quarta-feira, 28 de abril de 2010

Debate sobre segurança relembra fracasso de José Serra em SP

A exemplo do que ocorreu com a recente declaração sobre o Mercosul (leia mais aqui), o pré-candidato tucano à Presidência, José Serra, meteu novamente os pés pelas mãos ao colocar o tema da segurança na agenda do debate pré-eleitoral. Apesar do discurso "duro" e "propositivo", Serra não consegue escapar da avaliação de que sua gestão como governador de São Paulo teve na área de segurança um de seus mais retumbantes fracassos.

Na segunda-feira (26), durante entrevista ao programa Brasil Urgente, apresentado por José Luiz Datena, Serra usou jargão policialesco e pretensamente popular para defender sua visão sobre segurança pública. "Bandido tem de ser enfrentado com dureza" e "engaiolado", disse o tucano Serra prometeu que, se for eleito, criará um Ministério da Segurança Pública para combater o crime organizado.

O tucano defendeu a criação de um novo ministério, pois o Ministério da Justiça "não foi feito diretamente" para combater o crime. Para Serra, o Ministério da Segurança Pública cuidaria da reorganização de "todo o sistema de segurança do País".

Matança no litoral

A declaração do ex-governador de São Paulo ocorreu no mesmo momento em que órgãos do governo norte-americano recomendavam aos turistas que viessem visitar o Brasil que evitassem a baixada santista, no litoral paulista, devido a onda de assassinatos que ocorre n aregião.


Ao mesmo tempo, o procurador do Estado, Antonio Mafezzoli, acusou ontem o Governo Alberto Goldman (PSDB) de se omitir na investigação sobre a matança de jovens na Baixada Santista. Desde o início da semana passada, 23 pessoas, a maioria delas jovens e sem antecedentes criminais, foram assassinadas em cidades do litoral paulista e outras 12 foram feridas a bala. Segundo o procurador, a mortandade no litoral faz lembrar episódios ocorridos em maio de 2006, quando nove pessoas foram mortas em represália da polícia a ataques da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).

"A violência atingiu de novo um grau desproporcional, sem que a polícia tomasse qualquer providência para apurar a autoria dos crimes. O serviço de inteligência da Polícia Civil já deveria estar levantando a identidade dos autores, que não podem ficar impunes", reclamou Mafezzoli.


De acordo com o procurador, a polícia paulista está agindo como se os assassinatos praticados em diferentes cidades da Baixada Santista não estivessem interrelacionados.

"Boa parte desses crimes foi praticada por ninjas encapuzados, utilizando motos e armamentos de alto calibre, que decidem fazer justiça com as próprias mãos, assassinando jovens inocentes, que nem tinham passagens pela polícia. Há uma grave omissão do Estado, complacente com este tipo de procedimento".


Serra foi um fracasso na política de segurança pública


As críticas do procurador só reforçam os dados que mostram que durante o governo Serra a criminalidade no estado de São Paulo só fez aumentar. Segundo dados oficiais divulgados pelo próprio governo paulista, em 2009 os índices de roubo chegaram a bater o recorde da década. Foram 257.004 roubos ano passado, contra 217.967 em 2008, um aumento de 18%. O maior número de ocorrências desse tipo de crime havia sido alcançado em 2003, quando foram registrados 248.406 casos. Homicídios, latrocínios, furtos e sequestros também aumentaram em relação a 2008.


Em queda de 2001 a 2008, o número de homicídios dolosos (intencionais) voltou a crescer no estado. Chegou a 4.557 ano passado, contra 4.426 em 2008, uma elevação de 3%. O governo paulista, no entanto, comemorou o fato de o índice ser de 10,9 assassinatos para cada 100 mil habitantes, um dos menores patamares do país, segundo a Secretaria de Segurança Pública. A Organização Mundial de Saúde, porém, classifica esse quadro como epidemia.


De acordo com planilhas da própria secretaria, o número de latrocínios também subiu de 267 mil para 304 mil (14%), e os sequestros tiveram aumento de 60 mil para 85 (40%). Também chamaram atenção os registros de furto e estupro. No primeiro caso, foram contabilizados 528.933 casos no estado, 8% a mais que em 2008. Já os casos de estupro subiram de 3.338 para 5.647.

