quarta-feira, 28 de abril de 2010

Debate sobre segurança relembra fracasso de José Serra em SP

A exemplo do que ocorreu com a recente declaração sobre o Mercosul (leia mais aqui), o pré-candidato tucano à Presidência, José Serra, meteu novamente os pés pelas mãos ao colocar o tema da segurança na agenda do debate pré-eleitoral. Apesar do discurso "duro" e "propositivo", Serra não consegue escapar da avaliação de que sua gestão como governador de São Paulo teve na área de segurança um de seus mais retumbantes fracassos.

Na segunda-feira (26), durante entrevista ao programa Brasil Urgente, apresentado por José Luiz Datena, Serra usou jargão policialesco e pretensamente popular para defender sua visão sobre segurança pública. "Bandido tem de ser enfrentado com dureza" e "engaiolado", disse o tucano Serra prometeu que, se for eleito, criará um Ministério da Segurança Pública para combater o crime organizado.

O tucano defendeu a criação de um novo ministério, pois o Ministério da Justiça "não foi feito diretamente" para combater o crime. Para Serra, o Ministério da Segurança Pública cuidaria da reorganização de "todo o sistema de segurança do País".

Matança no litoral

A declaração do ex-governador de São Paulo ocorreu no mesmo momento em que órgãos do governo norte-americano recomendavam aos turistas que viessem visitar o Brasil que evitassem a baixada santista, no litoral paulista, devido a onda de assassinatos que ocorre n aregião.


Ao mesmo tempo, o procurador do Estado, Antonio Mafezzoli, acusou ontem o Governo Alberto Goldman (PSDB) de se omitir na investigação sobre a matança de jovens na Baixada Santista. Desde o início da semana passada, 23 pessoas, a maioria delas jovens e sem antecedentes criminais, foram assassinadas em cidades do litoral paulista e outras 12 foram feridas a bala. Segundo o procurador, a mortandade no litoral faz lembrar episódios ocorridos em maio de 2006, quando nove pessoas foram mortas em represália da polícia a ataques da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).

"A violência atingiu de novo um grau desproporcional, sem que a polícia tomasse qualquer providência para apurar a autoria dos crimes. O serviço de inteligência da Polícia Civil já deveria estar levantando a identidade dos autores, que não podem ficar impunes", reclamou Mafezzoli.


De acordo com o procurador, a polícia paulista está agindo como se os assassinatos praticados em diferentes cidades da Baixada Santista não estivessem interrelacionados.

"Boa parte desses crimes foi praticada por ninjas encapuzados, utilizando motos e armamentos de alto calibre, que decidem fazer justiça com as próprias mãos, assassinando jovens inocentes, que nem tinham passagens pela polícia. Há uma grave omissão do Estado, complacente com este tipo de procedimento".


Serra foi um fracasso na política de segurança pública


As críticas do procurador só reforçam os dados que mostram que durante o governo Serra a criminalidade no estado de São Paulo só fez aumentar. Segundo dados oficiais divulgados pelo próprio governo paulista, em 2009 os índices de roubo chegaram a bater o recorde da década. Foram 257.004 roubos ano passado, contra 217.967 em 2008, um aumento de 18%. O maior número de ocorrências desse tipo de crime havia sido alcançado em 2003, quando foram registrados 248.406 casos. Homicídios, latrocínios, furtos e sequestros também aumentaram em relação a 2008.


Em queda de 2001 a 2008, o número de homicídios dolosos (intencionais) voltou a crescer no estado. Chegou a 4.557 ano passado, contra 4.426 em 2008, uma elevação de 3%. O governo paulista, no entanto, comemorou o fato de o índice ser de 10,9 assassinatos para cada 100 mil habitantes, um dos menores patamares do país, segundo a Secretaria de Segurança Pública. A Organização Mundial de Saúde, porém, classifica esse quadro como epidemia.


De acordo com planilhas da própria secretaria, o número de latrocínios também subiu de 267 mil para 304 mil (14%), e os sequestros tiveram aumento de 60 mil para 85 (40%). Também chamaram atenção os registros de furto e estupro. No primeiro caso, foram contabilizados 528.933 casos no estado, 8% a mais que em 2008. Já os casos de estupro subiram de 3.338 para 5.647.

Também verificou-se que o aumento de homicídios no interior de São Paulo interrompeu a série histórica de redução desse tipo de crime no estado. As cidades do interior foram responsáveis pelos maiores índices, com elevação de 16,4% (de 1.821 para 2.120) nos homicídios.


Desde 2001, vinham sendo registradas quedas em relação ao número de assassinatos em São Paulo. Mas, no ano passado, o aumento do número geral de homicídios no estado só não foi maior porque a capital e a grande São Paulo tiveram redução nos últimos 12 meses.

Na capital foram 1.235 casos, com queda de 2%. Já na região metropolitana, a diminuição chegou a 10,4%, com 1.202 ocorrências.

Diante do aumento no volume de diversos crimes, o governo de São Paulo avaliou que a crise econômica mundial e a greve da polícia de 2008 foram fatores que "colaboram para o salto dos índices de violência no estado".


A ideia de que a crise econômica mundial colaborou para aumentar a violência em São Paulo é rechaçada por especialistas. "Tratar essa violência como reflexo da crise econômica é uma análise inadequada do fenômeno". Não dá para fazer essa relação entre pobreza e aumento da violência, já que a violência é uma questão que passa por fatores educacionais, demográficos e também pela ação do poder público, avalia o pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, Marcelo Batista Nery.
Fonte: http://www.vermelho.org.br 
Da redação, com informações do site Brasília Confidencial

Jandira: é preciso punir os torturadores para contar a História

Emoção, convicção, indignação, esperança, solidariedade, saudade e garra. Poderia citar muitos sentimentos para expressar tudo que passou na cabeça e no coração de tantos lutadores, familiares, cidadãos que estiveram na OAB-RJ, dia 15 de abril, para o lançamento da campanha pela abertura dos arquivos da ditadura.

Por Jandira Feghali, no Jornal do Brasil

Diferentemente do que muitos acham, um país só é digno de ser uma nação se conseguir contar plena e verdadeiramente sua História, se definir valores para as relações intergeracionais, se conseguir mostrar as razões da liberdade e para que servem, como também o que significa a falta dela.

Infelizmente o Brasil tem uma tradição histórica e cultural de ignorar, esquecer o passado. Todos os países da América Latina que passaram por ditaduras militares, repressoras e cruéis, abriram seus arquivos e, apesar de leis de anistia ou “obediência devida”, processaram e condenaram os torturadores e os mandantes. Tortura é um crime contra a Humanidade, hediondo e covarde e não pode prescrever e muito menos ser esquecido.

A geração dos nossos filhos e netos tem que saber que a tortura é crime inaceitável e passível de punição. Não pode haver impunidade para quem torturou, matou, e retirou pessoas queridas do convívio de suas famílias e da sociedade, caso dos desaparecidos mortos, esquartejados, despejados no mar ou em cemitérios clandestinos, após terem sido presos, privando suas famílias do direito inalienável de enterrar seus mortos, ou pelo menos saber o que foi feito deles.

Os desaparecidos se transformaram em fantasmas que assombram a cidadania e mantem abertas as feridas dessa guerra suja, por constituírem crimes continuados, uma verdadeira tortura psicológica sem fim. Onde estão eles? O Brasil, “mãe gentil”, tem o direito de saber. Só a verdade trará a paz e cicatrizará essas feridas.

O próprio Estado já reconheceu sua responsabilidade nesses casos que violam todas as leis de guerra. As mentiras passadas e repassadas muitas vezes com o cinismo de alguns generais em meios de comunicação precisam ter a devida resposta do Estado Brasileiro.

As Forças Armadas, cuja grande maioria repudia com firmeza a tortura, a ilegalidade e a quebra da disciplina que resultaram dos porões do regime, precisam demonstrar seu total descompromisso com o período ditatorial, condenar práticas criminosas e assumir junto ao povo a credibilidade de quem tem compromisso com a Constituição e com suas funções lá definidas. O silêncio, os arquivos fechados, as explicações mentirosas, como as do atentado ao RioCentro, comprometem a instituição.

A abertura dos arquivos da ditadura é uma obrigação histórica, que trará tranquilidade à nação, respeito às famílias que obtiveram na reparação econômica um reconhecimento de culpa do Estado, mas não consideram isso uma solução. As mães que perderam seus filhos, muitos ainda jovens estudantes, querem saber quando, como e quem os fizeram entrar para a estatística dos desaparecidos políticos.

Não perdoar os torturadores é decisivo para a democracia, e a Suprema Corte Brasileira terá este compromisso, no qual se empenham lutadores que conseguiram salvar sua vidas com o exílio e o apoio de muitos outros democratas que acreditavam na reconquista de uma República Federativa Brasileira democrática ou até mesmo daqueles que, sem qualquer vínculo ideológico, foram capazes de generosamente auxiliar um coirmão.

Reforçar a cultura da solidariedade, da liberdade, da cidadania plena constitui o maior legado que podemos deixar às futuras gerações. Para isso, é necessário que o Estado Brasileiro torne todo esse período aberto e transparente.

Hoje em dia, quem quiser informar-se sobre o golpe militar de 64, o papel dos norte-americanos nesse golpe, suas causas e consequências ou até sobre a repressão no Brasil terá mais sucesso se se dirigir à Biblioteca do Congresso, em Washington, onde os documentos oficiais relativos ao período estão disponíveis para consulta há alguns anos.

Memória, verdade e justiça são pilares sustentados pelo povo, pelos artistas que emprestam seu prestígio e representatividade à campanha para dar voz aos desaparecidos, uma campanha, que se ampliará pelo país, e será capaz, na mistura da razão com a emoção, de provocar a superação dessa página triste da nossa História, que precisa ser dignamente virada.

