segunda-feira, 16 de março de 2015

O PROFESSOR RASGOU O LIVRO DE HISTÓRIA NA OFICINA DE LEITURA?

''Precisamos compreender como se aprende a ler e o que há de fantástico na leitura para reeducar leitores fracassados e chegar a um nível de leitura eficaz.''

Gosto demais dessa categoria, acho que o professor, educador, formador é a mais encantadora opção de vida que se faz, afora os dissabores que se enfrenta, mas a gente se encanta, se espanta e divide o pão sofrido das dificuldades. E na essência, chegamos servir como varinha mágica das angustias curiosas da criança, do adolescente, do jovem que lá na academia ostenta os status de autossuficiente. Porque o conhecimento tem que servir para encantar o aluno, principalmente nas séries iniciais e para desabrochar o ser social no jovem adolescente ao final do ciclo escolar.

Mas confesso, essas manifestações dos últimos dias serviram também para certificar-nos que precisamos estudar mais - não dá para achar que aquele certificado da acadêmica resolveu todos os nossos problemas, inquietações e limites no grande turbilhão da dúvida e das incertezas pertinentes. 

Digo isso, sem insinuar, mas para afirmar mesmo que precisamos ler mais, e isso não se justifica com falta de tempo, até porque sei de tantos colegas que costumam ler beste sellers da atualidade, ou curiosidades como da tríade 50 Tons de Cinza entre outros, mas tem dificuldade de ler um livro sobre o movimento histórico do país que critica. Esclarecimento não é só dever de qualquer formador de opinião, mas também de acúmulo para cidadania.

Pois se na democracia é um dever cidadão a gente manifestar insatisfações com a realidade, como professores acima de tudo é um dever também tratar dessas questões com conhecimento de causa, independente da disciplina ao qual esteja habilitado para lecionar, da opção ideológica político ou partidária, ou ainda da neutralidade assumida na questão. Vi cada pérola nesses dias que faz repensar: - Qual educação realmente nós queremos para o Brasil?

Uma boa provocação nos faz o professor Gabriel Perissé em seu artigo 'A necessária arte de ler' nos dizendo: 

Precisamos compreender a leitura como uma arte para, depois, pragmaticamente, despertar o prazer da leitura em meio à crise da palavra escrita. Precisamos compreender como se aprende a ler e o que há de fantástico na leitura para reeducar leitores fracassados e chegar a um nível de leitura eficaz.

Precisamos compreender cientificamente o ato da leitura para orientar as famílias, lugar natural em que nasce o amor ao livro, à língua e o desejo de ler, a um preço justo. 

A leitura inteligente, que faz pensar, amar e sofrer com coerência poética, é caminho de liberdade existencial, uma bela terapia. Quem ler verá. Quem souber ler terá a força criativa de organizar com os olhos o volume e o peso do caos. 

Pois o professor que pouco ou nada lê, corre o risco de acabar como leitura na observação do outro sem saber - sei bem que ler é algo mais profundo do que o exposto aqui, mas isso é uma forma de provocar e convocar para ler também. 

Viver numa democracia, não significa direito de rasgar os livros da história do própria país, sem ao menos pegá-los nas mãos - boa leitura, com oficina ou não!


Neuri A. Alves – Professor Curioso e Pesquisador

segunda-feira, 2 de março de 2015

A PRAGA DA VIOLÊNCIA COLETIVA

''A maldade não está essencialmente nas pessoas, mas nos sistemas de organização social que a transformam em ódio coletivo e a justificam.''

Nunca subestime o poder de pessoas estúpidas em grandes grupos.

Um aluno um dia me perguntou o que eu achava do homem: naturalmente bom mas pervertido pela sociedade, na linha do “bom selvagem” de Rousseau, ou esta desgraça mesmo que vemos por aí, em estado natural? Na realidade, não acho nem uma coisa nem outra. Acho que temos todos imensos potenciais para o bem e para o mal, para o divino e a barbárie. Cabe a nós, que trabalhamos com o estudo da sociedade e em particular das instituições, pensar o que faz a balança pender mais para um lado ou para outro. Pois deixando de lado alguns traumas e deformações individuais, domínio dos psiquiatras, aqui nos interessa a misteriosa bestialidade coletiva de grandes grupos sociais.

