domingo, 2 de agosto de 2015

Do latifúndio ao agronegócio. A concentração de terras no Brasil

Apenas no Mato Grosso, um dos principais polos do agronegócio no país, a má distribuição da terra é tem se tornado uma das principais causas de conflitos sociais.

A concentração desequilibrada de terras está na raiz da história brasileira. O antigo latifúndio, responsável pelas extensas propriedades rurais, "se renovou e hoje gerencia um moderno sistema chamado agronegócio", constata Inácio Werner, em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail. Segundo ele, apenas no Mato Grosso, um dos principais polos do agronegócio no país, a má distribuição da terra é evidente e tem se tornado uma das principais causas de conflitos sociais. No total, "3,35% dos estabelecimentos, todos acima de 2.500 hectares, detém 61,57% das terras. Na outra ponta, 68,55% dos estabelecimentos, todos até 100 hectares, somente ficam com 5,53% das terras".

Nos últimos 10 anos, 114 pessoas foram ameaçadas e seis foram assassinadas por combater o monopólio do campo. Na avaliação do sociólogo, o Estado não dispõe de uma política pública eficiente de proteção às vítimas porque é "forçado a tomar posição e enfrentar aliados".

Inácio José Werner é graduado em Ciências Sociais pelas Faculdades Integradas Cândido Rondon – Unirondon e especialista em Movimentos Sociais, Organizações Populares e Democracia Participativa pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Foi Agente de Pastoral da Paróquia do Rosário e São Benedito, e posteriormente da Comissão Pastoral da Terra – CPT. Atualmente, é coordenador do projeto Rede de intervenção social do Centro Burnier Fé e Justiça, com sede em Cuiabá. Atua na luta pela erradicação do trabalho escravo, coordena o Fórum de Erradicação do Trabalho Escravo e participa da Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo – Coetrae e do Conselho Gestor do Fundo de Erradicação do Trabalho Escravo – Cegefete. Integra ainda a coordenação do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento.

Confira a entrevista.

Qual a atual situação agrária do estado de Mato Grosso?

O latifúndio se renovou e hoje gerencia um moderno sistema chamado agronegócio, que controla as terras e a produção. Dados do último censo agropecuário de 2006 indicam que 3,35% dos estabelecimentos, todos acima de 2.500 hectares, detém 61,57% das terras. Na outra ponta, 68,55% dos estabelecimentos, todos até 100 hectares, somente ficam com 5,53% das terras.

Em que contexto social e econômico ocorrem os conflitos agrários no campo em Mato Grosso?Inácio Werner – A concentração das terras traz um reflexo direto para a agricultura familiar. Enquanto a média nacional de apropriação é de 33,92% dos recursos, em Mato Grosso esta fatia cai para 6,86%. Em outras palavras, 93,14% do bolo fica com a agricultura empresarial.

Dom Pedro Casaldáliga, em Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social, documento que completa 40 anos no dia 9 de outubro, já denunciava o conflito estabelecido pela ganância do latifúndio, que assalta e expropria comunidades e povos que viviam por gerações em sua terras, destacando as populações tradicionais como quilombolas, retireiros e povos indígenas.

Quais são as principais razões de ameaças no campo no estado? Quantas pessoas estão sendo ameaçadas, hoje, no Mato Grosso?

A principal causa de ameaça é a resistência na terra ou a luta pela conquista de um pedaço de chão. Também temos ameaças pela denúncia de venda de lotes destinados à reforma agrária, a denúncia de trabalho escravo, desmatamento ou venda de madeira, além do uso abusivo de agrotóxicos.

Segundo o caderno Conflitos da Comissão Pastoral da Terra, em Mato Grosso, entre 2000 e 2010, 114 pessoas foram ameaçadas, algumas mais de uma vez. Uma mesma pessoa chegou a ser ameaçada seis vezes. Deve-se ressaltar que, destas 114 pessoas, seis foram assassinadas. Nos últimos três meses recebemos mais cinco denúncias de ameaças de morte por lideranças ligadas à luta do campo.

Quem são os grupos econômicos e políticos que exercem hegemonia em Mato Grosso?

O latifúndio, rearticulado através do agronegócio, perpassa e influencia a quase totalidade dos partidos políticos em Mato Grosso. Uns representam o latifúndio e outros, o agronegócio.

