segunda-feira, 23 de junho de 2014

A RAIZ DA EQUIDADE

O pesquisador argentino Axel Rivas passou mais de dez anos visitando escolas e analisando sistemas educacionais em todo o mundo. Para ele, as desigualdades mais profundas são de aprendizado, e a alfabetização é o momento que deveria concentrar os melhores professores. (Ricardo Braginski, de Buenos Aires)

Axel Rivas: a competição entre as escolas não
 produz melhores resultados

Atualmente é difícil encontrar na Argentina especialistas interessados em pesquisar o que acontece em sala de aula e o que se passa entre professores e alunos. Também são raros aqueles que têm uma perspectiva ampla e pluralista da educação e que defendam a redução das desigualdades sem enredar-se em discussões ideológicas. Axel Rivas, 39, uma das vozes jovens mais ouvidas nos dias de hoje no campo da educação, é um desses pesquisadores.

À frente da área de Educação do Centro de Implementação de Políticas Públicas para a Equidade e o Crescimento (CIPPEC), organização argentina dedicada à formulação de políticas públicas para reduzir as desigualdades sociais, Rivas passou mais de dez anos percorrendo escolas e ministérios educacionais de vários países e de todas as províncias argentinas.

Doutor em Ciências Sociais e professor universitário, Rivas recentemente escreveu Caminos para la educación, Viajes al futuro de la educación e Revivir las aulas, os três ainda sem tradução para o português. Em um típico café de Buenos Aires, Rivas recebeu a revista Educação para falar sobre os principais desafios da educação na América do Sul, como reduzir as desigualdades e o futuro da sala de aula.

Quais são as principais causas da desigualdade educacional? E quais as melhores políticas educacionais para superar esse problema?

A oferta continua desigual, favorecendo os que têm mais recursos. O que o Estado pode fazer é melhorar a infraestrutura, melhorar a proporção de alunos por professor e valorizar os professores com mais tempo de serviço. Mas as desigualdades mais profundas são de aprendizado e estão organizadas a partir da exclusão das classes mais baixas, especialmente no ensino médio. Aqui as transformações necessárias são mais complexas e envolveriam ações como a criação de um regime especial para as alunas grávidas, por exemplo. As desigualdades também têm uma relação muito estreita com o contexto familiar. A escola frequentemente envolve a realização de deveres e atividades em casa, mas o resultado disso varia muito de acordo com o nível sociocultural de cada aluno.

Pela sua experiência, quais são os aspectos fundamentais que devem ser enfatizados pelos sistemas educacionais da América Latina para oferecer uma educação de qualidade e, ao mesmo tempo, inclusiva?

Os três principais aspectos são a docência, os conteúdos temáticos que compõem o currículo e a dimensão institucional das escolas. A valorização da docência é um eixo que todos os países da região já reconhecem como uma prioridade. Sabe-se que qualquer proposta de reforma curricular que prescinda da participação dos professores não terá sucesso. Quanto aos conteúdos, sabe-se que eles requerem revisão contínua. Agora, na Argentina, contamos com uma ampla lista de conteúdos temáticos e metas de aprendizagem que correspondem a uma visão enciclopédica da aprendizagem – memorização e quantidade como elementos mais importantes que a reflexão. Estamos caminhando para uma situação em que teremos de ensinar menos e melhor. Deve haver conteúdos estruturantes fundamentais e eles devem ser claros para todas as escolas, além de constituírem o princípio organizador de um trabalho muito mais amplo, em torno do qual se concentrarão diversos tipos de atividades. Finalmente, o terceiro eixo está ligado à necessidade de termos uma estrutura institucional diferente que possibilite a personalização do ensino. Hoje temos horários muito rígidos, muito estritos, que impedem, por exemplo, que uma aula de matemática de 40 minutos possa se desdobrar em desafio a ser trabalhado durante toda a semana. Tudo é muito fixo.

Por que você propõe a priorização da primeira série e como isso deve ser feito?

Há muitos estudos que mostram que a primeira série é a mais importante do primário e de toda a educação. É o momento de configuração da relação do aluno com a escola – uma ligação que irá durar por muitos anos – e também quando se dá o que alguns educadores chamam de a mais longa sequência da escolaridade, que é a alfabetização. A primeira série deveria concentrar os melhores professores e ter uma maior continuidade pedagógica. Mas isso exigiria que o professor trabalhasse com o mesmo grupo de estudantes por muitos dias seguidos, provavelmente por mais de um ano. Isso explica a tendência de unir o primeiro e o segundo ano. A ênfase nessa etapa pode se produzir com a ação dos diretores, que devem fazer da primeira série a mais desafiante para os professores. Os melhores devem estar ali. Também é possível exigir uma experiência mais consistente desses educadores. Além disso, a primeira série também deve ser uma prioridade para toda a escola, institucionalmente. Na Finlândia, as atenções são voltadas aos dois primeiros anos. Todos na escola estão comprometidos em prover às crianças o sentimento de que elas são bem-vindas e de que nada pode excluí-las. Essa concepção é totalmente contrária à ideia de que a repetência pode ser justificada. Independentemente de qualquer motivo pedagógico, a repetência nessa época pode gerar um dano à subjetividade do aluno muitas vezes irreversível. Muitas pesquisas mostram que aqueles que repetem não aprendem mais. Pelo contrário, eles tendem a repetir novamente e a abandonar a escola. Na Argentina, 10% das crianças repetem a primeira série. No Brasil, esse índice é de cerca de 20%. É um mecanismo que exclui em um momento que deveria ser de inclusão, de boas-vindas para os alunos.

