movimentos, um grande desconhecimento por parte dos marxistas. Nós temos um vezo antigo, adoramos colocar um rótulo em pensamentos que não dominamos. Se determinado pensamento parece não estar dentro de nossa “cartilha”, colocamos um rótulo e, do alto de nossa sabedoria, decretamos sua invalidade.

Entendo que essa postura, por parte dos marxistas, por um lado só atrasou o desenvolvimento do direito e garantiu a supremacia dos intelectuais burgueses nesse campo. O objetivo de Lênin – que entendia o marxismo com uma teoria revolucionária e não como um dogma - e de todos os grandes marxistas ao longo da história foi construir e aperfeiçoar a teoria marxista dentro de suas realidades. Não podiam - nem queriam - prever o futuro. Tampouco criaram uma religião com dogmas inquestionáveis.

Não pretendo determinar todos os elementos para uma nova visão marxista sobre o direito. Seria uma contradição. Pretendo sim iniciar tal debate e apresentar duas convicções: a de que o marxismo tem importante papel para a evolução do direito e que o direito tem um grande papel na luta de classes. Entendo que nós, marxistas, temos um grande caminho a percorrer e muito que construir no campo do direito, mas para tanto, precisamos parar de mudar de nome as ruas do marxismo, bem como parar de pintar suas velhas paredes de vermelho, precisamos, sim, é atualizá-lo.

A teoria marxista pode fazer com que o direito dê um salto qualitativo frente à complexidade das relações sociais, tendo um papel importante na luta por uma sociedade realmente humana. Só o manancial teórico marxista está apto a captar toda a complexidade da realidade social, convertendo-a em uma verdadeira fonte de enriquecimento do direto. O marxismo pode utilizar todo o potencial que o direito – enquanto estruturador, mediador e orientador das relações políticas e sociais – pode oferecer em um processo longo de transição para uma sociedade socialista.

Esse texto é a ultima parte - adaptada - do artigo “Direito e Marxismo: um encontro necessário”, que elaborei com o escopo de iniciar um debate para atualizar a visão marxista acerca do direito. Face ao tamanho do artigo não é possível sua publicação nesta coluna, mas quem desejar ter acesso ao artigo completo, basta entrar em contato comigo por e-mail que terei o maior prazer de remetê-lo.

Disponibilizo aqui a bibliográfica completa do artigo Direito e Marxismo: um encontro necessário.

Referencias Bibliográfica:

Amin, Samir

- A via de desenvolvimento de orientação socialista. Anita Garibaldi. Janeiro. 2010.
Azevedo, Plauto Faraco de.

- Direito, Justiça social e Neoliberalismo. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 1999.

- Aplicação do direito e contexto social. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 2000.
Baptista Herkenhoff, João.

- Para onde vai o Direito?. Livraria do Advogado. 2001.
Coelho Ulhoa, Fábio.

- Direito e poder. Saraiva. São Paulo. 2005.
Engels, Friedrich.

- A “Contribuição à Crítica da Economia Política” de Karl Marx. Obras Escolhidas volume 1. Vitória.

- A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Vitória Limitada. Rio de Janeiro.
Gramsci, Antonio.

- Cadernos do Cárcere. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 2002.
Kosik, Karel.

- Dialética do Concreto. Paz e Terra. São Paulo. 1995.
Levi R., Madeleine e Tigar e. Michael.

- O Direito e a ascensão do capitalismo. Zahar. Rio de Janeiro. 1978.
Lyra Filho, Roberto.

- O que é Direito. Brasiliense. São Paulo. 1995.
Lumia , Giuseppe.

- Elementos de Teoria e Ideologia do Direito. Martins Fontes. São Paulo. 2003.
Martins Antunes, Marcus Vinicius.

- Engels e o Direito. Fios de Ariadne ensaios de interpretação marxista. UPF.
Mello, Marcus Bernardes de.

- Teoria do Fato Jurídico. Saraiva. São Paulo. 2007.
Pachukanis, Bronislavoviv Evgenij.

- A Teoria Geral do Direito e o Marxismo. Acadêmica. São Paulo. 1988.
Stucka Iva, Petr Ivanovich.

- Direito e Luta de Classes. Acadêmica. São Paulo. 1988.

* Leandro Alves é Servidor do Poder Judiciário Gaúcho, ex-assessor Sindical, ex-assessor Parlamentar. E-mail: leandroalvesrs@hotmail.com
Fonte: http://vermelho.org.br/vermelho.htm

Pensando com a própria cabeça

Ronaldo Carmona *

A viagem do presidente Lula ao Irã neste fim de semana é expressão simbólica do crescente protagonismo brasileiro no cenário internacional, no qual os brasileiros passam a ver crescentemente refletida sua geografia e sua demografia. 

 

O papel de mediação exercido pelo Brasil quanto a questão iraniana, tem a ver, antes de tudo, com seu próprio interesse: garantir que existam condições internacionais favoráveis ao uso de energia nuclear com fins pacíficos nos países em desenvolvimento, num contexto de mudança de matriz energética que o mundo verá no próximo período.

Lula desembarca em Teerã no sábado a noite, após intensa pressão dos países centrais, em especial dos Estados Unidos, para que o país não se envolvesse no assunto, ou pelo menos, caso se envolvesse, que o fosse seguindo a posição destes países. Muito papel e tinta foi gasto “recomendando” que o Brasil não se envolvesse em assunto tão árido, “tão longe do território nacional”.

Num ponto alto da pressão – e da deselegância diplomática –, a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton chegou a dizer em Brasília que o Brasil estava sendo ingênuo ao defender solução pacifica para a questão iraniana. Ao que, foi respondida por funcionários brasileiros, que mais ingênuo ainda seria acreditar em relatórios de inteligência, como aqueles que “provavam” a existência de armas de destruição em massa no Iraque – aliás, jamais descobertas simplesmente porque jamais existiram.

O fato é que está em curso movimento para restringir o uso de tecnologia nuclear para fins de produção de energia por países em desenvolvimento, com objetivos, dentre outros fatores, de restringir o mercado de fornecimento de urânio enriquecido. Aqui, sobrariam umas poucas empresas fornecedoras, não por acaso de nacionalidade norte-americana e européia, num sistema de oligopólio internacional, sob argumento da “segurança” e da “não-proliferação”.

O Brasil, recordemos, travou intensa luta para dominar a tecnologia nuclear. O governo Gaisel chegou a denunciar um acordo militar com os EUA para garantir “margem de manobra” para prosseguirmos o desenvolvimento de tecnologia autóctone. A pressão que hoje sofre o Irã para impedi-lo de desenvolver tecnologia nuclear com fins pacíficos, aliás, é bastante similar à pressão sofrida pelo Brasil nos anos ’70.

O Brasil também mostrou pensar com cabeça própria quando, no âmbito da Unasul fez chegar contundente recado à União Européia, e mais especificamente à Espanha, de que era inaceitável a presença do presidente hondurenho Pepe Lobo na Cúpula Europa – América Latina que se realiza na próxima semana na capital espanhola.