Muitos dizem que a solução está na educação e na cultura. Tenho minhas dúvidas, pois sou de família polonesa, e vi refletido nas angústias dos meus pais o que tinham vivido frente ao nazismo. Ninguém irá pensar que os alemães eram um povo de baixo nível educacional ou cultural. E no entanto, com que entusiasmo vestiram as botas e as camisas negras ou marrons, com que elevado sentimento de dever cumprido matavam pessoas por serem diferentes, por um critério real ou imaginário. Cerca de 50% dos médicos alemães aderiram ao partido nazista. Isto é que é realmente preocupante. Estupidez é uma doença que pega.

Poder dar vazão ao que há de mais podre dentro de nós, de mais escuro em termos de ódio contido, de mais baixo em termos humanos, em nome de elevadas aspirações éticas, parece ser muito satisfatório. Os nazistas agiam em nome da pureza da raça. E erguiam bem alto a bandeira do “Gott mit uns”, Deus está conosco. Tornar-se de certa maneira o braço executivo da cólera divina parece ser profundamente agradável. Há gente disposta a morrer por esta satisfação.

Quem não leu O Martelo da Feiticeira, manual de interrogatório dos inquisidores católicos perdeu uma importante fonte de conhecimento sobre os nossos lados escuros. O manual recomenda, por exemplo, que os religiosos encarregados de torturar as possíveis feiticeiras as torturassem nuas, pois se tornam mais frágeis, e de costas para os torturadores, pois a era tal a perversidade destas mulheres que de frente para os torturadores poderiam comovê-los com suas súplicas e expressões de desespero. Eram religiosos, e o faziam em nome de Cristo.

Somos hoje mais civilizados? Sinto-me profundamente abalado, chocado, pelo bárbaro assassinato dos jornalistas do Charlie Hebdo, em Paris, por profissionais da morte que matam em nome de Deus, e que claramente mostraram nos seus gritos que se sentiam como justiceiros que haviam cumprido o seu dever. São monstros? Se fossem, seria muito mais simples compreender e prevenir. Mas são seres humanos em torno dos quais se construiu uma muralha de valores que os protege de qualquer crítica. Se sentem pertencentes a uma comunidade que os apoia e recompensa, ou seja, praticam a barbárie em nome do bem. Podemos matar os terroristas, mas transformar a dinâmica que os forma é bem mais complexo.

Podemos tratar um psicopata, e proteger a sociedade dos riscos individuais. E uma sociedade doente? Quem não viu Os fantasmas de Abu-Ghraib, veja, é profundamente instrutivo. O documentário é montado a partir de selfies e de filmagens por celular de práticas de tortura no Iraque por jovens americanos, contra supostos inimigos. Tortura praticada no Iraque em nome da defesa dos direitos humanos, por um exército invasor, e por funcionários de empresas privadas de segurança terceirizadas para esta tarefa. Estes jovens são monstros? As imagens das torturas e dos risonhos rapazes circulam em todo o mundo islâmico. Com que impacto e efeito multiplicador?

Hoje temos tortura sistemática aplicada pelo sistema repressivo (Mossad, Shin Bet e outros) em Israel. Em Guantánamo quando os prisioneiros tentam morrer para escapar ao sofrimento se lhes introduz à força alimento pelo nariz ou pelo anus, tudo em nome do bem, como em nome de Deus os fanáticos do ISIS decapitam prisioneiros ou os do Boko Haram raptam crianças.

A maldade não está essencialmente nas pessoas, mas nos sistemas de organização social que a transformam em ódio coletivo e organizam a sua expressão em nome da justiça, de Deus, da pátria, da pureza racial ou o que seja.

Ladislau Dowbor - Catedrático da PUC-SP - Graduação em Economie Politique - Universite de Lausanne (1968), Mestre em Economia Social e doutorado em Ciências Econômicas.