Alguns países da região, como o Chile, estão criando rankings de escolas e divulgando seus resultados. Qual sua opinião sobre isso?

Os pesquisadores estão inclinados a dizer que a competição entre as escolas não gera melhores resultados, mas sim frustração, evasão, sentimento de desproteção, vantagens para as famílias de maior nível cultural, etc. Acredito que a educação não deve ser projetada com finalidades de competição. Pelo contrário, cada sistema tem de evoluir com seus próprios erros e acertos, deve trabalhar de forma colaborativa e tomar decisões com base em suas convicções e capacidades, e não por pressão externa. Os sistemas com melhores desempenhos não estimulam a competição entre as escolas. Nem na Coreia do Sul nem em Cingapura, onde as escolas trabalham de forma integrada. Boa parte do trabalho é feito em comunidade, o que é muito difícil de acontecer quando você está competindo o tempo todo pelos mesmos resultados e pelos mesmos alunos.

Você conheceu sistemas educacionais de várias partes do mundo. O que aprendeu com eles?

Mais do que peças isoladas de sistemas, há exemplos de boas práticas que podem ser seguidas. Vou citar dois países com sistemas antagônicos: a Finlândia e a Coreia do Sul. Ambos obtêm bons resultados e são líderes mundiais no Pisa, o que mostra a fragilidade de provas como essa. A Coreia do Sul tem índices elevadíssimos, mas lá os alunos estudam, em média, 12 horas por dia, sendo oito horas em sala de aula e mais quatro com professor particular. Eles dormem pouco, não têm infância, não se divertem e não têm tempo livre. Enfim, são jovens fadados ao estudo. A estrutura social e cultural deles está baseada nos resultados de um teste realizado ao final do ensino médio que, praticamente, define a vida da pessoa: o quanto ela vai ganhar, com o que vai trabalhar e com quem vai se relacionar. Queremos este modelo educacional? A minha resposta é não. Eu não quero viver em um país que tem a maior taxa de suicídio infantil. Felizmente temos o exemplo da Finlândia, que evidencia o poder que pode ter o ensino personalizado baseado na autonomia e na formação dos professores. Este modelo tem bons resultados e gera um desejo de aprender sem pressionar os alunos com provas. A situação é inversa: os alunos têm poucas horas de estudo na escola. Se eles tivessem maus resultados, alguém poderia dizer “prefiro um modelo assim apesar dos maus resultados”. Mas os resultados são bons, então dá para defender o modelo e seus resultados.

Atualmente, quais são as habilidades necessárias para exercer o papel de liderança na escola? Os diretores estão suficientemente preparados?

A formação dos gestores é algo que vem sendo muito debatido nos países da América Latina, como Equador, Brasil, Peru, Colômbia e Argentina. A formação dos gestores finalmente, embora tardiamente, teve sua importância reconhecida, pois até então ela nunca tinha sido incorporada como uma variável importante do sistema de ensino. Formar bons gestores e selecioná-los bem é um dos pressupostos mais importantes das reformas educacionais, pois aqueles bem preparados têm capacidade de gerar projetos, de motivar em contextos de crise, de inovar, de provocar engajamento. A figura do líder ganhou uma importância que não existia há 30 ou 40 anos, quando a escola era parte de um sistema que se autorregulava.

Quais são as mudanças concretas introduzidas pela internet e pela utilização de novas tecnologias em sala de aula? E que mudanças pedagógicas são necessárias para enfrentar essa transformação?

Fala-se em substituir a escola tradicional pela escola virtual. Acho que essa é uma ameaça real, diferente das surgidas em outras épocas. No entanto, isso não vai acontecer no curto prazo. A revolução digital, a possibilidade de acesso ao conhecimento por um baixo custo, pode ter muitas implicações. Nos próximos cinco ou dez anos, a mudança deveria ser o foco da discussão e não a possível melhora que ela trará para o sistema. Mas estamos lamentavelmente despreparados para essa reflexão. Mas por que isso? A resposta está no mercado: sistemas privados, educação virtual, livros digitais, tablets, sistemas virtuais de aprendizagem, para tudo isso você tem de pagar. As empresas se movem mais rápido e geram desigualdades. A questão é como o estado reconfigura seu sistema para não perder o caminho da distribuição da riqueza, que é uma de suas missões. A grande questão é se estamos à altura desse desafio, que é muito complexo e que está por vir...

