terça-feira, 11 de maio de 2010

Psicanálise é comparada à homeopatia

Carlos Pompe *

O filósofo francês Michel Onfray acaba de lançar Le Crépuscule d'une idole, l'affabulation freudienne (“O crepúsculo de um ídolo, a fábula freudiana), onde questiona a capacidade de cura da psicanálise, ”que diz respeito a Freud e ninguém mais”.

 



Ele compara a psicanálise a uma religião e diz que a capacidade dessa disciplina curar as pessoas é semelhante à da homeopatia.

O filósofo, que escreveu Tratado de ateologia (publicado no Brasil, assim como A escultura de si e A política do rebelde), diz que Freud transformou seus próprios "instintos e necessidades fisiológicas" em uma doutrina com pretensão de ser universal. A psicanálise seria "uma disciplina verdadeira e justa no que diz respeito a Freud e ninguém mais".

Ele afirma que Freud fracassou na cura de pacientes que ele mesmo atendeu, mas ocultou ou alterou suas histórias clínicas para dar a impressão de que havia sido bem sucedido. Sergei Konstantinovitch, por exemplo, indicado por Freud como "o homem dos lobos", continuou fazendo psicanálise mais de meio século depois de Freud dá-lo por curado. Bertha Pappenheim, referida como "Anna O.", continuou tendo recaídas de histeria e alucinações mesmo depois de tratada pelo pai da psicanálise.

"A psicanálise cura tanto quanto a homeopatia, o magnetismo, a radiestesia, a massagem do arco do pé ou o exorcismo feito por um sacerdote, quanto nenhuma oração diante da Gruta de Lourdes (onde há relatos de que Nossa Senhora teria aparecido)", disse o francês. E questionou: "Sabemos que o efeito do placebo constitui 30% da cura de um medicamento. Por que a psicanálise escaparia desta lógica?"

Onfrey pensa que Freud tinha preconceito contra homossexuais e um interesse especial em temas como abuso sexual, complexo de Édipo e incesto. Em termos ideológicos, segundo o autor de “O Crepúsculo de um Ídolo”, Freud flertou com o fascismo e escreveu, em 1933, esta dedicatória para Benito Mussolini: "Com as respeitosas saudações de um veterano que reconhece na pessoa do dirigente um herói da cultura." O criador da psicanálise teria tentado alinhar-se com o chanceler Engelbert Dollfuss, que instaurou o "austrofascismo" no país, e às exigências do regime nazista.

A resposta da historiadora e psicanalista Elisabeth Roudinesco às afirmações de Onfrey, num debate com ele, foram pueris: "Quando sabemos que 8 milhões de pessoas na França se tratam com terapias derivadas da psicanálise, está claro que no livro e nas palavras do autor há uma vontade de causar danos". Ora, por esse argumento jamais se contestará nenhum absurdo, pois a imensidão de pessoas que acreditam em absurdos é irrefutável!

Onfray contrapôs que várias reações contra seu livro evitam responder seus argumentos centrais e, em um artigo publicado no jornal francês Le Monde, perguntou se era impossível fazer uma leitura crítica de Freud.

Quando, em 2009, o arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, excomunhou os médicos que realizaram o aborto no episódio da menina estuprada pelo pai, Michel Onfray denunciou: ”A ideologia da Igreja é reacionária, conservadora e insuportável. A Igreja apresenta indignações seletivas. Durante e após a II Guerra Mundial, ela excomungou todos os comunistas e nunca excomungou um único nazista”.

À psicanálise e às religiões, Onfray opõe o racionalismo, como escreveu no Tratado de ateologia: “Nem a Bíblia nem o Corão. Entre os rabinos, sacerdotes, imãs, aiatolás e outros mulás, insisto contrapor o filósofo. Entre todas essas teologias abracadabrantescas, prefiro recorrer aos pensamentos alternativos à historiografia filosófica dominante: as pessoas com humor, os materialistas, radicais, cínicos, hedonistas, ateus, sensualistas e voluptuosos. Pois eles sabem que só existe um mundo e que toda promoção dos mundos subjacentes leva à perda do uso e benefício do único que há. Pecado realmente mortal...”

* Jornalista e curioso do mundo.
Fonte: http://vermelho.org.br/vermelho.htm

Todo o sentimento do mundo

Eduardo Bomfim *

A campanha eleitoral que se aproxima se revestirá de uma importância diferenciada das outras recentes que aconteceram. Os próximos meses mostrarão que acontecerá um embate decisivo ao futuro do Brasil.