Fonte: 
http://dowbor.org

domingo, 22 de fevereiro de 2015

O QUE PRECISA SER INCORPORADO AO PROCESSO DE EDUCAÇÃO

''Urge nos reinventar como humanos, no sentido de inaugurar uma nova forma de habitar o planeta com outro tipo de civilização.''

Geralmente o processo educativo da sociedade com suas instituições como a rede de escolas e de universidades estão sempre atrasadas em relação às mudanças que acontecem. Não antecipam eventuais processos e custam-lhes fazer as mudanças necessárias para estar à altura deles.

Entre outras, duas são as grandes mudanças que estão ocorrendo na Terra: a introdução da comunicação global via internet e redes sociais e a grande crise ecológica que põe em risco o sistema-vida e o sistema-Terra. Podemos eventualmente desaparecer da face da Terra. Para impedir esse apocalipse a educação deve ser outra, diversa daquela que dominou até agora.

Não basta o conhecimento. Precisamos de consciência: uma nova mente e um novo coração. Precisamos também de uma nova prática. Urge nos reinventar como humanos, no sentido de inaugurar uma nova forma de habitar o planeta com outro tipo de civilização. Como dizia muito bem Hannah Arendt: ”podemos nos informar a vida inteira sem nunca nos educar”. Hoje temos que nos reeducar e no reinventar como humanos.

Por isso, acrescento às dimensões acima referidas, estas duas: aprender a cuidar e aprender a se espiritualizar.

Mas antes faz-se mister, previamente, resgatar a inteligência cordial, sensível ou emocional. Sem ela, falar do cuidado e da espiritualidade faz pouco sentido. A causa reside no fato de que todo sistema moderno de ensino se funda na razão intelectual, instrumental e analítica. Ela é uma forma de conhecer e de dominar a realidade, fazendo-a mero objeto. Sob o pretexto de que a razão sensível impediria a objetividade do conhecimento, foi recalcada. Com isso surgiu uma visão fria do mundo. Ocorreu uma espécie de lobotomia que nos impede de nos sentir parte da natureza e de perceber a dor os outros.

Sabemos que a razão intelectual, como a temos hoje, é recente, possui cerca de 200 mil anos quando surgiu o homo sapiens com seu cérebro neo-cortical. Mas antes dele, surgiu há cerca de 200 milhões de anos, o cérebro límbico, por ocasião da emergência dos mamíferos. Com eles, entrou no mundo o amor,o cuidado, o sentimento que se devotam à cria. Nós humanos, esquecemos que somos mamíferos intelectuais. Logo, somos fundamentalmente portadores de emoções, paixões e afetos. No cérebro límbico reside o nicho da ética, dos sentimentos oceânicos como os religiosos. Antes ainda há 300 milhões de anos, irrompeu o cérebro reptilínio que responde por nossos reações instintivas; mas não é o caso de abordá-lo aqui.

O que importa é que hoje temos que enriquecer nossa razão intelectual com a razão cordial, muito mais ancestral, se quisermos fazer valer o cuidado e a espiritualidade.

Sem essas duas dimensões não iremos nos mobilizar para cuidar da Terra, da água, do clima, das relações inclusivas. Precisamos cuidar de tudo, sem o que as coisas se deterioram e perecem. E então iríamos encontro de um cenário dramático.

Outra tarefa é resgatar a dimensão da espiritualidade. Ela não deve ser identificada com a religião. Ela subjaz à religião porque é anterior a ela. A espiritualidade é uma dimensão inerente ao ser humano como a razão, a vontade e sexualidade. É o lado do profundo, de onde emergem as questões do sentido terminal da vida e do mundo.

Infelizmente estas questões foram tidas como algo privado e sem grande valor. Mas sem sua incorporação, a vida perde irradiação e alegria. Mas há um dado novo: os neurólogos concluíram que sempre que o ser humano aborda estas questões do sentido, do sagrado e de Deus, há uma aceleração sensível nos neurônios do lobo frontal. Chamaram a isso “ponto Deus” no cérebro, uma espécie de órgão interior pelo qual capitamos a Presença de uma Energia poderosa e amorosa que liga e re-liga todas as coisas.