Axel Rivas - Es Licenciado en Ciencias de la Comunicación de la UBA, Master en Ciencias Sociales y Educación de FLACSO. Se doctoró en Ciencias Sociales por la Universidad de Buenos Aires.  Es Profesor adjunto a cargo de Política Educativa en la Universidad Pedagógica de Buenos Aires. Es Profesor Titular de materias de grado y posgrado de Política Educativa en la Universidad de San Andrés (UdeSA) y Universidad Torcuato Di Tella (UTDT). Dicta cursos sobre Federalismo y Economía de la Educación en FLACSO-Argentina. Ha sido profesor en escuelas secundarias y durante doce años fue profesor de Sociología de la Educación en la UBA.


Fonte: http://revistaeducacao.uol.com.br

terça-feira, 17 de junho de 2014

CIÊNCIA POLÍTICA: EDUCAÇÃO PÚBLICA VERSUS EDUCAÇÃO PRIVADA

Robert Dahl é um cientista político norte-americano bastante conhecido por ter introduzido o conceito de "poliarquia", que reflete as características de regimes democráticos existentes com mais realismo. Em Who governs? – Democracy and power in an American city (Quem governa? Democracia e poder em uma cidade norte-america, sem tradução para o português), um trabalho não menos importante do autor publicado em 1961, um estudo de caso da cidade de New Haven, no estado de Conneticut, é usado para a investigação da seguinte pergunta: como os regimes democráticos funcionam em um sistema político no qual há desigualdade de recursos (de diversos tipos)? Uma das políticas públicas analisadas por Dahl é a educação.

Uma lei estadual de 1869 exigia que todos os municípios oferecessem escolas públicas, mas muitos pais matriculavam seus filhos em escolas particulares ou ligadas à igreja católica. Dados apresentados no livro indicam que uma em cada cinco crianças estava matriculada em estabelecimentos particulares. Quando faz o recorte socioeconômico, o autor mostra que apenas uma em cada dez crianças que moravam em bairros pobres estava em escolas particulares, número que subia para quatro no casos dos bairros ricos.

Dahl identifica dois impasses imediatos para líderes políticos gerados a partir da matrícula em escolas particulares. O primeiro é a redução da preocupação com a qualidade da escola pública por parte dos pais com nível de escolaridade alto. "Muitos pais mais educados, que normalmente apoiariam a instituição de melhores padrões para as escolas públicas, provavelmente dão mais atenção às escolas privadas onde seus filhos estudam", escreve. O outro impasse é a sobreposição de custos no caso dos pais que optam pela rede particular, que pagam, ao mesmo tempo, impostos para ter acesso à educação pública e mensalidades para ter acesso ao ensino privado. Tal sobreposição, segundo o autor, pode originar oposição a maiores investimentos em educação pública.

No Brasil, entre 2009 e 2012, houve um crescimento de aproximadamente 13,8% no total de matrículas em educação básica na rede particular (em valores absolutos, saímos de 7,3 milhões para 8,3 milhões de matrículas). As matrículas em escola pública, em contrapartida, caíram aproximadamente 6,7% no período: passaram de 45,2 milhões para 42,2 milhões. Em 2012, dos 50,5 milhões de alunos matriculados, 83,5% (ou 42,2 milhões) estavam em escolas públicas e 16,5% (ou 8,3 milhões) estavam na rede particular. 
Os dados são do Censo Escolar, realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais Anísio Teixeira.
grafico blog final








Fonte: http://www.educacaoepesquisa.blog.br/

A lógica global - Como a globalização está impactando a educação ao redor do mundo?

Pesquisador da Universidade Autônoma de Barcelona, Antoni Verger analisa como a globalização está impactando a educação ao redor do mundo e os atores que influenciam a agenda educacional mundial.

A influência exercida pelo setor privado e pelas or­ga­nizações internacio­nais nas políticas educacionais é um dos principais temas de estudo de Antoni Verger, pesquisador da Universidade Autônoma de Barcelona (UAB) que, em março, esteve no Brasil para participar do II Seminário Regional sobre a Privatização da Educação, realizado pela Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação (Clade). Ph.D. em Sociologia, Verger explora como tais instituições estão moldando ou tentando moldar a agenda educacional ao redor do mundo, e os impactos das políticas globais criadas a partir dessas influências.

Na entrevista a seguir, Verger explica como, direta ou indiretamente, esses organismos tentam impor aos governos mudanças em seus sistemas educacionais sob o argumento de que melhorarão o acesso da população à educação e de que tornarão o setor mais eficiente e desburocratizado, movimento percebido principalmente nos países em desenvolvimento. Mas o pesquisador alerta: as nações ricas não estão imunes a esse processo, principalmente quando contam com a presença de instituições de prestígio, como a Fundação Bill e Melinda Gates.

Uma das conclusões de seu estudo é que a globalização está afetando drasticamente o cenário das políticas educacionais ao redor do mundo. O que estamos testemunhando hoje em dia?