Afinal, Honduras, segue vivendo algo muito parecido a um Estado de exceção. Lembre-se que o presidente deposto, Manuel Zelaya, segue exilado em Santo Domingos, proibido de voltar ao país, sob ameaça de prisão. Não se permite a organização de uma força política liderada pelo ex-presidente, que, gostem ou não os reacionários, expressa parcela expressiva da população hondurenha.

A reunião da Unasul, semana passada em Buenos Aires, aliás, marcou passos na consolidação do pólo sul-americano, da busca regional em pensar com a própria cabeça.

Representativo disto é o fato de que, mesmo em áreas sensíveis, como segurança e defesa, sai o panamericanismo viúvo da guerra fria, entrando em seu lugar estruturas regionais próprias. Entram em decadência organismos hemisféricos, como a JID (Junta Interamericana de Defesa) e as “cooperações” com a DEA norte-americana, aparecendo no lugar instrumentos autônomos como o Conselho de Defesa Sul-americano e o recém instalado Conselho Sul-americano sobre o problema mundial das drogas.

A viagem do presidente Lula nestes dias, marca a busca de autonomia por parte do Brasil. Através de relações policentricas e prioritária com países em desenvolvimento, busca-se alianças com aqueles que vivem os mesmos dramas, num mundo marcado por enorme concentração de poder.

Nestes dias será destaque a importante parceira com a Rússia, com a qual será assinado nesta sexta-feira um amplo Plano de ação estratégica – parecido, na amplitude e dimensão ao PAC (Plano de ação conjunta) recém assinado com a China, por ocasião da visita de Hu Jintao, na reunião dos BRICs.

Com a Rússia, destacam-se as amplas possibilidades de cooperação em C&T – em áreas como o programa espacial e o GPS russo – e na área de defesa, onde se comenta a oferta russa de desenvolvimento conjunto de um caça de 5ª geração, que em alguns anos substituiria os aviões a ser adquiridos no atual Programa FX-2. Recentemente, aliás, quebrando resistência de viúvas da guerra fria, o Brasil comprou doze modernos helicópteros russos Mi-35, já incorporado à FAB.

São muitos os exemplos de busca de “margem de manobra” pelo Brasil que lhe permita pensar com cabeça própria. As múltiplas e modernas coalizões sul-sul que apareceram no período recente, tais como o BRIC, o IBAS, o G20 comercial, as Cúpulas ASA e ASPA, dentre outras, são demonstração disto.

O quadro de forças no mundo aponta para uma transição da unipolaridade – característica básica do sistema internacional no pós-Guerra Fria –, para a intensificação de tendências à multipolaridade e portanto, à instabilidade no sistema internacional.

Mais do que nunca, diante de cenário incerto, o Brasil precisa formar pensamento estratégico próprio, ter sua própria leitura dos fatos e do contexto em que se desenvolve o jogo de forças no mundo.

* Membro da Comissão de Relações Internacionais do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)

Fonte: http://vermelho.org.br/vermelho.htm

Arquivo UCE
  Estudantes ocupam as ruas de Florianópolis contra aumento da tarifa do ônibus

   SC: milhares continuam nas ruas        contra aumento de passagem         

Milhares de estudantes protestaram mais uma vez em Florianópolis contra os abusivos aumentos de passagem de ônibus - que passou de R$ 2,80 para R$ 3,12. A cidade tem histórico de grandes mobilizações juvenis quanto a sensível questão do transporte público, as chamadas "Revoltas da Catraca". Diante do aumento de 12%, estudantes organizaram uma série de protestos, que devem continuar nesta sexta-feira (14/5).


Depois de quase 11 horas de protesto, os estudantes encerraram as manifestações, no Centro de Florianópolis na quinta-feira (13/5). Eles pedem a redução da tarifa do transporte coletivo.

Por volta das 21h, as cerca de 250 pessoas que permaneciam no Terminal Integrado do Centro (Ticen) dispersaram depois de anunciar que nesta sexta-feira os protestos continuam.

O protesto, que começou no fim da manhã desta quinta-feira em frente ao Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Florianópolis (Setuf) contou com estudantes acorrentados, manifestações artísticas como futebol e cabo de guerra.

O vice-prefeito da Capital, João Batista Nunes (PR), foi ao encontro dos manifestantes que estavam no Setuf à tarde. Por volta das 17h, foi entregue ao comando dos estudantes a planilha de custos do transporte coletivo da Secretaria de Transportes e do Ministério Público.

Após o recebimento do documento, os manifestantes começaram o protesto na avenida Paulo Fontes e seguiram em passeata pelas ruas da Capital por volta das 18h.

O último ato foi em frente à prefeitura de Florianópolis, onde foi encenado o enterro do transporte coletivo "privado". Manifestantes usaram apitos e reivindicaram pela redução do preço na passagem de ônibus.

Revolta da Catraca


A primeira "Revolta da Catraca" ocorreu em 2004 também pedindo redução da passagem. Na ocasião, milhares de pessoas, de diversos segmentos sociais, foram às ruas, fecharam as pontes que ligam a ilha ao continente, realizaram assembleias, enfrentaram a polícia, até que conseguirem que a tarifa retornasse ao preço anterior.

Em 2005, o aumento se repetiu e as mobilizações também, com mais intensidade e mais impacto sobre a cidade. A tarifa de novo foi reduzida.

Fonte: UJS


“Mother”: Papel de mãe

Cloves Geraldo *

Filme do diretor sul-coreano Bong Joon-ho trata da relação conflituosa entre mãe e filho e o esforço dela para protegê-lo das armadilhas para as quais ambos não estão preparados

A sensação que se tem depois de assistir “Mother – A Busca pela Verdade”, do sul-coreano Bong Joon-Ho, é que seu domínio da linguagem cinematográfica o permite iniciar a encerrar seu filme com alegorias. É como se ele dissesse: a vida continua; embora fatos terríveis dominassem a história. Na cabe aqui fazer qualquer julgamento moral dos personagens e tampouco de suas ações. Eles apenas agiram de acordo com o que as circunstâncias lhes impuseram. Sua condição não é de vítimas ou de algozes; eles não são bons ou ruins, só querem manter seu fluxo vital.


Para que o espectador absorva suas ideias tem de percorrer o encadear dos fatos, através de uma narrativa linear, que avança e recua, abre e fecha janelas e portas. Numa determinada cena, central para o entendimento da relação de dois adolescentes com a vítima; um deles fala sobre ela e, ao mesmo tempo, mantém com ela um diálogo. Uma economia de meios narrativos, que os modernizam e põe o espectador em contato com o que de fato ocorreu. Bong Joon-Ho não usa aqui o tradicional flashback, de voltar ao fato ocorrido e depois a seu desfecho.


