quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Sem filosofia... Nem pensar!

''Filósofo só pára de pensar para pensar em que está pensando.''



Filosofar é pensar. Não um pensar qualquer. Não é um pensar solto no ar, perdido no mar, um ir-e-vir por aí. Não é jogar pôquer, apostar para ganhar tudo ou alguma coisa perder. Ou tudo perder e chorar sobre o pensamento derramado.

Filosofia é pensar dia a dia no dia-a-dia. Pensar é desfiar o fio da meada. Penso, logo desconfio. Pensar a prece, a pressa, o peso, o passo, a pizza, o poço, o prato, a prata, o porquê do epitáfio, as razões do rififi.

Filósofo é aquele que pára para pensar. Pára para não parar de pensar. Pensa para comer o pão com o suor de sua mente. Pensa, logo alonga, longínquo pensamento que o deixa tão perto de tudo. Filósofo só pára de pensar para pensar em que está pensando.

Filosofal viver. Filosofal andar. Filosofal tropeçar. Filosofal cair, e encontrar na queda outros motivos para mais filosofar. Filosofal sentar sobre a pedra filosofal. Idéia tanto bate sobre a pedra, tanto bate até que o pensamento perdura.

Filosofante caminhar, o homem sobre o elefante, o elefante sobre a terra, a terra sobre o vento, o vento filosofante venta para onde quer. O filosofante gigante sobre os ombros de um anão também verá mais longe.

Filosofema retira algemas, descobre o filósofo da gema, faz nascer antenas, penetrar esquemas, abordar todos os temas, reler o poema, inspirar-se no cinema, valorizar o pequeno, o fenômeno, o dilema, remar contra ou a favor da maré.

Filosofice é sempre um risco. Ninguém está livre de pensar contra o pensamento. Ninguém está livre de se aprisionar uma vez mais. Ninguém está livre de pensar que pensa, e despencar do altar que ergueu para si mesmo, confundindo filosofia com empáfia.

Filosofismo é outro risco. Belo risco, afinal, porque somos todos capazes de filosofar. O filosofismo é a filosofia que virou jogada, pretexto, mania, suborno, insulto. O filosofista finge que pensa, e por isso parece pensar melhor que o próprio pensador.

Filosófico texto, contanto que as palavras abram nossa mente e nos façam mentar o mundo. Que o texto filosófico não seja apenas manobra, cobra preparando o bote, veneno que paralisa o leitor e o devora pouco a pouco.

Filosofar, enfim, é começar a pensar sem fim. É pensar quando não se pensa em nada, pensando em tudo. Pensar como sempre. Como nunca.

Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor.


terça-feira, 8 de setembro de 2015

O DIA QUE EU A ESCOLA E O TEMPO SOFREMOS DE SOLIDÃO.

''A escola não sai de minha memória, como minha memória passou habitar aquele lugar.''
Na escola isolada, abandonada no interior de Romelândia há um encanto, um espanto, um tesouro guardado na silenciosa parede esquecida em estilizada mensagem ‘’É na educação dos filhos que se revela o caráter dos pais.’’ – esse é o tesouro da responsabilidade da família para com seus filhos na escola.

Sim, escolas não foram feitas para solidão, para silêncios eternos, abandonos do acaso e meros depósitos de crianças. Mas essa escola não está sozinha, encravada nela estão as lições que a vida urbana deixou de fazer.

Nas paredes silenciosas da simpática escola estão grifados artisticamente, paixões pedagógicas, lições de afetos e gritos de amor como: '‘você é a estrelinha que ilumina nossa escola’’ e na outra parede ‘’crianças são como borboletas ao vento, algumas voam pausadamente, mas todas de seu melhor jeito, cada um é diferente, cada uma é linda, e cada uma é especial.’’

Falo da escola Érico Verissimo na linha São Jorge interior de Romelândia. Falo da realidade de tantas escolas neste país abandonadas pela irresponsabilidade e insensibilidade de governantes – diferente dessa escola que o êxodo rural e o baixo número de crianças levou a fechar.

Falo especificamente dessa escola, tão real, presente aqui perto ou dentro de nós, onde não se tem mais crianças para ocupar as salas, sentar nas cadeiras, suprir paixões dos professores e preencher o silêncio da Escola.

Falo da nostalgia, das histórias infinitas ali contadas por décadas, falo das crianças, adolescentes que ali brincaram, falo dessa escola que não morre, mesmo no silêncio, na sensação de abandono, na nostalgia de tempos que não volta, mas não passam também. Porque embora tenha levado longe tantos tesouros que ali se alfabetizaram, os traz de volta constantemente mesmo que somente em memória.

Porque a escola atual, a escola que sonhamos para amanhã e o distante futuro parece sofrer de tédio, de estresse e silêncios que dividem classes, mestres e sonhos? - Enquanto a escola do passado ressuscita constantemente de amor, de lembranças e frutos saborosos de tempos que não voltam mais.

Escolas do passado parecem as escolas que sonhamos para um futuro que não tende a chegar. Porque nessas escolas de futuro esmagamos com métodos pedagógicos modernos as essências de tempos que não voltam mais, da paixão do ensinar pelo professor ao cuidado da família com a educação do respeito e limites dos filhos. 


Nestas escolas que não voltam mais estão depositados o tesouro da responsabilidade hoje esquecida, renegada, abandonada pelos estudantes, por seus pais, seus governantes mesmo sob o nome de escola do presente, do futuro e da esperança. – Mas sem coragem de enfrentar os desafios pertinentes!

Naquela escola que nunca sentei, nunca lecionei mas lá estive por obra do destino, por curiosidade em seu silêncio há algo que não volta mais. Ali há um coração que pulsa como memória nas paredes, uma luz que brilha sobre o quadro negro, uma ordem nas cadeiras que esperam por alunos que não chegam, um portão aberto para o incerto e tão receptivo.

Na Escola isolada moram memórias que não morrem como o escritor que lhes concede o nome – ali mora a história do lugar, o reflexo de um educar que não volta mais, mas que embora de portas fechadas continua a nos ensinar. 'A escola não sai de minha memória, como minha memória passou habitar aquele lugar.'

Neuri a. Alves – Filósofo, Professor Pesquisador

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

ESTES NÃO SÃO SERES HUMANOS, NOSSOS IRMÃOS E IRMÃS?

''O limite maior da cultura européia ocidental é sua arrogância que se revela na pretensão de ser a mais elevada do mundo.''

O grau de civilização e de espírito humanitário de uma sociedade se mede pela forma como ela acolhe e convive com os diferentes. Sob este aspecto a Europa nos oferece um exemplo lastimável que beira à barbárie. O menino sírio de 3-4 anos afogado na praia da Turquia simboliza o naufrágio da própria Europa. Ela sempre teve dificuldades de aceitar e de conviver com os “outros”.