Quem é Blairo Maggi? Qual é a sua real força política no estado? Como construiu seu poder econômico e político? E como ele se relaciona com o movimento social?

Blairo é da linha de frente do modelo do agronegócio, alguém que passou a ser porta voz de uma classe, captando muito bem o anseio dos latifundiários que, em vez de escolherem representantes, apostaram em quem era "um" dos seus.

Blairo, através do Grupo Amaggi (André Maggi, pai de Blairo) foi construindo seu "império" através da diversificação. Não investiu somente na modernização de seu latifúndio: além de rei da soja, ele compra, transporta, tem as barcaças, investe em portos, constrói PCHs (pequenas centrais hidroelétricas).

Blairo também se modernizou na relação com o movimento social. No início de seu governo, em 2003, dizia que no Mato Grosso não existia trabalho escravo. Depois, através da pressão dos movimentos sociais, assinou o Plano Estadual de Erradicação de Trabalho Escravo. Recebeu o prêmio "motosserra de ouro", e depois deu sinais buscando evitar a derrubada da mata.

Como o Partido dos Trabalhadores (PT) do estado reagiu ao fato de Maggi ser um dos principais apoiadores de Lula nas últimas eleições e agora de Dilma Rousseff?

A aliança entre PT e PPS e, depois, PR foi costurada em nível nacional e repetida no estado com pouca resistência; houve reações de setores minoritários.

Como repercutem as denúncias de corrupção do Ministério dos Transportes em Mato Grosso que tem em Pagot um dos personagens centrais e é um dos afilhados políticos de Maggi?

No Mato Grosso, a relação Pagot/Maggi é muito conhecida; eles estavam juntos nos dois mandatos do governo Maggi. A reação é pequena, pois a mídia repercute pouco e a relação de ambos é vista como mais um escândalo a se somar a tantos outros.

O Fórum de Direitos Humanos e da Terra – Mato Grosso propõe ao governo do estado a criação do Programa Estadual de Proteção à Testemunha. Como o governo mato-grossense recebeu essa proposta e qual sua expectativa em relação ao Programa?

O Fórum há anos insiste e faz articulação para que o governo estadual possa aderir aos programas federais de proteção. Estas tratativas de aderir esbarram em diversas desculpas, como as alegações de que não há dinheiro para a contrapartida, que isso iria requerer uma grande quantidade de policiais, que teria que haver leis para poder implantar os programas. Agora, pelo menos um primeiro passo parece ter sido dado à medida que se encontram previstos no PPA recursos para esta contrapartida.

O que dificulta, em sua opinião, a constituição de uma política pública eficiente de proteção às testemunhas

O que mais dificulta é o convencimento da importância desta política. O segundo fator é o medo de se comprometer, porque exige uma resposta do Estado. O Estado é chamado a agir sobre as causas das ameaças e, então, é forçado a tomar posição e enfrentar aliados.

Segundo a Comissão Pastoral da Terra – CPT, nos últimos 25 anos, 115 pessoas foram assassinadas em função dos conflitos do campo em Mato Grosso, e apenas três casos foram julgados. Como o senhor analisa a atuação do sistema judiciário brasileiro nesses casos de violência? Por que é difícil julgar os mandantes dos crimes?

A Justiça em nosso país não condena quem tem dinheiro e influência política. Com intermináveis recursos e manobras judiciais, os processos nunca vão a julgamento. Porém, a falha não está só no setor judiciário, à medida que os inquéritos são mal elaborados, muitas vezes propositalmente, para já nesta fase facilitar a absolvição do criminoso influente. Sem dúvida, a lentidão da Justiça contribui com a impunidade e, de certa maneira, incentiva o crime.

O Centro Burnier se constitui, hoje, na principal referência do movimento social do Mato Grosso? Quais são as outras organizações com quem vocês trabalham?

Não saberia dizer se o Centro Burnier é a principal referência. O que sei é nos esforçamos para uma mudança na forma de agir, sempre atuando em rede, reforçando espaços coletivos.

