quarta-feira, 8 de julho de 2015

NA GRÉCIA A DIGNIDADE VENCEU A COBIÇA

''Uma lição para todos, também para nós: quando se trata de uma crise radical que implica os rumos futuros do país, deve-se voltar ao povo, portador da soberania política e confiar nele.''

Há momentos na vida de um povo em que ele deve dizer Não, para além das possíveis consequências. Trata-se da dignidade, da soberania popular, da democracia real e do tipo de vida que se quer para toda a população.
Há cinco anos que a Grécia se debate numa terrível crise econômico-financeira, sujeita a todo tipo de exploração, chantagem e até terrorismo por parte do sistema financeiro, especialmente de origem alemã e francesa. Ocorria uma verdadeira intervenção na soberania nacional com a pura e simples imposição das medidas de extrema austeridade excogitadas, sem consultar ninguém, pela Troika (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e o FMI).
Tais medidas implicaram uma tragédia social, face à qual o sistema financeiro não mostrava nenhum sentido de humanidade. “Salve-se o dinheiro e que sofra ou morra o povo”. Efetivamente desde que começou a crise ocorreram mais de dez mil suicídios de pequenos negociantes insolventes, centenas de crianças deixadas nas portas dos mosteiros com um bilhete das mães desesperadas:”não deixem minha criancinha morrer de fome”. Um sobre quatro adultos estão desempregados, mais da metade dos jovens sem ocupação remunerada e o PIB caiu 27%. Não passa pela cabeça dos especuladores que atrás das estatísticas se esconde uma via-sacra de sofrimento de milhões de pessoas e a humilhação de todo um povo. Seu lema é “a cobiça é boa”. Nada mais conta.
Os negociadores do novo governo grego de esquerda, do Syriza, com o primeiro ministro Alexis Tsipras e seu ministro da fazenda um acadêmico e famoso economista da teoria dos jogos Yanis Varoufakis que quiseram negociar as medidas de austeridade duríssimas encontraram ouvidos moucos. A atitude era de total submissão:”ou tomar ou deixar”. O mais duro era o ministro das Finanças alemão Wolfgang Sträuble: ”não há nada para negociar; apliquem-se as medidas”. Nem pensar numa estratégia do ganha-ganha, mas pura e simplesmente do ganha-perde. A disposição era de humilhar o governo de esquerda socialista, dar uma lição para todos os demais países com crises semelhantes (Itália, Espanha, Portugal e Irlanda).
A única saída honrosa de Tsipras foi convocar um referendo: consultar o povo sobre se diria um Não (OXI) ou um Sim (NAI). Qual a posição face à inflexibilidade férrea da austeridade que aparece totalmente irracional por levar uma nação ao colapso, exigindo uma cobrança da dúvida reconhecidamente impagável. O próprio Governo propôs a consulta e sugeriu o Não. Os credores e os governos da França e da Alemanha fizeram ameaças, praticaram um verdadeiro terrorismo nas palavras do ministro Varoufakis e falsificaram as informações como se o referendo fosse para ficar na zona do Euro ou sair, quando na verdade não se tratava nada disso. Apenas era de aceitar ou rejeitar o “diktat” das instituições financeiras europeias. A Grécia quer ficar dentro da zona do Europa.
A vitória de domingo dia 5 de julho foi espetacular para o Não: 61% contra 38% do Sim. Primeira lição: os poderosos não podem fazer o que bem entendem e os fracos não estão mais dispostos a aceitar as humilhações. Segunda lição: a derrota do Sim mostrou claramente o coração empedernido do capital bancário europeu. Terceiro, trouxe à luz a traição da Unidade Europia a seus próprios ideais que era a integração com solidariedade, com igualdade e com assistência social. Renderam-se à lógica perversa do capital financeiro.
A vitória do Não representa uma lição para toda a Europa: se ela quer continuar a ser súcuba das políticas imperiais norte americanas ou se quer construir uma verdadeira unidade europeia sobre os valores da democracia e dos direitos. O insuspeito semanário liberal Der Spiegel advertia que através da Sra. Merkel, arrogante e inflexível, a Alemanha poderia, já pela terceira vez, provocar uma tragédia europeia. Os burocratas de Bruxelas perderam o sentido da história e qualquer referência ética e humanitária. Por vingança o Banco Central Europeu deixou de subministrar dinheiro para os bancos gregos continuarem a funcionar e os obrigou a fechar.
Uma lição para todos, também para nós: quando se trata de uma crise radical que implica os rumos futuros do país, deve-se voltar ao povo, portador da soberania política e confiar nele. A partir de agora os credores e as inflexíveis autoridades do zona do Euro terão pela frente não um governo que eles podem aterrorizar e manipular, mas um povo unido que tem consciência de sua dignidade e que não se rede à avidez dos capitais. Como dizia um cartaz:”Se não morremos de amor, por que vamos morrer de fome”?
Na Grécia nasceu, pela primeira vez, a democracia mas de cunho elitista. Agora, nesta mesma Grécia, está nascendo uma democracia popular e direta. Ela será um complemento à democracia delegatícia. Isso vale também para nós no Brasil.
Um prognóstico, quiçá uma profecia: não estaria nascendo, a partir da Grécia, a era dos povos? Face às crises globais serão eles que irão às ruas, como entre nós e na Espanha e tentarão formular os parâmetros políticos e éticos do tipo de mundo que queremos para todos. Já não confiamos no que vem de cima. Seguramente o eixo estruturador não será a economia capitalista desmoronando, mas a vida: das pessoas, da natureza e da Terra. Isso realizaria o sonho do Papa Francisco em sua encíclica: a humanidade “cuidando da Casa Comum”.
Leonardo Boff é colunista do Jornal do Brasil on Line e ecoteólogo