A globalização afeta a educação de muitas maneiras e por razões de naturezas diversas. Sobre isso, podemos mencionar desde a revitalização do papel desempenhado pelas organizações internacionais nas políticas educacionais – papel tradicionalmente reservado para os governos nacionais ou locais – até os avanços tecnológicos que têm permitido a disseminação de formas de educação transfronteiriças, como os Moocs [Massive Online Open Courses, sigla em inglês para cursos online massivos e abertos]. No entanto, os efeitos mais significativos da globalização têm uma natureza bastante indireta. Refiro-me a todas as mudanças sociais e econômicas trazidas por esse processo, como o crescimento das desigualdades sociais ou a aceleração da dinâmica da competitividade econômica entre os países. São mudanças importantes que transformam significativamente as prioridades educacionais dos governos, bem como o ambiente socioeconômico onde os agentes educacionais atuam. E não é só isso. A globalização gera novos desafios para os sistemas educacionais e altera a capacidade dos Estados e dos organismos de segurança social de responder a esses problemas por meio de políticas educativas. Por exemplo, no contexto de uma economia globalizada, muitos governos têm dificuldade para responder diretamente às novas demandas educacionais, o que facilita ao setor privado assumir um papel maior na prestação e no financiamento da educação.

Quais organizações internacionais e políticas estão moldando a agenda educacional e disseminando práticas educativas globais?

Sobre esta questão é inevitável começar pelo famoso Pisa [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes] da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico], que avalia e compara as competências adquiridas por alunos de 15 anos em uma ampla gama de países. Esse relatório exerce nos governos uma pressão sutil, mas ao mesmo tempo muito eficaz, para que modifiquem seus sistemas educacionais. Ele, inclusive, tem gerado modelos de referência, como o da Finlândia, que muitos governos têm buscado imitar. A própria OCDE, por meio de periódicos como o Pisa em Foco, também recomenda aos países quais práticas e políticas podem levar ao sucesso educativo tomando como base os resultados da prova. Os países que levam mais a sério os desafios deste relatório têm tentado melhorar a sua educação por meio da equidade. Em contrapartida, aqueles que procuram resultados mais imediatos se limitam a intensificar a carga curricular nas áreas de conhecimento avaliadas pelo Pisa. Também cabe mencionar, principalmente nos países dependentes financeiramente, a grande influência exercida pelas instituições financeiras internacionais e pelos bancos de desenvolvimento em função da capacidade deles de condicionar a concessão de crédito. Ainda sobre esta questão, é importante referir novamente os efeitos indiretos da globalização e, em particular, as organizações internacionais. Por exemplo, em países europeus, especialmente nos países do sul da Europa, as políticas macroeconômicas e a austeridade impostas pela União Europeia – e pelo FMI – tiveram um efeito mais significativo sobre os sistemas de ensino dos países-membros que a própria “agenda educacional europeia”. Essas políticas de austeridade impuseram cortes orçamentários muito graves na educação e, claramente, limitaram a margem de ação política dos governos nesta área.

Quais fatores motivam os governos a adotar novas políticas?

Para responder a esta pergunta é melhor partir de um exemplo concreto como a privatização da educação, uma política que ocupa, sem dúvida, uma posição central na agenda global da educação. Mas, na realidade, não é possível identificar um único padrão que explique por que os países importam ou adotam políticas educacionais de privatização em escala global. As razões que impulsionam os governos variam muito.

Desde os anos 80, com o surgimento do neoliberalimo, a privatização da educação tem tido grande aceitação entre os governos conservadores e liberais, que acreditam que o setor privado é inerentemente superior ao público na gestão de todos os tipos de serviços, incluindo a educação. No entanto, nos últimos anos, estamos vendo a privatização avançar também em países com uma tradição social-democrata, onde os governos adotam medidas de privatização educacional não porque eles achem que o setor privado é melhor do que o público, mas porque eles pensam que a privatização pode ser um bom caminho para a desburocratização dos sistemas de segurança social e para a promoção de oferta educativa mais diversificada. Em países de baixa renda, por outro lado, a privatização avança sob lógicas muito diversas. Nas últimas décadas, muitos têm recebido pressões internas e externas para expandir a educação, o que, a priori, é muito positivo. O problema surge quando, diante de restrições financeiras, os gestores pensam que a única forma de expandir o acesso à educação é por meio do setor privado. Sob uma lógica semelhante, a privatização também avançou nos países mais desenvolvidos em profunda crise econômica. 

Também acrescentaria que em países europeus com uma presença significativa de escolas religiosas, como Bélgica, Holanda, Espanha e muitos países da América Latina, as políticas de terceirização do setor privado são comuns. Estas políticas de “aliança” com o setor de ensino privado, principalmente o religioso, são rea­lizadas por uma série de razões, entre elas para conferir eficiência ao setor, para garantir a liberdade na oferta de ensino para a população e para responder a um lobby que costumava ser muito poderoso, como o da Igreja Católica ou Protestante. Finalmente, outra razão para o avanço da privatização é a existência de uma série de organismos internacionais e consultorias influentes que, como mencionei acima, estão promovendo de forma entusiástica tais políticas e tentando convencer os governos de seus potenciais benefícios. No entanto, vale dizer que a privatização geralmente é promovida por razões ideológicas, já que não há evidências acadêmicas suficientes para justificar a política a favor da privatização.