Recursos que irão se repetir em outras sequências, às vezes usando a memória e objetos, como na sequência em que Do Joon entrega a caixa de agulhas de acupuntura à mãe Hye-Ja. Este simples uso do MacGuffin de Hitchcock já elucida a trama. Não é preciso mais nada para o espectador entender o que se passou lá e as implicações que isto pode ter para ela. Inexiste, para alicerçar a narrativa, grandes perseguições, lances espetaculares, só os contornos deles, salvo por uma bem elaborada sequência de suspense, que fazer o espectador torcer por Hye-Ja.


Diretor não julga os personagens


Os demais entrechos do filme seguem o encadeado, de forma que a história avança sem atropelos. Centrada nas circunstâncias que levam os personagens a agir desta ou daquela forma, ela tipifica-os, coloca-os em seu meio social e mostra a relação entre eles. Nada complicado. A ação em “Mother” é motivada pelo comportamento de Hye-ja com o filho Do Joon, que sofre de aflição mental. Jovem, com dificuldade para se expressar, recebe dela atenção redobrada. E temerosa de que ele se meta em confusão, tenta protegê-lo, mas ele lhe escapa.

Ainda que condene sua amizade com Jin-tae, jovem de comportamento suspeito, o próprio Do Joon termina por cometer um ato que irá enredá-los num pesadelo. Um pesadelo que o diretor Bong Joon-Ho desenvolve no limite. Foge às investigações policiais, o desvendar de algo já visto, nada é presenciado, nada é evidenciado. Pode ter sido um lapso de memória de Do Joon ou uma falsa acusação, como Hye-ja acredita como mãe.

Conta mais aqui a forma como o diretor encadeia as buscas que são feitas pelos personagens, - menos pela polícia, entregue à conclusões apressadas, mais por Hye-Ja em sua ânsia de livrar o filho da cadeia. Os recursos à memória de Do Joon e Hye-ja não são ganchos para fazer a história andar, são suportes para que se entenda a psicologia deles como personagens. Um dos choques entre mãe e filho se dá justamente pelas lembranças de Do Joon. Todo o passado da mãe emerge.



Filme trata do sacrifício da mãe pelo filho


Fosse outro diretor, lançaria mão de palavrório. Bong Joon-Ho e seu co-roteirista Park Eun-Kyo se restringem a poucas falas e tudo se encaixa. E Hye-Ja então se explica, quer o perdão do filho. Assim a forma serve ao conteúdo e vice-versa. E retira o filme do lugar comum do “filme de crime”, cheio de perseguições e troca de tiros. O andamento de “Mother” às vezes se acelera, mas logo a ação é atenuada. Salvo na impactante sequência do incêndio, quando com brutalidade extrema Hye-ja perde o equilíbrio e se permite um instante de justiça solitária.

Até o desfecho, se tem desta forma um filme que se condiciona pelas relações mãe/filho, a vida miserável que levam; o cuidado que ela tem com ele e, depois, ao que ela se submete para livrá-lo do que se meteu. Trata-se, na verdade, da história dela, do sacrifício que faz pelo filho. E o mundo cheio de armadilhas em que vivem. Não só pelo que ele supostamente fez, mas pelo que ela também faz, como praticante da acupuntura ilegal.


São dois seres à margem da sociedade. Bong Joon-Ho não os julga. Eles estão condicionados a ter as reações mostradas por ele. Tanto que a mostra em plano aberto à frente do vasto campo, e depois embalada por uma fusão de ritmos musicais numa viagem pelo país. O espectador, acostumado a julgamentos e desfechos moralistas, pode achar que o diretor deveria puni-la e ao filho, mas o caso aqui é que eles já estão condenados por sua posição social.

Esta a validade deste “Mother”, “Mãe”. Uma obra que confirma a criatividade do cinema sul-coreano, principalmente de Bong Joon-Ho com sua inventividade e reversão das narrativas moralistas.

“Mother” (“Madao”). Drama. Coréia do Sul.2009. 128 minutos. Fotografia: Hong Kyung-Pyo. Música: Lee Byeong-Woo.Roteirista: Park Eun-Kyo/Bong Joon-ho, Diretor: Bong Joon-ho. Elenco: Kim Hye-Ja, Won Bin.

* Jornalista e cineasta, dirigiu os documentários "TerraMãe", "O Mestre do Cidadão" e "Paulão, lider popular". Escreveu novelas infantis,  "Os Grilos" e "Também os Galos não Cantam".

Fonte:http://vermelho.org.br/vermelho.htm

terça-feira, 11 de maio de 2010

Psicanálise é comparada à homeopatia

Carlos Pompe *

O filósofo francês Michel Onfray acaba de lançar Le Crépuscule d'une idole, l'affabulation freudienne (“O crepúsculo de um ídolo, a fábula freudiana), onde questiona a capacidade de cura da psicanálise, ”que diz respeito a Freud e ninguém mais”.

 



Ele compara a psicanálise a uma religião e diz que a capacidade dessa disciplina curar as pessoas é semelhante à da homeopatia.

O filósofo, que escreveu Tratado de ateologia (publicado no Brasil, assim como A escultura de si e A política do rebelde), diz que Freud transformou seus próprios "instintos e necessidades fisiológicas" em uma doutrina com pretensão de ser universal. A psicanálise seria "uma disciplina verdadeira e justa no que diz respeito a Freud e ninguém mais".

Ele afirma que Freud fracassou na cura de pacientes que ele mesmo atendeu, mas ocultou ou alterou suas histórias clínicas para dar a impressão de que havia sido bem sucedido. Sergei Konstantinovitch, por exemplo, indicado por Freud como "o homem dos lobos", continuou fazendo psicanálise mais de meio século depois de Freud dá-lo por curado. Bertha Pappenheim, referida como "Anna O.", continuou tendo recaídas de histeria e alucinações mesmo depois de tratada pelo pai da psicanálise.

"A psicanálise cura tanto quanto a homeopatia, o magnetismo, a radiestesia, a massagem do arco do pé ou o exorcismo feito por um sacerdote, quanto nenhuma oração diante da Gruta de Lourdes (onde há relatos de que Nossa Senhora teria aparecido)", disse o francês. E questionou: "Sabemos que o efeito do placebo constitui 30% da cura de um medicamento. Por que a psicanálise escaparia desta lógica?"

Onfrey pensa que Freud tinha preconceito contra homossexuais e um interesse especial em temas como abuso sexual, complexo de Édipo e incesto. Em termos ideológicos, segundo o autor de “O Crepúsculo de um Ídolo”, Freud flertou com o fascismo e escreveu, em 1933, esta dedicatória para Benito Mussolini: "Com as respeitosas saudações de um veterano que reconhece na pessoa do dirigente um herói da cultura." O criador da psicanálise teria tentado alinhar-se com o chanceler Engelbert Dollfuss, que instaurou o "austrofascismo" no país, e às exigências do regime nazista.

A resposta da historiadora e psicanalista Elisabeth Roudinesco às afirmações de Onfrey, num debate com ele, foram pueris: "Quando sabemos que 8 milhões de pessoas na França se tratam com terapias derivadas da psicanálise, está claro que no livro e nas palavras do autor há uma vontade de causar danos". Ora, por esse argumento jamais se contestará nenhum absurdo, pois a imensidão de pessoas que acreditam em absurdos é irrefutável!