Avivar esse “ponto Deus” nos faz mais solidários, amorosos e cuidadosos. Ele se opõe ao consumismo e materialismo de nossa cultura. Todos, especialmente os que estão na escola, devem ser iniciados nessa espiritualidade, pois nos torna mais sensíveis aos outros, mais ligados à mãe Terra, à natureza e ao cuidado, valores sem os quais não garantiremos um futuro bom para nós.

Inteligência cordial e espiritualidade são as exigências mais urgentes que a atual situação ameaçadora nos faz.

Leonardo Boff é colunista do JBonline e escreveu Saber cuidar, Vozes 2000 e O cuidado necessário e Vozes 2013.

Fonte: 
https://leonardoboff.wordpress.com

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

TRÊS FORMAS DE CRITICAR

Por Gabriel Perissé em 08/03/2011 na edição 632 Observatório da imprensa

Critiquemos a educação nacional. Mas há modos e modos de fazê-lo. Um desses modos consiste em lamentar a situação, dando-a como insustentável e insolúvel. O artigo "Como vai a educação brasileira", assinado por Otaviano Helene e Lighia B. Horodynski-Matsushigue, em Le Monde Diplomatique Brasil (nº 43, de fevereiro/2011), segue essa linha, considerando deplorável o nosso sistema educacional. Os avanços, se admitidos, são vistos como insignificantes. Os professores estão desmotivados. Na verdade, a educação não vai.

Um dos pontos críticos e decisivos dessa questão são os baixos salários dos professores do ensino público. Salários indignos desmotivam os que estão lecionando e não motivam novos ingressantes. O salário de um professor de escola pública com diploma universitário equivale, em média, a dois terços do que recebem profissionais de outras áreas com o mesmo nível de escolaridade. Se um jovem economista pode começar sua carreira ganhando R$ 2.500 um professor (mesmo não tão jovem ou não tão inexperiente) poderá receber, depois de passar em disputado concurso público, salário inicial de R$ 1.600.

Constatemos esse fato, que é mesmo incontestável. A crítica, porém, não pode desconsiderar que a esse ponto se chegou ao longo de várias décadas. A gestão do MEC dos últimos oito anos denuncia o mesmo fato e, entre outras ações, criou o piso salarial nacional dos professores (Lei 11.738/08), prometendo auxiliar financeiramente estados e municípios. O fato, porém, é que muitas prefeituras e governos estaduais se recusam a cumprir a lei e, estranhamente, parecem desdenhar a ajuda federal.

A crítica faixa preta

O segundo tipo de crítica vem na forma de exaltação de soluções estrangeiras, insinuando ou insistindo que no Brasil viriam a calhar. André Petry, de NovaYork, envia à revista Vejadesta semana (edição 2207, de 9/3/2011) matéria em que o herói é um educador negro, cujo mérito (inegável) foi sobrepor-se às dificuldades e criar saídas para si e para outros. A mensagem é clara: o grande responsável pelo fracasso dos alunos (norte-americanos, de baixa renda, enfrentando situações de risco social...) são os maus professores. O leitor acabará formulando a pergunta óbvia: por que não esperar que todos os nossos professores façam por merecer matéria semelhante?

O educador Geoffret Canada é faixa preta em tae kwon do e afirma que os alunos precisam de heróis:

"Essas crianças me veem como um gigante, um Superman ou Batman. Num mundo tão frio, tão duro, as crianças precisam de heróis. Heróis dão esperança e, sem esperança, essas crianças não têm futuro. Então, eu faço o papel de herói para elas, mesmo que, para isso, tenha de recorrer a truques baratos."

Para quem conhece o "projeto educacional" da Veja (ver, por exemplo, nesteObservatório, meu artigo "Palpites dogmáticos"), fica evidente a intenção. Começo de ano letivo, observem só o que um único herói pode fazer. Mas tem mais. A revista menciona o modelo das "escolas-charter". Não é a primeira vez. Nem será a última. A julgar pelo fascínio que as "lições de Nova York" exercem sobre o grupo Abril, essa discussão vai longe.