Geralmente a estratégia era e continua sendo esta: ou marginaliza o outro, ou o submete ou o incorpora ou o destrói. Assim ocorreu no processo de expansão colonial na Africa, na Asia e principalmente na América Latina. Chegou a destruir etnias inteiras como aquela do Haiti e no México.

'O limite maior da cultura européia ocidental é sua arrogância que se revela na pretensão de ser a mais elevada do mundo', de ter a melhor forma de governo (a democracia), a melhor consciência dos direitos, a criadora da filosofia e da tecnociência e, como se isso não bastasse, ser a portadora da única religião verdadeira: o cristianismo. Resquícios desta soberba aparece ainda no Preâmbulo da Constituição da União Européia. Aí se afirma singelamente:

“O continente europeu é portador de civilização, que seus habitantes a habitaram desde o início da humanidade em sucessivas etapas e que no decorrer dos séculos desenvolveram valores, base para o humanismo: igualdade dos seres humanos, liberdade e o valor da razão…”

Esta visão é somente em parte verdadeira. Ela esquece as frequentes violações destes direitos, as catástrofes que criou com ideologias totalitárias, guerras devastadoras, colonialismo impiedoso e imperialismo feroz que subjudaram e inviabilizaram inteiras culturas na Africa e na América Latina em contraste frontal com os valores que proclama. A situação dramática do mundo atual e as levas de refugiados vindos dos países mediterrâneos se deve, em grande parte, ao tipo de globalização que ela apoia, pois configura, em termos concretos, uma espécie de ocidentalização tardia do mundo, muito mais que uma verdadeira planetização.

Este é o pano de fundo que nos permite entender as ambiguidades e as resistências da maioria dos países europeus em acolher os refugiados e imigrantes que vêm dos países do norte da Africa e do Oriente Médio, fugindo do terror da guerra, em grande parte, provocada pelas intervenções dos ocidentais (NATO) e especialmente pela política imperial norte americana.

Segundo dados o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) somente neste ano 60 milhões de pessoas se viram forçadas a abandonar seus lares. Só o conflito sírio provocou 4 milhões de desalojados. Os países que mais acolhem estas vítimas são o Líbano com mais de um milhão de pessoas (1,1 milhão) e a Turquia (1,8 milhões).

Agora esses milhares buscam um pouco de paz na Europa. Somente neste ano cruzaram o Mediterrâneo cerca de 300.000 pessoas entre imigrantes e refugiados. E o número cresce dia a dia. A recepção é carregada de má vontade, despertando na população de ideologias fascistóides e xenófobas, manifestações que revelam grande insensibilidade e até inumanidade. Foi somente depois da tragédia da ilha de Lampedusa, ao sul da Itália, quando se afogaram 700 pessoas em abril de 2014 que se colocou em marcha uma operação Mare Nostrum com a missão de rastrear possíveis naufrágios.

A acolhida é cheia de percalços, especialmente, por parte da Espanha e da Inglaterra. A mais mais aberta e hospitaleira, apesar dos ataques que se fazem aos acampamentos dos refugiados, tem sido a Alemanha. O governo filo-fascista de Viktor Orbán da Hungria declarou guerra aos refugiados. Tomou uma medida de grande barbárie: mandou construir uma cerca de arame farpado de quatro metros altura ao longo de toda fronteira com a Sérbia, para impedir a chegada dos que vêm do Oriente Médio. Os governos da Eslováquia e da Polônia declararam que somente aceitariam refugiados cristãos.

Estas são medidas criminosas. Todos estes sofredores não são humanos, não são nossos irmãos e irmãs? Kant foi um dos primeiros a propor uma República Mundial (Weltrepublik) em seu último livro A paz perpétua. Dizia que a primeira virtude desta república deveria ser a hospitalidade como direito de todos e dever para todos, pois todos somos filhos da Terra.

Ora, isso está sendo negado vergonhosamente pelos membros da Comunidade Européia. A tradição judeo-cristã sempre afirmou: quem acolhe o estrangeiro, está hospedando anonimamente Deus. Valham as palavras da física quântica que melhor escreveu sobre a inteligência espiritual – Danah Zohar: ” A verdade é que nós e os outros somos um só, que não há separatividade, que nós e o ‘estranho’ somos aspectos da única e mesma vida”(QS: consciência espiritual, Record 2002, p. 219). Como seria diferente o trágico destino dos refugiados se estas palavras fossem vividas com paixão e compaixão.

Leonardo Boff escreveu Hospitalidade:direito e dever de todos, Vozes 2005.

Fonte: https://leonardoboff.wordpress.com

domingo, 30 de agosto de 2015

A Revolução das Redes como Estratégia de Libertação Popular

Por, Euclides André Mance*

Filósofo Euclides André Mance, um dos principais teóricos da Economia Solidária e
da Filosofia da Libertação na América Latina.
Nos dois textos em que o professor Paulo Lopes realiza críticas à hipótese de a colaboração solidária poder constituir-se em uma estratégia viável à efetivação de uma alternativa pós-capitalista, superadora da globalização atual, observa-se um recurso estilístico de contextualmente aduzir, sem afirmar explicitamente, adjetivos desqualificadores ao autor da proposta e a outros pesquisadores que contribuem nessa reflexão como forma de criticar-lhes as idéias. Nota-se como recorrente a alusão ao "grupo de iluminados", à "idéia genial de um iluminado", "os iluminados", etc. Outro estratagema do mesmo naipe é dizer "não estou falando" disso ou daquilo, evocando idéias sobre isso e aquilo; melhor seria se o autor explicitasse a quem se aplica as alusões que faz (1).

Para precisar os argumentos, cabe esclarecer alguns conceitos centrais na reflexão que o professor Lopes vem alimentando e alguns que lhes são adjacentes. No primeiro caso incluem-se estratégia, político-organizativo, excluídos-incluídos e alternativa histórica; no segundo caso, idéia genial de iluminado, retórica e pré-ocupação.