O desafio é criar uma rede forte em momento de fragilização dos movimentos sociais onde a luta pela sobrevivência de cada organização está ameaçada. Trabalhamos em várias frentes de luta, em parceria com algumas instituições, como a Comissão Pastoral da Terra, o Centro Pastoral para Migrantes, o Conselho Indigenista Missionário, as Comunidades Eclesiais de Base, o Centro de Estudos Bíblicos, a Operação Amazônia Nativa, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional, o Sindicato dos Profissionais da Educação, o Instituto Centro de Vida, além de setores organizados na Universidade Federal de Mato Grosso.



sexta-feira, 31 de julho de 2015

AS CRISES DA VIDA E A AUTOREALIZAÇÃO

''Nós vamos mor­rendo lentamente, em prestações, porque quando nascemos já começamos a morrer, a nos desgastar e nos despedir da vida.''

Quase só se fala de crise e crise das crises, aquela da Terra e da vida, ameaçadas de desaparecer como acenou o Papa Francisco em
sua encíclicas sobre “o cuidado da Casa Comum”. Mas tudo o que vive é marcado por crises: crise do nascimento, da juventude, da escolha do parceiro ou parceira para a vida, crise da escolha da profissão, crise do “demônio do meio-dia”como a chamava Freud que é a crise dos quarenta anos quando nos apercebemos que já estamos chegando ao topo da montanha e começa a sua descida. Por fim a grande crise da morte quando passamos do tempo para a eternidade.

O desafio posto a cada um não é como evitar as crises. Elas são inerentes à nossa condição humana. A questão é como as enfrentamos: que lições tiramos delas e como podemos crescer com elas. Por aí passa o caminho de nossa auto-realização e de nossa maturidade como seres humano ou de nosso fracasso.

Toda situação é boa, cada lugar é excelente para nos medirmos conosco mesmo e mergulharmos em nossa dimensão profunda e deixar emergir o arquétipo de base que carregamos (aquela tendência de fundo que sempre nos martela) e que através de nós quer se mostrar e fazer sua história que é também a nossa verdadeira história. Aqui ninguém pode substituir o outro. Cada um está só. É a tarefa fundamental da existência. Mas sendo fiel neste caminhar, a pessoa já não está mais só. Construíu um Centro pessoal a partir do qual pode se encontrar com todos os demais caminhantes. De solitário faz-se solidário.

A geografia do mundo espiritual é diferente daquela do mundo físico. Nesta os países se tocam pelos limites. Na outra, pelo Centro. É a indiferença, a mediocridade, a ausên­cia de paixão na busca de nosso EU profundo que nos distancia de nosso Centro e dos outros e assim perdemos as afinidades, embora estejamos ao lado deles, no meio deles e pretendendo estar a serviço deles.

Qual é o melhor serviço que posso prestar às pessoas? É ser eu mesmo como ser-de-relações e por isso sempre ligado aos outros, ser que opta pelo bem para si e para os outros, que se orienta pela verdade, ama e tem compaixão e misericórdia.

A realização pessoal não consiste na quantificação de capacidades pessoais que podem ser realizadas, mas na qualidade, no modo como fazemos bem aquilo que a vida situada nos cobra. A quanti­ficação, a busca de títulos, de cursos sem fim, pode significar em muitas pesoas a fuga do encontro com a tarefa de sua vida: de se medir consigo mesmo, com seus desejos, com suas limitações, com seus problemas, com suas positividades e negatividades e integrá-los criativamente. Foge no acúmulo do saber inócuo que mais ensoberbece e afasta dos outros do que nos amadurece para poder compreender melhor a nós mesmos e o mundo. A linguagem trái estas pessoas que dizem: sou eu que sei, sou eu que faço, sou eu que decido. É sempre o o eu e nunca o nós ou a causa, comungada também por outros.

A realização pessoal não é obra tanto da razão que discorre sobre tudo, mas do espírito que é nossa capacidade de criar visões de conjunto e de ordenar as coisas em seu justo lugar e valor. Espírito é descobrir o sentido de cada situação. Por isso é próprio do espírito a sabedoria da vida, a vivência do mistério de Deus, decifrado em cada momento. É a capacidade de ser todo em tudo o que faz. Espiritualidade não é uma ciência ou uma técnica, mas um modo de ser inteiro em cada situação.

A primeira tarefa da realização pessoal é aceitar a nossa situação com seus limites e possibilidades. Em cada situação está tudo, não quantitativamente distendido, mas qualitativamente recolhido como num Centro. Entrar nesse Centro de nós mesmos é encontrar os outros, todas as coisas e Deus. Por isso dizia a velha sabedoria da Índia: “Se alguém pensa corre­tamente, recolhido em seu quarto, seu pensamento é ouvido a milhares de quilômetros de distância”. Se quiseres modificar os outros, comece por modificar-te a ti mesmo.