* Jandira Feghali, ex-deputada federal pelo PCdoB- RJ, foi secretária de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia de Niterói e secretária de Cultura do Rio de Janeiro (RJ)
 
Fonte: http://www.vermelho.org.br
                      Chapa Autonomia e Luta obtém 97,74% dos votos                             


Os bancários de Chapecó, Xanxerê e Região escolheram a sua nova diretoria em eleição que ocorreu durante todo o dia de ontem (27). A nova direção conduzirá a entidade no período de 2010 a 2013.

A chapa Autonomia e Luta, única inscrita para concorrer as eleições, encabeçada por Sebastião Araújo recebeu 97,74% dos votos. Participaram da votação 752 bancários. Na contagem dos votos foram 734 votos SIM, 17 votos NÃO, 01 voto NULO.

As propostas da chapa passam pela clara defesa dos direitos dos trabalhadores, autonomia em relação aos bancos e aos governos e a busca, através da organização e mobilização da categoria, ampliar os direitos.

Segundo o presidente eleito do Sindicato dos Bancários de Chapecó, Xanxerê e Região, Sebastião Araújo, é importante a renovação da diretoria pois ela dá novo fôlego para a continuidade das lutas da categoria. “O salário do dirigente é pago pelo banco, então para mim a recompensa maior é a luta pela categoria, por menores que sejam os êxitos é uma grande satisfação pessoal estar na presidência do Sindicato”, afirmou Araújo.

De acordo com Araújo, além da continuidade dos trabalhos, nós queremos focar na saúde preventiva dos bancários e também na fiscalização dos planos de saúde.

Durante a eleição, uma urna fixa ficou aberta das 08h às 18h, no Sindicato dos Bancários de Chapecó e 08 urnas itinerantes passaram em todos os estabelecimentos bancários da base territorial, durante o horário de expediente para coletar o voto dos associado.

 Fonte: Sindicato dos Bancários

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Afinal, o que é uma democracia sem direitos humanos?

Fatima Oliveira *

As polêmicas acerca do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, tão-somente uma diretriz de trabalho, provocam uma efervescência neuronal em quem tem deferência pela liberdade e a vê como um valor que perpassa todas as gerações de direitos humanos. 

Os "contra" se despiram da noção de pluralismo moral e fazem de conta que os direitos humanos não são protetores da humanitude, "apenas acobertam deliquentes sem colarinho; camponeses em busca de um naco de chão; gays e lésbicas que se amam, e mulheres que ousam exercer o direito de decidir" - todos "gentinha da pior laia", sem selo humano. É desfaçatez em demasia!

A Igreja Católica, despudoradamente, insiste em querer imprimir ao Estado brasileiro ares de teocracia católica e não contém o ranço histórico de desrespeito à pluralidade inerente à democracia. O que dizer de figuras que defendem o acobertamento de crimes horrendos, a maioria de domínio público, quando é dever de ofício, são pagas para tanto, defender a plenitude democrática? É o striptease em defesa da inimputabilidade de agentes públicos pelos crimes cometidos na ditadura militar de 1964 tentando acuar uma nação.

Indago ainda por que permitir, irresponsavelmente, que a imagem da instituição e um contingente expressivo das Forças Armadas, a ala jovem e outros tantos, na ativa e na reserva, que não praticaram crimes, têm de herdar a pecha de criminosos? É injusto que nos calemos para que assim seja. A Comissão da Verdade libertará os inocentes da pesada cruz dos crimes cometidos por alguns fascistas e sociopatas de outros naipes.

Li o mais que pude os contra-argumentos veiculados. Fui tomada de uma espécie de intolerância ética pela irracionalidade verborrágica dos "contra" e de enorme gratidão à democracia possível em que vivemos, que dá voz aos desatinados, escancarando entranhas e mostrando quanta quilometragem temos de percorrer até a democracia necessária a uma vida decente, de respeito irrestrito aos direitos humanos.

Na condição de trabalhadora que constrói as riquezas nacionais e tem consciência de que o dinheiro público, fruto de cada tostão do suor de quem trabalha, irriga abundantemente, direta e indiretamente, a Igreja Católica no Brasil, assim como garante a existência e os salários das Forças Armadas, eu me pergunto: por que alguns se acham no direito de entravar as liberdades democráticas? A história da humanidade demonstra que não se constrói uma democracia consistente sobre escombros de crimes hediondos impunes e valores teocráticos. Logo, considero que o contido no 3º Programa Nacional de Direitos Humanos é um passo decisivo para um país de fato de todos nós.

Ter ou não uma religião é um direito constitucional no Brasil. As religiões devem ser dignas dos papéis que as definem como religiões. Quando se metem a regulamentar a vida social e política para além dos seus fiéis e da garantia de livremente existirem, são nocivas à democracia. O que dizer de uma religião que vive de enganar, pois usa dupla identidade - ora se apresenta como religião, ora como Estado (o Vaticano) - ao sabor das conveniências, que prega e pratica a misoginia em pleno século 21; desconhece e desrespeita os direitos sexuais e os direitos reprodutivos de seu clero e de sua segunda divisão, as freiras, porém dá guarida a crimes clericais de natureza sexual; se comporta como se tivesse mandato divino sobre os corpos das mulheres, e ainda quer que as leis de um país laico sigam sua doutrina?

Que ridícula!
* Médica e escritora. É do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução e do Conselho da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe. Indicada ao Prêmio Nobel da paz 2005.

Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna

O Vaticano arde nas labaredas do inferno por causa da pedofilia

Fatima Oliveira *

O papa está numa encruzilhada e terá que abrir os arquivos

"Papa convoca bispos da Irlanda para discutir escândalos de pedofilia"; "Papa diz a bispos irlandeses que pedofilia é crime hediondo"; "Vaticano cria ‘muro de silêncio’ sobre abusos, diz ministra alemã"; "Igreja holandesa anuncia investigação sobre abusos contra menores"; "Arquidiocese nega que papa tenha ajudado padre acusado de pedofilia"; "Vaticano critica ‘tentativas agressivas’ de envolver papa em escândalo"; "Líder católico da Irlanda pede perdão por proteger padre pedófilo"; "Papa pede desculpas às vítimas de padres irlandeses pedófilos"; "Vaticano ignorou caso de padre que molestou mais de 200"...

Eis uma pequena amostra de manchetes sobre pedofilia clerical de 15.2 a 25.3.2010, data em que outra bradava: "Escândalos podem forçar papa a abrir arquivos secretos, diz vaticanista". É esperar para ver o balancê da nau de São Pedro no mangue em que se encontra a credibilidade moral do Vaticano. Um chamado à responsabilidade não absolverá o papa Bento XVI, que foi prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (CDF) - antigo Tribunal do Santo Ofício, ou Inquisição, que zela "pela ortodoxia da Igreja Católica e pelas questões disciplinares" - de 1981 até 2005, quando foi eleito papa.

Conforme o vaticanista Marco Politi, "o monsenhor Charles J. Scicluna, promotor de Justiça da CDF, afirmou que houve 3.000 denúncias de abusos contra menores nos últimos dez anos. O que aconteceu com essas denúncias? Quantas foram julgadas? Quantos religiosos foram considerados culpados e quantos foram punidos? É preciso dar explicações e não admitir mais que os casos sejam ocultados...

O papa está numa encruzilhada e terá que abrir os arquivos secretos da CDF se quiser ser coerente com a transparência que defende... O papa disse que deve haver punição e que as vítimas não foram ouvidas. Deve então ser coerente com essa linha e abrir os arquivos. Tendo feito uma carta tão rigorosa e transparente, ou volta atrás sobre a transparência ou deve ir até o fim... O furacão da pedofilia, depois dos Estados Unidos e da Europa, chegou na Alemanha, pátria do papa, depois na diocese do papa, agora dentro do Vaticano, na Congregação da Doutrina da Fé, onde o cardeal Joseph Ratzinger foi prefeito, apontando para a sua responsabilidade direta".

Há impeachment de papa? Renúncia? Ou só nos resta lavar as mãos, dando uma de Pilatos? Durante 24 anos, o cardeal silenciou sobre a pedofilia clerical! Agora, que é infalível, não pode ser responsabilizado? É um alento que na declaração, divulgada após o encontro com os bispos irlandeses, conste que, "de sua parte, o santo padre observou que o abuso sexual de crianças e jovens não apenas é um crime hediondo, mas também um pecado grave que ofende a Deus e fere a dignidade da pessoa humana criada à Sua imagem". É um discurso significativo. Mas palavras são palavras. Faltam os gestos para demonstrar ao mundo que rompeu com um dos malditos signos da dupla moral sexual: dar guarida a crimes clericais de natureza sexual. É o mínimo esperado, já que a pedofilia clerical e a omissão do Vaticano diante dela sempre andaram de braços dados.

No prefácio do meu romance "A hora do Angelus" (Mazza Edições, 2005), digo que "é uma história que acontece com mais frequência do que se pensa. Ainda que o roteiro que estrutura a história seja uma imaginação da autora, o relato está entremeado de reflexões pontuais sobre omissões do clero romano diante do assédio e do abuso sexual, assim como da pedofilia - milenarmente praticados por padres".

Publicado em: 30/03/2010
FONTE: www.otempo.com.br/otempo/colunas/?IdColunaEdicao=11255

* Médica e escritora. É do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução e do Conselho da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe. Indicada ao Prêmio 
Nobel da paz 2005.

Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna

A imanência e a transcendência das coisas e da vida no sertão

Fatima Oliveira *

É, como dizem os rosiólogos, uma paisagem mental perene

De vez em quando, indagam se as crônicas que escrevo são memórias ou ficção. São memórias. Jamais escrevi ficção em qualquer das 419 crônicas publicadas em O TEMPO, incluindo a de hoje. A pergunta tem o poder de me fazer refletir sobre o ofício prazeroso de escrever. Como surge uma crônica? Não sei. Costumo anotar e guardar quando vem à minha mente algo interessante. O assunto aparece, germina, brota e amadurece. Às vezes, demora; às vezes, "encroa" e não sai nada; outras, de uma sentada jorra uma crônica inteirinha. É um processo inexplicável. E assim a vida de escrevinhadora corre.