Nos estados regionais é bem possível que as paixões e as rivalidades arraigadas entre grupos ou personalidades superem por algum tempo o sentido mais geral de um grande confronto de proporções históricas que estará presente cada dia dos debates, nas ruas, na mídia ou nos comícios.

E alguns poderão tentar rebaixar o nível e o espírito verdadeiro dessa disputa. Porque a esses, na contramão dos anseios, esperanças do povo brasileiro, resta somente fulanizar o discurso, desviar o assunto do que está em jogo, na impossibilidade de apresentar com transparência à sociedade o seu alinhamento político.

Dificilmente conseguirão, no entanto, manter uma linha diversionista por muito tempo porque a gravidade do momento e a profundidade do que estará por se decidir não permitirá que se esconda o confronto das propostas e os programas antagônicos em duelo titânico na sociedade brasileira.

Na verdade a nação estará mais uma vez perante uma incrível encruzilhada histórica, assim como esteve em vários outros momentos do seu jovem itinerário. Pode-se afirmar que essa encruzilhada não será de menor estatura do que a luta dos brasileiros contra o regime de arbítrio que perdurou vinte e um anos, na qual a nação saiu vencedora.

Será uma tremendo duelo entre as grandes maiorias e um determinado segmento das elites nativas associado a um projeto que comumente se chama de neoliberal e todas as suas consequências, testado e posto em prova nos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso.

Que conta com o enfurecido e descontrolado engajamento de uma parcela da grande mídia hegemônica nacional, toda poderosa, sem nenhum pudor para com as regras do conceito básico da informação que venha a ser minimamente imparcial.

Essa mesma mídia que apesar do brutal esforço não conseguiu sustar a aprovação do governo Lula por mais de 80% dos brasileiros.

Será uma árdua disputa, que se revestirá de profundo caráter plebiscitário, entre o atual projeto nacional soberano, de desenvolvimento com inclusão social, versus o ultrapassado e nefasto dogma neoliberal.

Ao povo brasileiro valerá a consciência social, associada ao espírito do poeta ao declarar que só tinha duas mãos e todo o sentimento do mundo.

* Advogado, Secretário de Cultura de Maceió - AL
Fonte: http://vermelho.org.br/vermelho.htm

Os delírios de Dom Dadeus

Regina Abrahão *

Para o arcebispo gaúcho a responsabilidade pelos abusos sexuais cometidos por integrantes da igreja católica é a sociedade atual, onde a liberdade sexual permite que inclusive homossexuais tenha direito de manifestação pública.

Abertura de assembléia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Brasília. O arcebispo Dom Dadeus Grings, falando em pedofilia conseguiu comprometer ainda mais a Igreja católica, quando põe a culpa dos abusos sexuais cometidos por padres católicos na sociedade, que ele classificou de pedófila. Mais: para ele, somente a castidade seria necessária para resolver o problema da pedofilia.

Segundo o arcebispo, a pedofilia cometida por sacerdotes católicos é ínfima em relação ao que acontece fora da igreja. Segundo ele, os abusadores católicos são poucos, e o destaque dado aos casos é feito por pessoas incomodadas com a promoção da castidade. Vai mais longe, afirmando que a falta de castidade que ele classifica como excesso de liberdade sexual é responsável não só pela pedofilia, mas também por problemas como a homossexualidade.

Na verdade o arcebispo homofóbico falou não em homossexualidade, mas em homossexualismo. E vai mais longe: Lembra, com saudades, do tempo em que não se tocava no assunto, os homossexuais eram discriminados e não tinham direito de se manifestar em público. E conclui associando homossexualidade com pedofilia, uma vez que agora que os homossexuais tem direito de se manifestara publicamente, o que, segundo ele, abre precedente para que os pedófilos se organizem e reivindiquem seus direitos.

Na verdade não houve aumento dos casos de pedofilia. Está havendo sim uma maior publicização dos casos, antes guardados a sete chaves pela cúpula católica. E não por vontade ou mea-culpa da igreja. É que são tantos os casos que não havia mais como evitar o escândalo. E se castidade resolvesse ou coibisse o problema, ele não ocorreria em tamanha proporção dentro da igreja católica.