Outra tarefa imprescindível para a realização pessoal é saber con-viver com o último limite que é a morte. Quem dá sentido à morte, dá sentido também à vida. Quem não vê sentido na morte também não descobre sentido na vida. Morte porém é mais que o último instante ou o fim da vida. A vida mesma é mortal. Em outras palavras, vamos mor­rendo lentamente, em prestações, porque quando nascemos começamos já a morrer, a nos desgastar e nos despedir da vida. Primeiro nos despedimos do ventre materno e morremos para ele. Depois nos despedimos da infância, da meninice, da juven­tude, da escola, da casa paterna, da idade adulta, de algumas de nossas tarefas, de cada momento que passa e por fim nos despedimos da própria vida.

Esta despedida é um deixar para trás não apenas coisas e situações, mas sempre um pouco de nós mesmos. Temos que nos desapegar, nos empobrecer e esvaziar. Qual o sentido disso tudo? Pura fatalidade irreformável? Ou não possui um sentido secreto? Despojamo-nos de tudo, até de nós mesmos no último momento da vida (morte), porque não fomos feitos para esse mundo nem para nós mesmos, mas para o Grande Outro que deve encher nossa vida: Deus! Deus vai, na vida, nos tirando tudo para nos reservar cada vez mais intensamente para si; pode até tirar-nos a certeza se tudo valeu a pena. Mesmo assim persistimos, crendo nas palavras sagradas:”Se teu coração te acusa, saiba que Deus é maior que teu coração”(cf. 1 Jo 3,20 ). Quem conseguir incorporar as negatividades, mesmo injustas, em seu próprio Centro, este alcançou o mais alto grau de hominização e de liberdade interior.

As negatividades e as crises pelas quais passamos, nos dão esta lição: de nos despojar e de nos preparar para a total plenitude em Deus. Então, como diz o místico Sâo João da Cruz: seremos Deus, por participação.

Leonardo Boff é colunista do Jornal do Brasil online, ecoteólogo e escritor.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

CHAPECÓ - PORQUE PRECISAMOS TROCAR ESSE GOVERNO LOCAL

Todo ente politico tem por compromisso assumir para si a responsabilidade fazer-se valer o voto recebido da maioria da população que o elegeu. - Mas quem de fato cumpre com essa prerrogativa? Quem de fato assume as irresponsabilidade cometidas? Quem responde com a verdade ao prestar contas de sua administração? 

Porque ir longe quando podemos usar de nossa experiência local para exemplificar as mentiras e atos de ludibriar o povo através do aparelhamento das instituições e veículos de informação sem compromisso ético com a verdade. 

Precisa verdade maior do que elencar ou ilustrar que todas as grandes obras realizada na cidade desde o ano de 2003 (sim todas) as grandes obras em Chapecó foram financiadas pelo Governo Federal e pequenas contrapartidas do Estado. Sem esses investimentos, 90% das grandes obras seriam apenas fotolitos e maquetes". - Se não acredita então conta comigo aqui as obras e cita as que ainda ficaram fora:

► ALIMENTAÇÃO:

1 - Restaurante Popular Centro;
2 - Restaurante Popular Efapi (Verba Liberada)

► SAÚDE:

3 - Hospital da Criança ( Materno Infantil )
4 - Implantação de uma UPA 24 Horas;
5 - Equipamentos para Hospital Regional e Ampliação de Espaços e Especialidades;

► EDUCAÇÃO:

6 - IFES Instituto Federal em Chapecó
7 - UFFS - Universidade Federal Fronteira Sul;
8 - Ensino Técnico Conveniado com o Sistema 'S' (Senai etc etc)

► INFRAESTRUTURA:

9 - Duplicação do Acesso a BR 282;
10 - Elevados e Passarelas no acesso a BR 282;
11 - Reformas no Aeroporto e Construção de Futura Estrutura Moderna;
12 - Investimento no Contorno Viário Leste

► ESPORTE:

13 - Ginásio de Esporte nos Bairros ( Convênio com Ministério do Esporte );
14 - Acadêmias ao ar Livre Praças ( Convênio com Ministério do Esporte );
16 - Centenas de Bolsa Atletas Conveniados;
17 - Patrocínios a Clube de Futebol Local (Caixa Econômica)

► HABITAÇÃO (Urbano e Rural):

18 - Minha Casa Minha Vida (Milhões investidos em Moradia em Chapecó);
19 - Moradias Rural: Unidades do Programa Nacional Habitação Rural;

► AGRICULTURA:

20 - Facilidade em crédito Rural;
21 - Incentivo em Programas mais Alimentos ( Máquinas e Implementos)

22; 23; 24 (...)