Adoro escrever sobre a minha meninice. Guardo lembranças calientes. Tive uma infância e adolescência felizes, idílicas até. Tendo sido uma criança venerada, por ser primogênita e primeira neta, nascida de filha única, afilhada dos avós maternos, fui muito mimada, mas educada para ter autonomia. Achava a "Carta de ABC" fascinante e pedi para ir para a escola! Desabrochei muito estudiosa e adorava ler, ler e ler... Foi a sede de saber que fez com que, aos dez anos, fosse "mandada" estudar longe de casa, "lá no Padre Macedo" (Colinas, Maranhão). Não havia mais o que estudar em Graça Aranha. Era 1964.

Desde então, o convívio presencial com a minha família foi apenas nas férias escolares. Saí de casa aos dez anos e nunca mais voltei. Deve haver algo extremamente forte, construído nos dez primeiros anos de minha vida, e suficientemente sólido, que se mantém no campo dos valores morais, do apego à gente e às coisas do sertão, que evidencia que ter vivido ali nos marca para sempre. Costumo dizer que o sertão que conforta e acaricia o meu viver é, como dizem os rosiólogos, uma paisagem mental perene, que nutre a minha vida e a minha produção literária. Há algo de imanente ao sertão que não nos larga nunca e nos acompanha o tempo todo.

Quando fui a Nova York a primeira vez, era 2005, com mil e uma coisas para ver, eu quis ir à Body Shop, de Anita Roddick, só para mirar os sabonetes de óleo de coco de babaçu, lá do Maranhão, pois sei o que é ser uma quebradeira de coco! E, à beira do lago Michigan, em Chicago, enquanto minha filha Débora fotografava aquele mundão de água, a imagem que me veio foi do açude de minha terra e das mulheres lavando roupa...

É pra rir, não é? Eu também ri, e muito, só de pensar que, se tivesse me afogado ali, não estava contando a história. Quando tinha oito anos, fui levar almoço para mamãe, que estava lavando roupa no açude. Aproveitando que ela estava distraída no maior papão, eu "tibum!" no açude! E fui nadando rápido, pretendendo chegar a um toco de palmeira, de onde as pessoas adultas davam saltos mortais e "tomavam pé"... Não sabendo nadar direito, e nem era acostumada a nadar ali, comecei a beber água: subindo e descendo, subindo e descendo... Fui salva por uma das lavadeiras.

Recordo-me de mamãe com um chicotinho de fedegoso me batendo, e eu vomitando até as tripas, enquanto dizia: "Pega tua bicicleta e chispa pra casa, menina atentada!" Ah, isso eu era! Mamãe nunca mais lavou roupa no açude. Foi proibida. Papai dizia que ela não precisava, já que tinha lavadeira. Anos depois, perguntei por que ela gostava de lavar roupa no açude. Respondeu que "era um divertimento". O açude era um ponto de encontro das mulheres, até daquelas que, de vez em quando, usavam a desculpa de lavar roupa só pelo prazer da muvuca. Bonito, não é? Mas lembrar disso à beira do lago Michigan tem dimensão transcendental.

Publicado em: 06/04/2010
www.otempo.com.br/otempo/colunas/?IdColunaEdicao=11317


* Médica e escritora. É do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução e do Conselho da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe. Indicada ao Prêmio Nobel da paz 2005.

Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna

Profetas da Floresta

Moises Diniz *

Falar de uma religião é como interpretar a palavra de Deus, é como decifrar vontades divinas e dialogar com os anjos. Imagine falar de três. Por isso vou aqui falar dos homens, de carne e osso, na sua dor, nos dias de frio, fome, desejos, solidão, calor, sofrimento, na sua humanidade.

Mestres Irineu, Daniel e Gabriel, profetas da floresta, antes de tudo, eram homens, na sua beleza e na sua perversão, submetidos aos sofrimentos da carne, como nós, como qualquer um, como Buda, como Maomé, como Jesus.

Sim, como Jesus, fundador do Cristianismo. Na época do rei Herodes, o anjo Gabriel aparece a Maria na cidade de Nazaré, virgem e noiva de José, e anuncia que ela viria a conceber do Espírito Santo e que daria ao seu filho o nome de Jesus. Jesus era um menino de prótons, neutros e elétrons. Uma criança constituída de átomos eternos, a brincar com os quasares como se fossem pedaços de gesso.

Homens de carne e osso, como Mestre Irineu, fundador do Centro de Iluminação Cristã Luz Universal - Alto Santo. Filho de ex-escravo, guerreiro das estradas de seringa, em Xapuri, Brasiléia, Sena Madureira, Rio Branco. Irineu Serra cortou seringa na terra de Chico Mendes.
Irineu Serra trabalhou com o Marechal Rondon. Se tivesse sido 15 anos antes, teria trabalhado com Euclides da Cunha, na definição dos limites entre Acre, Peru e Bolívia.

Mestre Irineu fez a sua passagem em 1971, nove anos depois de instalação da Assembléia Legislativa do Acre. Quantos receberam título de cidadão acreano, mas esqueceram do negro maranhense que fundou essa bela religião da floresta. Homens submetidos à mortalidade, como Buda, fundador do Budismo, que nasceu no século VI aC., com o nome de Siddharta Gautama, filho do rei dos Sakias.

Foi assim que esse príncipe, aos vinte e nove anos, casado com a bela princesa Yasodhar, resolveu abandonar a casa no mesmo dia em que nasceu o seu filho Rahula, após ter concebido profundos pensamentos sobre a miséria humana.

Homens pecadores, como todos nós, como Mestre Daniel, fundador do Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz. Maranhense, foi construtor naval, cozinheiro, músico, barbeiro, alfaiate, carpinteiro, marceneiro, artesão, poeta, pedreiro, sapateiro e padeiro.
Vivei no bairro 6 de agosto e no Papôco, na beira do rio, zona de meretrício. Era um boêmio, bebia, fumava, escrevia canções de amor, dormia ao relento. Mestre Daniel era um profeta que estava nascendo dentro de um violão.

No poço das cobras Mestre Daniel recebeu a missão e em 1958 Mestre Daniel desencarnou.
Homens do seu tempo, como Maomé, fundador do Islamismo. Nascido em Meca, Maomé foi durante a primeira parte da sua vida um mercador. Tinha por hábito retirar-se para orar e meditar nos montes perto de Meca.

Os muçulmanos acreditam que em 610, quando Maomé tinha quarenta anos, enquanto realizava um desses retiros espirituais numa das cavernas do Monte Hira, foi visitado pelo anjo Gabriel que lhe ordenou que recitasse uns versos enviados por Deus, e comunicou que Deus o havia escolhido como o último profeta enviado à humanidade. Maomé deu ouvidos à mensagem do anjo e, após sua morte, estes versos foram reunidos e integrados no Alcorão.

Homens comuns, mas especiais, como Mestre Gabriel, fundador da União do Vegetal. Baiano filho do povo, tem que abandonar todos os laços familiares, porque soube ser solidário com um amigo, contra a injustiça.
Vem pro Norte, passa por Rondônia e vem trabalhar na seringa como um brabo, enfrentando até esporada de arraia. Em 1946 conhece sua amada, Mestre Pequenina e em 1961 Mestre Gabriel, soldado da borracha, funda a UDV no Acre. Em 1971 Mestre Gabriel fez a sua passagem, nove anos depois da instalação da Assembléia Legislativa do Acre.

Homens que fundaram uma religião. São como saliva de Deus, seus olhos mortais, seus ouvidos, compatriotas dos anjos, na pátria da eternidade e do sonho humano de viver sem dores.
Jesus, Irineu, Buda, Daniel, Maomé, Gabriel. Homens comuns que ultrapassaram o seu tempo, se fizeram maiores do que os obstáculos e todas as misérias humanas.

Capazes de vencer a dor, os vícios, as indecências, as fraquezas humanas. Homens que se fizeram próximos dos anjos. Homens que, aqui na Amazônia do Brasil fundaram uma religião e fizeram homens e mulheres se tornarem melhores, mais fraternos, mais irmãos.

Gabriel, Irineu e Daniel ficaram próximos das dores humanas, sentiram o odor da carne e todos os seus incensos, provaram do vinho profano e abriram suas almas para as aventuras da mortalidade, apalparam a pele áspera das árvores, dos cipoais e a pele macia das mulheres amazônicas, suportaram o calor do sol e o frio das madrugadas, a sede e a fome, as doenças da época, os desejos de adolescente e os sonhos de adulto.

As mães de Gabriel, Irineu e Daniel sangraram no parto e os três Mestres nasceram cobertos de sangue como toda criança, um instrumento rústico cortante separou os seus umbigos do corpo e uma palmada carinhosa arrancou-lhe o primeiro soluço de choro.

A comida que eles consumiam se decompunha no estômago e ele precisava se desfazer delas, urinar, limpar-se, se vestir. Os Mestres Gabriel, Irineu e Daniel eram humanos como todo e qualquer homem da Terra e seus desejos seguiam a lógica da mortalidade. Eles eram homens, com todas as necessidades que acompanham a nossa espécie desde os primórdios.

Gabriel, Irineu e Daniel eram mortais, dotados de todas as habilidades humanas e perseguidos, como pássaros feridos, por todas as serpentes que infernizam os homens, especialmente aqueles que sobrevivem do trabalho de suas próprias mãos e, como herança do Éden perdido, comem do suor do próprio rosto.
Nossa homenagem a esses homens, que apesar de toda montanha da mortalidade sobre os seus dias, foram capazes de se tornarem anjos.

Nossa reverência aos queridos Mestres Gabriel, Irineu e Daniel.

Nota: discurso que proferimos na sessão especial da Assembléia Legislativa do Acre, proposta por nós, em homenagem aos mestres fundadores das religiões que têm a ayahuasca como sacramento.
* Neto de índios Ashaninkas, ex Irmão Marista, formado em pedagogia e
deputado estadual pelo PCdoB no Acre.