segunda-feira, 29 de junho de 2015

ESPAÇOS DE VIDA

O imaginar o senhor não pode, como foi que eu achei gosto naquela comida, às ganas, que era: de feijão, carne-seca, arroz, maria-gomes e angu. Ao que bebi água, muita (...).

*Por Patrus ananias

A epígrafe cita Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, mas referências da fartura à mesa nativa poderiam ser colhidas em tantas outras obras da nossa literatura.

O melhor da nossa prosa nutre-se da variedade de alimentos que produzimos. Para que germinem cada vez mais saudáveis, a presidenta Dilma Rousseff anuncia o Plano Safra da Agricultura Familiar 2015-16 nesta segunda-feira (22).

Resumir a agricultura familiar à produção de alimentos é muito, mas não é tudo. Cerca de 70% do que chega às mesas dos brasileiros provém da agricultura familiar - 70% do feijão (que Riobaldo saboreou com “ganas”), 83% da mandioca, 69% das hortaliças, 58% do leite, 51% das aves.

Se ela provisiona segurança alimentar, atestada pela ONU (Organização das Nações Unidas), também nos proporciona alimentos saudáveis, cada vez com menos agrotóxicos. Enquanto alimenta reduz nossa dependência de alimentos importados e contribui no controle da inflação. Ou seja, traz segurança macroeconômica.

Assim como brotam refeições das lavouras de 4,3 milhões de estabelecimentos da agricultura familiar (84% do total), vicejam em suas leivas farta riqueza, que gera distribuição de renda, que protege a biodiversidade, que mantém a juventude no meio rural. Que tece espaços de vida.

Espaços estimulados pelo governo federal. Os R$ 2,4 bilhões do Plano Safra da Agricultura Familiar 2002-03 saltaram para R$ 24,1 bilhões em 2014-15 - dez vezes mais.

Esse incentivo, que será maior em 2015-16, vem de políticas públicas como o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), dão segurança a quem produz, apoiam a comercialização e agregam valor à agricultura familiar dinâmica. É vital à economia, pois responde por 74% dos postos de trabalho nos campos país adentro - o dobro do que gera a construção civil.

O imaginário do agricultor que calca o berço onde joga a semente à espera do orvalho que a faz germinar vai se evanescendo dos roçados. Entre 2008, primeiro ano da linha de crédito Mais Alimentos, e 2014, a venda de Folha de S. Paulo, 22 de junho de 2015, tratores destinados à agricultura familiar dobrou - alcançando 20.388 unidades, 31% do total produzido no Brasil.

O arado, esteio da agricultura por milênios, vai cedendo à tecnologia, aumentando a produtividade no campo e a produção industrial.

Essa imensa cadeia produtiva não se espraia apenas por rincões e querências afastados. A nova ruralidade, que abriga o conceito de territórios, engloba 4.963 municípios. O território rural, que integra campo e cidade, agrega-se pela coesão e identidade cultural, social e econômica.

Esses programas de desenvolvimento rural são coordenados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário em parceira com outros entes do governo federal. Políticas que buscam restringir os flagelos aos compêndios históricos, como o que as pesquisadoras Heloisa Starling e Lilia Schwarcz descrevem em seu alentado Brasil: uma biografia.

Com base em obra do jesuíta André João Antonil, a dupla descreve o desastre famélico entre os séculos 17 e 18 nos sertões mineiros. "Deslumbrados" pelo tesouro que brotava das minas, aventureiros morreram "com as mãos cheias de ouro", já que se esqueceram de plantar "mandioca, feijão, abóbora e milho".

Assim, o Plano Safra da Agricultura Familiar significa mais do que alimento na mesa dos brasileiros. Representa a agroecologia, a diversificação no plantio, o desenvolvimento territorial, a cultura preservada, a qualidade de vida, os mananciais resguardados, a geração de energia, a redução da pobreza, o desenvolvimento interiorizado, o crescimento econômico com sustentabilidade.

Representa a convivência solidária entre o campo e a cidade.

* PATRUS ANANIAS, 63, professor da PUC-MG, é ministro do Desenvolvimento Agrário.