Ou seja, Dom Dadeus delirou. Tivéssemos nós aprovada a lei que criminaliza a homofobia, eis nosso arcebispo na cadeia! A sordidez das afirmações, o cinismo do discurso, o moralismo católico que tantas vítimas fez ao longo da nossa história vitimou seus desafetos. E, ao colocar a igreja como “vítima das páginas de jorrnais, revistas e outros meios de comunicação, fustigada, exposta ao público ludíbrio, por causa de fraquezas de alguns de seus membros”, minimiza e dilui a responsabilidade dos trágicos casos de pedofilia protagonizados por seus membros.

Enfim, o mais estarrecedor nem são as desculpas sem fundamento do arcebispo. O que assusta mesmo é a associação de um crime, que é a pedofilia, responsável por incontáveis mazelas posteriores. Injustificável por que geralmente cometido contra vítimas por aqueles que lhe teriam obrigação de proteger com a homoafetividade. Que é questão combatida pela igreja com tamanha voracidade que só pode assustar e atemorizar a todos e todas que porventura pensem na igreja católica como um espaço de dignidade do ser humano.
* Funcionária pública, direigente municipal do PCdoB de Porto Alegre, estudante de ciências sociais da UFRGS. Dirigente da Semapi - RS
 Fonte: http://vermelho.org.br/vermelho.htm

“Utopia e Barbárie”: Lições da história

Cloves Geraldo *

Diretor brasileiro, Silvio Tendler, passeia pelas lutas político-ideológicas dos últimos 100 anos e mostra quais são as suas consequências


Vasto painel sobre as lutas político-ideológicas do século XX e suas consequências no início do Terceiro Milênio, “Utopia e Barbárie” pretende ser, também, uma reflexão de seu diretor, Silvio Tendler (“Jango”) sobre os movimentos de resistência e libertação nacional neste período.Através de imagens de filmes e de acontecimentos reais, ele percorre a Revolução Russa, o Holocausto, as Revoluções Chinesa, Vietnamita e Cubana, o Maio de 68, os conflitos raciais nos EUA, a Perestroika, o Golpe de 64, a Guerrilha do Araguaia e as Diretas Já. E seu passeio por estes processos históricos contribui para a leitura que ele faz e as lições que deles retira.

Na primeira parte (e nas demais), ele expõe os fatos por meio de depoimentos, frases, poemas, sobreposição de imagens que, sem dúvida, impactam. Põe o espectador no centro dos acontecimentos, pois as figuras que ele traz para a exposição viveram aqueles fatos. Deixa, assim, que as palavras e as imagens falem por si. Na segunda parte, quando inclui depoimentos reflexivos, como o do poeta Ferreira Gullar, que avalia o comportamento das organizações de esquerda que optaram pela luta armada, o espectador fica desconectado. Inexiste contraposição ao que Gullar fala.

O espectador tem que pinçar aqui e ali, nos depoimentos do jornalista e ministro das Comunicações do Governo Lula, Franklin Martins, e do escritor uruguaio Eduardo Galeano, autor de “As Veias Abertas da América Latina”, a validade da opção das organizações de esquerda. Gullar avalia que elas erraram, porque a correlação de forças não lhes era favorável. E exemplifica com os casos dos militares brasileiros e das forças armadas chilenas. Eles estariam mais fortes e armados do que as organizações de esquerdas, o que invalidaria a resistência.

Vários detalhes escaparam ao poeta; o direito dos oprimidos resistirem, a necessidade de bloquear os desmandos, as perseguições e torturas perpetradas pelos generais brasileiros e a ausência absoluta de liberdade de manifestação e organização. Cada época e situação política impõem uma forma de luta aos oprimidos. E não foi diferente durante os 21 anos que durou a Ditadura dos Generais, apoiada pelos EUA. Em cada etapa de sua duração, a oposição democrática e popular forjou um tipo de luta, como a Anistia, as Diretas Já, a Constituição de 88 e as eleições diretas.           

Então, passado este interegno, Tendler entra na terceira parte, com suas conclusões. O espectador pode discordar quando ele diz que as formas de luta se fragmentaram. No entanto, ele, espectador, pode entender que o centro da luta utópica, entendida como algo que se pode alcançar (ou não) no futuro, continua sendo do trabalho contra o capital, do oprimido contra o opressor, do Socialismo contra o Capitalismo, dos países subjugados contra o Imperialismo. As formas de luta nas várias frentes são ditadas por estas variações.