Fonte:http://www.vermelho.org.br/coluna

“Procurando Elly”

Cloves Geraldo *

Escolha punida
O direito de a mulher escolher seu companheiro é o centro do drama dirigido pelo iraniano Asghar Farhadi

Com economia de meios e incidentes encadeados de forma a criar uma multiplicidade de climas, o diretor iraniano Asghar Farhadi põe o espectador frente a vários caminhos que, no final, ficam abertos. Por mais que ele, espectador, tente aceitar o desfecho que o filme lhe apresenta, fica com a impressão de que ele está subentendido. Ou seja, o que Farhadi quer dizer está para além da tela. Nisto se constitui o achado deste “Procurando Elly”. Em certo momento, dá para fazer paralelos com os crimes praticados contra a mulher no Brasil, onde sua decisão de romper uma relação acaba pondo sua vida em jogo.

Percebe-se que na sociedade iraniana, mais rígida em seus códigos éticos e morais, Elly (Taraneh Alidousti) tem pouca ou nenhuma escolha, enquanto que no Brasil, com toda a “permissividade”, os registros de violência são ditados igualmente pela persistência de códigos patriarcais, machistas e reativos. Daí as semelhanças que vão surgindo ao longo do filme, pondo o espectador diante de um espelho de sua própria sociedade. Pois o que está em jogo nos entrechos que se encadeiam mudando a narrativa a todo instante é a procura desesperada pela identidade de Elly.

Afinal quem é essa jovem professora que se transforma ora em vítima, ora em culpada? Os entrechos vão colocando ao longo do filme as diversas visões dos personagens, masculinos e femininos, compondo um mosaico que no final dará uma idéia de quem é Elly, mas não suas reais intenções. Nisto se constitui a beleza deste “Procurando Elly”. Ela é quase um esboço de personagem. Aparece não em sua intensidade, mas em fios, em instantes, como quando solta papagaio com as crianças na praia, ou impaciente dizendo à sua amiga Sapideh (Golshifteh Farahani) que tem de voltar logo à Teerã.

Elly simboliza mulher iraniana

É tudo que se vê dela. Sua inquietação é tal que o espectador desconfia que ela seja ligada a alguma organização política contraria ao regime dos aiatolás. E tem uma tarefa urgente a executar não podendo mais desfrutar o feriado com Sapideh e os três casais de amigos no litoral de Teerã. Principalmente Ahmed (Shahab Hosseini), que veio da Alemanha para com ela ficar noivo. Um fio que uma vez puxado vai trazendo complicações de toda espécie para gerar uma confusão tal que o grupo antes unido se desestrutura. Farhadi dota-o de várias rodilhas, que se prendem à velha casa de praia rústica, vazia, cheia de partes quebradas; à praia de areia suja, às marés revoltas, às tentativas de Sapideh de  mantê-la junto deles, uma vez que precisa dela, Elly, para o feriado ser completo.

Um incidente irá desencadear uma série de mal entendidos, a ponto do que era equilíbrio se tornar seu elo mais fraco: a absorção de Elly pelo grupo. O drama familiar, com seus incidentes normais, vira, de repente, pesadelo. Elly desapareceu e a tragédia assume outro caráter. Farhadi constrói e desconstrói ao mesmo tempo todo arcabouço dramatúrgico do filme de suspense. Por que ela desapareceu torna-se mais importante do que explicar como isto se deu. Elucidar este mistério poderá livrar Sapideh, que organizou o noivado dela com Ahmad, de ser acusada de cumplicidade com Elly.

Diretor deixa espaço para espectador pensar

É então que Farhadi usa os entrechos para descontruir o que o espectador acha que está entendendo. Não basta Sapideh revelar as razões de Elly para romper uma relação que não mais atende a seu desejo, é necessário introduzir outro personagem para o espectador compreender o que ele, Farhadi, quer dizer. O jovem Alireza, quase em pânico, completará com seu comportamento o que ele, diretor, quer dizer ao espectador: toda esta confusão se deve única e exclusivamente ao papel da mulher na sociedade iraniana. Até esta conclusão, o espectador terá puxado vários fios, pistas falsas, choques de casais – de Amir com Sapideh, de Spyman com Shohreh -, buscas de Ahmed e Nauzidehr e do desespero de Sapideh, acusada de ter causado todo o sofrimento do grupo.

No final, quando estiver deixando o cinema, o espectador ainda estará montando em sua cabeça este mosaico de pistas. Do incidente na praia, que levou todos a procurá-la, até a chegada de Alireza, “Procurando Elly” não tem nada demais. Usa poucos cenários, a casa em reforma, metáfora sobre a sociedade iraniana, diversos personagens, e encadeia os entrechos com competência. Desta forma, seria mais um drama familiar que vira um bom filme de suspense. Só isto. O que o torna diferente, cheios de nuanças, entrechos criativos, são suas elipses, o subentendido, o que deixa para o espectador preencher. A chave para isto é o diálogo de Alireza com Sapideh: “Só me diz uma coisa. Ela falou que gosta de mim? Sim ou não? – Sim”, responde Sapideh. Toda a trama do filme é traduzida neste diálogo (o espectador sabe se é mentira ou não).
Todo o arcabouço moral se perpetua. E apenas Elly e Sapideh são punidas.


Procurando Elly” (“Darbareye Elly”). Drama. Irã. 2009. 119 minutos. Roteiro/Direção: Asghar Farhadi. Elenco: Golshifteh Farahani, Taraneh Alidousti, Shahab Hosseini, Merila Zarei, Peyman Moadi.
(*) Urso de Prata no Festival de Berlim, 2009.
* Jornalista e cineasta, dirigiu os documentários "TerraMãe", "O Mestre do Cidadão" e "Paulão, lider popular". Escreveu novelas infantis,  "Os Grilos" e "Também os Galos não Cantam".

Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna

quinta-feira, 22 de abril de 2010

A Reconstrução do Imaginário Socialista

Leandro Alves * 
"Nada é impossível mudar.  
Desconfiai do mais trivial,  
na aparência singelo.  
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.  
Suplicamos expressamente:  
não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,  
pois em tempo de desordem sangrenta,  
de confusão organizada,  
de arbitrariedade consciente,  
de humanidade desumanizada,  
nada deve parecer natural  
nada deve parecer impossível de mudar."  
Bertolt Brecht
Ensinamentos do primeiro ciclo das revoluções socialistas

O século XX deu inicio ao primeiro ciclo de revoluções socialistas. Muito se passou desde a Revolução de Outubro. Muito se avaliou e muito ainda tem que ser avaliado, mas algumas conclusões já podem ser extraídas dessas experiências: i) as experiências que ocorreram no século XX foram sim experiências socialistas. Os erros e insuficiências não descredenciam os feitos diretos e indiretos das revoluções socialistas.

Os precursores do Socialismo deram os primeiros passos de uma longa caminhada. Nosso ideal é superior ao do capitalismo, pois é inclusivo e igualitário; ii) a construção do socialismo deve ser obra dos trabalhadores e das massas populares, a complexidade da luta política não deixa mais espaço para que pequenos grupos cheguem ao poder sem amparo popular, a nova sociedade só se concretizará com o engajamento de um grande número de homens e mulheres; iii) não há modelo de socialismo, não existem “receitas” preestabelecidas.

O Socialismo para ser construído em nosso País, deverá – para se concretizar - respeitar as particularidades históricas do Brasil e de seu povo; iv) a transição para o socialismo é um processo longo, com diversos processos de transformações lentas e cruentas, não cabendo voluntarismos esquerdistas, mas sim um conhecimento concreto da realidade que estamos inseridos. A derrota que sofremos no início da década de 90 está longe de representar o fim da história, representa sim, um novo ciclo de construção do socialismo, o inicio de uma caminha rumo à emancipação da humanidade.

Capitalismo incapaz e senil

Do ponto de vista dialético, um fenômeno só se desenvolve plenamente se não tiver obstáculos que impeçam seu desenvolvimento. Enquanto existia o campo socialista, o capitalismo teve de se conter. Não podia mostrar sua real face, o Estado de bem estar social é um exemplo de como o capitalismo teve de se adequar a uma realidade mundial que tinha como característica geral a bipolaridade política. Quando o campo socialista foi derrotado, o capitalismo pôde, sem um contraponto político-ideológico, mostrar sua natureza excludente. O resultado concreto é inegável: o capitalismo não foi capaz de resolver, sequer minimizar, os grandes problemas que a humanidade enfrenta.

Se não bastasse isso, o capitalismo atravessa uma das maiores crises de sua história. Não é uma mera crise cíclica, que possa ser contornada com medidas do tipo “keinisianas”, mas sim uma crise estrutural. Essa crise afetou o sistema do capital e não apenas o capitalismo. E não são poucos os que dizem que o pior ainda está por vir. Essa situação tem gerado um grande número de contestações. Elas espalham-se pelo mundo. Não se restringem mais a periferia do sistema. Entretanto, o Socialismo não esta na ordem do dia, pois embora em crise o capitalismo ainda é hegemônico política e culturalmente. Ainda estamos em um período predominantemente contrário aos interesses dos povos e da classe operária. É nessa conjuntura que devemos pensar a reconstrução do imaginário Socialista.


Nossa ação no dia a dia

Somos homens e mulheres que atuamos no cotidiano da luta política. Seja no parlamento, no sindicato, na associação de moradores, na universidade, enfim, nos diversos espaços da vida social e política de nosso País. A questão que se apresenta é que nessa ação cotidiana, somos “engolidos” pelas atividades práticas desses movimentos e acabamos nos afastando da luta política. Não é por acaso que o capitalismo se mantém “de pé” mesmo com a sua incapacidade de resolver os problemas da grande massa de seres humanos.
A luta econômica – por melhores salários, por moradia, por educação, entre outras -, não supera a questão fundamental do sistema: a produção social da riqueza produzida pela sociedade e a apropriação privada dessa riqueza. Confirmando essa assertiva, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) elaborou um levantamento que aponta as desigualdades no Brasil. Um dos dados mostra que os 10% mais ricos concentram 75,4% da riqueza do país.