Quais são as principais diferenças desse processo nos países desenvolvidos e nos países em desenvolvimento? 

Hoje em dia estão muito diluídas as diferenças na forma como operam os mecanismos da globalização. O exemplo que acabei de colocar sobre o sul da Europa – sobre as condicionalidades e imposições das organizações internacionais – mostra isso. Outros exemplos podem ser extraídos das fundações filantrópicas que atuam não só em países pobres, mas também em países ricos. Nos Estados Unidos, a Fundação Bill e Melinda Gates tem uma grande capacidade de influenciar a agenda educacional do governo federal e de muitos de seus membros e, entre outras coisas, está conseguindo promover eficazmente o modelo das escolas charter. Apesar disso, os países de baixa renda, que continuam dependentes de financiamento externo, são sim mais vulneráveis ​​aos critérios e prioridades estabelecidos pelos países ricos e organizações doadoras. Em muitos países onde houve uma descentralização da educação, sem garantia de transferência de competências para o nível local, se abriu um grande mercado para as consultorias internacionais, como a Pearson ou a Cambridge Education, que vendem pacotes curriculares e de reformas educativas com os quais prometem resolver muitos problemas educacionais. Esse mercado de consultoria internacional não prospera, pelo menos com tanto êxito, nos países mais ricos, pois eles contam com uma maior capacidade técnica nos governos regionais e locais para resolver certos problemas sem a necessidade de recorrer a intermediários externos.

Quais são os impactos dessas políticas na prática educacional? 

Muitos estudos sobre a relação entre globalização e educação, especialmente aqueles com uma visão mais antropológica, mostram que a adoção formal de políticas globais pelos governos nem sempre se traduz em mudanças reais nas práticas educativas aplicadas em escolas ou na sala de aula. Outros estudiosos da globalização educacional, como Gita Steiner-Khamsi e seus colegas do Teachers College [Faculdade de Educação da Universidade de Columbia], têm mostrado que muitos governos podem estar adotando políticas educacionais globais para aderir às exigências das organizações internacionais a fim de legitimar suas políticas ou, especialmente no caso dos países em desenvolvimento, para obter financiamento externo. Mas, uma vez alcançados os recursos, os governos continuam­ com suas práticas habituais. Essa visão é muito interessante e relevante, pois, de fato, os sistemas educacionais formam redes de agentes, instituições e interesses muito amplos e complexos de tal forma que tendem a ser resistentes a mudanças bruscas ou às constantes demandas por reforma, tanto externa como interna, que recebem. No entanto, não podemos subestimar o fato de que muitas organizações internacionais têm sido muito eficazes tanto em alterar as prioridades e os objetivos educacionais de muitos governos como em divulgar soluções e políticas educacionais.

Há algum efeito positivo das políticas educacionais? Elas podem melhorar o acesso global à educação? 

É claro que o simples fato de que há cada vez mais países procurando melhorar a educação a partir de boas práticas internacionais é positivo em si – desde que essa melhoria não esteja relacionada exclusivamente com os resultados dos testes padronizados. Além disso, há agendas educacionais internacionais, como a Educação para Todos, lançada no Congresso Mundial de Educação, realizado em Jomtien (Tailândia), em 1990, que tiveram e têm impactos muito positivos no campo da educação para o desenvolvimento. Agendas como essas se tornaram aliadas de movimentos e grupos sociais que defendem o direito universal à educação e possibilitaram que muitos governos de países em desenvolvimento e agências internacionais de desenvolvimento concentrassem seus esforços para viabilizar e ampliar o acesso de crianças e jovens a uma educação de qualidade.

Você cita em seus textos um estudo, feito por três pesquisadores, sobre transferência condicionada de renda no Brasil. Poderia dar mais detalhes ? 

Conheço bem o trabalho de Bonal, Tarabini e Rambla, já que fizemos parte do mesmo grupo de pesquisa, o GEPS (Globalização, Educação e Política Social). O mecanismo estudado por eles é um bom exemplo de política que passou a integrar fortemente a agenda global e, sobretudo, um grande exemplo de como uma política global pode se recontextualizar e ter impactos distintos em diferentes territórios. Eles apontam que, no Brasil, o mesmo programa de transferência de renda condicionada, o Bolsa Escola, foi adotado de forma diferente pelos governos locais. Especificamente sobre isso, eles mostraram que em função de alguns aspectos, como a intensidade da transferência monetária ou o nível de componentes educacionais incluído no projeto final, a Bolsa Escola teve efeitos sociais e educativos muito variados.

Antoni Verger - Ph.D. em Sociologia, Pesquisador da Universidade Autônoma de Barcelona.

Fonte: http://revistaeducacao.uol.com.br

sábado, 24 de maio de 2014

POR QUE IR À ESCOLA?