Fora estas questões, “Utopia e Barbárie” trás para a reflexão mitos da esquerda como o general vietnamita Nguyen Van Giap, falando sobre a tarefa que recebeu de Ho Chi Minh para organizar a luta contra a França e os EUA, de Che Guevara desancando o imperialismo, de Fidel apoiando Salvador Aliende, no Chile. Mas é igualmente impactante seu mergulho na história nacional não só por seu resultado, como também pelas variações que ela vem apresentando. Do Lula metalúrgico ao Lula presidente, de Dilma Roussef falando sobre os sonhos da juventude dos anos 60, da perseguição perpetrada pelas ditaduras militares latinoamericanas às esquerdas na Operação Condor à construção da democracia na Argentina, Chile e Uruguai e Bolívia.

Neste giro de câmera, Tendler liga as ocorrências que vinculam as lutas no campo capitalista aos conflitos na União Soviética e na China. Estão ali imagens da Primavera de Praga, da Perestroika, da Revolução Cultural, da Perestroika, da Queda do Muro de Berlim, da Praça da Paz Celestial, tentativas de a direita assumir o poder nesses países durante a Guerra Fria. São enquadrados por ele na luta da utopia e da barbárie, mas têm caráter diferente. No campo socialista tem o matiz de regressão ao sistema capitalista, de mercado, de consumo. Não é para superar os bloqueios do sistema socialista para avançar para a integração de mais trabalhadores dos mais diversos setores de produção, serviços e intelectual, ou seja de mais socialismo.

Tendler em suas pinceladas, num filme que levou 19 anos para ser produzido em 15 países, se assombra com a dialética da história, quando aborda o Crash de Setembro de 2008, época da derrocada do sistema financeiro dos EUA e do bloco capitalista. “Ninguém poderia imaginar que o Governo dos EUA fosse assumir a maior seguradora do país”. A voracidade do capital forjou a sua própria crise e sua própria solução: a intervenção do Estado para salvá-lo. Desta forma, vale observar que os oprimidos, frente a casos iguais a estes, só têm que ir criando suas formas de luta, pois a história é lenta e caprichosa, como diz Eduardo Galeano.
Utopia e Barbárie”. Documentário, Brasil, 120 minutos. Direção/Roteiro: Silvio Tendler.
* Jornalista e cineasta, dirigiu os documentários "TerraMãe", "O Mestre do Cidadão" e "Paulão, lider popular". Escreveu novelas infantis,  "Os Grilos" e "Também os Galos não Cantam".

Fonte: http://vermelho.org.br/vermelho.htm

Nos cem anos de Raquel de Queiroz...

Marco Albertim *

Vale um comentário sobre O Quinze, obra tão ou mais conhecida quanto a autora; inda que não controversa como o perfil cultural da cearense. Já na octogésima sexta edição, a simplicidade da linguagem – seu maior traço – ajuda a pôr em relevo a crueza da seca de 1915.

O cenário surge, não como indício pictórico, mas entranhado nos homens. Não poupa nem Vicente, o fazendeiro de posses que, “Sacudido pela estrada larga do quartau, seguiu rápido, o peito entreaberto na blusa, todo vermelho e tostado do sol, que lá no céu, sozinho, rutilante, espalhava sobre a terra cinzenta e seca uma luz que era quase como fogo.” Para Chico Bento, o vaqueiro pobre, “O pasto, as várzeas, a caatinga, o marmeleiral esquelético, era tudo de um cinzento de borralho.”
A opressão de classe aparece no diálogo entre Chico Bento e “o homem das passagens”. Indiferente à sorte dos retirantes, diz o homem: “Que morte! Agora é que retirante tem esses luxos... No 77 não teve trem para nenhum. É você dar um jeito, que passagens, não pode ser...” – Não é um diálogo, é a confirmação do agouro. Na mesma trilha, diz o delegado sobre o filho sumido de Chico Bento: “Não tem jeito que dar não, meu amigo... O menino, naturalmente, foi-se embora com alguém...” Ou no contraste entre a miséria dos retirantes na procissão e os trajes ricos do bispo “(...)os farrapos imundos, atrás do pálio rico do bispo(...)”.
Como boa regionalista, Raquel de Queiroz soube ainda ler o tempo telúrico porque “O sol, no céu, marcava onze horas.” A fome permeia todo o romance, punge quando o menino Josias devora a mandioca brava: “(...)e enterrou os dentes na polpa amarela, fibrosa, que já ia virando pau num dos extremos.” Na mesma altura “(...)roeu todo o pedaço amargo e seco, até que os dentes rangeram na fibra dura.”
Conceição é uma professora que se divide entre os modos urbanos e a bruteza do sertão; é a única que destila preconceito:
-(...)Então Mãe Nácia acha uma tolice um moço branco andar se sujando com negras?
O Quinze tem narrador onisciente, o que permite à autora imiscuir-se no pensamento de cada personagem, sem que assuma os rumos da abstração de cada um. Assim, na imaginação de Conceição, mostra-a, sem perder a segurança de narradora: “Metido com cabras... não se dava respeito... E ainda por cima, não se importava nem em negar...”
Raquel viu a seca de 1915, no Quixadá; dá indícios de autobiografia ao mencionar Machado de Assis: “E a moça comparou dona Inácia àquelas senhoras de alma azul, de que fala o Machado de Assis...” Aqui a autora se mostra supérflua.
Com Graciliano Ramos...