Realizar apenas a luta econômica possui um grande limitador. Ao lutarmos dentro das “regras do sistema” nosso horizonte se limita ao próprio sistema – por mais que se melhorem os salários a mais valia continuará a existir. A luta econômica isolada nos restringe apenas a uma oposição do sistema e não uma oposição ao sistema. Isso gera um limite histórico, por não conseguir sair dos marcos do capital acabamos dependendo do objeto que negamos, nossa ação fica restrita a ordem atual. Por isso devemos politizar nossa ação nos movimentos sociais, partir do específico – a luta econômica - e fazer a ligação com o geral – a luta política.

Luta política e unitária

Na atualidade há uma serie de movimentos sociais – movimento negro, mulheres, sindical, comunitário, LGBT, estudantil, ecológico, para ficar só nesses – que possuem suas especificidades, suas bandeiras de lutas, que tomadas isoladamente podem minimizar as mazelas impostas pelo capitalismo, mas nunca conseguirão ir à raiz do problema, ou seja, colocar em xeque as estruturas dessa sociedade excludente. As cotas – raciais e de gênero, por exemplo - são medidas compensatórias importantes para a realidade de exclusão que o capitalismo impôs aos negros e às mulheres em nosso País, mas só elas, desconectadas de um projeto político que tenha como fundamento o fim da exploração não conseguirão contribuir para a emancipação dos trabalhadores. Unir a luta econômica à luta política é elemento essencial por aqueles que almejam construir uma sociedade Socialista.

Precisamos, também, romper com a compartimentação que existe entre os movimentos sociais. A luta pela redução da carga horária de trabalho sem redução de salário dever ser uma luta de todos os movimentos sociais e não apenas do sindical. A luta pela igualdade de gênero deve ser pautada por todos os movimentos sociais e não apenas pelo movimento feminista. Renato Rabelo – Presidente Nacional do PCdoB – nos dá uma lição de sabedoria política, diz ele, que “o isolamento é o primeiro passo para a derrota”. Essa máxima deve pautar a ação de todos os militantes na atualidade, pois só com uma grande unidade conseguiremos acumular forças rumo transformação radical da sociedade.

Em síntese, é preciso unir, dentro de cada movimento social, as lutas imediatas à luta política, dando um rumo estratégico a cada ação tática. É preciso, também, unir os diferentes movimentos sociais, buscando unificação na ação cotidiana, construindo uma unidade solida para a defesa dos interesses das maiorias. Não há espaço para a luta despolitizada, para o isolamento político, nem para a compartimentação da luta para quem deseja edificar um caminho concreto para o fim da exploração. A elevação da consciência dos lutadores sociais através da politização das lutas cotidianas e da unidade entre os movimentos sociais será fator importantíssimo para o futuro da construção do Socialismo.

Novos agentes políticos

Além dos movimentos tradicionais, como o sindical - que deve ser o pilar de qualquer projeto socialista, pois é ele que enfrenta diretamente a contradição entre o capital e o trabalho -, o comunitário e o estudantil, apareceram novos lutadores sociais. São movimentos que carregam grande potencial de mobilização e contestação. Movimentos como o Hip Hop, Rádios Comunitárias, Comitês de Resistência Popular, os Centros de Educação Popular, Cooperativas de Trabalho, entre outros do gênero, nasceram de um vácuo existente nas favelas e vilas das grandes cidades. Esses movimentos conseguiram aglutinar um grande numero de pessoas que não participavam dos movimentos tradicionais, pois não estavam incluídos na ação desses movimentos. Os movimentos tradicionais não possuíam - e ainda não possuem - uma proposta organizativa voltadas para esses novos seguimentos. Precisamos romper esse obstáculo para a reconstrução de um novo imaginário Socialista. É necessário que criemos uma política para esses novos lutadores, pois eles não se organizam tradicionalmente em sindicatos ou associações similares.
Estes movimentos apresentam elementos similares em sua constituição, quais sejam, a solidariedade – ainda não é uma solidariedade de classe -, o inconformismo com a exploração, a negação do sistema capitalista, as diversas formas de expressão cultural como fator aglutinador e um contato com a realidade enfrentada pela maioria da população. Esses movimentos estão construindo uma nova perspectiva de ação das massas trabalhadoras e exploradas através da cultura popular como forma de resistência ao sistema capitalista, estão construindo uma nova forma de luta, a partir da cultura, da musica, da dança, da pintura, enfim da expressão artística e da união comunitária. Um projeto socialista precisa incluir esses novos agentes sociais, como forma de incluir e massificar a luta por uma nova sociedade.

Coerência e relevância política

A luta política apresenta-nos um grande número de possibilidades. Há caminhos fáceis como a atuação baseada apenas em discursos fáceis, ditos revolucionários, porem sem eficácia efetiva na vida dos trabalhadores e excluídos. Esse caminho é o mais utilizado por setores esquerdistas, pois qualquer um é “coerente” sem ter a pratica como critério da verdade, tendo como parâmetro apenas o discurso teórico.
Existe o caminho dos que se jogam nas questões imediatas, vivem correndo para “resolver” os problemas, alcançam um papel relevante em determinado período, mas perdem o rumo, pois suas ações não levam a transformação efetiva da sociedade.

O caminho para edificar um novo imaginário socialista é complexo e contraditório, pois exige que se atue no cotidiano, buscando – a partir das questões imediatas - um elo com a luta política, com a luta transformadora. Em outras palavras, é preciso ser coerente com o objetivo central – com a estratégia - sem perder a relevância política na atualidade. Essa é a tarefa de todos que desejam seriamente construir o socialismo em nosso País. Acumular forças com as lutas específicas, sem perder o norte, o objetivo estratégico: a construção de uma sociedade socialista.

Nada é impossível de mudar

Todos os dias somos bombardeados pela mídia, com mensagens de que o mundo sempre foi assim, que não há alternativa e que nada pode ser feito. Não podemos criar nenhum tipo de organização social melhor que o capitalismo. Só nos resta, então, nos adaptar a essa realidade e pronto.
Na verdade a vida não é bem assim. Do comunismo primitivo até os dias atuais, a única verdade que podemos extrair é a de que tudo pode mudar. E essa mudança se dá pela ação concreta dos seres humanos. O capitalismo foi um avanço em comparação com o feudalismo, já teve um papel revolucionário. Entretanto, há muito tempo perdeu esse caráter progressista e passou a ser conservador. As relações sociais que o capitalismo engendra já entraram em contradição com as forças produtivas da sociedade. A contradição entre produção social das riquezas e sua apropriação privada e entre anarquia das decisões na produção e a competição desenfreada são expressões claras dos limites do capitalismo.

A humanidade pode ir mais longe. Pode construir uma sociedade melhor, justa e solidária. Onde o ser humano seja o principal, onde o conhecimento fique a serviço da paz e do desenvolvimento de todos, onde a dignidade da pessoa humana seja um pilar intocável, onde a igualdade não seja mera retórica formal, mas se apresente no campo econômico, político e social. Para tanto precisamos enraizar o projeto Socialista no imaginário dos trabalhadores e trabalhadoras, das massas populares, dos homens e mulheres que almejam um mundo melhor.

A criação de um novo imaginário Socialista, só será possível se estiver permeada pela unidade política de todos os movimentos sociais, por uma concepção teórica antidogmatica, crítica e criadora, pela mais ampla participação popular, pela solidariedade, pelo conteúdo de classe e por um profundo amor pela vida humana. As condições objetivas para caminharmos nesse rumo já estão dadas, precisamos iniciar a edificação das condições subjetivas. Então, mãos a obra, pois nada é impossível de mudar.
* Leandro Alves é Servidor do Poder Judiciário Gaúcho, ex-assessor Sindical, ex-assessor Parlamentar. E-mail: leandroalvesrs@htmail.com
FONTE: http://www.vermelho.org.br/coluna

Nas eleições, se não acredita, eu vou sonhar pra você ver

Não era voto de cabresto, mas de consideração

Tá no sangue. Nas eleições acabo como em "Cantigas de Sabiá": "Xô meu sabiá, xô minha zabelê/ Toda madrugada eu sonho é com você/ Se você não acredita eu vou sonhar pra você ver". Eleição é festa. Tempo de sonhar sonhos possíveis. Papai, ao falecer aos 33 anos (1963), era, pela segunda vez, o "vereador do Braulino". Meu avô, o personagem político da família e da eterna confiança do deputado Sales Moreira Lima - dever moral que herdou do pai, o velho Bodô, meu bisavô, vaqueiro do deputado na década de 30.

Os Bodô votavam no deputado. Não era voto de cabresto, mas de consideração, coisa hoje muito esquecida. Honravam a memória do velho Bodô, homem de um tempo em que no sertão todo vaqueiro tirava uma sementinha de gado. Ter um gadinho, sina de quem gosta de leite mungido na porteira do curral e do cheiro de bosta de boi, perpassou todas as gerações do velho Bodô: filho, neto, bisneto, trineto e tataraneto (quarta geração de netos).

"Seu" Sales e Dona Lili, sua esposa, chegavam num Jeep. Era parar e o foguete correr solto. A casa enchia. Festança. Deixavam tudo "no jeito": dinheiro para transportar gente pra votar, o segredo de garantir votos naquela biboca. Tia Lô dizia: "Pobre andando de carro em dia de eleição é voto do ‘sinhô’ Moreira da Serra Negra". Uma vez ouvi meu avô dizendo: "Deputado, a comida é por minha conta. Mato uns garrotinhos com prazer pra garantir comida farta pros seus eleitores. Pra lhe eleger, aqui em casa todo mundo trabalha. Até minha neta ("euzinha" aqui...) já escreve os papéis pros eleitores. A gente daqui é de pouca leitura. Meus votos são certos. Palavra de Bodô".

É um diálogo que elucida o poder do dinheiro nas eleições. Já era proibido dar comida e transportar eleitores. Ninguém ligava. No quintal da vovó era feita uma latada. Um monte de mulheres preparando arroz, cozidão, panelada e "carne fresca sapecada na brasa" (hoje é churrasco!). Feijão? Jamais! Imagina dar feijão pra eleitor! Em Graça Aranha, a política era de alta temperatura e pressão. Fervia. Policiamento ostensivo - soldadinho para cima e pra baixo. Diziam que era para "guardar as urnas".