Também verificou-se que o aumento de homicídios no interior de São Paulo interrompeu a série histórica de redução desse tipo de crime no estado. As cidades do interior foram responsáveis pelos maiores índices, com elevação de 16,4% (de 1.821 para 2.120) nos homicídios.


Desde 2001, vinham sendo registradas quedas em relação ao número de assassinatos em São Paulo. Mas, no ano passado, o aumento do número geral de homicídios no estado só não foi maior porque a capital e a grande São Paulo tiveram redução nos últimos 12 meses.

Na capital foram 1.235 casos, com queda de 2%. Já na região metropolitana, a diminuição chegou a 10,4%, com 1.202 ocorrências.

Diante do aumento no volume de diversos crimes, o governo de São Paulo avaliou que a crise econômica mundial e a greve da polícia de 2008 foram fatores que "colaboram para o salto dos índices de violência no estado".


A ideia de que a crise econômica mundial colaborou para aumentar a violência em São Paulo é rechaçada por especialistas. "Tratar essa violência como reflexo da crise econômica é uma análise inadequada do fenômeno". Não dá para fazer essa relação entre pobreza e aumento da violência, já que a violência é uma questão que passa por fatores educacionais, demográficos e também pela ação do poder público, avalia o pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, Marcelo Batista Nery.
Fonte: http://www.vermelho.org.br 
Da redação, com informações do site Brasília Confidencial

Jandira: é preciso punir os torturadores para contar a História

Emoção, convicção, indignação, esperança, solidariedade, saudade e garra. Poderia citar muitos sentimentos para expressar tudo que passou na cabeça e no coração de tantos lutadores, familiares, cidadãos que estiveram na OAB-RJ, dia 15 de abril, para o lançamento da campanha pela abertura dos arquivos da ditadura.

Por Jandira Feghali, no Jornal do Brasil

Diferentemente do que muitos acham, um país só é digno de ser uma nação se conseguir contar plena e verdadeiramente sua História, se definir valores para as relações intergeracionais, se conseguir mostrar as razões da liberdade e para que servem, como também o que significa a falta dela.

Infelizmente o Brasil tem uma tradição histórica e cultural de ignorar, esquecer o passado. Todos os países da América Latina que passaram por ditaduras militares, repressoras e cruéis, abriram seus arquivos e, apesar de leis de anistia ou “obediência devida”, processaram e condenaram os torturadores e os mandantes. Tortura é um crime contra a Humanidade, hediondo e covarde e não pode prescrever e muito menos ser esquecido.

A geração dos nossos filhos e netos tem que saber que a tortura é crime inaceitável e passível de punição. Não pode haver impunidade para quem torturou, matou, e retirou pessoas queridas do convívio de suas famílias e da sociedade, caso dos desaparecidos mortos, esquartejados, despejados no mar ou em cemitérios clandestinos, após terem sido presos, privando suas famílias do direito inalienável de enterrar seus mortos, ou pelo menos saber o que foi feito deles.

Os desaparecidos se transformaram em fantasmas que assombram a cidadania e mantem abertas as feridas dessa guerra suja, por constituírem crimes continuados, uma verdadeira tortura psicológica sem fim. Onde estão eles? O Brasil, “mãe gentil”, tem o direito de saber. Só a verdade trará a paz e cicatrizará essas feridas.

O próprio Estado já reconheceu sua responsabilidade nesses casos que violam todas as leis de guerra. As mentiras passadas e repassadas muitas vezes com o cinismo de alguns generais em meios de comunicação precisam ter a devida resposta do Estado Brasileiro.

As Forças Armadas, cuja grande maioria repudia com firmeza a tortura, a ilegalidade e a quebra da disciplina que resultaram dos porões do regime, precisam demonstrar seu total descompromisso com o período ditatorial, condenar práticas criminosas e assumir junto ao povo a credibilidade de quem tem compromisso com a Constituição e com suas funções lá definidas. O silêncio, os arquivos fechados, as explicações mentirosas, como as do atentado ao RioCentro, comprometem a instituição.

A abertura dos arquivos da ditadura é uma obrigação histórica, que trará tranquilidade à nação, respeito às famílias que obtiveram na reparação econômica um reconhecimento de culpa do Estado, mas não consideram isso uma solução. As mães que perderam seus filhos, muitos ainda jovens estudantes, querem saber quando, como e quem os fizeram entrar para a estatística dos desaparecidos políticos.