E O NOSSO IPTU?

Com o dinheiro de nosso IPTU aqui em Chapecó tem apenas obra de Maquete e TVBox alimentadas pela especialidade da mentira, arte apurada de quem esta a frente do governo. O destino de toda arrecadação simplesmente carece de claras explicações.

É HORA DE FOMENTAR O DEBATE, CRIAR O SENTIMENTO E PROPORCIONAR A MUDANÇA!


Neuri Adilio Alves - Professor Pesquisador, Graduado em Filosofia, Esp. Antropologia Filosófica Existencial - PUCCamp/SP - PUCPR.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

UMA DÉCADA DEPOIS: o santo me perdoe, relembrar é viver e aprender!

''Daquela experiência uma certeza, eu salvei o Santo de uma diabete.''

Neste domingo completo uma década que deixei a formação sacerdotal e uma bela lembrança me preenche a alma diante do sofrimento das pessoas que perderam tudo nessas semanas de chuva, enchentes e tempestades devastadoras.

Lembrei que enquanto seminarista na paróquia do Jardim Botânico em Curitiba/PR nos meses de maio, junho, julho recolhia dezenas de pequenos e médios Bolos Confeitados na porta da Igreja oferendados a Santo Antônio. Até que certa manhã no gelado mês de junho encontrei 7 pequenos Bolos com o santo amarrado e atolado no creme chantili.

O desamarrei olhei para o lados evitando assim ser julgado como um profano de túnica, olhei para o antiquário de gesso e resina, tive naquele momento a ultima conversa séria com ele dizendo: ''se tens todo esse poder entra em contato com suas virgens sacerdotisas, solteiras ou não e pede a elas que levem os Bolos para matar fome de quem tem fome e não para encher o olhos de quem tem a barriga cheia como eu.''

Relembro isso memorando as pessoas que agora sofrem dificuldades com tantas perdas e se existe um único meio de seremos retribuídos na vida é fazendo as doações para quem realmente precisa. Um bom tomista é o que tem a certeza que é preciso trazer para terra tudo o que foi levado para o céu - pois a vida é tão somente o que ocorre e fazemos por aqui!

Por fim, não sei quantas solteiras e solteiros deixei, mas ao recolher aqueles bolos uma certeza eu sei: 'salvei' o Santo Antônio de uma diabetes.

Prof. Neuri A² - Graduado em Filosofia, Esp. Antropologia Filosófica - PUCCamp/SP - PUC Curitiba/PR.

terça-feira, 14 de julho de 2015

PROFESSORES DE EDUCAÇÃO INFANTIL E SEUS ALUNOS NEGROS

"Nossa percepção é atravessada pela perspectiva eurocêntrica e essa condição estabeleceu na educação relações muito cruéis e desumanizadoras, que atingem adultos e crianças"

Em sua dissertação de Mestrado a Socióloga Ellen de Lima Souza analisa a percepção que professores de educação infantil têm de seus alunos negros. Buscando assim em seu trabalho contrabalançar a percepção que tende a atribuir às crianças negras uma condição de subalternidade de vítima.

Por Maria Marta Avancini 

Desde o século 19 crianças brancas e negras têm
tratamentos diferentes na primeira infância
Como professoras de edu­cação infantil percebem a infância de crianças negras? Em que medida suas experiências de formação influem nessa percepção? Essas perguntas foram o ponto de partida da pesquisa de mestrado da socióloga

Ellen de Lima Souza, realizada junto ao Centro de Educação e Ciên­cias Humanas da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Em seu estudo, Ellen constrói uma análise que busca aportar elementos para contrabalançar a percepção que tende a atribuir às crianças negras uma condição de subalternidade de vítima, a qual circula fortemente no campo social - inclusive entre educadores, fator de prejuízo para o desenvolvimento dessas mesmas crianças.