A utilização dos conceitos de estratégia e tática como mediações da práxis política advém de Lênin que inverteu a máxima do general e estrategista prussiano Karl Von Claussewitz que dizia ser a guerra a simples continuação da política por outros meios. Ao inverter a frase, considerando "a política como a simples continuação da guerra por outros meios", Lênin introduziu na análise política não apenas as categorias de estratégia (do grego, estratós - exército) e tática (ação específica de batalha), como militarizou a concepção de práxis política: os militantes devem ser organizados como em um exército, comandado por um Comitê Central, a partir de uma única estratégia de construção de um projeto econômico, político e cultural. Sem um exército previamente organizado não se ganha uma guerra. Sem uma ação político organizativa prévia às lutas, não se ganha a guerra política. O objetivo final da luta política é a conquista do poder de Estado, com o qual será possível revolucionar a estrutura econômica implantando e implementando o projeto político do proletariado. Dadas as diversidades de configuração do Estado e das lutas políticas, Gramsci diferenciará a guerra de movimento da guerra de posição, enfatizando o papel da condução política hegemônica da sociedade civil, organicamente articulada em torno de um projeto estratégico. Se Lênin enfatizava o papel do Partido Político como instância educadora das massas - mediação entre a filosofia política marxista e a ação do proletariado - Gramsci alargará essa tese, referindo-se às diversas organizações da sociedade civil como espaços de luta política e ação educativa, de produção deconsensos e hegemonias. No cerne dessa compreensão de revolução - independentemente da adoção de métodos de luta democrática ou de luta armada - a conquista do poder político de Estado é condição-chave para uma ruptura histórica. Desta forma, todas as ações econômicas e culturais gestadas pelas classes exploradas, expropriadas e dominadas são consideradas inofensivas para combater o capitalismo se não operarem como táticas de uma estratégia política unitária que se volta para a conquista do poder do Estado, hegemonizada por uma vanguarda que orienta os rumos dessa transformação. Os membros de tal vanguarda são justamente aquelas pessoas capazes de dizer o que é ou não é estratégico, o que é ou não revolucionário, o que é meramente tático e até mesmo o que à ação tática não se presta; são dirigentes e lideranças que, atuando no comando de organizações da sociedade política e sociedade civil, avançam no trabalho político-organizativo a fim de acumular forças para transformar crises conjunturais em crises orgânicas, quando o que se põe em questão não são mais as conquistas imediatas para as classes em particular, mas a transformação estrutural da sociedade, visando abolir a sua própria divisão de classes.

Com efeito, para os que se habituaram a considerar a estratégia revolucionária sob um paradigma de centralização política e de ruptura histórica é muito difícil compreender que uma revolução antagônica ao capitalismo possa ocorrer sob uma estratégia de rede em que o econômico e o cultural não sejam subalternos ao político, e que a implantação e implementação progressiva dessa rede não sejam nem uma ruptura imediata do sistema capitalista em uma dada sociedade, nem uma mera reforma do capitalismo, mas a expansão de uma rede econômica, política e cultural anticapitalista que cresce absorvendo progressivamente as forças produtivas geradas também sob o capitalismo, constituindo-se, política e culturalmente, em um novo "bloco histórico". É muito difícil entender que agenciamentos econômicos, culturais e políticos possam engendrar complexos laços de realimentação que subvertam as dinâmicas de reprodução do capitalismo(2) e que o ciclo histórico dessa subversão é um processo mais amplo que não se confunde com a ocorrência, em algum momento seu, da conquista de uma parcela de poder político de Estado pela nova classe hegemônica (uma vez que outras parcelas desse poder estão difusas na sociedade civil em oposição à essa classe que se torna dirigente), mas que se trata da própria transformação do Estado e de sua política no processo de sua subversão, processo esse que leva essa classe a assumir o controle do governo do Estado que ela subverte, governo esse que é apenas uma parcela do poder político do Estado. A dificuldade de entendimento que isso suscita talvez resida em aceitar que as diversas organizações do setor popular da sociedade civil possam unificar ações em torno de eixos de luta (nos campos da produção econômica, reprodução social e da cultura) politicamente antagônicos ao capitalismo, mesmo assumindo, cada um desses atores coletivos, sua estratégia peculiar de organização e luta, independentemente de adotarem a estratégia de um "partido único"- como muitos defenderam até poucas décadas atrás - ou de alguma organização política centralizada que o substitua (3). Para muitos é difícil compreender como multiplicidades de ações moleculares que variam de escopo e escala - pense-se na diversidade de ações específicas dos movimentos sociais-populares e nos diversos níveis de suas abrangências que vão da ação local à ação internacional - possam articular-se em redes desenvolvendo ações conjuntas sem que haja um projeto político único e centralizado que os articule, mas unificados em torno de objetivos comuns consubstanciados nos eixos de luta. Muitos intelectuais resistem em aceitar o potencial caráter estratégico - para a construção de uma sociedade democrática e pós-capitalista - das lutas de índios, negros e mulheres, de sem-tetos e portadores de deficiências, de cooperativas de produção e consumo e de movimentos culturais. Aplicando a todos eles certos esquemas teóricos que não resultam da análise criteriosa da práxis desses movimentos em seus diversos contextos, afirmam que, por eles não enfrentarem diretamente a contradição entre capital e trabalho, são apenas espaços táticos para a ação político-organizativa. Não percebem que essas lutas, se articuladas em torno de eixos estratégicos, podem avançar não apenas na busca de conquistas imediatas, mas de transformações estruturais do capitalismo.

Ora, qualquer atividade de organização social pode ser abstratamente considerada em suas dimensões política, econômica e cultural. Privilegiar o aspecto político frente ao econômico e ao cultural, considerando qualquer ação nas duas últimas esferas como exercícios táticos subalternizados à primeira é um equívoco que não apenas decorre de uma compreensão inadequada dos exercícios sociais de poder que permeiam todas as esferas da sociedade, como também das seqüelas de uma visão clássica e equivocada do próprio exercício político. Compreender a ação política como pré-ocupação é uma abstração que remonta à visão grega em que o suporte econômico que sustenta o exercício político está assegurado pelo trabalho escravo e em que uma minoria assume a condição de cidadãos por estirpe e não como resultado de um processo educativo. Falta apenas considerar o trabalho como um negócio (como negação do ócio) para chegarmos a uma certa noção burguesa de trabalho usualmente associável a essa noção aristocrática de política. É interessante notar que o professor Lopes após considerar a intencionalidade e mediaticidade da colaboração solidária pergunta-se se é possível articular-se elementos teóricos em torno dessa colaboração e arremate que se não o for estaremos no campo da retórica. Com efeito, parece-nos que o emprego da pré-ocupação como o realizado pelo autor é um exemplo claro da retórica que critica: retire-se o ar que o professor Lopes respira e sua pré-ocupação primeira será simplesmente viver. Retire-se-lhe o alimento e sua pré-ocupação será comer; retire-se-lhe a moradia e sua pré-ocupação será abrigar-se das intempéries. É sutil debater sobre a ocupação anterior à ocupação - expressão logicamente inconsistente, pois a ocupação política inclui-se na extensão de toda a ocupação - quando não estamos mais preocupados com o que comer, onde dormir ou como tratar da doença de nossos filhos.