Em suma, se tivermos docentes que lutem direito, saibam competir, sejam administrados por um novo modelo de gestão... a educação irá!

A crítica mundo cão

Um terceiro tipo de crítica, em que realismo, ironia e humor se mesclam, surge em matérias criativas como a da revista Piauí de fevereiro deste ano – "O Brasil é aqui", de Raquel Freire Zangrandi.

Uma narrativa sobre o cotidiano de uma escola da rede municipal carioca. Um documentário cinematográfico em papel. Sem papas na língua. Sem rodeios e sem frases motivacionais. Refletindo a distância infinita entre boas intenções didáticas e a realidade dos alunos e professores. Um buraco diz tudo:

"Às sete e meia da manhã, vinte minutos depois do horário marcado, começa a aula de português. No quadro-negro que hoje em dia é branco, uma aluna passa exercícios sobre classificação de predicados. O quadro tem um buraco de 30 centímetros de diâmetro bem no meio de sua superfície de fórmica. Está assim há algumas semanas, desde que um aluno o alvejou com um tubo de corretivo líquido."

Os problemas na educação crescem a olhos vistos. O rombo no quadro era "oval em agosto", um mês depois "tornou-se retangular". Em outubro, "o buraco aberto no quadro já atinge 1 metro de comprimento". O buraco simboliza o descaso. A lentidão. A inércia. A burocracia. Que prazer haverá em ensinar/aprender fatoração ou análise sintática diante desse buraco negro que está a ponto de nos engolir!?

As três formas de criticar a educação nacional partem da comprovação de circunstâncias que se repetem. Certamente nem tudo é infernal. Nem tudo é fim do mundo. Há registros de bons resultados, escolas em que a educação ainda vai.

Contudo, em diferentes pontos do país, encontramos professores desmotivados, alunos dispersos, violentos, perdidos, gestores perplexos e famílias carentes, ausentes. Um cenário vulnerável a comentários taxativos, cruéis, injustos, exagerados, como o do jornalista André Forastieri, em seu blog: "As escolas brasileiras são uma porcaria, do maternal ao doutorado".

***

Gabriel Perissé , Doutor em Educação pela USP e escritor;

Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A EFEMERIDADE DA ÉTICA É A SENSAÇÃO DE JUSTIÇA.

''A operação 'Lava Jato' deveria ser chamada de 'Mata Rato'' pois há um imenso descontrole secular de roedores devorando a estrutura do Estado, sem estar dentro dele.''


No Brasil os vultosos números da corrupção são de igual proporcionalidade ao que a imprensa suja recebe ilegalmente para estimular pânico e golpe de Estado há mais de uma década. Ou o que juízes e delegados recebem para encenar fatos, boatos, e enfeitar cenários. 

O que há de novo? - Nada, se todo processo de investigação virá espetáculo midiático de fatos contados, boatos narrados, cochichos ameaçados e privilégios à ''delatores safados''. Como diria o escritor Fernando Veríssimo 'aqui o fundo do poço é um pouco mais além'', (e não é no volume morto), mas no 'pré sal’ vivo até demais do interesse posterior. 

Aqui corrupção é um poço raso de doze anos, queria ver a busca nas profundezas do Pré Sal que começa na camada de Dom João VI no ano de 1808 até o poço escuro do Sociólogo das Privatizações e dai em diante fechar com as moedas em gotas que são contadas agora. 

Aqui o fim é sempre um recomeço: de benefícios para uns, passeio na prisão para outros, pão e circo midiático aos consumidores do oportunismo caótico e a falsa sensação de justiça e verdade aos que não já não sabem quem esta com a verdade. - Se quem investiga por aportes de benefícios mesmo em nome da justiça ou quem se coloca na condição de vitima com dedo em riste! 

Aqui desde a chegada da família real a corrupção tem viés de investimento, enquanto Saúde, Educação e Moradia despesa do Estado. ''A operação 'Lava Jato' deveria ser chamada de 'Mata Rato' pois há um imenso descontrole secular de roedores devorando a estrutura do Estado, sem estar dentro dele.'' Pois ratos tem em todo lugar de um campo arado para o plantio a um templo onde o demônio é escorraçado. 