Não perdoar os torturadores é decisivo para a democracia, e a Suprema Corte Brasileira terá este compromisso, no qual se empenham lutadores que conseguiram salvar sua vidas com o exílio e o apoio de muitos outros democratas que acreditavam na reconquista de uma República Federativa Brasileira democrática ou até mesmo daqueles que, sem qualquer vínculo ideológico, foram capazes de generosamente auxiliar um coirmão.

Reforçar a cultura da solidariedade, da liberdade, da cidadania plena constitui o maior legado que podemos deixar às futuras gerações. Para isso, é necessário que o Estado Brasileiro torne todo esse período aberto e transparente.

Hoje em dia, quem quiser informar-se sobre o golpe militar de 64, o papel dos norte-americanos nesse golpe, suas causas e consequências ou até sobre a repressão no Brasil terá mais sucesso se se dirigir à Biblioteca do Congresso, em Washington, onde os documentos oficiais relativos ao período estão disponíveis para consulta há alguns anos.

Memória, verdade e justiça são pilares sustentados pelo povo, pelos artistas que emprestam seu prestígio e representatividade à campanha para dar voz aos desaparecidos, uma campanha, que se ampliará pelo país, e será capaz, na mistura da razão com a emoção, de provocar a superação dessa página triste da nossa História, que precisa ser dignamente virada.

* Jandira Feghali, ex-deputada federal pelo PCdoB- RJ, foi secretária de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia de Niterói e secretária de Cultura do Rio de Janeiro (RJ)
 
Fonte: http://www.vermelho.org.br
                      Chapa Autonomia e Luta obtém 97,74% dos votos                             


Os bancários de Chapecó, Xanxerê e Região escolheram a sua nova diretoria em eleição que ocorreu durante todo o dia de ontem (27). A nova direção conduzirá a entidade no período de 2010 a 2013.

A chapa Autonomia e Luta, única inscrita para concorrer as eleições, encabeçada por Sebastião Araújo recebeu 97,74% dos votos. Participaram da votação 752 bancários. Na contagem dos votos foram 734 votos SIM, 17 votos NÃO, 01 voto NULO.

As propostas da chapa passam pela clara defesa dos direitos dos trabalhadores, autonomia em relação aos bancos e aos governos e a busca, através da organização e mobilização da categoria, ampliar os direitos.

Segundo o presidente eleito do Sindicato dos Bancários de Chapecó, Xanxerê e Região, Sebastião Araújo, é importante a renovação da diretoria pois ela dá novo fôlego para a continuidade das lutas da categoria. “O salário do dirigente é pago pelo banco, então para mim a recompensa maior é a luta pela categoria, por menores que sejam os êxitos é uma grande satisfação pessoal estar na presidência do Sindicato”, afirmou Araújo.

De acordo com Araújo, além da continuidade dos trabalhos, nós queremos focar na saúde preventiva dos bancários e também na fiscalização dos planos de saúde.

Durante a eleição, uma urna fixa ficou aberta das 08h às 18h, no Sindicato dos Bancários de Chapecó e 08 urnas itinerantes passaram em todos os estabelecimentos bancários da base territorial, durante o horário de expediente para coletar o voto dos associado.

 Fonte: Sindicato dos Bancários

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Afinal, o que é uma democracia sem direitos humanos?

Fatima Oliveira *

As polêmicas acerca do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, tão-somente uma diretriz de trabalho, provocam uma efervescência neuronal em quem tem deferência pela liberdade e a vê como um valor que perpassa todas as gerações de direitos humanos. 

Os "contra" se despiram da noção de pluralismo moral e fazem de conta que os direitos humanos não são protetores da humanitude, "apenas acobertam deliquentes sem colarinho; camponeses em busca de um naco de chão; gays e lésbicas que se amam, e mulheres que ousam exercer o direito de decidir" - todos "gentinha da pior laia", sem selo humano. É desfaçatez em demasia!

A Igreja Católica, despudoradamente, insiste em querer imprimir ao Estado brasileiro ares de teocracia católica e não contém o ranço histórico de desrespeito à pluralidade inerente à democracia. O que dizer de figuras que defendem o acobertamento de crimes horrendos, a maioria de domínio público, quando é dever de ofício, são pagas para tanto, defender a plenitude democrática? É o striptease em defesa da inimputabilidade de agentes públicos pelos crimes cometidos na ditadura militar de 1964 tentando acuar uma nação.