Bernard Charlot, professor titular emérito em ciências da educação da Universidade de Paris, aborda a relação dos alunos com o saber

Muitos estudantes, desmotivados com a escola que frequentam, devem se perguntar com frequência: por que e para que ir à escola? Em busca de respostas para essas questões, o professor titular emérito em ciências da educação da Universidade de Paris, e professor visitante na Universidade de Sergipe, Bernard Charlot, participou hoje (24/05) de um talk show naEducar Educador 2014 e Bett Brasil 2014, que teve como tema a relação dos alunos com o saber.

Para começar sua apresentação, o especialista, que vive no Brasil há 10 anos, buscou o ponto de vista do professor e fez algumas perguntas que considera fundamentais. “Quando vocês vão à escola pela manhã, o que têm em mente? ‘Que sorte, vou contribuir mais um dia para formação da juventude brasileira?’ Ou será que vocês pensam que terão que aguentar mais um dia essas ‘pragas’? Essas questões são importantes porque mudam a forma como você vai ensinar. A questão fundamental não é pedagogia tradicional ou pedagogia construtivista”, destaca.

Revista Educação: leia mais sobre o tema 

Em seguida, ele partiu para o sentido de o aluno ir à escola. “O que eu quero saber, do ponto de vista pedagógico, é qual o sentido de ele estudar ou se recusar a estudar”. Segundo ele, as crianças gostam de ir à escola, porque lá estão seus amigos. “Eles também gostam de saber. O problema é que têm que aprender”.

Para exemplificar, ele citou um adolescente francês que disse a ele que gostava da escola – só não gostava dos professores e das aulas... “E Muitos jovens pensam assim mesmo. Diante disso, cheguei a minha equação pedagógica, que é simples de dizer e um pouco mais complicada de resolver: aprender é igual a atividade intelectual + sentido + mais prazer. Se não tiver atividade intelectual, não vale a pena”, afirma Charlot.

Útil x importante

Segundo ele, ao contrário do que acha o aluno, não é o professor que coloca o saber na cabeça do estudante, ele apenas ajuda. O problema do professor é “o que posso fazer para que o aluno faça?”, pois é o estudante que deve fazer o trabalho de atividade intelectual. “Mas não se fica em uma atividade intelectual que não faça sentido. É claro que não se aprende sem esforço, e o esforço também pode ser feito com prazer. A questão é que esse esforço faça sentido”, destaca.

De acordo com Charlot, a questão didática que temos que enfrentar é a diferença entre o que ele chama de eu empírico e o eu epistêmico. O eu empírico é a criança, o adolescente, o eu da vida cotidiana. O eu epistêmico é o do pensar. “Por exemplo, muitas vezes o professor diz para o aluno ‘diga o que você pensa’, mas como fazer para pensar? É uma coisa que não explicamos aos alunos. Essa é a questão fundamental do ensino médio. Alguns alunos não sabem o que significa pensar.”

Segundo ele, esses estudantes não sabem o que o professor espera, e dão sua opinião. E dar a opinião não significa pensar. “Os alunos não sabem o que significa pensar porque os alunos não têm oportunidade de ver o professor pensar. O professor pensa antes de entrar na sala, ao preparar a aula em casa”, destaca.

O especialista também convocou os professores a “sair da mentira de que ensinamos coisas úteis”. “Ensinamos também coisas úteis, mas também muitas coisas sem importância. Gramática não serve para nada, mas não estou dizendo que não se deve ensinar. Gramática é importante porque o homem tem linguagem e aprender sobre a linguagem é aprender uma coisa humana fundamental. Temos que juntar o ensino útil para o eu empírico com o ensino importante para o eu epistêmico”, acredita.

Fonte: 
http://www.educar.editorasegmento.com.br

quarta-feira, 21 de maio de 2014

QUANTO DE BARBÁRIE EXISTE AINDA DENTRO DE NÓS?

''Demos um dia, há milhares de anos, o salto da animalidade para a humanidade, do inconsciente para o consciente, do impulso destrutivo para a civilização. ''

Perversidades sempre existiram na humanidade, mas hoje com a proliferação dos meios de comunicação, algumas ganham relevância e suscitam especial indignação. O caso mais clamoroso, nos inícios de maio de 2014, foi o linchamento da inocente Fabiane Maria de Jesus em Guarujá no litoral paulista. Confundida com uma sequestradora de crianças para efeito de magia negra, foi literalmente estraçalhada e linchada por uma turba de indignados. 

Tal fato constitui um desafio para a compreensão, pois vivemos em sociedades ditas civilizadas e dentro delas ocorrem práticas que nos remetem aos tempos de barbárie, quando ainda não havia contrato social nem regras coletivas para garantir uma convivência minimamente humana. 