Onfray contrapôs que várias reações contra seu livro evitam responder seus argumentos centrais e, em um artigo publicado no jornal francês Le Monde, perguntou se era impossível fazer uma leitura crítica de Freud.

Quando, em 2009, o arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, excomunhou os médicos que realizaram o aborto no episódio da menina estuprada pelo pai, Michel Onfray denunciou: ”A ideologia da Igreja é reacionária, conservadora e insuportável. A Igreja apresenta indignações seletivas. Durante e após a II Guerra Mundial, ela excomungou todos os comunistas e nunca excomungou um único nazista”.

À psicanálise e às religiões, Onfray opõe o racionalismo, como escreveu no Tratado de ateologia: “Nem a Bíblia nem o Corão. Entre os rabinos, sacerdotes, imãs, aiatolás e outros mulás, insisto contrapor o filósofo. Entre todas essas teologias abracadabrantescas, prefiro recorrer aos pensamentos alternativos à historiografia filosófica dominante: as pessoas com humor, os materialistas, radicais, cínicos, hedonistas, ateus, sensualistas e voluptuosos. Pois eles sabem que só existe um mundo e que toda promoção dos mundos subjacentes leva à perda do uso e benefício do único que há. Pecado realmente mortal...”

* Jornalista e curioso do mundo.
Fonte: http://vermelho.org.br/vermelho.htm

Todo o sentimento do mundo

Eduardo Bomfim *

A campanha eleitoral que se aproxima se revestirá de uma importância diferenciada das outras recentes que aconteceram. Os próximos meses mostrarão que acontecerá um embate decisivo ao futuro do Brasil.

Nos estados regionais é bem possível que as paixões e as rivalidades arraigadas entre grupos ou personalidades superem por algum tempo o sentido mais geral de um grande confronto de proporções históricas que estará presente cada dia dos debates, nas ruas, na mídia ou nos comícios.

E alguns poderão tentar rebaixar o nível e o espírito verdadeiro dessa disputa. Porque a esses, na contramão dos anseios, esperanças do povo brasileiro, resta somente fulanizar o discurso, desviar o assunto do que está em jogo, na impossibilidade de apresentar com transparência à sociedade o seu alinhamento político.

Dificilmente conseguirão, no entanto, manter uma linha diversionista por muito tempo porque a gravidade do momento e a profundidade do que estará por se decidir não permitirá que se esconda o confronto das propostas e os programas antagônicos em duelo titânico na sociedade brasileira.

Na verdade a nação estará mais uma vez perante uma incrível encruzilhada histórica, assim como esteve em vários outros momentos do seu jovem itinerário. Pode-se afirmar que essa encruzilhada não será de menor estatura do que a luta dos brasileiros contra o regime de arbítrio que perdurou vinte e um anos, na qual a nação saiu vencedora.

Será uma tremendo duelo entre as grandes maiorias e um determinado segmento das elites nativas associado a um projeto que comumente se chama de neoliberal e todas as suas consequências, testado e posto em prova nos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso.

Que conta com o enfurecido e descontrolado engajamento de uma parcela da grande mídia hegemônica nacional, toda poderosa, sem nenhum pudor para com as regras do conceito básico da informação que venha a ser minimamente imparcial.

Essa mesma mídia que apesar do brutal esforço não conseguiu sustar a aprovação do governo Lula por mais de 80% dos brasileiros.

Será uma árdua disputa, que se revestirá de profundo caráter plebiscitário, entre o atual projeto nacional soberano, de desenvolvimento com inclusão social, versus o ultrapassado e nefasto dogma neoliberal.

Ao povo brasileiro valerá a consciência social, associada ao espírito do poeta ao declarar que só tinha duas mãos e todo o sentimento do mundo.

* Advogado, Secretário de Cultura de Maceió - AL
Fonte: http://vermelho.org.br/vermelho.htm

Os delírios de Dom Dadeus

Regina Abrahão *

Para o arcebispo gaúcho a responsabilidade pelos abusos sexuais cometidos por integrantes da igreja católica é a sociedade atual, onde a liberdade sexual permite que inclusive homossexuais tenha direito de manifestação pública.

Abertura de assembléia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Brasília. O arcebispo Dom Dadeus Grings, falando em pedofilia conseguiu comprometer ainda mais a Igreja católica, quando põe a culpa dos abusos sexuais cometidos por padres católicos na sociedade, que ele classificou de pedófila. Mais: para ele, somente a castidade seria necessária para resolver o problema da pedofilia.

Segundo o arcebispo, a pedofilia cometida por sacerdotes católicos é ínfima em relação ao que acontece fora da igreja. Segundo ele, os abusadores católicos são poucos, e o destaque dado aos casos é feito por pessoas incomodadas com a promoção da castidade. Vai mais longe, afirmando que a falta de castidade que ele classifica como excesso de liberdade sexual é responsável não só pela pedofilia, mas também por problemas como a homossexualidade.

Na verdade o arcebispo homofóbico falou não em homossexualidade, mas em homossexualismo. E vai mais longe: Lembra, com saudades, do tempo em que não se tocava no assunto, os homossexuais eram discriminados e não tinham direito de se manifestar em público. E conclui associando homossexualidade com pedofilia, uma vez que agora que os homossexuais tem direito de se manifestara publicamente, o que, segundo ele, abre precedente para que os pedófilos se organizem e reivindiquem seus direitos.

Na verdade não houve aumento dos casos de pedofilia. Está havendo sim uma maior publicização dos casos, antes guardados a sete chaves pela cúpula católica. E não por vontade ou mea-culpa da igreja. É que são tantos os casos que não havia mais como evitar o escândalo. E se castidade resolvesse ou coibisse o problema, ele não ocorreria em tamanha proporção dentro da igreja católica.

Ou seja, Dom Dadeus delirou. Tivéssemos nós aprovada a lei que criminaliza a homofobia, eis nosso arcebispo na cadeia! A sordidez das afirmações, o cinismo do discurso, o moralismo católico que tantas vítimas fez ao longo da nossa história vitimou seus desafetos. E, ao colocar a igreja como “vítima das páginas de jorrnais, revistas e outros meios de comunicação, fustigada, exposta ao público ludíbrio, por causa de fraquezas de alguns de seus membros”, minimiza e dilui a responsabilidade dos trágicos casos de pedofilia protagonizados por seus membros.