Segundo a pesquisadora, essa percepção é alimentada por um pensamento de matriz europeia, que foi o fundamento das políticas de assistência e de educação infantil no Brasil, marcadas pelo reforço das desigualdades entre crianças negras e brancas.

Na dissertação, a socióloga recorre a estudos anteriores para enfatizar que desde o século 19 as políticas de educação infantil no Brasil estabelecem distinções entre crianças negras e brancas: enquanto as primeiras eram atendidas em creches e asilos, os meninos de 3 a 6 anos frequentavam jardins da infância, concebidos, desde aquela época, como instituições educacionais.

Ao longo do tempo e, sobretudo no período recente, ocorreram avanços no campo da educação infantil, inclusive na incorporação das temáticas relacionadas às relações étnico-raciais, pontua Ellen. Apesar disso, diversas pesquisas (como os estudos de Eliane dos Santos Cavalleiro, professora da Universidade de Brasília) apontam para a persistência de uma desigualdade na maneira como crianças brancas e negras são tratadas e percebidas no ambiente escolar.

"Nossa percepção é atravessada pela perspectiva eurocêntrica e essa condição estabeleceu na educação relações muito cruéis e desumanizadoras, que atingem adultos e crianças", defende Ellen. "Assim, quando uma criança negra adentra a sala de aula, a condição de ser negro tende a superar sua condição etária de ser criança."


Percepções sobre crianças

Para investigar suas hipóteses, Ellen realizou uma pesquisa qualitativa com o objetivo de captar percepções de professoras de educação infantil sobre crianças negras. A coleta de dados foi realizada por meio de conversas aprofundadas com três professoras de uma instituição de educação infantil que atende servidores, professores e alunos da UFSCar.

Foram selecionadas docentes com pelo menos 15 anos de profissão e cujo trabalho evidencia um compromisso com a educação das relações étnico-raciais. Todas elas possuem, em seu currículo, mais de cem horas de formação nessa área e têm como marca de sua atuação profissional o combate ao racismo e a promoção da educação para as relações étnico-raciais, inclusive em artigos científicos e participações em eventos acadêmicos.

As conversas foram conduzidas entre 2010 e 2011 com o objetivo de fazer emergir "unidades de significado" expressas em percepções. Essas unidades de significado desvelam temas passíveis de serem agrupados em dimensões.

Desse modo, as conversas ocorreram em torno de três perguntas-chave: "Como você se formou professora de educação infantil?", "Como você foi construindo sua ideia sobre a infância negra?" e "Como você recebe a infância negra na instituição de ensino em que atua?".

Para analisar as percepções, a pesquisadora se baseou na fenomenologia do filósofo francês Maurice Merleau-Ponty. Segundo a fenomenologia, os seres humanos são compostos por corpos físicos e consciências que ganham significado nas relações vivenciadas por eles. "Ao construirmos nossa consciência, vamos construindo nossas percepções sobre o mundo e sobre os outros", explica Ellen na dissertação. Ou seja, as percepções não podem ser dissociadas das experiências de vida e das relações que uma pessoa estabelece com outras.

Inspirando-se na fenomenologia, Ellen buscou procedimentos para desenvolver uma análise compreensiva dos dados, bem como orientações para se aproximar das experiências vivenciadas pelas professoras que pudessem revelar suas percepções de infância relacionadas a crianças negras. O foco da análise recaiu sobre a forma como as professoras expressam o percurso que as tem levado a perceber, conhecer e compreender as condições nas quais se constrói a infância de crianças negras.

Assim, a partir das conversas, as percepções das professoras associadas às crianças negras foram traduzidas num conjunto de temas: formador, formando-se para/na educação infantil, vivências da própria infância, infância negra (negação e dúvida), criança negra presente, criança branca ausente, sentimentos racializados, marcos negros e marcas brancas.


A persistência dos estereótipos

A análise das percepções das professoras revelou que, apesar de elas terem aprendido nas formações que realizaram técnicas para educar para as relações étnico-raciais, tendem a perceber a infância de crianças negras de forma estereotipada.