Há uma tradição teórica que tentou dilucidar tal fato. Em 1895 Gustave Le Bon escreveu, quiçá por primeiro, um livro sobre a “Psicologia das massas”. Sua tese é que uma multidão, dominada pelo inconsciente, pode formar uma “alma coletiva” e passa a praticar atos perversos que, a “alma individual”, normalmente jamais praticaria. O norte-americano H. L. Melcken ainda em 1918 escreveu “A Turba” um estudo judicioso sobre o fato e mostra a identificação do grupo com um lider violento ou com uma ideologia de exclusão que ganha então um corpo própro e, sem controle, deixa irromper o bárbaro que que ainda se aninha no ser humano. Freud em 1921 retomou a questão com o seu “Psicologia das massas e a análise do eu”. Os impulsos de morte, subsistentes no ser humano, dadas certas situações coletivas, diz ele, escapam ao controle do superego (consciência, regras sociais) e aproveitam o espaço liberado para se manifestar em sua virulência. O indivíduo se sente amparado e animado pela multidão para dar vazão à violência escondida dentro dele. 

A análise mais instigante foi feita pela filósofa Hannah Arendt. Em 1961 acompanhou em Jerusalém todo o processo de julgamento do criminoso nazista Adolf Eichamann por crimes contra humanidade. Arendt escreveu em 1963 um livro que irritou a muitos:”Eichmann em Jerusalém:um relato sobre a banalização do mal”. Ela cunhou a expressão “a banalização do mal”. Mostrou como a identificação com a figura do “Führer” e as ordens dadas de cima podem levar às piores barbaridades com a consciência mais tranquila do mundo. Mas não só em Eichmann se expressa a barbárie. Também naqueles judeus que extravassavam seu ódio a ele, exigindo os piores castigos, como expressão também de um mal interno. 

Que concluimos disso tudo? Que um conceito realista do ser humano deve incluir também sua desumanidade. Somos sapentes e dementes. Em outras palavras: a barbárie, o crime, o assassinato pertencem ao âmbito do humano. 'Demos um dia, há milhares de anos, o salto da animalidade para a humanidade, do inconsciente para o consciente, do impulso destrutivo para a civilização.' Mas esse salto ainda não se completou totalmente. 

Carregamos dentro de nós, latente mas sempre atuante, o impulso de morte. A religião, a moral, a educação, o trabalho civilizatório foram os meios que desenvolvemos para pôr sob controle esses demônios que nos habitam. Mas essas instâncias não detém aquela força que possa submeter tais impulsos às regras de uma civilização que procura resolver os problemas humanos com acordos e não com o recurso da violência. 

Cumpre reconhecer que vigora em nós ainda muita barbárie. Não diria animalidade, pois os animais se regem por impulsos instintivos de preservação da vida e da espécie. Em nós esses impulsos perduram mas temos condições de conscientizá-los, canalizá-los para tarefas dignas, através de sublimações não destrutivas, como Freud e recentemente, o filósofo René Girard com seu “desejo mimético” positivo tanto insistiram. 

Mas ambos se dão conta do caráter misterioso e desafiante da persistência desse lado sombrio (pulsão de morte em dialética com a pulsão de vida) que dramatiza a condição humana e pode levar a fatos irracionais e criminosos como o linchamento de uma pessoa inocente. 

Todos pensamos nos linchadores. Mas quais seriam os sentimentos de Fabiane Maria de Jesus, sabendo-se inocente e sendo vítima da sanha da multidão que faz “justiça” com suas próprias mãos? A questão principal não é o Estado ausente e fraco ou o sentimento de impunidade. Tudo isso conta. Mas não esclarece o fato da barbaridade. Ela está em nós. E a toda hora no mundo ela ressurge com expressões inomináveis de violência, algumas reveladas pela Comissão da Verdade que analisa as torturas e as abominações praticadas por tranquilos agentes do Estado de terror, implantado no Brasil. 

O ser humano é uma equação ainda não resolvida: cloaca de perversidade para usar uma expressão de Pascal e ao mesmo tempo irradiação de bondade de uma Irmã Dulce na Bahia que aliviava os padecimentos dos mais miseráveis. Ambas realidades cabem dentro desse ser misterioso – o ser humano – que sem deixar de ser humano ainda pode ser desumano. 

Temos que completar ainda o salto da barbárie para a plena humanidade. A situação violenta do mundo atual, também contra a Mãe Terra nos deixa apreensivos sobre a possibilidade de um desfecho feliz deste salto. Só mesmo um Deus nos poderá humanizar. Ele tentou mas acabou na cruz. Um dos significados da ressurreição é nos dar a esperança que ainda é possível. Mas para isso precisamos crer e esperar 

Leonardo Boff, Professor, Filósofo, Teólogo e Escritor 
Escreveu Hospitalidade: direito e dever de todos, Vozes, Petrópolis 2005. 

Artigo Publicado em sua página em 20/05 2014
Fonte:  http://leonardoboff.wordpress.com/

quarta-feira, 7 de maio de 2014

“ESQUERDA” E DIREITA. INTOLERÂNCIA E IRRACIONALISMO

''A direita e certa “esquerda” alimentam seu irracionalismo com um nada leve fundo filosófico.'' 