Ainda sobre a intencionalidade e mediaticidade peculiares à colaboração solidária, convém relembrar que nos textos anteriores deixamos claro que as inúmeras iniciativas solidárias existentes que resenhamos não se articulam sob a estratégia complexa de rede, não se configurando, portanto, como uma alternativa ao capitalismo. Por outro lado destacamos a hipótese de que se essas ações - se forem articuladas estrategicamente sob um modelo de rede, visando implementar os princípios de autopoiese, integralidade, extensividade, intensividade, fluxos solidários de valor, de matérias e de informação, etc - podem vir a engendrar uma alternativa ao capitalismo e portanto a superação desse sistema como modo de produção dominante. Por fim, afirmar que a teoria deve responder à questão de ser ou não possível articular elementos teóricos em torno da colaboração solidária, como faz o professor Lopes, é um disparate. Qualquer ação humana é passível de ser objeto de elaboração conceitual e, portanto, de ser teorizada. A afirmação é tão obtusa que não deixa margem a uma resposta negativa. Isto é, afirmar que não seja possível articular elementos teóricos em torno da colaboração solidária é o mesmo que dizer que os seres humanos são incapazes de pensar conceitualmente a própria solidariedade que praticam.

Convém destacar também que o modo como o professor Lopes emprega o expressão iluminado - citada várias vezes em seus textos - aludindo contextualmente os elaboradores do estudo em questão é também uma figura retórica que busca desqualificar essa investigação, afastando-se do sentido conceitual de expressões comoiluminismo, ilustração, esclarecimento ou aufklärung - talvez dando a entender que nos julguemos inspirados, visionários ou videntes no sentido esotérico que a expressão possa ter nos contextos em que é aplicada. Revela também uma fragilidade quanto a sua compreensão de elaboração teórica. De fato, não há nenhum conhecimento que seja fruto da elaboração de um único ser humano, uma vez que a linguagem e as semioses que atravessam qualquer reflexão são produtos coletivos e constantemente reciclados. Mas não se pretenderá mais esclarecido que o iluminado aquele que o critica ? Considerando ainda que a expressão iluminado, por ele empregada, é precedida da preposição de, ensejando compreender que a possível estratégia de colaboração solidária apresentada teria origem em um grupo de iluminadospara os excluídos, vale considerar o método de elaboração teórica desta reflexão, a fim de dirimir uma pretensa oposição entre "alternativa histórica para os excluídos" ou "alternativa histórica dos excluídos".

O fato de a colaboração solidária ser sistematizada criticamente por intelectuais orgânicos não subverte o fato de que a práxis social global tem precedência sobre a elaboração teórica do investigador. Algumas vertentes da filosofia da libertação, desenvolvidas a partir dos anos 70, ao questionarem-se acerca do sujeito histórico da revolução e da elaboração teórica inerente a esta, argumentaram que as classes populares eram o sujeito de ambos e que cabia aos intelectuais, solidários à práxis de libertação popular, mergulhar no universo simbólico que medeia essa práxis, considerar suas diversas formas e escopos, investigar os elementos agenciadores da ação popular, suas contradições, fragilidades e fortalezas históricas, perspectivas de avanço, etc, enfim sistematizar criticamente aquela mesma práxis e retribuir dialogicamente essa reflexão àqueles atores sociais para que, democraticamente, no exercício do diálogo e da crítica, os movimentos e organizações populares pudessem aprimorar a práxis que efetivam (4). As categorias a serem aplicadas nessa análise crítica, por sua vez, deveriam ser produzidas a partir da construção conceitual sobre as diversas realidades particulares em questão, considerando as diversas formas de dominação, de resistência e de luta por libertação. Tratava-se de negar - sempre que necessário - os esquemas teóricos a partir da prática e construir, a partir do exercício mesmo da práxis de libertação e do diálogo com seus sujeitos históricos, novos conceitos e novas categorias analíticas, que resultassem em novos marcos teóricos que melhor permitissem compreender a própria realidade em curso. Com esta abertura à alteridade histórica como fonte inovadora - da realidade e da teoria - não apenas podemos falar de uma ética emergente das lutas populares, como o faz Arturo Roig (5), mas de uma colaboração solidária cuja realização econômica, política e cultural pode dar origem a uma sociedade de colaboração solidária, subvertendo o capitalismo. Podemos não apenas criticar o populismo que reelabora as demandas populares de modo a atender as demandas da classe dominante, mas também de um certo tipo deesquerdismo que reelabora demandas populares como elementos táticos para atender aos interesses de projetos estratégicos pretensamente revolucionários.

Sob a perspectiva que adotamos, cabe partir da práxis social, detectar as contradições entre os diversos atores e, a partir delas, considerar as classes sociais e seus interesses antagônicos, desvendando as mediações recorrentes nos processos de exploração, expropriação e dominação, bem como, as mediações de resistência e de lutas por libertação, isto é, pela expansão dos exercícios de liberdade pública e privada, que implicam no compartilhamento de mediações materiais, políticas, educativas, informativas e éticas para que ambas (as liberdades pública e privada) se realizem de modo democrático. Como toda prática (ação efetivadora) supõe alguma teoria, todas as formas de resistência e de luta por libertação estão permeadas por teorias cujos alcance e consistência variam em função do grau de sua reflexão e reelaboração por parte dos atores que as praticam. É possível, entretanto, uma reflexão criteriosa e sistemática sobre esses elementos teóricos, suas dificuldades gnosiológicas e estratégicas, e sua capacidade de desvendar mecanismos de dominação e de apresentar alternativas; é possível propor dialogicamente formas de ação que ampliem o domínio sobre as mediações materiais, políticas, informativas, educativas e éticas que mediatizem a liberdade dos sujeitos populares explorados, expropriados, dominados e excluídos. A teoria, portanto, surge da práxis e a ela retorna buscando qualificá-la para que possa ser mais eficaz como elemento de libertação. A estratégia da colaboração solidária em redes autopoiéticas surge em um processo investigativo que adota esse método, aqui sumariamente apresentado. Partindo das práticas de solidariedade, difusas por todas as classes populares, buscando compreendê-las conceitualmente com o arcabouço das teorias já elaboradas que conhecemos (e sempre tendo consciência da parcialidade desse conhecimento, pois a onisciência é um atributo de caráter mitológico) chegamos a fenômenos que melhor são descritos sob o modelo de redes e à necessidade de elaborar novas categorias que aprimorassem o próprio referencial teórico para melhor compreender a práxis que se configura como origem e fim da investigação. A organização de redes de colaboração solidária, como a entendemos, é uma estratégia que tem sua origem (expresso pelo genitivo de) na prática dos excluídos que efetuam ações econômicas solidárias e que para eles se volta (expresso no dativo para), como reflexão criteriosa de sua própria práxis, tendo em vista aprimorá-la, potencializá-la como práxis de libertação popular (6). Aliás, a preposição de tem, pelo menos, treze empregos habituais. Quando particularmente colocada entre dois substantivos ela pode significar, entre outros aspectos: posse, pertença, origem, finalidade (equivalendo a preposição para), causa e participação. Trata-se portanto de uma alternativa que parte de excluídos, tendo neles sua origem, sua causa e que se volta para todos os seres humanos, particularmente a eles próprios.