Enfim, o mais estarrecedor nem são as desculpas sem fundamento do arcebispo. O que assusta mesmo é a associação de um crime, que é a pedofilia, responsável por incontáveis mazelas posteriores. Injustificável por que geralmente cometido contra vítimas por aqueles que lhe teriam obrigação de proteger com a homoafetividade. Que é questão combatida pela igreja com tamanha voracidade que só pode assustar e atemorizar a todos e todas que porventura pensem na igreja católica como um espaço de dignidade do ser humano.
* Funcionária pública, direigente municipal do PCdoB de Porto Alegre, estudante de ciências sociais da UFRGS. Dirigente da Semapi - RS
 Fonte: http://vermelho.org.br/vermelho.htm

“Utopia e Barbárie”: Lições da história

Cloves Geraldo *

Diretor brasileiro, Silvio Tendler, passeia pelas lutas político-ideológicas dos últimos 100 anos e mostra quais são as suas consequências


Vasto painel sobre as lutas político-ideológicas do século XX e suas consequências no início do Terceiro Milênio, “Utopia e Barbárie” pretende ser, também, uma reflexão de seu diretor, Silvio Tendler (“Jango”) sobre os movimentos de resistência e libertação nacional neste período.Através de imagens de filmes e de acontecimentos reais, ele percorre a Revolução Russa, o Holocausto, as Revoluções Chinesa, Vietnamita e Cubana, o Maio de 68, os conflitos raciais nos EUA, a Perestroika, o Golpe de 64, a Guerrilha do Araguaia e as Diretas Já. E seu passeio por estes processos históricos contribui para a leitura que ele faz e as lições que deles retira.

Na primeira parte (e nas demais), ele expõe os fatos por meio de depoimentos, frases, poemas, sobreposição de imagens que, sem dúvida, impactam. Põe o espectador no centro dos acontecimentos, pois as figuras que ele traz para a exposição viveram aqueles fatos. Deixa, assim, que as palavras e as imagens falem por si. Na segunda parte, quando inclui depoimentos reflexivos, como o do poeta Ferreira Gullar, que avalia o comportamento das organizações de esquerda que optaram pela luta armada, o espectador fica desconectado. Inexiste contraposição ao que Gullar fala.

O espectador tem que pinçar aqui e ali, nos depoimentos do jornalista e ministro das Comunicações do Governo Lula, Franklin Martins, e do escritor uruguaio Eduardo Galeano, autor de “As Veias Abertas da América Latina”, a validade da opção das organizações de esquerda. Gullar avalia que elas erraram, porque a correlação de forças não lhes era favorável. E exemplifica com os casos dos militares brasileiros e das forças armadas chilenas. Eles estariam mais fortes e armados do que as organizações de esquerdas, o que invalidaria a resistência.

Vários detalhes escaparam ao poeta; o direito dos oprimidos resistirem, a necessidade de bloquear os desmandos, as perseguições e torturas perpetradas pelos generais brasileiros e a ausência absoluta de liberdade de manifestação e organização. Cada época e situação política impõem uma forma de luta aos oprimidos. E não foi diferente durante os 21 anos que durou a Ditadura dos Generais, apoiada pelos EUA. Em cada etapa de sua duração, a oposição democrática e popular forjou um tipo de luta, como a Anistia, as Diretas Já, a Constituição de 88 e as eleições diretas.           

Então, passado este interegno, Tendler entra na terceira parte, com suas conclusões. O espectador pode discordar quando ele diz que as formas de luta se fragmentaram. No entanto, ele, espectador, pode entender que o centro da luta utópica, entendida como algo que se pode alcançar (ou não) no futuro, continua sendo do trabalho contra o capital, do oprimido contra o opressor, do Socialismo contra o Capitalismo, dos países subjugados contra o Imperialismo. As formas de luta nas várias frentes são ditadas por estas variações.

Fora estas questões, “Utopia e Barbárie” trás para a reflexão mitos da esquerda como o general vietnamita Nguyen Van Giap, falando sobre a tarefa que recebeu de Ho Chi Minh para organizar a luta contra a França e os EUA, de Che Guevara desancando o imperialismo, de Fidel apoiando Salvador Aliende, no Chile. Mas é igualmente impactante seu mergulho na história nacional não só por seu resultado, como também pelas variações que ela vem apresentando. Do Lula metalúrgico ao Lula presidente, de Dilma Roussef falando sobre os sonhos da juventude dos anos 60, da perseguição perpetrada pelas ditaduras militares latinoamericanas às esquerdas na Operação Condor à construção da democracia na Argentina, Chile e Uruguai e Bolívia.

Neste giro de câmera, Tendler liga as ocorrências que vinculam as lutas no campo capitalista aos conflitos na União Soviética e na China. Estão ali imagens da Primavera de Praga, da Perestroika, da Revolução Cultural, da Perestroika, da Queda do Muro de Berlim, da Praça da Paz Celestial, tentativas de a direita assumir o poder nesses países durante a Guerra Fria. São enquadrados por ele na luta da utopia e da barbárie, mas têm caráter diferente. No campo socialista tem o matiz de regressão ao sistema capitalista, de mercado, de consumo. Não é para superar os bloqueios do sistema socialista para avançar para a integração de mais trabalhadores dos mais diversos setores de produção, serviços e intelectual, ou seja de mais socialismo.

Tendler em suas pinceladas, num filme que levou 19 anos para ser produzido em 15 países, se assombra com a dialética da história, quando aborda o Crash de Setembro de 2008, época da derrocada do sistema financeiro dos EUA e do bloco capitalista. “Ninguém poderia imaginar que o Governo dos EUA fosse assumir a maior seguradora do país”. A voracidade do capital forjou a sua própria crise e sua própria solução: a intervenção do Estado para salvá-lo. Desta forma, vale observar que os oprimidos, frente a casos iguais a estes, só têm que ir criando suas formas de luta, pois a história é lenta e caprichosa, como diz Eduardo Galeano.
Utopia e Barbárie”. Documentário, Brasil, 120 minutos. Direção/Roteiro: Silvio Tendler.
* Jornalista e cineasta, dirigiu os documentários "TerraMãe", "O Mestre do Cidadão" e "Paulão, lider popular". Escreveu novelas infantis,  "Os Grilos" e "Também os Galos não Cantam".

Fonte: http://vermelho.org.br/vermelho.htm

Nos cem anos de Raquel de Queiroz...

Marco Albertim *

Vale um comentário sobre O Quinze, obra tão ou mais conhecida quanto a autora; inda que não controversa como o perfil cultural da cearense. Já na octogésima sexta edição, a simplicidade da linguagem – seu maior traço – ajuda a pôr em relevo a crueza da seca de 1915.