Fonte: http://www.mda.gov.br

segunda-feira, 22 de junho de 2015

FUNÇÃO SOCIAL DA FILOSOFIA E A ESCOLA

''A filosofia tem um programa de realização no mundo e se o filósofo não possui o desejo de mudança, transformação frente ao mundo em que vive ele precisa buscar outro lugar no mundo intelectual."

Filosofia é uma unidade prática fundamentada na práxis – é fundamentalmente critica. Ela deve ser o elemento essencial de todo estudante universitário, de todo cidadão fazendo dela uma ferramenta contra o mundo alienador e suas ideologias. Para além de todos os prejuízos, as frágeis críticas quanto a sua efetividade e aplicação no meio social, a filosofia deve ser vista sim como um esforço rigoroso de pensamento. Porque filosofar significa problematizar e sendo ela uma paixão pela verdade precisamos nós viver apaixonados por ela.

'A filosofia tem um programa de realização no mundo e se o filósofo não possui o desejo de mudança, transformação frente ao mundo em que vive ele precisa buscar outro lugar no mundo intelectual.' Não faz sentido um pensador derrotado nas suas curiosidades e inquietudes em relação ao mundo onde vive. Porque viver é por si só questionar-se sobre o mundo e suas relações – eximir-se a esse exercício e morrer como homem, como história, como práxis.

Ser filósofo é romper e admirar-se pelos desejos de criar problemas, no sentido de problematizar realidades. Sem esquecer que além de ajudar na libertação dos homens as estruturas que o aprisionam, a filosofia deve ter a função social também de dizer a todos que nem tudo esta perdido, sendo anunciadora de esperança. E aqui todo intelectual que se presa tem sempre um inimigo a combater, porque o poder é o problema filosófico por excelência, por isso seria muita ingenuidade não querer adquirir e admitir esse posicionamento frente ao mundo em que se vive. 

Se ao filósofo cabe a tarefa de interpretar o mundo, cabe também a necessidade de contribuir na transformação do mesmo. Por isso o tempo para pensar, para refletir é necessário, pois pode uma pessoa ser competentíssima no automatismo de tudo o que faz, mas se deixar transformar numa simples máquina de trabalho parece condenar à inanição, inutilizando um órgão que nos custou milhões de anos para ficar pronto e aperfeiçoado que é o nosso cérebro.

O papel da escola é formar pensadores, agentes da transformação, cidadãos capazes de produzir, debater e propor um novo mundo. Capazes de dizer que nem tudo esta perdido porque o caminho do novo é germinação constante no solo fértil do pensamento. Mas tem que ser solo produtivo, cultivado, revirado, mexido como mexem as forças da natureza sobre a matéria. 

A escola provocadora e promotora do novo deve nascer desse propósito, que não exige excelência de espaço, mas excelência no estimulo da leitura, da curiosidade, do respeito com o diferente, no sonho pelo novo e no inadiável e irrecusável exercício do pensar. E neste, a filosofia pode ser uma coluna que perpassa todas as disciplinas estimulando a busca pelo saber, provocando a curiosidade que nos faz diferentes e seres de acúmulo. 

A escola não é só filosofia, mas filosofia é toda escola, é laboratório da razão, substância primordial e ferramenta para ontem, hoje, amanhã e o depois – é Eu, Você e todos os vir-a-Ser, porque ser humano por excelência é ser agente do pensar, filósofo por natureza!


Neuri Adilio Alves - Professor, Pesquisador, Graduado em Filosofia PUC/PR, Esp. Antropologia Filosófica PUCCamp/SP - Assessor de Formação FetraSUL

sábado, 20 de junho de 2015

O TIPO MACHÃO CARTESIANO

''O macho cartesiano é um homem em contradição consigo mesmo com o mundo e com futuro comprometido, pois chegamos ao limite de certos estereótipos.''


Com olhos no mundo, ouvido aguçado e boca afiada me torno chato, nem eu me aguento mais! Somando os excessos e calculando o produto vou falar aos amigos de longa vida - 'aqueles machos em excessos' - que tem aversão a qualquer elogio ao sexo masculino, porque isso seria diminuir a própria testosterona. Tipo assim:
'macho que é macho não vê qualidade em outro macho'. 
Afinal é possível um macho cartesiano, pontual, dicotômico? Talvez sim, desde a infância eu os escuto, tipo manifestar aversão as qualidades de outros homens como amigos, colegas e até familiares. Mas, curiosamente chegam na fase adulta e se tornam apaixonados pelas lutas de UFC por exemplo, e seus maiores gladiadores. Aquelas onde dois 'machos' disputam mais do que grandes prêmios, técnicas e golpes. Disputam diferenças de adrenalinas, egos inflados, força muscular, definição de corpo, testosterona, sangue e limites. 

Neste interim entra em cena a navalha que corta e pergunta: Afinal de que masculinidade emerge a aversão as qualidades presentes num outro 'macho qualquer': da insegurança, arrogância, prepotência ou ignorância? 

É para pensar, afinal nenhuma masculinidade se afirma pela lógica da força, agressividade, capacidade de beber, consumir drogas, disputar território e quantas mulher se pega numa noite. 