A questão dos excluídos dá margem a outro jogo de palavras do professor Lopes. No primeiro texto esclarecemos que embora as redes de colaboração solidária possam vir a surgir em meio ao capitalismo, elas são radicalmente antagônicas a esse sistema. No segundo texto afirmamos que as práticas de colaboração solidária que então resenhamos não se articulam estrategicamente e que seus sujeitos prestam pouca atenção aos fluxos de valor inerentes no processo de produção e consumo, fazendo com que as mesmas realimentem estruturas capitalistas. Enfatizávamos no próprio título do texto a necessidade de compreender as práticas existentes de economia solidária e, além disso, transformar e conectar tais atividades de produção e consumo solidários sob uma perspectiva estratégica que as potencialize, de forma a expandirem-se em relações de produção e consumo antagônicas ao capitalismo. Na medida em que as redes se expandam, teremos - segundo a hipótese em estudo - a expansão de uma economia pós-capitalista. Ora, se o capitalismo gera excluídos (em razão de o desenvolvimento científico, ao ser aplicado à produção, dar origem ao que Marx chama dedisposable time), por outra parte incorporar tais excluídos nas redes de colaboração solidária, sob a estratégia que apresentamos como hipótese no primeiro artigo, não significa incorporá-los ao capitalismo, como o texto do professor Lopes dá a entender ao falar da colaboração solidária como estratégia de inclusão na ordem existente. Com efeito, as práticas de economia solidária existentes realimentam, mediatamente, o movimento de acúmulo capitalista uma vez que consomem insumos, outros materiais e serviços do mercado, ao passo que poderiam buscar a satisfação dessas demandas consumindo produtos e serviços de outras unidades produtivas solidárias, operando laços de realimentação produtiva em um movimento de rede, avançando na geração de complexas cadeias produtivas em regime de colaboração solidária. Isso corrigiria os fluxos de valor, de modo que os mesmos realimentassem o movimento de produção e consumo das redes, ao invés de desaguar no mercado capitalista. Ao que parece o professor Lopes critica a estratégia que apresentamos como se as práticas atuais de economia solidária a realizassem; e como as práticas atuais incorporam novamente o trabalho dos excluídos no movimento de acumulação capitalista, a estratégia das redes apresentada no primeiro artigo seria apenas uma estratégia de inclusão dos excluídos no capitalismo. Ora, se o professor Lopes considera que a estratégia apresentada no texto não compõe elementos que permitam a geração de uma economia antagônica ao capitalismo, deve argumentar a falha da estratégia proposta e não apenas dizer que é difícil aceitá-la ou mencionar que as práticas atuais de economia solidária não subvertem o capitalismo, pretendendo com isso contraditar aquela estratégia que, entretanto, não é efetivada nessas práticas.

Por fim, vale considerar que, talvez, a contraface do discurso que afirmava "quanto pior a situação do povo, melhor para a revolução" possa ser a que afirma: "melhorar a situação do povo em redes autopoiéticas de colaboração solidária é reincluí-los na reprodução do capitalismo." Ambas as teses são equivocadas. Fome, pobreza e miséria, morte de pessoas que lutam por terra para plantar e morar, iniciativas de produção comunitária e de consumo solidário (bem como, lutas pelo respeito à dignidade de mulheres, negros, índios, homossexuais e tantos outros grupos que lutam pela expansão das liberdades públicas e privadas visando ampliar e aprimorar as mediações materiais, políticas, educativas e informativas que as suportam) não podem ser reduzidas a meras táticas de luta política. De fato, as práxis de libertação, voltadas aos objetivos dos setores populares da sociedade civil, podem molecularmente realimentar-se em revolucionários movimentos de rede. Sob a matriz teórica que adotamos, não é um acordo simbólico em uma comunidade de comunicação, seja em consensos genéricos ou substantivos, o que pode decidir pela validade ou não desta afirmação; não são acordos simbólicos nas comunidades científicas dos experts o que confere legitimidade a uma teoria qualquer sobre fenômenos objetivos, mas a capacidade dessa teoria em expressar coerentemente relações entre elementos indiciais que ela conceitualiza - significando o termo índice uma categoria semiótica que expressa uma classe de signos que fazem parte dos objetos dinâmicos (7). É esse o critério básico a partir do qual possíveis acordos podem se estabelecer. Em última instância, no que se refere à conceitualização de realidades objetivas, é a práxis o critério de validade das teorias. É na práxis que os limites de transformação histórica se ampliam ou se restringem pela própria ação histórica dos sujeitos sociais. Não existem, portanto, os exatos limites que imagina existir o professor Paulo Lopes, pois os campos de possibilidade são dinâmicos e os seres humanos podem criativamente fazer surgir novas relações econômicas, políticas e culturais. Com efeito, é através da reflexão rigorosa da práxis que podemos perceber, parcialmente, os limites das teorias adotadas e aprimorá-las em suas debilidades e fraquezas. Em contrapartida, o aprimoramento dessas teorias permite colaborar na qualificação da práxis, quando a ela, orgânica e dialogicamente, essa reflexão se articula. Nenhuma teoria compreende totalmente o real, pois todos os signos representam parcialmente os objetos dinâmicos. Os exatos limites que o professor Lopes persegue, portanto, somente podem ser formulados como uma falsificação "teórica" da realidade, como presunção suportada em esquemas teóricos que levam o investigador a afastar-se da compreensão conceitual da realidade quando dela imagina se aproximar.

______________

Notas

* Foi professor de Lógica e Filosofia da Ciência na UFPR; participa atualmente do Núcleo de Estudos Latino-Americanos (ALEP) do Setor de Ciências Humanas da mesma Universidade; leciona Filosofia da Linguagem e Filosofia Latino-Americana, respectivamente, no Studium São Basílio Magno e Instituto Vicentino de Filosofia, em Curitiba; presidiu o Instituto de Filosofia da Libertação (IFiL) no período de 1995 a 1998. Artigos e conferências do autor, citados nesse texto, estão disponíveis em www.milenio.com.br/mance.