O cenário surge, não como indício pictórico, mas entranhado nos homens. Não poupa nem Vicente, o fazendeiro de posses que, “Sacudido pela estrada larga do quartau, seguiu rápido, o peito entreaberto na blusa, todo vermelho e tostado do sol, que lá no céu, sozinho, rutilante, espalhava sobre a terra cinzenta e seca uma luz que era quase como fogo.” Para Chico Bento, o vaqueiro pobre, “O pasto, as várzeas, a caatinga, o marmeleiral esquelético, era tudo de um cinzento de borralho.”
A opressão de classe aparece no diálogo entre Chico Bento e “o homem das passagens”. Indiferente à sorte dos retirantes, diz o homem: “Que morte! Agora é que retirante tem esses luxos... No 77 não teve trem para nenhum. É você dar um jeito, que passagens, não pode ser...” – Não é um diálogo, é a confirmação do agouro. Na mesma trilha, diz o delegado sobre o filho sumido de Chico Bento: “Não tem jeito que dar não, meu amigo... O menino, naturalmente, foi-se embora com alguém...” Ou no contraste entre a miséria dos retirantes na procissão e os trajes ricos do bispo “(...)os farrapos imundos, atrás do pálio rico do bispo(...)”.
Como boa regionalista, Raquel de Queiroz soube ainda ler o tempo telúrico porque “O sol, no céu, marcava onze horas.” A fome permeia todo o romance, punge quando o menino Josias devora a mandioca brava: “(...)e enterrou os dentes na polpa amarela, fibrosa, que já ia virando pau num dos extremos.” Na mesma altura “(...)roeu todo o pedaço amargo e seco, até que os dentes rangeram na fibra dura.”
Conceição é uma professora que se divide entre os modos urbanos e a bruteza do sertão; é a única que destila preconceito:
-(...)Então Mãe Nácia acha uma tolice um moço branco andar se sujando com negras?
O Quinze tem narrador onisciente, o que permite à autora imiscuir-se no pensamento de cada personagem, sem que assuma os rumos da abstração de cada um. Assim, na imaginação de Conceição, mostra-a, sem perder a segurança de narradora: “Metido com cabras... não se dava respeito... E ainda por cima, não se importava nem em negar...”
Raquel viu a seca de 1915, no Quixadá; dá indícios de autobiografia ao mencionar Machado de Assis: “E a moça comparou dona Inácia àquelas senhoras de alma azul, de que fala o Machado de Assis...” Aqui a autora se mostra supérflua.
Com Graciliano Ramos...

Vidas secas, oito anos depois d’O Quinze, mostra a “catinga rala”, enquanto Raquel desnuda uma “caatinga cinzenta”. Ambos tão francos quanto a crueza do cenário. Sinhá Vitória, como a Cordulina, de Chico Bento, tem o filho “escanchado no quarto”. Graciliano, feliz à exaustão, tão onisciente quanto a cearense, menciona “sentimentos revolucionários” na cachorra Baleia depois de um pontapé. A reprodução dos costumes entre as classes dá-se quando Sinhá Vitória “Teimava em calçar-se como as moças da rua(...)”. A submissão aos costumes se manifesta em Fabiano porque, usando “chapéu de baeta, colarinho e gravata. Não se arriscaria a prejudicar a tradição, embora sofresse com ela.” Atento à opressão de classe, diz que Fabiano - “Se pudesse mudar-se, gritaria bem alto que o roubavam. Aparentemente resignado, sentia um ódio imenso a qualquer coisa que era ao mesmo tempo a campina seca, o patrão, os soldados e os agentes da prefeitura.” Já a submissão de classe surge quando o personagem “(...)notou que aquilo era um homem e, coisa mais grave, uma autoridade.” Ou quando, olhando para o odiado soldado, assunta:
 – Governo é governo.

No capítulo, a subjetividade de Fabiano é explorada até a medula. Também se imiscui com a personagem sem confundir-se com ela; assim, o sonho de Sinhá Vitória é vestir-se de “saias de ramagens vistosas. As vacas povoariam o curral. E a catinga ficaria toda verde.” Com folgada autoridade, o autor desprende-se das páginas para dizer ao leitor que, Fabiano, imitando “seu Tomás da bolandeira, (...) dizia palavras difíceis(...)Tolice. Via-se perfeitamente que um sujeito como ele não tinha nascido para falar certo.” Em Vidas secas e n’O Quinze os capítulos podem ser lidos como peças autônomas. No primeiro, o destaque está no capítulo Baleia. O leitor deseja uma morte rápida para a cachorra, porque o autor mistura as lembranças do animal com a agonia do fim próximo. No segundo, impressiona a sofreguidão com que Chico Bento sacrifica uma cabra para mitigar a fome da família; sente-se um alívio, logo interrompido com a chegada do rico proprietário.
Mas em Galiléia...

O também cearense Ronaldo Correia de Brito põe três personagens de perfil urbano na rudeza do sertão. Com habilidade de escritor maduro, entrega a narrativa a um dos três primos, Adonias, personagem de primeiro plano. O narrador se divide entre as memórias da infância, as preocupações com os primos na viagem de volta à fazenda do avô. Regionalista, o autor tem estilo apurado, escorreito. Quase escorrega num clichê quando “Um relâmpago dos mais fortes clareou o mundo, no momento em que David atravessou a porta de entrada.” Aliás, um clichê cinematográfico. Demonstra concentração poética no foco telúrico: “Dormi como dormem as pedras, sem sonhos.” Os diálogos são ricos de subjetividade, como na conversa entre dois primos, ante a morte iminente do avô:
- Ele está sofrendo?
- Está. A lucidez é um sofrimento.
No capítulo Lourenço, o autor usa três recursos. O relato de Lourenço sobre um episódio de vingança na família, numa prosa própria, sem volteios de romance; o ressurgimento de Adonias, com a narrativa retomando o curso original; logo interrompida por um diálogo rápido, com perguntas e respostas ligeiras. O autor dá uma trégua ao leitor.
Galiléia foi o livro do ano em 2009.

* Menção honrosa dos Prêmios Literários da Cidade do Recife, com o livro Um presente para o papa e outros contos. Integra as antologias de contos Recife conta o Natal e Panorâmica do conto em PE.
Fonte: http://vermelho.org.br/vermelho.htm

Formação, necessidade crescente do movimento sindical!

Augusto César Petta *

O processo de formação política e sindical acontece para os trabalhadores e trabalhadoras de duas formas: a primeira refere-se à prática, como por exemplo, numa greve em que a contradição capital - trabalho fica muito explícita, ou nas lutas em que os trabalhadores e as trabalhadoras buscam pressionar e interferir na definição das políticas públicas e na gestão do Estado; a segunda, através do estudo, da pesquisa, da elaboração de textos, dos cursos, palestras, debates sobre várias temas sempre situados na conjuntura política e econômica.
Esse processo é mais avançado quando se consegue articular dialeticamente teoria e prática. Lenin, o grande líder da Revolução Russa, ao mesmo tempo que participava intensamente do movimento político, estudava e escrevia, refletindo sobre acontecimentos da conjuntura , indicando qual a tática mais correta a ser aplicada. É dele a famosa frase: sem teoria revolucionária não há prática revolucionária”.

Desde as origens do movimento sindical no Brasil, os historiadores constatam que foram desenvolvidas inúmeras atividades teóricas de formação . A ascensão do sindicalismo classista- constatada sobretudo a partir da segunda década do século XX –permitiu que as atividades de formação classista proliferassem nas conjunturas democráticas e tivessem sérios retrocessos nas conjunturas ditatoriais. Os governos autoritários tudo fazem para que o proletariado não se conscientize a respeito da exploração a que está submetido.