Vidas secas, oito anos depois d’O Quinze, mostra a “catinga rala”, enquanto Raquel desnuda uma “caatinga cinzenta”. Ambos tão francos quanto a crueza do cenário. Sinhá Vitória, como a Cordulina, de Chico Bento, tem o filho “escanchado no quarto”. Graciliano, feliz à exaustão, tão onisciente quanto a cearense, menciona “sentimentos revolucionários” na cachorra Baleia depois de um pontapé. A reprodução dos costumes entre as classes dá-se quando Sinhá Vitória “Teimava em calçar-se como as moças da rua(...)”. A submissão aos costumes se manifesta em Fabiano porque, usando “chapéu de baeta, colarinho e gravata. Não se arriscaria a prejudicar a tradição, embora sofresse com ela.” Atento à opressão de classe, diz que Fabiano - “Se pudesse mudar-se, gritaria bem alto que o roubavam. Aparentemente resignado, sentia um ódio imenso a qualquer coisa que era ao mesmo tempo a campina seca, o patrão, os soldados e os agentes da prefeitura.” Já a submissão de classe surge quando o personagem “(...)notou que aquilo era um homem e, coisa mais grave, uma autoridade.” Ou quando, olhando para o odiado soldado, assunta:
 – Governo é governo.

No capítulo, a subjetividade de Fabiano é explorada até a medula. Também se imiscui com a personagem sem confundir-se com ela; assim, o sonho de Sinhá Vitória é vestir-se de “saias de ramagens vistosas. As vacas povoariam o curral. E a catinga ficaria toda verde.” Com folgada autoridade, o autor desprende-se das páginas para dizer ao leitor que, Fabiano, imitando “seu Tomás da bolandeira, (...) dizia palavras difíceis(...)Tolice. Via-se perfeitamente que um sujeito como ele não tinha nascido para falar certo.” Em Vidas secas e n’O Quinze os capítulos podem ser lidos como peças autônomas. No primeiro, o destaque está no capítulo Baleia. O leitor deseja uma morte rápida para a cachorra, porque o autor mistura as lembranças do animal com a agonia do fim próximo. No segundo, impressiona a sofreguidão com que Chico Bento sacrifica uma cabra para mitigar a fome da família; sente-se um alívio, logo interrompido com a chegada do rico proprietário.
Mas em Galiléia...

O também cearense Ronaldo Correia de Brito põe três personagens de perfil urbano na rudeza do sertão. Com habilidade de escritor maduro, entrega a narrativa a um dos três primos, Adonias, personagem de primeiro plano. O narrador se divide entre as memórias da infância, as preocupações com os primos na viagem de volta à fazenda do avô. Regionalista, o autor tem estilo apurado, escorreito. Quase escorrega num clichê quando “Um relâmpago dos mais fortes clareou o mundo, no momento em que David atravessou a porta de entrada.” Aliás, um clichê cinematográfico. Demonstra concentração poética no foco telúrico: “Dormi como dormem as pedras, sem sonhos.” Os diálogos são ricos de subjetividade, como na conversa entre dois primos, ante a morte iminente do avô:
- Ele está sofrendo?
- Está. A lucidez é um sofrimento.
No capítulo Lourenço, o autor usa três recursos. O relato de Lourenço sobre um episódio de vingança na família, numa prosa própria, sem volteios de romance; o ressurgimento de Adonias, com a narrativa retomando o curso original; logo interrompida por um diálogo rápido, com perguntas e respostas ligeiras. O autor dá uma trégua ao leitor.
Galiléia foi o livro do ano em 2009.