O homem se afirma pelos valores sedimentados primeiro para respeitar a si mesmo e consequentemente aos outros como a si mesmo (imperativo) - quando falta coerência e respeito a si mesmo faltará em toda circulo social de relações que o cerca. E aqui na totalidade a lei não tem efeito, as opiniões contrárias são recebidas como afrontas, as mulheres se tornam vitimas da violência e nem um milagre salva. 

O macho cartesiano é um homem em contradição consigo mesmo com o mundo e com futuro comprometido pois chegamos ao limite de certos estereótipos. Escolha e mudança são sempre projetos pessoais, ninguém pode fazer por outro!!!

Neuri A. Alves - Professor Pesquisador

sexta-feira, 19 de junho de 2015

DOIS MITOS E UM PARECER

O dia em que Rubem salvou Paulo da burocracia educacional.

Dois mitos e um parecer. Arquivo Central /Siarq/Unicamp. Agradecimento: Daniel dos Santos Prado, Dedoc Editora Abril
O famoso "não parecer" de Rubem Alves: homenagem a Freire, crítica à Unicamp
Acesse aqui o parecer em tamanho maior
Em 6 de junho de 1979, após 15 anos no exílio, Paulo Freire pôde voltar a pisar em solo brasileiro. O desembarque, ainda antes da anistia (que só sairia dois meses depois), ganhou contornos de ato público, reunindo estudantes, políticos e intelectuais no aeroporto. Teria contado a favor do educador uma carta enviada ao Ministério das Relações Exteriores por representantes da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), manifestando o interesse de ambas em contratá-lo. Emocionado, Freire declarou ao jornal O Globo que não queria emitir opinião sobre os temas sensíveis ao país naquele momento. Precisava, antes de tudo, reaprender o Brasil.

Não seria necessário muito tempo para perceber que a aprendizagem incluiria uma descida ao labirinto da burocracia pública. A promessa da Unicamp se realizaria apenas mais de um ano depois. Diante da pressão de alunos e professores, a reitoria usava a falta de recursos para justificar a demora. Com a aposentadoria de uma docente, isso já não era mais desculpa. Assim, em 9 de junho de 1980, Paulo Freire começou a lecionar na Faculdade de Educação.

Mas a novela para a contratação do maior nome da Educação brasileira apenas começava. O desfecho veio só em 1985, e ganhou projeção graças ao genial parecer de Rubem Alves a favor de Freire. Até lá, o educador pernambucano viveu em uma espécie de limbo contratual.

Na época, a Unicamp ainda não realizava concursos públicos. Os docentes eram admitidos por indicação e passavam um período probatório até a efetivação. A chegada do autor da Pedagogia do Oprimido animou a comunidade acadêmica. "As primeiras palestras do professor eram verdadeiros happenings, chegando a reunir mais de 500 pessoas", afirma Eduardo Chaves, ex-diretor da Faculdade de Educação e responsável pela abertura do processo de contratação de Paulo Freire. "Para os alunos, foi um grande ganho a universidade ter nos seus quadros um educador com reconhecimento internacional. Me lembro da euforia e da disputa para conseguir uma vaga em suas aulas", conta Debora Mazza, ex-aluna de Freire e professora do Departamento de Ciências Sociais e Educação. O método dialógico das aulas, que pressupunha envolvimento ativo por parte dos alunos, atendia a um anseio de participação que extrapolava as questões didáticas e assumia uma conotação política - vivia-se o declínio do período ditatorial com a "distensão lenta, gradual e segura" promovida por Ernesto Geisel.

A contratação de Freire pode ter sofrido reverberações desse processo. Em 1981, mesmo sem contrato definitivo, ele havia sido o mais votado pela comunidade acadêmica para ser reitor - era a primeira vez que uma universidade brasileira recorria ao processo democrático para escolher seu dirigente máximo. A preferência, entretanto, foi solenemente ignorada pelo conselho diretor (colegiado dos diretores das unidades e representantes do governo do estado) e por Paulo Maluf, então governador de São Paulo, que dava a palavra final. Sob protestos de representantes dos corpos docente e discente, Maluf ratificou a escolha de José Aristodemo Pinotti, da Faculdade de Ciências Médicas.

Engavetado até 1982, o dossiê de contratação foi retomado sob exigências kafkianas. Uma obscura Seção de Registros e Arquivos do Corpo Docente solicitou o "plano de pesquisa do interessado" - apesar de ele dar aulas na instituição há dois anos - e pediu a revalidação interna do diploma de livre-docência de Freire pela atual Universidade Federal de Pernambuco, obtido por notório saber em 1961. Não importavam seus quatro títulos de doutor honoris causa, seus mais de dez livros publicados em diversos idiomas, sua atuação como professor nas universidades de Harvard e de Genebra ou os cursos e seminários conduzidos em cerca de 40 instituições de ensino superior ao redor do mundo. A burocracia amontoava exigências. A última foi a chancela de uma "comissão de notáveis" à trajetória do educador. Entre os pareceristas indicados estava Rubem Alves.