1. Acerca desses estratagemas e outros recursos afins veja-se Arthur SCHOPENHAUER. Como vencer um debate sem ter razão. TopBooks, 1997.

2. Sobre agenciamentos subversivos veja-se Félix GUATTARI. Revolução Molecular. Brasiliense, 1987 e "Subjetivação Subversiva" in Teoria e Debate, Ano N.12, p. 60-64. Sobre laços de realimentação em movimentos autopoiéticos de rede, veja-se Fritjof CAPRA. A Teia da Vida. São Paulo, Cultrix, 1997. Sobre nossa crítica a concepções equivocadas deholismo veja-se "A complexidade do Real e a Elaboração dos Conceitos - Uma crítica aos Holismos", que é o quinto item de nosso artigo "O Filosofar como Prática de Cidadania." http://www.milenio.com.br/mance/filosofar.htm.

3. Veja-se nosso artigo "Eixo de Lutas e a Central de Movimentos Populares". Revista de Cultura Vozes. N. 6, Ano 85, nov. 1991, p. 645-671.

5. Veja-se Arturo ROIG. "La ‘dignidad humana’ y la ‘moral de la emergencia’ en América Latina" in: Antonio SIDEKUM (org) Ética do discurso e filosofia da libertação - modelos complementares, Editora UNISINOS, São Leopoldo, 1994.

6. Genitivo e dativo são casos de declinação em certas línguas como latim, grego e alemão. Aqui apenas destacamos que essas funções, nos contextos a que nos referimos, são cumpridas, respectivamente, pelas preposições de e para. Veja-se Napoleão Mendes de ALMEIDA. Gramática Metódica da Língua Portuguesa. Ed. Saraiva, 1999, p. 97, 376, 378. Em nosso contexto, para (do latim, per + ad ) constitui o sentido de direção, destino ou fim.

7. Veja-se Lucia SANTAELLA. A Teoria Geral dos Signos - Semiose e Autogeração. São Paulo, Ed. Ática, 1995 e Charles Sanders PEIRCE. Semiótica e Filosofia , São Paulo, Editora Cultrix, 1972.

4. Veja-se Horácio CERUTTI GULDBERG. Filosofia de la Liberacion Latinoamericana, México DF, Fondo de Cultura Economica, 1983. Veja-se também nosso artigo "Práxis de Libertação e Subjetividade". Revista de Filosofia, Ano 6, N. 7, p. 81-109, jun. 1993. PUC-PR, Curitiba. Sobre a produção do conhecimento a partir da problematização da práxis e no movimento dialógico com atores nela envolvidos, veja-se Paulo FREIRE. Pedagogia da Esperança, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992


DECLARAÇÃO DE PARIS PARA A FILOSOFIA 1995

Extraído de: "Filosofia e Democracia no Mundo" Paris, 15 e 16 de fevereiro de 1995


"Nós, participantes das jornadas internacionais de estudo 'Filosofia e democracia no mundo', organizadas pela UNESCO, que ocorreram em Paris, nos dias 15 e 16 de fevereiro de 1995,

"Constatamos que os problemas de que trata a filosofia säo os da vida e da existência dos homens considerados universalmente,

"Estimamos que a reflexäo filosófica pode e deve contribuir para a compreensäo e conduta dos afazeres humanos,

"Consideramos que a atividade filosófica, que näo subtrai nenhuma idéia à livre discussäo, que se esforça em precisar as definiçöes exatas das noçöes utilizadas, em verificar a validade dos raciocínios, em examinar com atençäo os argumentos dos outros, permite a cada um aprender a pensar por si mesmo,

"Sublinhamos que o ensino de filosofia favorece a abertura do espírito, a responsabilidade cívica, a compreensäo e a tolerância entre os indivíduos e entre os grupos,

"Reafirmamos que a educaçäo filosófica, formando espíritos livres e reflexivos - capazes de resistir às diversas formas de propaganda, de fanatismo, de exclusäo e de intolerância - contribui para a paz e prepara cada um a assumir suas responsabilidades face às grandes interrogaçöes contemporâneas, notadamente no domínio da ética,

"Julgamos que o desenvolvimento da reflexäo filosófica, no ensino e na vida cultural, contribui de maneira importante para a formaçäo de cidadäos, no exercício de sua capacidade de julgamento, elemento fundamental de toda democracia.

"É por isso que, engajando-nos em fazer tudo o que esteja em nosso poder - nas nossas instituições e em nossos respectivos países para realizar tais objetivos, declaramos que:

"Uma atividade filosófica livre deve ser garantida por toda parte - sob todas as formas e em todos os lugares onde ela possa se exercer - a todos os indivíduos;

"O ensino de filosofia deve ser preservado ou estendido onde já existe, criado onde ainda näo exista, e denominado explicitamente 'filosofia';

"O ensino de filosofia deve ser assegurado por professores competentes, especialmente formados para esse fim, e näo pode estar subordinado a nenhum imperativo econômico, técnico, religioso, político ou ideológico;

"Permanecendo totalmente autônomo, o ensino de filosofia deve ser, em toda parte onde isto é possível , efetivamente associado - e näo simplesmente justaposto - às formaçöes universitárias ou profissionais, em todos os domínios;

"A difusäo de livros acessíveis a um largo público, tanto por sua linguagem quanto por seu preço de venda, a geraçäo de emissöes de rádio ou de televisäo, de audiocassetes ou videocassetes, a utilizaçäo pedagógica de todos os meios audiovisuais e informáticos, a criaçäo de múltiplos espaços de debates livres, e todas as iniciativas susceptíveis de fazer aceder um maior número a uma primeira compreensäo das questöes e dos métodos filosóficos devem ser encorajadas, a fim de constituir uma educaçäo filosófica de adultos;

"O conhecimento das reflexöes filosóficas das diferentes culturas, a comparaçäo de seus aportes respectivos e a análise daquilo que os aproxima e daquilo que os opöe, devem ser perseguidos e sustentados pelas instituiçöes de pesquisa e de ensino;

"A atividade filosófica, como prática livre da reflexäo, näo pode considerar alguma verdade como definitivamente alcançada, e incita a respeitar as convicçöes de cada um; mas ela näo deve, em nenhum caso, sob pena de negar-se a si mesma, aceitar doutrinas que neguem a liberdade de outrem, injuriando a dignidade humana e engendrando a barbárie.