* Menção honrosa dos Prêmios Literários da Cidade do Recife, com o livro Um presente para o papa e outros contos. Integra as antologias de contos Recife conta o Natal e Panorâmica do conto em PE.
Fonte: http://vermelho.org.br/vermelho.htm

Formação, necessidade crescente do movimento sindical!

Augusto César Petta *

O processo de formação política e sindical acontece para os trabalhadores e trabalhadoras de duas formas: a primeira refere-se à prática, como por exemplo, numa greve em que a contradição capital - trabalho fica muito explícita, ou nas lutas em que os trabalhadores e as trabalhadoras buscam pressionar e interferir na definição das políticas públicas e na gestão do Estado; a segunda, através do estudo, da pesquisa, da elaboração de textos, dos cursos, palestras, debates sobre várias temas sempre situados na conjuntura política e econômica.
Esse processo é mais avançado quando se consegue articular dialeticamente teoria e prática. Lenin, o grande líder da Revolução Russa, ao mesmo tempo que participava intensamente do movimento político, estudava e escrevia, refletindo sobre acontecimentos da conjuntura , indicando qual a tática mais correta a ser aplicada. É dele a famosa frase: sem teoria revolucionária não há prática revolucionária”.

Desde as origens do movimento sindical no Brasil, os historiadores constatam que foram desenvolvidas inúmeras atividades teóricas de formação . A ascensão do sindicalismo classista- constatada sobretudo a partir da segunda década do século XX –permitiu que as atividades de formação classista proliferassem nas conjunturas democráticas e tivessem sérios retrocessos nas conjunturas ditatoriais. Os governos autoritários tudo fazem para que o proletariado não se conscientize a respeito da exploração a que está submetido.

A partir do final de 2008 – quando a CTB estava completando seu primeiro aniversário – o processo de formação classista intensificou-se. Fruto de um convênio firmado entre a CTB, presidida por Wagner Gomes e que tem como Secretária de Formação e Cultura Celina Areas, e o Centro de Estudos Sindicais – CES presidido por Gilda Ameida, considerando-se o período de novembro de 2008 a fevereiro de 2010, foram realizados 18 cursos básicos atingindo 24 Estados, dois cursos nacionais de formação de formadores, 2 cursos de formação de facilitadores de planejamento estratégico situacional, seminário nacional, diversos cursos, seminários, palestras em entidades filiadas a CTB, chegando-se a atingir 1958 participantes. Nas atividades de formação promovidas pelo CES em entidades não filiadas a CTB, chegou-se ao total de 1041 participantes.

Este número significativo de participantes é uma resposta à necessidade concreta de se ter que enfrentar desafios, que levam ao debate questões como estas: Como aumentar o número de participantes nas atividades que a entidade sindical promove, tais como assembléias e congressos ?Como aumentar o número de sindicalizados? Como se situar diante da aplicação de novas técnicas gerenciais que colocam os trabalhadores e trabalhadoras como se fossem colaboradores? Como se situar diante de um governo cujo Presidente é metalúrgico e oriundo do movimento sindical? Como compreender melhor a evolução histórica do movimento sindical? Como analisar a conjuntura em que vivemos? Como planejar estrategicamente as atividades sindicais?

Por fim, gostaria de apresentar duas sugestões básicas aos sindicalistas: a primeira refere-se à necessidade de que as entidades tenham uma secretaria de formação, que deverá promover atividades que propiciem aos diretores e diretoras, aos funcionários e funcionárias e à categoria, a possibilidade de terem uma formação contínua; a segunda refere-se à necessidade de planejar as atividades sindicais, inclusive as de formação.Em geral, as entidades sindicais procuram dar respostas às demandas imediatas das categorias, sem ter um plano estratégico com objetivos e metas claras a serem atingidas. É fundamental que todas entidades realizem seus respectivos planejamentos estratégicos.

Texto publicado inicialmente na revista Visão Classista da CTB

* Professor, sociólogo, Coordenador Técnico do Centro de Estudos Sindicais (CES), membro da Comissão Sindical Nacional do PCdoB, ex- Presidente do SINPRO-Campinas e região, ex-Presidente da CONTEE.

Fonte: http://vermelho.org.br/vermelho.htm