A partir do final de 2008 – quando a CTB estava completando seu primeiro aniversário – o processo de formação classista intensificou-se. Fruto de um convênio firmado entre a CTB, presidida por Wagner Gomes e que tem como Secretária de Formação e Cultura Celina Areas, e o Centro de Estudos Sindicais – CES presidido por Gilda Ameida, considerando-se o período de novembro de 2008 a fevereiro de 2010, foram realizados 18 cursos básicos atingindo 24 Estados, dois cursos nacionais de formação de formadores, 2 cursos de formação de facilitadores de planejamento estratégico situacional, seminário nacional, diversos cursos, seminários, palestras em entidades filiadas a CTB, chegando-se a atingir 1958 participantes. Nas atividades de formação promovidas pelo CES em entidades não filiadas a CTB, chegou-se ao total de 1041 participantes.

Este número significativo de participantes é uma resposta à necessidade concreta de se ter que enfrentar desafios, que levam ao debate questões como estas: Como aumentar o número de participantes nas atividades que a entidade sindical promove, tais como assembléias e congressos ?Como aumentar o número de sindicalizados? Como se situar diante da aplicação de novas técnicas gerenciais que colocam os trabalhadores e trabalhadoras como se fossem colaboradores? Como se situar diante de um governo cujo Presidente é metalúrgico e oriundo do movimento sindical? Como compreender melhor a evolução histórica do movimento sindical? Como analisar a conjuntura em que vivemos? Como planejar estrategicamente as atividades sindicais?

Por fim, gostaria de apresentar duas sugestões básicas aos sindicalistas: a primeira refere-se à necessidade de que as entidades tenham uma secretaria de formação, que deverá promover atividades que propiciem aos diretores e diretoras, aos funcionários e funcionárias e à categoria, a possibilidade de terem uma formação contínua; a segunda refere-se à necessidade de planejar as atividades sindicais, inclusive as de formação.Em geral, as entidades sindicais procuram dar respostas às demandas imediatas das categorias, sem ter um plano estratégico com objetivos e metas claras a serem atingidas. É fundamental que todas entidades realizem seus respectivos planejamentos estratégicos.

Texto publicado inicialmente na revista Visão Classista da CTB

* Professor, sociólogo, Coordenador Técnico do Centro de Estudos Sindicais (CES), membro da Comissão Sindical Nacional do PCdoB, ex- Presidente do SINPRO-Campinas e região, ex-Presidente da CONTEE.

Fonte: http://vermelho.org.br/vermelho.htm

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Debate sobre segurança relembra fracasso de José Serra em SP

A exemplo do que ocorreu com a recente declaração sobre o Mercosul (leia mais aqui), o pré-candidato tucano à Presidência, José Serra, meteu novamente os pés pelas mãos ao colocar o tema da segurança na agenda do debate pré-eleitoral. Apesar do discurso "duro" e "propositivo", Serra não consegue escapar da avaliação de que sua gestão como governador de São Paulo teve na área de segurança um de seus mais retumbantes fracassos.

Na segunda-feira (26), durante entrevista ao programa Brasil Urgente, apresentado por José Luiz Datena, Serra usou jargão policialesco e pretensamente popular para defender sua visão sobre segurança pública. "Bandido tem de ser enfrentado com dureza" e "engaiolado", disse o tucano Serra prometeu que, se for eleito, criará um Ministério da Segurança Pública para combater o crime organizado.

O tucano defendeu a criação de um novo ministério, pois o Ministério da Justiça "não foi feito diretamente" para combater o crime. Para Serra, o Ministério da Segurança Pública cuidaria da reorganização de "todo o sistema de segurança do País".

Matança no litoral

A declaração do ex-governador de São Paulo ocorreu no mesmo momento em que órgãos do governo norte-americano recomendavam aos turistas que viessem visitar o Brasil que evitassem a baixada santista, no litoral paulista, devido a onda de assassinatos que ocorre n aregião.


Ao mesmo tempo, o procurador do Estado, Antonio Mafezzoli, acusou ontem o Governo Alberto Goldman (PSDB) de se omitir na investigação sobre a matança de jovens na Baixada Santista. Desde o início da semana passada, 23 pessoas, a maioria delas jovens e sem antecedentes criminais, foram assassinadas em cidades do litoral paulista e outras 12 foram feridas a bala. Segundo o procurador, a mortandade no litoral faz lembrar episódios ocorridos em maio de 2006, quando nove pessoas foram mortas em represália da polícia a ataques da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).

"A violência atingiu de novo um grau desproporcional, sem que a polícia tomasse qualquer providência para apurar a autoria dos crimes. O serviço de inteligência da Polícia Civil já deveria estar levantando a identidade dos autores, que não podem ficar impunes", reclamou Mafezzoli.


De acordo com o procurador, a polícia paulista está agindo como se os assassinatos praticados em diferentes cidades da Baixada Santista não estivessem interrelacionados.

"Boa parte desses crimes foi praticada por ninjas encapuzados, utilizando motos e armamentos de alto calibre, que decidem fazer justiça com as próprias mãos, assassinando jovens inocentes, que nem tinham passagens pela polícia. Há uma grave omissão do Estado, complacente com este tipo de procedimento".


Serra foi um fracasso na política de segurança pública


As críticas do procurador só reforçam os dados que mostram que durante o governo Serra a criminalidade no estado de São Paulo só fez aumentar. Segundo dados oficiais divulgados pelo próprio governo paulista, em 2009 os índices de roubo chegaram a bater o recorde da década. Foram 257.004 roubos ano passado, contra 217.967 em 2008, um aumento de 18%. O maior número de ocorrências desse tipo de crime havia sido alcançado em 2003, quando foram registrados 248.406 casos. Homicídios, latrocínios, furtos e sequestros também aumentaram em relação a 2008.


Em queda de 2001 a 2008, o número de homicídios dolosos (intencionais) voltou a crescer no estado. Chegou a 4.557 ano passado, contra 4.426 em 2008, uma elevação de 3%. O governo paulista, no entanto, comemorou o fato de o índice ser de 10,9 assassinatos para cada 100 mil habitantes, um dos menores patamares do país, segundo a Secretaria de Segurança Pública. A Organização Mundial de Saúde, porém, classifica esse quadro como epidemia.


De acordo com planilhas da própria secretaria, o número de latrocínios também subiu de 267 mil para 304 mil (14%), e os sequestros tiveram aumento de 60 mil para 85 (40%). Também chamaram atenção os registros de furto e estupro. No primeiro caso, foram contabilizados 528.933 casos no estado, 8% a mais que em 2008. Já os casos de estupro subiram de 3.338 para 5.647.

Também verificou-se que o aumento de homicídios no interior de São Paulo interrompeu a série histórica de redução desse tipo de crime no estado. As cidades do interior foram responsáveis pelos maiores índices, com elevação de 16,4% (de 1.821 para 2.120) nos homicídios.


Desde 2001, vinham sendo registradas quedas em relação ao número de assassinatos em São Paulo. Mas, no ano passado, o aumento do número geral de homicídios no estado só não foi maior porque a capital e a grande São Paulo tiveram redução nos últimos 12 meses.