A única diferença pode estar nos lugares onde alimentam suas pretensões, por isso uns comem milho, outros caviar, outros pão e circo e outros roem os dedos apontados para o suborno, delato, e o silêncio. Um rato em silêncio é sempre um rato acumulando benefícios. Talvez por isso tenhamos a nítida impressão que após cada tempestade midiática tudo se esfria como uma brisa ética efêmera com sensação de justiça - isso explica por que os ratos se multiplicam em quantidade, qualidade, número, vez, voz, vergonha, escândalos e silêncio! 

Neuri A. Alves 
Professor e Pesquisador.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

A INTOLERÂNCIA NO BRASIL ATUAL E NO MUNDO

''Todo esforço de supressão termina no terror dos que presumem ter a verdade e a impõem aos demais. O excesso de verdade acaba sendo pior que o erro.''

O assassinato dos chargistas franceses do Charlie Hebdo recentemente e a última eleição presidencial no Brasil trouxeram à luz um preconceito latente no mundo e na cultura brasileira: a intolerância. Restrinjo-me a esta pois a outra, a do Charlie Hebdo foi abordada num artigo anterior. A intolerância no Brasil é parte daquilo que Sergio Buarque de Holanda chama de “cordial” no sentido de ódio e preconceito, que vem do coração como a hospitalidade e simpatia. Em vez de cordial eu preferia dizer que o povo brasileiro é passional.

O que se mostrou na última campanha eleitoral foi o “cordial-passional” tanto como ódio de classe (desprezo do pobre) como o de discriminação racial (nordestino e negro). Ser pobre, negro e nordestino implicava uma pecha negativa e aí o desejo absurdo de alguns de dividir o Brasil entre o Sul “rico” e o Nordeste “pobre”. Esse ódio de classe se deriva do arquétipo da Casa Grande e da Senzala introjetada em altos setores sociais, bem expresso por uma madame rica de Salvador: “os pobres não contentes com receber a bolsa família, querem ainda ter direitos”. Isso supõe a idéia de que se um dia foram escravos, deveriam continuar a fazer tudo de graça, como se não tivesse havido a abolição da escravatura. Os homoafetivos e outros da LGBT são hostilizados até nos debates oficiais entre os candidatos, revelando uma intolerância “intolerável”.

Para entender um pouco mais profundamente a intolerância importa ir um pouco mais a fundo na questão. A realidade assim como nos é dada é contraditória em sua raiz; complexa, pois é convergência dos mais variados fatores; nela há caos originário e cosmos (ordem), há luzes e sombras, há o sim-bólico e o dia-bólicos. Em si, não são defeitos de construção, mas a condição real de implenitude de tudo que existe no universo. Isso obriga a todos a conviver com as imperfeições e as diferenças. E a sermos tolerantes com os que não pensam e agem como nós. Traduzindo numa linguagem mais direta: são pólos opostos, mas pólos de uma mesma e única realidade dinâmica. Estas polaridades não podem ser suprimidas. 'Todo esforço de supressão termina no terror dos que presumem ter a verdade e a impõem aos demais. O excesso de verdade acaba sendo pior que o erro.'

O que cada um (e a sociedade) deve sempre saber é distinguir um e outro pólo e fazer a sua opção. O indicado é optar pelo pólo de luz, do sim-bólico e do justo. Então o ser humano se revela um ser ético que se responsabiliza por seus atos e pelas consequências boas ou más que deles se derivam.

Alguém poderia pensar: mas então vale tudo? Não há mais diferença? Não se prega um vale tudo nem se borram as diferenças. Deve-se, sim, fazer distinções. O joio é joio e não trigo. O trigo é trigo, não joio. O torturador não pode ter o mesmo destino que sua vítima. O ser humano não pode igualar a ambos nem confundi-los. Deve discernir e optar pelo trigo, embora o joio continua existindo, mas sem ter a hegemonia.