Existe uma crise clara de pensamento que atinge a quase tudo e todos. Seria uma crise da própria filosofia? Estaria ela ameaçada pelo irracionalismo, ao ceticismo e ao misticismo? Será que a luta de ideias que opõe materialismo x idealismo está se reduzindo a uma doideira do tipo racionalismo x irracionalismo? O que diz o mundo, as pessoas e as relações ao seu (ao nosso) redor?

Vivemos a miséria da filosofia que um dia muitos pensaram ter superado. Não acredito que existe uma miséria da filosofia por aí. O que existe é a morte da própria filosofia. Filosofia pressupõe algum nível de pensamento e certa relação de camaradagem com o conhecimento. O mundo e as pessoas ao nosso redor exprimem exatamente determinado nível próximo de zero com algum nível de pensamento e uma inimizade terrível com a inteligência. Isso ocorre em todos níveis e toma de assalto tanto quem reivindica “ser de esquerda” quanto o mais empedernido conservador de tipo fascista.

A filosofia está sendo substituída pelo irracionalismo, o ceticismo e o misticismo. O debate econômico, por exemplo, em nosso país tem servido para alimentar esta perspectiva. Quase todos advogam a estabilidade monetária como uma conquista, acreditam de pés juntos que a poupança precede o investimento e, consequentemente, um dia o crescimento virá sob as hostes da “inflação sob controle”. Não seria isso tudo a primazia do misticismo e a completa derrota da ciência? Nunca tive dúvidas disso. E gosto sempre de lembrar que a ascensão de Hitler fora precedida por duros ajustes fiscais. 

O que existe hoje no Brasil não é um fascismo que campeia a olhos vistos em todos os segmentos da sociedade? E isso não tem nada a ver com superávit primário, “combate à inflação”, baixíssima relação entre investimentos x PIB? 

Fascismo gera fascismo e a ideologia fascista se esbalda naqueles que combatem o desenvolvimento. Seja pela direita, seja pela “esquerda”. Também nesse caso a ordem dos fatores não altera o produto. Ser contra a realização da Copa do Mundo não é um fim em si mesmo, principalmente entre militantes e acadêmicos dos “movimentos sociais”. São tão irracionais e pródigos da “filosofia” que substitui seu congênere clássico na Alemanha nazista sob os escritos de Heidegger, Spengler e Jünger. 

A direita nega o desenvolvimento como um princípio. Determinada esquerda milita contra o desenvolvimento sem nunca ter lido os brilhantes textos de Trotsky sobre o processo de desenvolvimento russo. São de uma esquerda dita “internacional” sem perceberem que quanto mais internacional, mais inofensiva se torna ao próprio imperialismo.

Na verdade, o imperialismo não foi somente capaz de liquidar fisicamente Torrijos (Panamá) e Roldós (Equador) em 1981, enquadrar a política monetária japonesa em 1985 (valorização do Yen), colocar de joelhos os dirigentes soviéticos com o programa de Guerra nas Estrelas e impor à América Latina o “combate à inflação” com teses reacionárias que ganharam a consciência de quase todo espectro político. 

No fundo a que serve determinadas teses “internacionais” de tipo dependentista e mesmo noções lúdicas do processo de desenvolvimento onde “o pobre é belo” e “o pequeno se opõe ao grande”? 

A direita e certa “esquerda” alimentam seu irracionalismo com um nada leve fundo filosófico. São tão alemães quanto a staff intelectual hitleriana até na negação da dialética como lógica explicativa do movimento. Isso explica demais a intolerância reinante não somente na sociedade, mas mesmo nos círculos que se dizem “acadêmicos” e de “pensamento”. Fico de cabelo em pé ao ver protestos contra a fascitoide profissional Rachel Sheherazade feito por muitos que pouco se diferenciam dela na militância, na “vida acadêmica” e no debate (mercado) de ideias. Já percebeu que uma discussão pode se encerrar com alguma citação sobre a “lógica do capital” dita ou escrita por Meszaros ou David Harvey como se fosse, antes de grandes besteiras, grandes novidades? Quantos não são linchados como a senhora suspeita de “magia negra” até a morte simplesmente por divergir, pensar diferente, polemizar? Você já olhou ao seu redor?

Também não estou livre de determinado grau de intolerância. Todos nós temos dificuldades. Como vivemos numa época em que Nelson Rodrigues dizia que “dinheiro compra até o amor verdadeiro”, impossível ser intolerante com tudo ao redor. Meu autolimite é a intolerância com aqueles incapazes de expressar uma opinião sobre questões de fronteira. Tem gente que nasceu para morrer, portanto não tem mesmo opinião sobre nada. Já quem pratica o câncer da autopreservação em nome de uma carreira, ao evitar polêmicas manda o seguinte recado: "estou à venda". Quando se trata de jovens picaretas a questão não seria "a que ponto ele chegou" e sim, "de que ponto está se partindo". 

Retorno ao início destas palavras. O que diz o mundo, as pessoas e as relações ao seu (ao nosso) redor? 

Elias Jabbour * Doutor e Mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP. Escritor de artigos sobre economia e  autor de dois Livros sobre a China.

Fonte: http://www.vermelho.org.br