Teólogo, filósofo, poeta e escritor, Alves ocupava desde 1974 a cadeira de professor titular na Unicamp. Suas crônicas na imprensa e a originalidade de seu pensamento acadêmico cultivavam admiradores entre os estudantes de pedagogia e docentes da Educação Básica. O caráter popularizador de seus escritos conquistava a plateia, mas era visto com ressalvas pela academia. "Muitos diziam que ele era um teólogo escrevendo sobre Educação, mas ele botou o dedo em quase todas as feridas da área", opina Chaves.
Dois mitos e um parecer. Arquivo Central /Siarq/Unicamp. Agradecimento: Daniel dos Santos Prado, Dedoc Editora Abril
Já em 1980, a ordem de despesa indicava que havia dinheiro para a contratação
Dois mitos e um parecer. Arquivo Central /Siarq/Unicamp. Agradecimento: Daniel dos Santos Prado, Dedoc Editora Abril
Mais comedidos, os outros dois pareceres da comissão também respaldam Freire
Os três pareceristas foram favoráveis à efetivação do "candidato" Freire (leia trechos de dois deles acima). O que distingue o texto de Alves é o tom de inconformismo. Na prática, ele se nega a dar um parecer e faz, na linguagem simples e contundente de seus escritos, um libelo contra a burocracia. "Há (...) certas questões sobre as quais emitir um parecer é quase uma ofensa", pontua. Dá a discussão por encerrada com uma provocação: "Não posso pressupor que este nome (Freire) não seja conhecido na Unicamp. Isso seria ofender aqueles que compõem seus órgãos decisórios". Da data de redação do parecer até a publicação da contratação no Diário Oficial, um ano se passou.

O documento teve circulação restrita até dezembro de 2014, quando apareceu no periódico Pro-posições, que dedicou uma edição para discutir o legado da obra de Freire. Apenas os envolvidos e pessoas próximas aos educadores tiveram acesso a ele na época. "É um parecer muito bonito. Foi importante para marcar essa antipatia que tiveram por Paulo e pelo pensamento dele. A rejeição na Unicamp foi uma questão ideológica", opina Ana Maria Araújo Freire, professora aposentada da PUC-SP e viúva do educador.

Pessoas ligadas aos professores enxergam semelhanças de estilo. "Eles eram muito heterodoxos. A academia é muito ortodoxa. Então, eu acho que a resistência a eles vem da dificuldade de circunscrevê-los em gavetas estritas da linhagem acadêmica", opina Debora. Outra característica compartilhada era a radicalidade de suas ideias. "Eu coloco ambos dentro dessa perspectiva emancipatória da Educação", diz Moacir Gadotti, professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP) e presidente de honra do Instituto Paulo Freire, que fora seu colega na Unicamp. "A ideia de que Educação tem a ver com projeto de vida, com a construção da liberdade, da autonomia e da independência é o ponto de sintonia das obras dos dois", completa Chaves. Além do insólito encontro promovido pelos meandros da burocracia, o caráter e a produção dos pensadores também são referências para aqueles que ousam em pensar numa Educação transformadora.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

10 e-books gratuitos para quem trabalha com educação

Títulos abordam temas como educação infantil, uso de tecnologia na sala de aula, políticas públicas e pesquisas científicas.


Eles não têm o velho charme nem aquele familiar cheiro de papel, mas para quem busca praticidade, os livros online podem ser bons aliados na hora de investir na atualização profissional. Na área da educação, há diversos e-books disponíveis gratuitamente que contribuem tanto para a atuação quanto para a formação docente. Assim, selecionamos dez títulos que abordam temas como educação infantil, uso de tecnologia na sala de aula, políticas públicas e pesquisas científicas. Os livros podem ser baixados na web no formato PDF ou em smartphones, via PlayStore.


1. Aprendizagem e comportamento humano (Imprima aqui)

Tendo como cenário a inclusão social e escolar, o livro trata dos processos de aprendizagem e comportamento na vertente pedagógica e clínica.

Autores: Tânia Gracy Martins do Valle; Ana Cláudia Bortolozzi Maia
Páginas: 225
Editora: Unesp

2. Tecnologias digitais na educação (imprima aqui)

O livro é uma compilação de artigos que resultaram das monografias da primeira turma do curso de Especialização em Novas Tecnologias na Educação. Entre os temas tratados estão vídeos e jogos digitais, a tecnologia a serviço da inclusão e tutoria na educação a distância.

Autores: Robson Pequeno de Souza; Filomena M. C. da S. C. Moita; Ana Beatriz Gomes Carvalho
Páginas: 276
Editora: Eduepb

3. Educação universitária: práxis coletiva em busca de veraz qualidade e de precisa cientificidade (imprima aqui)

Composto por seis capítulos, o e-book aborda a prática sócio-seletivista da universidade, problematiza a qualidade e a cientificidade da educação universitária e apresenta um estudo de caso da educação universitária em Barreiras e no extremo-oeste da Bahia.