Uma vez prenderam um caminhão cheio dos Bodô do Centro do Hermínio. A mando do prefeito, Nacor Rolim, adversário do pai velho. Ele falou pra vovó: "Maria, cadê meu revólver?" Vovó despachou as crianças pra "Quinta do Braulino" (nome da nossa propriedade). Anos depois conversei com ele sobre o assunto. Disse-me que para "desprender" seu povo foi suficiente mandar um portador dizer ao prefeito que os Bodô eram homens de bem e nunca dormiram na cadeia, mas se ele quisesse um motivo pra um Bodô dormir engaiolado não soltasse o caminhão "incontinenti", palavra que ele usava muito, que significava: agora, na hora, já!

Mamãe recebia os caminhões, distribuía um papelzinho e levava o povo pra votar. Era o terror das seções eleitorais. Muito simpática, abordava mais mulheres, dizia: "Deixa ver se tá levando o papel certo". Se não era dos candidatos dela, bradava: "Num é esse não! Pega o certo!" E, de braço dado, ia com a pessoa até a entrada da seção. Boca-de-urna de 100%. Papai era dos mais votados. Ela sabia, certinho, os votos dele em cada urna! Dias antes, fazia serão escrevendo à mão os tais papeizinhos, acho que eram números, que no dia da eleição carregava dentro do sutiã. Ainda adora eleições, mas diz que hoje são sem graça. Tem razão. Impossível reproduzir a sua boca-de-urna.
Adoro eleições porque insisto em sonhar.

Publicado em: 20.04.2010
Fonte: www.otempo.com.br/otempo/colunas/?IdColunaEdicao=11435

 Fatima Oliveira *
* Médica e escritora. É do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução e do Conselho da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe. Indicada ao Prêmio Nobel da paz 2005.
* Opiniões aqui expressas não refletem necessáriamente as opiniões do site.
 
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Globo, Veja e Folha: o partido político da mídia vai à guerra

Quando aponta-se que há um partido político da mídia que organiza a oposição ao governo Lula, alguns colegas jornalistas ficam indignados por não se acharem partícipes de qualquer movimento. Julgam-se independentes e acusam aqueles que criticam os veículos como governistas e chapas-brancas.

A ação deste fim de semana que envolveu a Veja (com a capa do Serra de mãozinha no queixo), o jingle da Globo fazendo campanha pelo “Brasil pode mais” em nome dos seus 45 anos (sendo que o número 45 da Globo é igualzinho ao 45 do PSDB) e a pesquisa Datafolha que apresenta números contraditórios com a tendência de outros institutos, é mais uma demonstração de como a mídia comercial é o verdadeiro partido político da oposição demo-tucana.

Sem esses veículos de comunicação, Serra e sua turma teriam chance zero nas próximas eleições. Eles sabem que para que o candidato tucano tenha alguma possibilidade de vitória terão de jogar todas as fichas nele. Parecem estar dispostos a isso.

A ação da Globo, Veja e Folha não se deu ao mesmo tempo por coincidência. É algo articulado e para testar força. Quase como um ensaio de golpe. Algo muito comum quando os militares buscavam articular a derrubada de um governo democrático na América Latina.

Hoje, pesquisas devem estar sendo produzidas para consumo interno com a intenção de verificar se a ação resultou em alguma melhoria para os índices do tucano. A depender dos resultados, a ação se repetirá talvez em maior escala ou seus rumos podem ser alterados.

Por enquanto eles tentaram vender a simpatia de Serra e boas notícias para ele. Os próximos golpes podem (e pelo que indicam serão) ataques ao PT e reportagens acusatórias em relação à candidatura de Dilma.

Não foi à toa que Veja, Globo e Folha agiram conjuntamente. As teses do Instituto Milenium hoje são públicas. Não é preciso ser bidu para saber o que eles pensam da democracia. E para desenhar o que devem fazer no percurso da campanha eleitoral.

Preparem-se para uma campanha nojenta. Porque com jingles bonitinhos com artistas falando mais e mais e com capas de revistas em que Serra aparece de mãozinha no queixo não vai dar para melhorar a vida dele.
Ou seja, vai ter guerra.
  
Por Renato Rovai, em seu blog
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Artur Henrique: Reforma Agrária, uma bandeira da sociedade

A CUT é parceira histórica do MST e tem orgulho disso. A busca por um novo modelo agrário para o Brasil é luta mais que justa, digna. É também de interesse de todos os brasileiros e brasileiras, pois a reforma agrária e a valorização da agricultura familiar são fatores de desenvolvimento nacional, de soberania, de inteligência estratégica frente a um modelo econômico exaurido, para rumar a uma nova sociedade.

É uma luta de combate à pobreza, claro, e para por fim a práticas que deveriam estar extintas há muito tempo no Brasil, como já aconteceu em países desenvolvidos, ainda que capitalistas. Terras improdutivas na mão de umas poucas famílias, muitas recorrendo ao emprego de trabalho escravo e outras tantas usurpando dinheiro e terras públicos, utilizando-se de grilagem ou de subsídios e incentivos fiscais para, em troca, não gerar emprego, não produzir alimentos para a sociedade, para não pagar tributos.

São razões suficientes para qualquer cidadão se sentir parte interessada na reforma agrária. Se todos ainda pudessem entrar em contato com assentamentos bem organizados nascidos da luta pela terra, o apoio popular seria ainda maior, seria imenso. Essa luta é por um país desenvolvido, antenado com o século 21, que gera riquezas e inclui seu povo, onde crianças são saudáveis e idosos têm dignidade. É a busca por um novo eixo para distribuir renda e ainda respeitar o meio ambiente.

A Jornada Nacional da Reforma Agrária que acontece agora em abril é, portanto, de extrema importância para a maioria das pessoas. Pena que os meios de comunicação insistam em tratar o movimento dos trabalhadores rurais sem terra como se fosse criminoso. A partir de generalizações e raciocínios fáceis, tentam vender a imagem de que existem outros caminhos para a reforma, como se houvesse por aí várias pequenas propriedade rurais à venda para quem quiser produzir e que, por isso, as ocupações seriam um jeito malandro, faceiro, de escapar daquele único destino que credenciaria as pessoas como “gente de bem”: trabalhar muito, guardar economias por anos e anos e, aí sim, ousar ter uma propriedade.

Dessa forma apelativa, tentam confundir as pessoas, incluindo especialmente as pessoas de bem. Mas os grandes meios de comunicação esquecem, de propósito, de contar um detalhe fundamental que, revelado, seguramente desfaz qualquer engano ou efeito ilusório: não há um conjunto de propriedades rurais à venda para pequenos agricultores, o que existem são imensos latifúndios, cercados de arame farpado e de jagunços armados, muitos sem nada produzir, sendo que deles foram desalojados de maneira criminosa, tempos atrás, muitos dos que hoje buscam a reforma agrária e aqueles que os antecederam nessa luta.

As ocupações são um instrumento justo porque, muitas vezes, o único. Por isso pressionamos governos para que abracem politicamente a luta e adotem instrumentos que façam a reforma agrária avançar concretamente. Nossos sindicatos, rurais ou urbanos, têm em suas pautas reivindicatórias as bandeiras da atualização dos índices de produtividade da terra – os índices atualmente aplicados referem-se à realidade produtiva agrícola que existia há mais de 30 anos -, pela aprovação da PEC do trabalho escravo – terra onde for flagrada escravidão, desaproprie-se para a reforma agrária – e da aprovação do limite de propriedade da terra.

Em diversos estados onde o movimento atua, a CUT ajuda como pode. No interior de São Paulo, por exemplo, recentemente lideranças nossas acompanharam de perto o drama de dirigentes do MST presos.

Nossos sindicatos de trabalhadores rurais, na Contag e na Fetraf, dedicam-se intensamente a também realizar ocupações e a buscar sem trégua a melhoria do apoio à agricultura familiar e à estrutura latifundiária, especialmente através de nossas mobilizações do Grito da Terra e da Jornada Nacional de Lutas da Agricultura Familiar. Incluímos aí propostas econômicas para viabilizar, dinamizar e profissionalizar a pequena produção, esta que é, segundo não apenas evidências mas também uma recente pesquisa do IBGE, a locomotiva da produção de alimentos para os brasileiros e a principal aliada do respeito à natureza e a proteção das matas. Essa pesquisa do IBGE, por sinal, traz dados que comprovam avanços e, por isso, nos estimulam no combate.

MST, conte com o movimento sindical cutista nessa luta que é de todos nós.

* Artur Henrique é presidente nacional da CUT
Fonte: MST

UNE define posição da entidade nas eleições 2010 nesta semana

58° Conselho Nacional de Entidades Gerais da União Nacional dos Estudantes (UNE) reunirá mais de 500 estudantes na UFRJ entre os dias 22 a 25 de abril; objetivo é discutir propostas políticas dos estudantes brasileiros para apresentar aos candidatos nas eleições deste ano.

Entre os dias 22 a 25 de abril (quinta a domingo), mais de 500 lideranças estudantis de todo o Brasil estarão reunidas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) para discutir e elaborar uma plataforma política a ser apresentada ao conjunto da sociedade. Trata-se do 58° Conselho Nacional de Entidades Gerais da União Nacional dos Estudantes, o Coneg da UNE, um dos principais fóruns de discussão do movimento estudantil brasileiro.

As atividades serão concentradas no Centro Tecnológico da UFRJ, no Fundão. A mesa de abertura será na quinta-feira, dia 22, às 10h, com a participação de autoridades políticas e representantes de entidades do movimento social. A plenária final – quando serão votadas e deliberadas pelos estudantes as principais propostas – será realizada no Terreno da UNE, na Praia do Flamengo-132, histórico espaço onde funcionou a sede da entidade até ser incendiada e demolida pelo regime ditatorial militar, em 1964. Na ocasião, estará exposta a maquete do arquiteto Oscar Niemeyer para o novo prédio que será construído no local.