Na capital foram 1.235 casos, com queda de 2%. Já na região metropolitana, a diminuição chegou a 10,4%, com 1.202 ocorrências.

Diante do aumento no volume de diversos crimes, o governo de São Paulo avaliou que a crise econômica mundial e a greve da polícia de 2008 foram fatores que "colaboram para o salto dos índices de violência no estado".


A ideia de que a crise econômica mundial colaborou para aumentar a violência em São Paulo é rechaçada por especialistas. "Tratar essa violência como reflexo da crise econômica é uma análise inadequada do fenômeno". Não dá para fazer essa relação entre pobreza e aumento da violência, já que a violência é uma questão que passa por fatores educacionais, demográficos e também pela ação do poder público, avalia o pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, Marcelo Batista Nery.
Fonte: http://www.vermelho.org.br 
Da redação, com informações do site Brasília Confidencial

Jandira: é preciso punir os torturadores para contar a História

Emoção, convicção, indignação, esperança, solidariedade, saudade e garra. Poderia citar muitos sentimentos para expressar tudo que passou na cabeça e no coração de tantos lutadores, familiares, cidadãos que estiveram na OAB-RJ, dia 15 de abril, para o lançamento da campanha pela abertura dos arquivos da ditadura.

Por Jandira Feghali, no Jornal do Brasil

Diferentemente do que muitos acham, um país só é digno de ser uma nação se conseguir contar plena e verdadeiramente sua História, se definir valores para as relações intergeracionais, se conseguir mostrar as razões da liberdade e para que servem, como também o que significa a falta dela.

Infelizmente o Brasil tem uma tradição histórica e cultural de ignorar, esquecer o passado. Todos os países da América Latina que passaram por ditaduras militares, repressoras e cruéis, abriram seus arquivos e, apesar de leis de anistia ou “obediência devida”, processaram e condenaram os torturadores e os mandantes. Tortura é um crime contra a Humanidade, hediondo e covarde e não pode prescrever e muito menos ser esquecido.

A geração dos nossos filhos e netos tem que saber que a tortura é crime inaceitável e passível de punição. Não pode haver impunidade para quem torturou, matou, e retirou pessoas queridas do convívio de suas famílias e da sociedade, caso dos desaparecidos mortos, esquartejados, despejados no mar ou em cemitérios clandestinos, após terem sido presos, privando suas famílias do direito inalienável de enterrar seus mortos, ou pelo menos saber o que foi feito deles.

Os desaparecidos se transformaram em fantasmas que assombram a cidadania e mantem abertas as feridas dessa guerra suja, por constituírem crimes continuados, uma verdadeira tortura psicológica sem fim. Onde estão eles? O Brasil, “mãe gentil”, tem o direito de saber. Só a verdade trará a paz e cicatrizará essas feridas.

O próprio Estado já reconheceu sua responsabilidade nesses casos que violam todas as leis de guerra. As mentiras passadas e repassadas muitas vezes com o cinismo de alguns generais em meios de comunicação precisam ter a devida resposta do Estado Brasileiro.

As Forças Armadas, cuja grande maioria repudia com firmeza a tortura, a ilegalidade e a quebra da disciplina que resultaram dos porões do regime, precisam demonstrar seu total descompromisso com o período ditatorial, condenar práticas criminosas e assumir junto ao povo a credibilidade de quem tem compromisso com a Constituição e com suas funções lá definidas. O silêncio, os arquivos fechados, as explicações mentirosas, como as do atentado ao RioCentro, comprometem a instituição.

A abertura dos arquivos da ditadura é uma obrigação histórica, que trará tranquilidade à nação, respeito às famílias que obtiveram na reparação econômica um reconhecimento de culpa do Estado, mas não consideram isso uma solução. As mães que perderam seus filhos, muitos ainda jovens estudantes, querem saber quando, como e quem os fizeram entrar para a estatística dos desaparecidos políticos.

Não perdoar os torturadores é decisivo para a democracia, e a Suprema Corte Brasileira terá este compromisso, no qual se empenham lutadores que conseguiram salvar sua vidas com o exílio e o apoio de muitos outros democratas que acreditavam na reconquista de uma República Federativa Brasileira democrática ou até mesmo daqueles que, sem qualquer vínculo ideológico, foram capazes de generosamente auxiliar um coirmão.

Reforçar a cultura da solidariedade, da liberdade, da cidadania plena constitui o maior legado que podemos deixar às futuras gerações. Para isso, é necessário que o Estado Brasileiro torne todo esse período aberto e transparente.

Hoje em dia, quem quiser informar-se sobre o golpe militar de 64, o papel dos norte-americanos nesse golpe, suas causas e consequências ou até sobre a repressão no Brasil terá mais sucesso se se dirigir à Biblioteca do Congresso, em Washington, onde os documentos oficiais relativos ao período estão disponíveis para consulta há alguns anos.

Memória, verdade e justiça são pilares sustentados pelo povo, pelos artistas que emprestam seu prestígio e representatividade à campanha para dar voz aos desaparecidos, uma campanha, que se ampliará pelo país, e será capaz, na mistura da razão com a emoção, de provocar a superação dessa página triste da nossa História, que precisa ser dignamente virada.

* Jandira Feghali, ex-deputada federal pelo PCdoB- RJ, foi secretária de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia de Niterói e secretária de Cultura do Rio de Janeiro (RJ)
 
Fonte: http://www.vermelho.org.br
                      Chapa Autonomia e Luta obtém 97,74% dos votos                             


Os bancários de Chapecó, Xanxerê e Região escolheram a sua nova diretoria em eleição que ocorreu durante todo o dia de ontem (27). A nova direção conduzirá a entidade no período de 2010 a 2013.

A chapa Autonomia e Luta, única inscrita para concorrer as eleições, encabeçada por Sebastião Araújo recebeu 97,74% dos votos. Participaram da votação 752 bancários. Na contagem dos votos foram 734 votos SIM, 17 votos NÃO, 01 voto NULO.

As propostas da chapa passam pela clara defesa dos direitos dos trabalhadores, autonomia em relação aos bancos e aos governos e a busca, através da organização e mobilização da categoria, ampliar os direitos.

Segundo o presidente eleito do Sindicato dos Bancários de Chapecó, Xanxerê e Região, Sebastião Araújo, é importante a renovação da diretoria pois ela dá novo fôlego para a continuidade das lutas da categoria. “O salário do dirigente é pago pelo banco, então para mim a recompensa maior é a luta pela categoria, por menores que sejam os êxitos é uma grande satisfação pessoal estar na presidência do Sindicato”, afirmou Araújo.

De acordo com Araújo, além da continuidade dos trabalhos, nós queremos focar na saúde preventiva dos bancários e também na fiscalização dos planos de saúde.

Durante a eleição, uma urna fixa ficou aberta das 08h às 18h, no Sindicato dos Bancários de Chapecó e 08 urnas itinerantes passaram em todos os estabelecimentos bancários da base territorial, durante o horário de expediente para coletar o voto dos associado.

 Fonte: Sindicato dos Bancários