Para fazer coexistir sem confundir estes dois princípios devemos alimentar em nós a tolerância. A tolerância é capacidade de manter, positivamente, a coexistência difícil e tensa dos dois pólos, sabendo que eles se opõem mas que com-põem a mesma e únca realidade dinâmica. Impõe-se optar pelo pólo luminoso e manter sob controle o sombrio.

O risco permanente é a intolerância. Ela reduz a realidade, pois assume apenas um pólo e nega o outro. Coage a todos a assumir o seu pólo e a anula o outro, como o faz de forma criminosa o Estado Islâmico e a Al Qaeda. O fundamentalismo e o dogmatismo tornam absoluta a sua verdade. Assim eles se condenam à intolerância e passam a não reconhecer e a respeitar a verdade do outro. O primeiro que fazem é suprimir a liberdade de opinião, o pluralismo e impôr o pensamento único. Os atentados como o de Paris têm por base esta intolerância.

É imperioso evitar a tolerância passiva, aquela atitude de quem aceita a existência com o outro não porque o deseje e veja algum valor nisso, mas porque não o consegue evitar.

Há que se incentivar a tolerância ativa que consiste na coexistência, na atitude de quem positivamente convive com o outro porque tem respeito por ele e consegue ver os valores da diferença e assim pode se enriquecer.

A tolerância é antes de mais nada uma exigência ética. Ela representa o direito que cada pessoa possui de ser aquilo que é e de continuar a sê-lo. Esse direito foi expresso universalmente na regra de ouro “Não faças ao outro o que não queres que te façam a ti”. Ou formulado positivamente:”Faça ao outro o que queres que te façam a ti”. Esse preceito é óbvio.

O núcleo de verdade contido na tolerância, no fundo, se resume nisso: cada pessoa tem direito de viver e de conviver no planeta Terra. Ela goza do direito de estar aqui com sua diferença específica em termos de visões de mundo, de crenças e de ideologias. Essa é a grande limitação das sociedades européias: a dificuldade de aceitar o outro, seja árabe, muçulmano ou turco e na sociedade brasileira, do afro-descendente, do nordestino e do indígena. As sociedades devem se organizar de tal maneira que todos possam, por direito, se sentir incluídos. Daí nasce a paz, que segundo a Carta da Terra, é ”a plenitude criada por relações corretas consigo mesmo, com outras pessoas, com outras culturas, com outras vidas, com a Terra e com o Todo maior da qual somos parte”(n.16 f).

A natureza nos oferece a melhor lição: por mais diversos que sejam os seres, todos convivem, se interconectam e formam a complexidade do real e a esplêndida diversidade da vida.

Leonardo Boff é colunista do JBonline, teólogo e filósofo

Fonte: https://leonardoboff.wordpress.com

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

PARA SE ENTENDER O TERRORISMO CONTRA O CHARLIE HEBBO DE PARIS

''O significado principal do terrorismo não é ocupar territórios, como o fizeram os ocidentais no Afeganistão e no Iraque, mas ocupar as mentes. Essa é sua vitória sinistra.''

Uma coisa é se indignar, com toda razão, contra o ato terrorista que dizimou os melhores chargistas franceses. Trata-se de ato abominável e criminoso, impossível de ser apoiado por quem quer que seja.

Outra coisa é procurar analiticamente entender porque tais eventos terroristas acontecem. Eles não caem do céu azul. Atrás deles há um céu escuro, feito de histórias trágicas, matanças massivas, humilhações e discriminações, quando não, de verdadeiras guerras preventivas que sacrificaram vidas de milhares e milhares de pessoas.

Nisso os USA e em geral o Ocidente são os primeiros. Na França vivem cerca de cinco milhões de muçulmanos, a maioria nas periferias em condições precárias. São altamente discriminados a ponto de surgir uma verdadeira islamofobia.

Logo após o atentado aos escritórios do Charlie Hebdo, uma mesquita foi atacada com tiros, um restaurante muçulmano foi incendiado e uma casa de oração islâmica foi atingida também por tiros.