58º. CONEG da UNE
Data: A partir de 22/04/10
End.: Bloco A do Centro de Tecnologia da UFRJ
CT da UFRJ /Ilha do Fundão
Av. Athos da Silveira Ramos 149 - Bloco A - 2º andar

Plenária Final do 58º CONEG da UNE
Data: 25/04/10
Local: Praia do Flamengo, 132.

Fonte: Estudantenet

Desgoverno demotucano em SP "some" com vagas 

no ensino infantil 

Atraso na entrega de escolas na rede municipal leva ao corte de lugares na pré-escola, deixando mais de 120 mil crianças sem vaga. Zerar deficit de vagas até o final de 2012 é uma das principais promessas de campanha do prefeito Gilberto Kassab (DEM), cujo governo é conduzido por tucanos ligados a José Serra.

A fila de espera por um lugar em creches e pré-escolas na rede municipal de São Paulo ganhou 22 mil crianças a mais neste ano -o fim do deficit de vagas na educação infantil foi uma das principais promessas de campanha do prefeito Gilberto Kassab (DEM).
A lista, que já tinha 101 mil nomes, chegou a 123 mil em março deste ano. Do novo contingente, 11 mil estão em busca de creche (0 a 3 anos) e outras 11 mil, de pré-escola (4 a 5).

A fila por creche aumentou apesar de a prefeitura ter feito 7.000 matrículas a mais neste ano. Na pré-escola, porém, ela cresceu porque o governo fechou vagas em escolas com excesso de alunos. O corte ocorreu para reduzir o tamanho das turmas, eliminar o terceiro turno em algumas unidades e redistribuir a rede conveniada, que passou a priorizar creche.
A ideia era compensar o corte com novas unidades, mas as obras atrasaram. Das 142 escolas anunciadas no ano passado (85 mil vagas previstas), só oito estão em construção. O resto deve ser entregue só em 2011.

Com isso, o total de matriculados em pré-escola recuou de 308 mil para 285,8 mil neste ano -22,2 mil vagas a menos. O relatório é o primeiro em que há corte de matrícula e alta do deficit. "Não acho bom criança fora da escola. Tanto que construímos 63 Emeis [pré-escolas]. Mas não posso deixar a escola um depósito, como era", disse à Folha o secretário da Educação, Alexandre Schneider. "Já melhoramos muito."

Schneider disse que esperava que o plano de obras "caminhasse mais rapidamente". Segundo ele, houve dificuldade em encontrar terrenos disponíveis e conseguir as licenças para a construção.

Sobre o aumento da demanda em toda rede, ele diz que a própria expansão faz a fila aumentar. "O pai começa a ver como possível a matrícula."

"O sistema precisa de planejamento adequado. Houve erro na previsão", diz o pesquisador Rubens Camargo, da Faculdade de Educação da USP.

"A prefeitura deve se organizar para não seguir nessa omissão", afirma o defensor público estadual Flávio Frasseto.

Sem trabalhar

Segundo o governo, nenhum aluno que estava na rede perdeu a vaga, mas o corte impediu que crianças entrassem no sistema e tornou mais difícil a vida de Eduardo, 4. "Ele está na fila há quase um ano. Não trabalho, não tenho onde deixá-lo", diz Rosilene dos Santos Silva, 32, do Jd. Felicidade (zona norte).

Pesquisas indicam que quem cursa o infantil tem resultados melhores em toda a vida escolar. Segundo a prefeitura, a migração das crianças de seis anos do infantil para o fundamental neste ano não tem impacto na queda das matrículas (quase todas crianças dessa idade já iam para o fundamental).

Fonte: Folha de S. Paulo
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Tiradentes e a atualidade da Questão Nacional

Liberdade – essa palavra,
que o sonho humano alimenta:
que não há ninguém que explique,
e ninguém que não entenda!
Cecília Meireles, em O Romanceiro da Inconfidência

 

A atualidade de Joaquim José da Silva Xavier deve ser celebrada no 218º aniversário de sua imolação como símbolo de um movimento de autonomia nacional que ainda hoje está por se completar na formação social brasileira. A Conjuração Mineira foi um daqueles sonhos a que os homens se entregam por intuírem o caminho da História antes de a História lhes oferecer as condições determinantes para a materialização do sonho. Assim ocorreu com a Comuna de Paris, em 1871, definida por Karl Marx como uma tentativa de tomar o céu de assalto. Como já tive oportunidade de observar, também aos revolucionários de Vila Rica a História não recusou a razão, mas lhes negou a oportunidade.

O projeto político de conquistar a Independência e proclamar a República do Brasil foi muito além da troça que certos centros de pensamento querem lhe atribuir, apontando os conjurados como mais interessados em não pagar impostos à Coroa portuguesa do que em fundar uma nação. Joaquim José da Silva Xavier foi líder visionário, não um fantoche manipulado pela elite de Vila Rica, que, afinal, se era elite interessada na Independência do Brasil, constituía o povo da época. Como na memorável luta contra os holandeses no Nordeste, no século anterior, em Minas também se reuniam pela causa nacional os reinóis, os mazombos, os mestiços. Todos foram punidos, uns com a morte na cadeia, outros com o degredo e Tiradentes com a forca. Os banidos para a África e que lá morreram só voltariam à pátria por ordem do presidente Getúlio Vargas, que em 1942 mandou buscar um a um os heróis falecidos no desterro.

Inspirados por versos de Virgílio [Libertas quae sera tamen], reivindicavam liberdade ainda que tarde, e tinham como fonte os filósofos do Século das Luzes que refletiam a crise do Absolutismo e do Colonialismo no século XVIII e forjavam novas idéias e poliam os homens que iriam lutar e morrer por elas. Os conjurados de Minas Gerais miravam as nuvens que a Ilustração espalhara no céu da democracia, do que foram exemplos mais eloqüentes a Independência dos Estados Unidos da América, que nasciam como república, e a gloriosa Revolução Francesa. Nações em formação no Novo Mundo, como a americana e a brasileira, e as Colômbias de Simon Bolívar, já eram grandes demais para caber no apertado gibão da Europa feudal em transição para o capitalismo.

O sonho dos conjurados era implantar fábricas de tecidos e siderurgias na colônia que queriam tornar país. Tiradentes desenvolveu sua consciência política patrulhando o Caminho Novo, que ligava Minas ao Rio, por onde via passar as riquezas das jazidas auríferas do Brasil desviadas para Portugal, na quota de 100 arrobas de ouro por ano, aumentada em 1762 para oito mil quilos a título de dívida fiscal atrasada. O esbulho levava o nome de derrama.

Preterido nas promoções da Cavalaria, nunca tendo passado do posto de alferes, estabeleceu-se no Rio, levando a vida como qualquer do povo, trabalhando de mascate, tropeiro, boticário e dentista. Não era um homem sem luzes: órfão, sem nunca ter feito estudos regulares, projetou a canalização dos rios Andaraí e Maracanã para melhorar o abastecimento de água da sede do vice-reino. Há notícias de que admirava o progresso industrial da Inglaterra, guardava um exemplar da Constituição dos Estados Unidos e citava a figura do presidente da República em oposição a um rei distante.

Depois de enforcado, em 21 de abril de 1792, no Largo de Lampadosa, atual Praça de Tiradentes, no Rio de Janeiro, teve os restos mortais espalhados na estrada que patrulhara e onde tecera seu sonho de Independência política, econômica e cultural do Brasil. Seus algozes o queriam maldito e esquecido, mas cada parte de seu corpo esquartejado parece ter servido de semente para a árvore da liberdade que germinou no Brasil e ornamentou os versos de Cecília Meireles. O povo do Rio de Janeiro logo mandou celebrar missas na intenção da alma do herói, e, pelo repúdio público, fez com que o traidor Joaquim Silvério dos Reis mudasse o nome para Montenegro e o domicílio para o Maranhão.

A atualidade de Tiradentes é a mesma da Questão Nacional que ele antecipou antes da expressão. Seu vulto histórico nos repõe a importância e urgência de um projeto de autonomia nacional com vistas à consolidação de um País forte, soberano, próspero, que produza e distribua riquezas suficientes para assegurar o bem-estar material e espiritual desta civilização única que erguemos nos tópicos.

Desde a infância da Nação esta tem sido uma empreitada difícil. A mesma rainha louca Maria I que mandou esquartejar Tiradentes, promulgou um alvará proibindo fábricas no Brasil e mandou destruir até os teares em que as mulheres fiavam a roupa dos filhos. Quase um século depois, os próceres da República, empenhados em industrializar o Brasil, eram dissuadidos pela casa bancária inglesa dos Rotschild, que nos recomendava exportar café e deles comprar linha, agulhas e botões. Foi na construção da identidade nacional que a República resgatou o heroísmo de Tiradentes.

As lutas do passado continuam, por outros meios e caminhos, no presente. Os embates que o Brasil trava contra o protecionismo das grandes potências, as pressões para a liberalização comercial que nos engoliria como país produtor de riquezas, e tantas outras ofensivas, fortalecem a convicção de que a Questão Nacional está viva, e aponta para a necessidade de mantermos a soberania nacional como atributo essencial do Estado.

Nos dias de hoje, sofremos um tipo novo de intervenção que nos limita a autonomia de dispormos de nosso território e recursos naturais em benefício do desenvolvimento e do bem-estar do povo. A abertura de estradas, construção de hidrelétricas, vivificação das zonas de fronteira, modernização de leis para ampliação da agricultura e democratização da propriedade da terra são boicotadas por governos estrangeiros e suas cabeças de ponte chamadas ONGs do meio ambiente. O exemplo histórico de Tiradentes é um alento para continuarmos a luta pela autonomia de um projeto nacional e soberania do Brasil.

*Aldo Rebelo é jornalista, escritor e deputado federal (PCdoB-SP). Recebeu em 10 de novembro de 2003 a Medalha Tiradentes, da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.