"Esta declaraçäo foi subscrita por:

- Prof. Ruben G. Apressian (Instituto de Filosofia da Academia de Ciências de Moscou, Federaçäo Russa),

- Prof. Tanella Boni-Koné (Universidade de Abidjan, Costa do Marfim),

- Prof. Tzotcho Boyadjiev (Universidade Saint Klément Ohridski, Sófia, Bulgária),

- Prof. In-Suk Cha (Secretário Geral da Comissäo Nacional para a UNESCO da República da Coréia, Seul, República da Coréia ),

- Prof. Marilena Chaui (Universidade de Säo Paulo, Brasil),

- Prof. Donald Davidson (Universidade de Berkeley, USA),

- Prof. Souleymane Bachir Diagne (Universidade de Dakar, Senegal ),

- Prof. François Dossou (Universidade Nacional do Benin, Cotonou, Benin),

- Prof. Michaël Dummett (Oxford, Reino Unido),

- Prof. Artan Fuga (Universidade de Tirana, Albânia),

- Prof. Humberto Gianini (Universidade de San Tiago do Chile, Chile),

-Prof. Paulin J. Houtondji (Universidade Nacional do Benin, Benin),

- Prof. Joanna Kuçuradi (Secretária Geral da Federaçäo Internacional das -Sociedades de Filosofia, Ancara, Turquia),

- Prof. Dominique Lecourt (Universidade de Paris VII, Paris, França),

- Prof. Nelly Motroshilova (Universidade de Moscou, Federaçäo da Rússia),

- Prof. Satchidananda Murty (Vice-Presidente da Federaçäo Internacional das Sociedades de Filosofia, Índia),

- Prof. Ulrich Johannes Schneider (Universidade de Leipzig, Alemanha),

- Prof. Peter Serracino Inglott (Reitor da Universidade de Malta), S. E. Mohammed Allal Sinaceur (Antigo Diretor da Divisäo de Filosofia da UNESCO, Rabat, Marrocos),

- Prof. Richard Susterman (Temple University, Filadélfia, USA),

- Prof. Fathi Triki ( Decano da Faculdade de Letras e Ciências Humanas de Sfax, Tunísia),

- Prof. Susana Villavicencio (Universidade de Buenos Aires, Argentina)."

Extraído de : UNESCO. Philosophie et Démocratie dans le Monde

- Une enquête de l'UNESCO. Librairie Génerale Française,
1995, p. 13-14

sábado, 29 de agosto de 2015

ESTÃO SE ACABANDO RECURSOS NA DISPENSA DA CASA COMUM

''E assim gaiamente vamos ao encontro de um abismo que se abre logo aí à nossa frente.''


A Terra é um planeta pequeno, velho, com a idade de 4,44 bihões de anos, com 6.400 km de raio e 40.000 km de circunferência. Há 3,8 bilhões de anos surgiu nele todo tipo de vida e há cerca 7 milhões, um ser consciente e inteligente, altamente ativo e ameaçador: o ser humano. O preocupante é o fato de que a Terra já não possui reservas suficientes em sua dispensa para fornecer alimentos e água para seus habitantes. Sua biocapacidade está se enfraquecendo dia a dia.

O dia 13 de agosto foi o Dia da Sobrecarga da Terra (Earth Overshooting Day). É o que nos informou a Rede da Pegada Global (Global Footprint Network) que, junto com outras instituições como a WWF e oLiving Planet acompanham sistematicamente o estado da Terra. A pegada ecológica humana (quanto de bens e serviços precisamos para viver) foi ultrapassada. As reservas da Terra se estão se esgotando e precisamos de 1,6 planeta para atender nossas necessidades sem ainda aquelas da grande comunidade de vida (fauna, flora, micro-organismos). Em palavras de nosso cotidiano: nosso cartão de crédito entrou no vermelho.

Até 1961 precisávamos apenas de 63% da Terra para atender as nossas demandas. Com o aumento da população e do consumo já em 1975 necessitávamos 97% da Terra. Em 1980 exigíamos 100,6%, a primeira Sobrecarga da pegada ecológica planetária. Em 2005 já atingíamos a cifra de 1,4 planeta. E atualmente em agosto de 2015 1,6 planeta.

Se hipoteticamente quiséssemos, dizem-nos biólogos e cosmólogos, universalizar o tipo de consumo que os países opulentos desfrutam, seriam necessários 5 planetas iguais ao atual, o que é absolutamente impossível além de irracional(cf. R. Barbault, Ecologia geral, 2011, p.418).

Para completar a análise cumpre referir a pesquisa feita por 18 cientistas sobre “Os limites planetários: um guia para o desenvolvimento humano num planeta em mutação” publicada na prestigiosa revistaScience de janeiro de 2015 (bom resumo em IHU de 09/02/2015). Aí se elencam 9 fronteiras que não podem ser violadas, caso contrário, colocamos sob risco as bases da vida no planeta (mudanças climáticas; extinção de espécies; diminuição da camada de ozônio; acidificação dos oceanos; erosão dos ciclos de fósforo e nitrogênio; abusos no uso da terra como desmatamentos; escassez de água doce; concentração de partículas microscópicas na atmosfera que afetam o clima e os organismos vivos; introdução de novos elementos radioativos, nanomateriais, micro-plásticos).

Quatro das 9 fronteiras foram ultrapassads mas duas delas – a mudança climática e a extinção das espécies – que são fronteiras fundamentais, podem levar a civilização a um colapso. Foi o que concluiram os 18 cientistas.

Tal dado coloca em xeque o modelo vigente de análise da economia da sociedade mundial e nacional, medida pelo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Este implica uma profunda intervenção nos ritmos da natureza e a exploração dos bens e serviços dos ecosistemas em vista da acumulação e com isso do aumento do PIB. Este modelo é uma falácia pois não considera o tremendo estresse a que submete todos os serviços ecossistêmicos globais que garantem a continuidade da vida e de nossa civilização. De forma irresponsável e irracional considera tal fato, com suas graves consequências, como “externalidades”, vale dizer, fatores que não entram na contabilidade nacional e internacional das empresas.

E assim gaiamente vamos ao encontro de um abismo que se abre logo aí à nossa frente. Curiosamente, nas discussões sobre temas econômicos que se organizam semanalmente nas TVs ( por exemplo, o Painel da Globoniews, aos sábados e domingos) nunca ou quase nunca se faz referência aos limites ecosistêmicos da Terra. Com raras exceções, os economistas parecem cegos e cegados pelas cifras do PIB, reféns de um paradigma velho e reducionista de analisar a economia concreta que temos. Se todas as fronteiras forem violadas, como tudo parece indicar, que acontecerá com a Terra viva e a Humanidade? Temos que mudar nossos hábitos de consumo, as formas de produção e de distribuição como não se cansa de repisar o Papa Francisco e ausente nos analistas de O Globo que sequer fazem uma referência a um tema tão fundamental. Mal imaginam que podemos conhecer um “armagedom” ecológico-social sem precedentes.