Indago ainda por que permitir, irresponsavelmente, que a imagem da instituição e um contingente expressivo das Forças Armadas, a ala jovem e outros tantos, na ativa e na reserva, que não praticaram crimes, têm de herdar a pecha de criminosos? É injusto que nos calemos para que assim seja. A Comissão da Verdade libertará os inocentes da pesada cruz dos crimes cometidos por alguns fascistas e sociopatas de outros naipes.

Li o mais que pude os contra-argumentos veiculados. Fui tomada de uma espécie de intolerância ética pela irracionalidade verborrágica dos "contra" e de enorme gratidão à democracia possível em que vivemos, que dá voz aos desatinados, escancarando entranhas e mostrando quanta quilometragem temos de percorrer até a democracia necessária a uma vida decente, de respeito irrestrito aos direitos humanos.

Na condição de trabalhadora que constrói as riquezas nacionais e tem consciência de que o dinheiro público, fruto de cada tostão do suor de quem trabalha, irriga abundantemente, direta e indiretamente, a Igreja Católica no Brasil, assim como garante a existência e os salários das Forças Armadas, eu me pergunto: por que alguns se acham no direito de entravar as liberdades democráticas? A história da humanidade demonstra que não se constrói uma democracia consistente sobre escombros de crimes hediondos impunes e valores teocráticos. Logo, considero que o contido no 3º Programa Nacional de Direitos Humanos é um passo decisivo para um país de fato de todos nós.

Ter ou não uma religião é um direito constitucional no Brasil. As religiões devem ser dignas dos papéis que as definem como religiões. Quando se metem a regulamentar a vida social e política para além dos seus fiéis e da garantia de livremente existirem, são nocivas à democracia. O que dizer de uma religião que vive de enganar, pois usa dupla identidade - ora se apresenta como religião, ora como Estado (o Vaticano) - ao sabor das conveniências, que prega e pratica a misoginia em pleno século 21; desconhece e desrespeita os direitos sexuais e os direitos reprodutivos de seu clero e de sua segunda divisão, as freiras, porém dá guarida a crimes clericais de natureza sexual; se comporta como se tivesse mandato divino sobre os corpos das mulheres, e ainda quer que as leis de um país laico sigam sua doutrina?

Que ridícula!
* Médica e escritora. É do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução e do Conselho da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe. Indicada ao Prêmio Nobel da paz 2005.

Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna

O Vaticano arde nas labaredas do inferno por causa da pedofilia

Fatima Oliveira *

O papa está numa encruzilhada e terá que abrir os arquivos

"Papa convoca bispos da Irlanda para discutir escândalos de pedofilia"; "Papa diz a bispos irlandeses que pedofilia é crime hediondo"; "Vaticano cria ‘muro de silêncio’ sobre abusos, diz ministra alemã"; "Igreja holandesa anuncia investigação sobre abusos contra menores"; "Arquidiocese nega que papa tenha ajudado padre acusado de pedofilia"; "Vaticano critica ‘tentativas agressivas’ de envolver papa em escândalo"; "Líder católico da Irlanda pede perdão por proteger padre pedófilo"; "Papa pede desculpas às vítimas de padres irlandeses pedófilos"; "Vaticano ignorou caso de padre que molestou mais de 200"...

Eis uma pequena amostra de manchetes sobre pedofilia clerical de 15.2 a 25.3.2010, data em que outra bradava: "Escândalos podem forçar papa a abrir arquivos secretos, diz vaticanista". É esperar para ver o balancê da nau de São Pedro no mangue em que se encontra a credibilidade moral do Vaticano. Um chamado à responsabilidade não absolverá o papa Bento XVI, que foi prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (CDF) - antigo Tribunal do Santo Ofício, ou Inquisição, que zela "pela ortodoxia da Igreja Católica e pelas questões disciplinares" - de 1981 até 2005, quando foi eleito papa.

Conforme o vaticanista Marco Politi, "o monsenhor Charles J. Scicluna, promotor de Justiça da CDF, afirmou que houve 3.000 denúncias de abusos contra menores nos últimos dez anos. O que aconteceu com essas denúncias? Quantas foram julgadas? Quantos religiosos foram considerados culpados e quantos foram punidos? É preciso dar explicações e não admitir mais que os casos sejam ocultados...