Isso ocorre, segundo a socióloga Ellen, porque as percepções, perspectivas e expectativas de mundo das professoras investigadas são atravessadas por ideologias racistas, adultocêntricas e cristãs, entre outras, que percorrem a sociedade brasileira. Ao analisar os discursos das professoras, a pesquisadora encontrou elementos dessas ideologias em suas percepções sobre crianças negras e brancas na escola.

Segundo pesquisa, professores tendem a ver crianças
negras como vítimas em potencial
Ela também constatou que as professoras enxergam seus alunos a partir da perspectiva das crianças brancas em detrimento das negras, a despeito de suas trajetórias pautadas por muitas formações no campo das relações étnico-raciais. Por exemplo, as professoras tendem a se referir às crianças negras a partir da negação e da dúvida - apesar de adotarem uma prática pedagógica voltada à educação das relações étnico-raciais e de valorização da cultura africana e afro-brasileira.

"Elas falavam com muita propriedade de como as crianças negras não devem ser tratadas, sobre quem as crianças negras não são, sobre o que elas não têm e o que elas não fazem", analisa Ellen na dissertação.

Além disso, a criança negra tende a ser vista pelas professoras como uma vítima em potencial e como alguém cuja baixa autoestima é inerente à sua condição. Exemplo disso foi um episódio relatado por uma professora de uma menina negra que se arrastava pelo chão durante algumas atividades, levando-a a pensar que era preciso trabalhar a autoestima da criança. No entanto, a menina se comportava dessa maneira por ser míope, não enxergar e buscar ver as coisas mais de perto.

"O problema da criança era de ordem física, e o diagnóstico de baixa autoestima foi dado pela professora com base nas marcas brancas de suas experiências de vida. Ou seja, pelo fato de a criança ser negra a primeira percepção da professora era de que ela sofresse de baixa autoestima", analisa a autora na dissertação.


A formação como caminho
Para a pesquisadora, o problema central por trás desse tipo de percepção e prática pedagógica são os formatos oferecidos nas formações continuadas. "Elas se propõem de forma muito empobrecida a uma sensibilização das professoras. Em contrapartida, a pesquisa mostra que essas professoras já são sensibilizadas pelas próprias crianças em seu cotidiano."

Nesse sentido, defende Ellen, as formações que se propuserem a colaborar com a construção de uma educação justa, equânime e igualitária, têm de considerar os professores como intelectuais que produzem conhecimento, valorizando e incorporando seus saberes e práticas, ao invés de tratá-los como meros aplicadores de conceitos.

"À medida que seus saberes e experiências são valorizados e respeitados como conhecimento, eles passam a assumir-se como produtores de culturas", reitera a socióloga. "A partir daí, podem passar a reconhecer nas crianças negras aptidões, o que favorece a construção de parcerias entre eles, as próprias crianças e a comunidade, possibilitando que as crianças deixem de ser vistas como vítimas para serem consideradas produtoras de culturas."

Fonte: http://revistaeducacao.com.br

quarta-feira, 8 de julho de 2015

NA GRÉCIA A DIGNIDADE VENCEU A COBIÇA

''Uma lição para todos, também para nós: quando se trata de uma crise radical que implica os rumos futuros do país, deve-se voltar ao povo, portador da soberania política e confiar nele.''