Imaginemos o planeta Terra como uma avião de carreira. Possui limites de alimentos, de água e de combustível. 1% viaja na primeira classe; 5% na executiva e os 95% na classe econômica ou junto às baguagens num frio aterrador. Chega um momento em que todos os recursos se esgotam. O avião fatalmente se precipita, vitimando todos e de todas classes.

Queremos este destino para a nossa única Casa Comum e para nós mesmos? Não temos alternativa: ou mudamos nossos hábitos ou lentamente definharemos como os habitantes da ilha de Páscoa até restarem apenas alguns representantes, talvez invejando quem morreu antes. Efetivamente, não fomos chamados à existência para conhecermos um fim tão trágico. Seguramente “o Senhor, soberano amante da vida”(Sab 11,26) não o permitirá. Não será por um milagre mas pela nossa mudança de hábitos e pela cooperação de todos.

Leonardo Boff escreveu Proteger a Terra-cuidar da vida: como escapar do fim do mundo, Record, Rio

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

DESCULPAS ESFARRAPADAS PARA NÃO ESTUDAR

Veja como se livrar das desculpas esfarrapadas mais comuns para não estudar.

Você vestibulando é do tipo que arranja todo tipo de desculpa para não estudar? Se a resposta é sim, este texto é para você.
Nada de fugir dos exercícios, das leituras e das revisões, segundo Wander Azanha, coordenador do cursinho pré-vestibular Oficina do Estudante. E nada de desânimo!
"Sei que não é fácil, não tem vaga para todo mundo, mas é possível", afirma Azanha, que na época da preparação para o seu próprio vestibular dividia o tempo entre estudos e trabalho.
Para a professora Augusta Aparecida Barbosa, que leciona há 30 anos e atualmente trabalha no Cursinho do XI, alguns estudantes usam desculpas (algumas bem esfarrapadas), pois não reconhecem a importância de se entrar em uma boa universidade.
"Tenho visto muitos alunos desistirem de tentar passar nos cursos mais fortes, pois eles sabem que hoje está muito fácil entrar numa particular [em cursos fracos]. E, às vezes, nem precisa pagar tão caro [as mensalidades] para estudar. Eles se desanimam", opina.
Para tentar ajudar, o UOL listou as desculpas esfarrapadas mais comuns -- com dicas para driblar cada uma delas.

► Desculpas esfarrapadas mais comuns


Thinkstock

Thinkstock

Não tenho tempo

Procure aproveitar TODOS os intervalos de tempo possíveis. Que tal alguns minutinhos durante o horário do almoço ou na volta para casa dentro do ônibus? Reveja seus horários e faça um cronograma de estudos. A palavra de ordem é disciplina! #Ficaadica.
Reprodução/Tribuna 
do Ceará
Reprodução/Tribuna do Ceará

Vou acessar meu Facebook só mais uma vez

Ficar no Facebook ou nas outras redes sociais é divertido, claro! Mas é preciso manter o foco principal: estudar para passar no vestibular. Por isso, desligue tudo. Aproveite essa reta final para dar um último gás. Depois das provas você poderá voltar a navegar tranquilamente pela internet ;-).
Thinkstock
Thinkstock

Nunca fui um bom aluno

Sempre é tempo de recuperar o estudo perdido. A bagagem é importante, mas não é um fator limitante. "Já tive casos de alunos que eram muito ruins, mas que conseguiram passar em medicina depois do estudar. Com disciplina eles se tornaram alunos brilhantes", relembra Azanha.
Facebook PreVestDáDeprê
Facebook PreVestDáDeprê

Tenho dificuldades para me concentrar

Mantenha tudo que possa atrapalhar desligado. Celular, televisão... tudo! Ter um bom local de estudo e fazer pausas a cada 1h também podem ajudar na concentração. "Não vai acontecer nada de muito relevante na face da terra em 2h que você não possa desligar", brinca Azanha.
Reinaldo Canato/UOL
Reinaldo Canato/UOL

Vou fazer apenas como um teste

Não use o vestibular apenas como teste. Para isso, existem os simulados e as provas anteriores. Treinando, o vestibulando ganha familiaridade com as provas e acaba acostumando seu corpo para a maratona de exercícios. Além do mais, isso não é desculpa para evitar os estudos.
Reprodução/Flickr/
Champpugsly
Reprodução/Flickr/Champpugsly

Tenho muitos compromissos

Os compromissos com a balada, com os aniversários, com o cuidado do cachorro são coisas que devem ser balanceadas com os estudos. Por mais que o vestibulando tenha tudo isso para fazer, ele precisa separar um tempo para as obrigações. É preciso ter atitude e disciplina.
Thinkstock
Thinkstock

Já tentei algumas vezes e não passei

Acredite que é possível. "Olhe para trás e verifique o que não deu certo. [Não passar no vestibular] Deve ser um trampolim para uma coisa melhor. Errou a estratégia? Errou a disciplina? Verifique o que pode funcionar", afirma o professor Azanha.
Rodrigo Capote/Folhapress
Rodrigo Capote/Folhapress

Não tenho dinheiro para pagar o cursinho

É complicado, mas a internet pode ajudar. Existem provas, simulados e aulas inteiras gratuitas. Aqui mesmo no UOL existe uma seção exclusiva para os vestibulandos onde você pode acessar roteiro de estudos, resumo de disciplinas, atualidades e ainda fazer simulados ;-).
Fernando Moraes/Folhapress
Fernando Moraes/Folhapress

Fiz escola pública. Não tenho chances

Não desista antes de tentar. Você terá que se esforçar muito? Provavelmente. Mas há chances, sim! "Eu sou prova viva. É possível. Existem alunos da escola pública que são excelentes. Você tem que querer", ressalta o professor Azanha.
Shutterstock
Shutterstock

Me sinto velho demais para o vestibular

Nunca é tarde para estudar e nem arriscar coisas novas. Acredite em você e no seu potencial. Você é capaz! "Onde está escrito que se tem que entrar na faculdade com 18 anos? Não tem lei. Tem aluno que entra com 17 e é frustrado", destaca Azanha.
Getty Images
Getty Images

Ainda não sei o curso que quero prestar

A primeira grande prova é o Enem e para ele não é preciso decidir o curso antecipadamente. Respire fundo e tenha calma. Continue com a rotina de estudos, tenha disciplina e pesquise assim que possível o curso (ou os cursos) que mais gosta para ajudar na decisão.
Getty Images
Getty Images


Não dá mais tempo de estudar

Os vestibulares estão chegando, mas dá tempo! Priorize a resolução das provas anteriores dos vestibulares. Assim, você consegue identificar as matérias que mais caem, rever as questões em que teve mais dificuldade e ainda se acostuma com a estrutura e com o tempo das provas.