Aldo Rebelo*

Fonte:http://www.vermelho.org.br/noticia

Cúpula dos Povos propõe referendo mundial 

sobre meio ambiente

A Cúpula Mundial dos Povos, que acontece na Bolívia, para tratar da questão climática, aprovou a criação de um tribunal de justiça climática e a realização de um referendo mundial sobre meio ambiente. As resoluções do encontro serão encaminhadas à cúpula das Nações Unidas, a se realizar no fim do ano, no México. O presidente da Bolívia, Evo Morales, defendeu que as demandas dos movimentos precisam ser respeitadas neste fórum.

Mais de 20 mil pessoas participam da Cúpula Mundial dos Povos, que se encerra nesta quinta-feira (22), com uma "festa da unidade" para comemorar o Dia Internacional da Mãe Terra (Pachamama). Dezessete mesas de trabalho estão encarregadas de elaborar o documento final da conferência, com as propostas aprovadas.

De acordo com a resolução apresentada na atividade, o referendo sobre meio ambiente seria realizado no próximo dia da Mãe Terra, em 2011. A ideia é que ele seja organizado em vários países com o apoio oficial dos governos interessados, e, em outros, por meio dos movimentos sociais, dos sindicatos e das organizações não governamentais.

Entre as questões que seriam submetidas à população estão a concordância ou não com "o abandono do modo de sobreprodução e de consumo excessivo para restabelecer a harmonia com a natureza", a "transferência das despesas de guerra para um orçamento superior para a defesa do planeta", ou ainda a própria "criação de um Tribunal de justiça climático para julgar os que destroem a Terra".

"Deve haver um organismo que sancione severamente, por exemplo, os países que não respeitem o protocolo de Kioto. É preciso estabelecer penalidades", disse o presidente Evo Morales. De acordo com ele, sem uma organização que dê sequência às resoluções aprovadas nas cúpulas internacionais, nunca haverá nada nem ninguém que obrigue as indústrias e os países desenvolvidos a cumprí-las.

Morales, promotor do evento, assinalou que a Cúpula dos Povos "foi uma necesidade ante a posição dos países industrializados na Conferência de Copenhague, que quiseram aprovar decisões que não contribuíam em nada para garantir a sobrevivência do planeta".

De acordo com ele, os países industrializados desejaram "impor um documento para salvar a vida de alguns, mas com uma política prejudical ao meio ambiente. Apenas com a força dos povos em desenvolvimento, o mundo indistrializado respeitará a vida no planeta", disse Evo.

O futuro da Cúpula Mundial dos Povos foi traçado, nesta quinta-feira, com a proposta do teólogo brasileiro Frei Beto de que este tipo de reunião, realizada em Cochabamba, aconteça a cada dois anos. Evo informou que a ideia foi aprovada pelo seu governo e as organizações sociais, como forma de fortalecer a luta em defesa dos direitos da Mãe Terra. Ele defendeu ainda que, na proteção da vida no planeta, não existem diferenças ideológicas ou matizes políticas.

Com agências

Fonte: http://www.vermelho.org.br/noticia

Niemeyer: desigualdade social é o principal 

problema de Brasília

Brasília dos sonhos de Oscar Niemeyer não tem nada a ver com a cidade que você conhece. Ela acabou justamente quando começou a ser habitada por políticos, técnicos e funcionários públicos, a partir de 21 de abril de 1960. Ele prefere os tempos da construção da cidade. As informações são da entrevista feita pela Folha por email, que o Vermelho reproduz.

Mario Fontenelle Oscar Niemeyer na varanda do Palácio do Alvorada. Foto M. M. Fontenelle (1919-1986). Acervo DPHA-DF

"Vivíamos naquela época como uma grande família, sem preconceitos e desigualdades. Uma vez inaugurada Brasília, vieram os homens do dinheiro, e tudo se modificou: a vaidade e o individualismo mais detestáveis se fizeram presentes".

Aos 102 anos, Niemeyer mantém algumas crenças comunistas da adolescência, mas já não endossa um dos maiores dogmas da arquitetura modernista, movimento do início do século 20 do qual ele é um dos maiores representantes: o de que é possível mudar o mundo por meio de projetos.

Niemeyer começou a trabalhar como arquiteto no início dos anos 30, como estagiário do escritório de Lucio Costa, apontado por historiadores como o fundador da arquitetura moderna brasileira. A parceria entre os dois durou até 1939, quando fizeram um projeto conjunto para a feira de Nova York, e seria retomada em Brasília em outros termos: Niemeyer foi escolhido pelo presidente Juscelino Kubitschek para projetar os prédios, enquanto Costa venceu um concurso do projeto urbanístico.

Em 1936, conviveu com Le Corbusier, francês que criou as bases do modernismo, na construção do Ministério da Educação, no Rio. O estilo que o projetaria como inventor nasceu na Pampulha, conjunto arquitetônico inaugurado em 1943 em Belo Horizonte, segundo o próprio Niemeyer.

Ganhador do prêmio mais importante de arquitetura em 1988, o Pritzker, Niemeyer não desistiu do projeto mais polêmico que criou para Brasília, uma praça que, segundo os críticos, desfigura o urbanismo de Lucio Costa. É o que falta, segundo Niemeyer, para a cidade ser como ele a imaginou.

Folha - O sr. dizia há cinco anos que Brasília era uma cidade incompleta, que faltavam prédios que estavam previstos no projeto. Ainda falta algo para a cidade?
Oscar Niemeyer - Acredito que naquela época eu tinha em mente a execução de duas obras que a nova capital hoje pode exibir: um museu de maior porte e a biblioteca. É claro que eu teria enorme satisfação em ver construída uma grande praça capaz de congregar os brasilienses e os visitantes, como aquela que desenhei há cerca de um ano e que provocou tanta celeuma.

Folha - O sr. criou algumas das imagens mais fortes do Brasil moderno. O sr. tinha a intenção de criar símbolos, de inventar uma marca?
Niemeyer - Confesso que nunca me passou pela cabeça essa pretensão. É evidente que os edifícios a que se refere foram projetados com extremo cuidado e marcaram um prolongamento e uma busca renovada daquela arquitetura mais livre e criativa que adoto desde os meus trabalhos realizados para a Pampulha.

Folha - O sr. sofreu um acidente grave de carro ao voltar de Brasília durante a construção. Qual foi o momento mais difícil?
Niemeyer - Talvez a morte de amigos tão queridos ocorrida no transcurso das obras, como a do Eça [Walter Garcia Lopes] ou a de Bernardo Sayão.

Folha - As avenidas muito largas e o isolamento das superquadras das regiões comerciais obrigam os brasilienses a usar automóvel para quase tudo. O que o sr. mudaria para que Brasília fosse melhor para ser desfrutada pelos pedestres, como ocorre no Rio de Janeiro?
Niemeyer - Penso que um dos problemas mais graves atestados nas cidades modernas reside na situação, a meu ver intolerável, em que os seus moradores se tornam reféns dos automóveis.*

Folha - Muitos urbanistas criticam a divisão de Brasília em setores, como o comercial e o de mansões. Os críticos dizem que as melhores cidades para viver têm essas funções misturadas. O que o sr. acha?
Niemeyer - Sinceramente, acho que essa separação fixada pelo Plano Piloto do Lucio [Costa] não é ruim.

Folha - Brasília foi planejada para ser uma cidade mais igualitária, mas acabou se tornando uma das mais desiguais do Brasil. O sr., como um comunista histórico, fica desapontado quando vê esse tipo de evolução?
Niemeyer - É claro que essa evolução me entristece. Brasília mudou bastante em relação àquele clima de união e solidariedade que reinava em seus tempos originais, quando da construção dos seus primeiros edifícios públicos. Vivíamos naquela época como uma grande família, sem preconceitos e desigualdades. Unia-nos um ambiente de confraternização proveniente de idênticos desconfortos. Uma vez inaugurada Brasília, vieram os homens do dinheiro, e tudo se modificou: a vaidade e o individualismo mais detestáveis se fizeram presentes. Nós mesmos terminamos por voltar, gradativamente, aos hábitos e preconceitos da burguesia que reprovávamos.*

Folha - É possível integrar as cidades-satélites ao Plano Piloto? Como o sr. consertaria a divisão e a distância entre ricos e pobres na cidade?
Niemeyer - É obvio que me desagrada profundamente esse tipo de segregação social e espacial. Mas acho que cabe aos especialistas em urbanismo, e não a mim, encontrar as soluções para reduzir ou superar os efeitos perversos da expansão.

Folha - O sr. acha que a arquitetura é capaz de promover transformações sociais, como se acreditava até os anos 50 e 60?
Niemeyer - Tenho hoje as minhas dúvidas. Penso, sim, que a transformação de nosso mundo social num universo mais justo e solidário é que poderá mudar a arquitetura. E, se um dia isso ocorrer, nós, arquitetos, seremos convocados para realizar grandes obras públicas.

Folha - Qual foi a crítica mais injusta que o sr. ouviu sobre Brasília?
Niemeyer - Talvez aquela construída por pessoas que teimam em afirmar que o sonho de Juscelino teria fracassado, uma vez que Brasília não teria trazido o progresso para o interior. Basta pensarmos no progresso de cidades como Goiânia.

Folha - E qual é a crítica mais justa sobre a cidade?
Niemeyer - É provável que seja o aparecimento daquela divisão intolerável entre ricos e pobres nessa metrópole.

Folha - Críticos como André Corrêa do Lago dizem que o sr. será conhecido no futuro como o maior artista brasileiro do século 20. Como o sr. gostaria de ser lembrado?
Niemeyer - Como de hábito, o meu amigo André Corrêa do Lago se mostra muito generoso em suas apreciações. Gostaria de ser lembrado como um ser humano, frágil e perplexo diante deste estranho mundo, como a maioria dos homens. Em síntese: como alguém que passou muito tempo debruçado sobre a prancheta, voltado para a sua arquitetura, mas sempre pronto para participar da luta política, sensível à necessidade histórica de superarmos esse regime de classes que o capitalismo veio a aprofundar.

Fonte: Folha Online