Há momentos na vida de um povo em que ele deve dizer Não, para além das possíveis consequências. Trata-se da dignidade, da soberania popular, da democracia real e do tipo de vida que se quer para toda a população.
Há cinco anos que a Grécia se debate numa terrível crise econômico-financeira, sujeita a todo tipo de exploração, chantagem e até terrorismo por parte do sistema financeiro, especialmente de origem alemã e francesa. Ocorria uma verdadeira intervenção na soberania nacional com a pura e simples imposição das medidas de extrema austeridade excogitadas, sem consultar ninguém, pela Troika (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e o FMI).
Tais medidas implicaram uma tragédia social, face à qual o sistema financeiro não mostrava nenhum sentido de humanidade. “Salve-se o dinheiro e que sofra ou morra o povo”. Efetivamente desde que começou a crise ocorreram mais de dez mil suicídios de pequenos negociantes insolventes, centenas de crianças deixadas nas portas dos mosteiros com um bilhete das mães desesperadas:”não deixem minha criancinha morrer de fome”. Um sobre quatro adultos estão desempregados, mais da metade dos jovens sem ocupação remunerada e o PIB caiu 27%. Não passa pela cabeça dos especuladores que atrás das estatísticas se esconde uma via-sacra de sofrimento de milhões de pessoas e a humilhação de todo um povo. Seu lema é “a cobiça é boa”. Nada mais conta.
Os negociadores do novo governo grego de esquerda, do Syriza, com o primeiro ministro Alexis Tsipras e seu ministro da fazenda um acadêmico e famoso economista da teoria dos jogos Yanis Varoufakis que quiseram negociar as medidas de austeridade duríssimas encontraram ouvidos moucos. A atitude era de total submissão:”ou tomar ou deixar”. O mais duro era o ministro das Finanças alemão Wolfgang Sträuble: ”não há nada para negociar; apliquem-se as medidas”. Nem pensar numa estratégia do ganha-ganha, mas pura e simplesmente do ganha-perde. A disposição era de humilhar o governo de esquerda socialista, dar uma lição para todos os demais países com crises semelhantes (Itália, Espanha, Portugal e Irlanda).
A única saída honrosa de Tsipras foi convocar um referendo: consultar o povo sobre se diria um Não (OXI) ou um Sim (NAI). Qual a posição face à inflexibilidade férrea da austeridade que aparece totalmente irracional por levar uma nação ao colapso, exigindo uma cobrança da dúvida reconhecidamente impagável. O próprio Governo propôs a consulta e sugeriu o Não. Os credores e os governos da França e da Alemanha fizeram ameaças, praticaram um verdadeiro terrorismo nas palavras do ministro Varoufakis e falsificaram as informações como se o referendo fosse para ficar na zona do Euro ou sair, quando na verdade não se tratava nada disso. Apenas era de aceitar ou rejeitar o “diktat” das instituições financeiras europeias. A Grécia quer ficar dentro da zona do Europa.
A vitória de domingo dia 5 de julho foi espetacular para o Não: 61% contra 38% do Sim. Primeira lição: os poderosos não podem fazer o que bem entendem e os fracos não estão mais dispostos a aceitar as humilhações. Segunda lição: a derrota do Sim mostrou claramente o coração empedernido do capital bancário europeu. Terceiro, trouxe à luz a traição da Unidade Europia a seus próprios ideais que era a integração com solidariedade, com igualdade e com assistência social. Renderam-se à lógica perversa do capital financeiro.
A vitória do Não representa uma lição para toda a Europa: se ela quer continuar a ser súcuba das políticas imperiais norte americanas ou se quer construir uma verdadeira unidade europeia sobre os valores da democracia e dos direitos. O insuspeito semanário liberal Der Spiegel advertia que através da Sra. Merkel, arrogante e inflexível, a Alemanha poderia, já pela terceira vez, provocar uma tragédia europeia. Os burocratas de Bruxelas perderam o sentido da história e qualquer referência ética e humanitária. Por vingança o Banco Central Europeu deixou de subministrar dinheiro para os bancos gregos continuarem a funcionar e os obrigou a fechar.
Uma lição para todos, também para nós: quando se trata de uma crise radical que implica os rumos futuros do país, deve-se voltar ao povo, portador da soberania política e confiar nele. A partir de agora os credores e as inflexíveis autoridades do zona do Euro terão pela frente não um governo que eles podem aterrorizar e manipular, mas um povo unido que tem consciência de sua dignidade e que não se rede à avidez dos capitais. Como dizia um cartaz:”Se não morremos de amor, por que vamos morrer de fome”?
Na Grécia nasceu, pela primeira vez, a democracia mas de cunho elitista. Agora, nesta mesma Grécia, está nascendo uma democracia popular e direta. Ela será um complemento à democracia delegatícia. Isso vale também para nós no Brasil.
Um prognóstico, quiçá uma profecia: não estaria nascendo, a partir da Grécia, a era dos povos? Face às crises globais serão eles que irão às ruas, como entre nós e na Espanha e tentarão formular os parâmetros políticos e éticos do tipo de mundo que queremos para todos. Já não confiamos no que vem de cima. Seguramente o eixo estruturador não será a economia capitalista desmoronando, mas a vida: das pessoas, da natureza e da Terra. Isso realizaria o sonho do Papa Francisco em sua encíclica: a humanidade “cuidando da Casa Comum”.
Leonardo Boff é colunista do Jornal do Brasil on Line e ecoteólogo