Autor: Pedro Bergamo
Páginas: 296
Editora: Eduepb

4. Educação e contemporaneidade: pesquisas científicas e tecnológicas (imprima aqui)

Os desafios que a contemporaneidade apresenta para a formação dos profissionais da educação é o tema central do livro, que trata também da atualidade do pensamento de Freinet, Vigotsky e Paulo Freire.

Autores: Antônio Dias Nascimento; Tânia Maria Hetkowski
Páginas: 400
Editora: Edufba
5. Ciência, universidade e ideologia: a política do conhecimento (imprima aqui)

Estão presentes no livro assuntos como ciência, tecnologia, tecnocracia e democracia; política científica; universidade, ciência e subdesenvolvimento; e espaço acadêmico.

Autor: Simon Schwartzman
Páginas: 142
Editora: Centro Edelstein

6. Políticas públicas para a educação infantil no Brasil (1990-2001) (imprima aqui)

Marcado por intensas reformas educacionais, o período de 1990 a 2001 é investigado no livro pela perspectiva do discurso veiculado na imprensa e na forma como os professores-leitores aprenderam esse discurso.

Autores: Jani Alves da Silva Moreira; Angela Mara de Barros Lara
Páginas: 246
Editora: Eduem

7. Educação infantil: discurso, legislação e práticas institucionais (imprima aqui)

Focado na educação infantil como um dos direitos da criança, o e-book trata de políticas públicas para a infância, analisando as concepções de criança, seus direitos e educação infantil.

Autor: Lucimary Bernabé Pedrosa de Andrade
Páginas: 193
Editora: Unesp

8. Necessidades formativas de professores de redes municipais: contribuição para a formação de professores crítico-reflexivos (imprima aqui)
Considerando fundamental o protagonismo dos professores na inserção de mudanças nas práticas e nos currículos escolares, os autores trabalharam com uma amostra de 533 docentes, indicando propostas para efetivação de políticas de formação contínua.

Autores: Cristiano Amaral Garbaggi Di Giorgi; Monica Fürkotter; Yoshie Ussami Ferrari Leite; Vanda Moreira Machado Lima; Naiara Costa Gomes de Mendonça; Maria Raquel Miotto Morelatti
Páginas: 139
Editora: Unesp

9. Complexidade da formação de professores: saberes teóricos e práticos (imprima aqui)

Com base em pesquisas desenvolvidas a partir dos anos 1990, o livro preocupa-se com a formação e a atuação docente, partindo da racionalidade da constituição do trabalho docente em sala de aula.

Autor: Marilda da Silva
Páginas: 114
Editora: Unesp

10. Pesquisa em educação escolar: percursos e perspectivas (imprima aqui)

Os grandes temas do livro são a responsabilidade e o compromisso da escola com o mundo em que vivemos. A partir disso, os autores tratam de políticas públicas, formação de professores, valores e educação, e práticas educativas.

Autores: José Milton de Lima; Divino José da Silva; Paulo Cesar de Almeida Raboni
Páginas: 357
Editora: Unesp


Fonte: http://revistaeducacao.uol.com.br

O LABIRINTO DE BACHELET

Na reta final para aprovar a prometida reforma educacional, que prevê agora a reestruturação do magistério, a presidente do Chile enfrenta uma dura batalha, no Congresso e na opinião pública.


A presidente Michelle Bachelet: seu governo vive um cenário de total
isolamento social, sem apoios para a reforma educaciona
l
Na última semana de março, estreou no Chile o filme Allende em seu labirinto, do cineasta Miguel Littin. Uma história conhecida: o ex-presidente Salvador Allende (1970-1973) enfrenta as últimas horas do seu governo e de sua vida sob o bombardeio de caças da Força Aérea chilena contra o Palácio de La Moneda, durante o golpe de Estado de 11 de setembro de 1973.

Comparar a queda de Allende com a situação atual da presidente Michelle Bachelet seria um claro exagero, mas o termo usado no título do filme pode ser considerado adequado para fazer uma metáfora sobre o momento da presidente, que trabalha no projeto mais importante de seu programa de governo: a reforma educacional.

O enredo da história de Bachelet é diferente, pois o labirinto de Allende não tinha saída, e o da atual presidente tem muitas. Não foi assim no começo, quando o governo tomava o rumo, que parecia natural, de abraçar as demandas do Movimento Estudantil e fazer uma reforma baseada essencialmente no anseio das ruas.


Fonte: http://revistaeducacao.uol.com.br

terça-feira, 16 de junho de 2015

OS CUSTOS DO INEFICIENTE SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

"A cadeia é uma forma cara de tornar as pessoas piores", diz socióloga

“Quando vejo o Congresso Nacional se movimentando para reduzir a responsabilidade penal no país para 16 anos, não posso deixar de pensar que se está apostando no pior. Quando começarmos a mandar nossos jovens de 16 e 17 anos para cumprir penas nas celas fétidas e superlotadas do sistema penitenciário brasileiro, convivendo com criminosos experientes e perigosos, certamente estaremos vivendo no pior dos mundos.” 