Que significa isso? O mesmo espírito que provocou a tragédia contra os chargistas, está igualmente presente nesses franceses que cometeram atos violentos às instituições islâmicas. Se Hannah Arendt estivesse viva, ela que acompanhou todo o julgamento do criminoso nazista Eichmann, faria semelhante comentário, denunciando este espírito vingativo.

Trata-se de superar o espírito de vingança e de renunciar à estratégia de enfrentar a violência com mais violência. Ela cria uma espiral de violência interminável, fazendo vítimas sem conta, a maioria delas inocentes.

Paradigmático foi o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001 contra os Estados Unidos. A reação do Presidente Bush foi declarar a “guerra infinita” contra o terror; instituir o “ato patriótico” que viola direitos fundamentais ao permitir prender, sequestrar e submeter a afogamentos a suspeitos; criar 17 agências de segurança em todo o país e começar a espionar todo mundo no mundo inteiro, além de submeter terroristas e suspeitos em Guantánamo a condições desumanas e a torturas.

O que os USA e aliados ocidentais fizeram no Iraque foi uma guerra preventiva com uma mortandade de civis incontável. Se no Iraque houvesse somente ampla plantação de frutas e cítricos, nada disso ocorreria. Mas lá há muitas reservas de petróleo, sangue do sistema mundial de produção.

Tal violência barbárica, porque destruiu os monumentos de uma das mais antigas civilizações da humanidade, deixou um rastro de raiva, de ódio e de vontade de vingança.

A partir deste transfundo, se entende que o atentado abominável em Paris é resultado desta violência primeira e não causa originária. O efeito deste atentado é instalar o medo em toda a França e em geral na Europa. Esse efeito é visado pelo terrorismo: ocupar as mentes das pessoas e mantê-las reféns do medo.

O significado principal do terrorismo não é ocupar territórios, como o fizeram os ocidentais no Afeganistão e no Iraque, mas ocupar as mentes. Essa é sua vitória sinistra.

A profecia do autor intelectual dos atentados de 11 de setembro, o então ainda não assassinado Osama Bin Laden, feita no dia  8 de outubro de 2001, infelizmente, se realizou: “Os EUA nunca mais terão segurança, nunca mais terão paz”.

Ocupar as mentes das pessoas, mantê-las desestabilizadas emocionalmente, obrigá-las a desconfiar de qualquer gesto ou de pessoas estranhas, eis o que o terrorismo almeja e nisso reside sua essência. Para alcançar seu objetivo de dominação das mentes, o terrorismo persegue a seguinte estratégia:

(1) os atos têm de ser  espetaculares, caso contrário, não causam comoção generalizada;

(2) os atos, apesar de odiados, devem provocar admiração pela sagacidade empregada;

(3) os atos devem sugerir que foram minuciosamente preparados;

(4) os atos devem ser imprevistos para darem a impressão de serem incontroláveis;

(5) os atos devem ficar no anonimato dos autores (usar máscaras) porque quanto mais suspeitos, maior o medo;

(6) os atos devem provocar permanente medo;

(7) os atos devem distorcer a percepção da realidade: qualquer coisa diferente pode configurar o terror. Basta ver alguns rolezinhos entrando nos shoppings e já se projeta a imagem de um assaltante potencial.

Formalizemos um conceito do terrorismo: é toda  violência espetacular, praticada com o propósito de ocupar as mentes com  medo e pavor.         

O importante não é a violência em si,  mas seu caráter espetacular, capaz de dominar as mentes de todos. Um dos efeitos mais lamentáveis do terrorismo foi ter suscitado o Estado terrorista que são hoje os EUA. Noam Chomsky cita um funcionário dos órgãos de segurança norte-americano que confessou: “Os USA são um Estado terrorista e nos orgulhamos disso”.

Oxalá não predomine no mundo, especialmente, no Ocidente este espírito. Aí sim, iremos ao encontro do pior. 

Por Leonardo Boff, colunista do JBonline e escreveu: Fundamentalismo, terrorismo, religião e paz,  Vozes, Petrópolis 2009.

Fonte: https://leonardoboff.wordpress.com