Por Léa Maria Aarão Reis, na Carta Maior


Socióloga comenta mais uma tentativa de reduzir a
maioridade penal no país.
A socióloga Julita Lemgruber é a autora deste fragmento de artigo publicado na mídia, há 13 anos. O que reforça a ideia de que o tema da redução da maioridade penal vem de longe e é recorrente. De tempos em tempos, com o estímulo de algum episódio trágico, de alta violência, algum crime perpetrado contra a vida de integrante da classe média, em geral por adolescentes ou jovens pobres e negros, na Zona Sul do Rio de Janeiro, as forças conservadoras e retrógradas se movimentam para pedir a mudança, como ocorre agora, em mais uma investida da cunha que a bancada da bala aliada à bancada evangélica, na Câmara dos Deputados, vem forçando introduzir praticamente à força, na legislação brasileira.

Setenta anos de idade, Julita, mãe de três filhos, autora de diversos livros sobre segurança pública*, ocupou diferentes cargos no serviço público. Diretora Geral do turbulento Sistema Penitenciário do estado do Rio de Janeiro, nos anos 90, membro titular do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e Ouvidora de Polícia entre 1999 e 2000, atualmente ela é a coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes e membro do Conselho Diretor do International Drug Policy Consortium, ONG baseada em Londres.

A Dra. Lemgruber é uma das mais conhecidas e respeitadas autoridades nas pesquisas e estudos em área da segurança pública, justiça e cidadania. Já sofreu um atentado quando dirigia o sistema penitenciário do Rio de Janeiro e conhece profundamente, há mais de 20 anos, a engrenagem que rege esse universo. Destemida, em certa ocasião enfrentou 400 presos, sozinha, sem qualquer proteção, conversando com eles em um anfiteatro de instituição carcerária carioca. Quando terminou, a greve também acabou. Uma das frases preferidas de Julita é a de um ex-ministro da Justiça britânico, Thomas Hurd: ”A cadeia é uma forma cara de tornar as pessoas piores.”

Na sua entrevista a Carta Maior ela comenta mais uma tentativa de reduzir a maioridade penal no país.

O que está por detrás dessa votação?
Defender a redução da maioridade penal num país como o Brasil, que tem uma legislação como o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) o qual jamais saiu inteiramente do papel, a não ser no que se refere à punição de adolescentes infratores, chega a ser um escárnio. Duvido muito que os defensores da redução da maioridade penal já tenham lido, com o cuidado devido, o que prevê o ECA, por exemplo, no seu capítulo IV que versa sobre os direitos da criança e do adolescente à educação, cultura, esporte e lazer. O país quer privar da liberdade a quem foi negado acesso aos direitos mais básicos assegurados não só pelo ECA, mas pela Constituição Brasileira.

Quais são os dados que você nos traz?
Os adolescentes são muito mais vítimas do que perpetradores de homicídios. Estima-se que 0,01% do total de adolescentes, no Brasil, cometeram crimes contra a vida. Ao contrário, 6,6% dos adolescentes de 16 e 17 anos, justamente aqueles que a bancada BBB (bala, bíblia e boi) quer mandar para a cadeia, foram vítimas de homicídios embora totalizem apenas 3,6% da população brasileira. Em média, são assassinadas no Brasil, por dia, aproximadamente 20 crianças e adolescentes. E isto não choca ninguém? É claro que não choca porque não são os filhos da classe média que estão morrendo, vítimas de homicídios. E, mais. A polícia mata seis pessoas por dia no Brasil e muitas dessas são adolescentes.

Você já escreveu em suas análises que os adolescentes são mais vítimas que perpetradores de violência.
De todos os atos infracionais praticados por adolescentes somente 8% equiparam-se a crimes contra a vida. A grande maioria (75%) são crimes contra o patrimônio e, destes, 50% são furtos, isto é, delitos sem violência. No ano 2000, dos mais de 40 mil homicídios que aconteceram no Brasil, os adolescentes foram responsáveis por 448, mas foram vítimas em 3 800 dos casos. Aliás, 75% das mortes de jovens entre 15 e 19 anos são mortes violentas. Os adolescentes, portanto, são muito mais vítimas do que perpetradores de violência neste país. O grande problema está em que os crimes praticados por adolescentes sempre recebem tratamento privilegiado na mídia, ou seja, divulgação de tal forma ampla que fica a impressão de que são muito mais numerosos e graves do que realmente são.

Há quem assegure que está em curso um genocídio no país. E, então, afinal para o que o ECA existe?
Eu pergunto: onde está a indignação do país? Onde está a indignação dos congressistas? Os mesmos congressistas que têm ignorado que há um genocídio em curso da população jovem e negra nesse país quer mandar pra cadeia o adolescente infrator, ao invés de exigir dos governos (federal, estaduais e municipais) que cumpram sua parte na implementação dos direitos assegurados pelo ECA. Enquanto na maior parte dos países do mundo a maior causa de morte de adolescentes é acidentes de trânsito, no Brasil, a maior causa de mortes de adolescentes é o homicídio. Justamente isto, que deveria servir para envergonhar o país, é ignorado.

Por quê?
Porque as vítimas, em sua grande maioria, são pobres e negros. Setenta e sete por cento dos jovens mortos, muitos pela polícia, são negros. Ou seja, para os jovens pobres e negros, nada de direitos previstos pelo ECA, mas sim a garantia de se tornarem vítimas da violência, muito particularmente da violência estatal.

Mas a reincidência é um problema grave. Como resolvê-la?
Não há informação confiável sobre a reincidência no Brasil. Na área de adultos, estima-se que a reincidência esteja por volta dos 70%. Na área de adolescentes infratores, os números são limitados e ainda menos confiáveis. Mas tanto o sistema para adultos quanto o sistema para adolescentes infratores é definido como uma porta giratória com um contínuo e repetido entrar e sair. A verdade é que a suposta “ressocialização”, que seria possível a partir da prisão, não passa de uma mentira que historicamente justificou a privação da liberdade. Admitamos, de uma vez por todas, que a privação da liberdade é um castigo e, no Brasil, um castigo cruel. E mais: cruel e caro. Como dizia um antigo ministro da justiça inglês, “a prisão é uma forma muito cara de tornar as pessoas piores”. Se adultos jamais aprenderam a viver em liberdade quando privados da liberdade, por que isto seria possível com adolescentes?

Há também a grave situação da superpopulação carcerária. E jogar milhares de adolescentes infratores nas prisões é apostar no pior. Agrava-se o quadro de superpopulação, possibilita-se o contato de jovens, muitos recém-iniciados no mundo do crime, com criminosos experientes, com integrantes das facções que dominam o sistema penitenciário brasileiro, com um universo onde as leis não são respeitadas e onde grassam a violência e a corrupção. Hoje, assim como os direitos dos adolescentes previstos pelo ECA não saíram do papel, a Lei de Execuções Penais (LEP), no que se refere aos direitos do preso, também continuam letra morta.

É a história das leis que pegam e outras não...
O Brasil é mesmo o país das leis que “pegam” e das leis que “não pegam”. E as que pegam são sempre aquelas que beneficiam quem tem voz e poder nessa desigual e profundamente hierarquizada sociedade brasileira

Qual a sua opinião sobre a proposta de aumentar o tempo de internação de adolescentes, em alguns casos até para oito anos de reclusão, como alternativa à redução da maioridade penal?
O ECA já prevê um total de nove anos de monitoramento do comportamento do adolescente infrator – basta examinar com cuidado o que dispõe o Estatuto –, três anos de internação mais seis anos monitorando de diversas formas pelo poder público. Basta implementar o ECA com seriedade.

Na maior parte dos países a idade de responsabilidade penal é 18 anos.
Alguns países como a Espanha e a Alemanha chegaram a reduzir este limite e voltaram atrás. Por quê? Porque não há qualquer comprovação, em parte alguma do mundo, que encarcerar menores de 18 anos seja uma forma efetiva de reduzir a criminalidade, sobretudo a criminalidade violenta. Ademais, o Brasil é signatário de tratados internacionais que estabelecem os 18 anos como idade de responsabilidade penal.

O congresso nacional estaria então desonrando esses tratados?
Mas é claro. Para a bancada BBB no congresso nacional nada disso vale. O que vale é iludir os eleitores com a sedução de que reduzindo a maioridade penal se vai viver com mais segurança.

As propostas de redução da maioridade penal assim como as diferentes propostas de agravamento de penas desembocariam no desejo de privatizar o sistema – sendo a sua posição radicalmente contra?
Vão desembocar, sim, na defesa da privatização do sistema penitenciário. Alguns estados brasileiros já estão neste caminho. E não me venham dizer que são parcerias público-privadas, que de público não têm nada. São contratos, como os de Minas Gerais, de 30 anos, a um custo muito superior aos das prisões geridas pelo poder público. E o que se vê nos Estados Unidos hoje, por exemplo? Muitos estados com índices de criminalidade caindo, com número de presos se reduzindo e querendo se livrar dos altíssimos custos de prisões privadas, mas sem condições de romper contratos milionários firmados por 30 anos.

Conclusão?
Precisamos é ter a coragem de admitir que este país esteja longe de cumprir suas mínimas responsabilidades para com nossas crianças e jovens, sobretudo os pobres. Entre os adolescentes que cumprem medidas sócio-educativas, aí incluída a privação de liberdade, menos de 4% deles concluíram o ensino fundamental. Uma sociedade excludente e injusta como a brasileira não pode apostar na redução da responsabilidade penal como saída para a superação da violência.

*Os livros: Cemitério dos Vivos, análise sociológica de uma prisão de mulheres. Quem Vigia os Vigias, análise sobre controle externo da polícia (com Leonarda Musumeci e Ignacio Cano). A Dona Das Chaves, relato de suas histórias ao longo dos mais de dez anos em que trabalhou no sistema penitenciário (com a jornalista Anabela Paiva).
 

Fonte: Carta Maior