O papa está numa encruzilhada e terá que abrir os arquivos secretos da CDF se quiser ser coerente com a transparência que defende... O papa disse que deve haver punição e que as vítimas não foram ouvidas. Deve então ser coerente com essa linha e abrir os arquivos. Tendo feito uma carta tão rigorosa e transparente, ou volta atrás sobre a transparência ou deve ir até o fim... O furacão da pedofilia, depois dos Estados Unidos e da Europa, chegou na Alemanha, pátria do papa, depois na diocese do papa, agora dentro do Vaticano, na Congregação da Doutrina da Fé, onde o cardeal Joseph Ratzinger foi prefeito, apontando para a sua responsabilidade direta".

Há impeachment de papa? Renúncia? Ou só nos resta lavar as mãos, dando uma de Pilatos? Durante 24 anos, o cardeal silenciou sobre a pedofilia clerical! Agora, que é infalível, não pode ser responsabilizado? É um alento que na declaração, divulgada após o encontro com os bispos irlandeses, conste que, "de sua parte, o santo padre observou que o abuso sexual de crianças e jovens não apenas é um crime hediondo, mas também um pecado grave que ofende a Deus e fere a dignidade da pessoa humana criada à Sua imagem". É um discurso significativo. Mas palavras são palavras. Faltam os gestos para demonstrar ao mundo que rompeu com um dos malditos signos da dupla moral sexual: dar guarida a crimes clericais de natureza sexual. É o mínimo esperado, já que a pedofilia clerical e a omissão do Vaticano diante dela sempre andaram de braços dados.

No prefácio do meu romance "A hora do Angelus" (Mazza Edições, 2005), digo que "é uma história que acontece com mais frequência do que se pensa. Ainda que o roteiro que estrutura a história seja uma imaginação da autora, o relato está entremeado de reflexões pontuais sobre omissões do clero romano diante do assédio e do abuso sexual, assim como da pedofilia - milenarmente praticados por padres".

Publicado em: 30/03/2010
FONTE: www.otempo.com.br/otempo/colunas/?IdColunaEdicao=11255

* Médica e escritora. É do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução e do Conselho da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe. Indicada ao Prêmio 
Nobel da paz 2005.

Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna

A imanência e a transcendência das coisas e da vida no sertão

Fatima Oliveira *

É, como dizem os rosiólogos, uma paisagem mental perene

De vez em quando, indagam se as crônicas que escrevo são memórias ou ficção. São memórias. Jamais escrevi ficção em qualquer das 419 crônicas publicadas em O TEMPO, incluindo a de hoje. A pergunta tem o poder de me fazer refletir sobre o ofício prazeroso de escrever. Como surge uma crônica? Não sei. Costumo anotar e guardar quando vem à minha mente algo interessante. O assunto aparece, germina, brota e amadurece. Às vezes, demora; às vezes, "encroa" e não sai nada; outras, de uma sentada jorra uma crônica inteirinha. É um processo inexplicável. E assim a vida de escrevinhadora corre.

Adoro escrever sobre a minha meninice. Guardo lembranças calientes. Tive uma infância e adolescência felizes, idílicas até. Tendo sido uma criança venerada, por ser primogênita e primeira neta, nascida de filha única, afilhada dos avós maternos, fui muito mimada, mas educada para ter autonomia. Achava a "Carta de ABC" fascinante e pedi para ir para a escola! Desabrochei muito estudiosa e adorava ler, ler e ler... Foi a sede de saber que fez com que, aos dez anos, fosse "mandada" estudar longe de casa, "lá no Padre Macedo" (Colinas, Maranhão). Não havia mais o que estudar em Graça Aranha. Era 1964.

Desde então, o convívio presencial com a minha família foi apenas nas férias escolares. Saí de casa aos dez anos e nunca mais voltei. Deve haver algo extremamente forte, construído nos dez primeiros anos de minha vida, e suficientemente sólido, que se mantém no campo dos valores morais, do apego à gente e às coisas do sertão, que evidencia que ter vivido ali nos marca para sempre. Costumo dizer que o sertão que conforta e acaricia o meu viver é, como dizem os rosiólogos, uma paisagem mental perene, que nutre a minha vida e a minha produção literária. Há algo de imanente ao sertão que não nos larga nunca e nos acompanha o tempo todo.

Quando fui a Nova York a primeira vez, era 2005, com mil e uma coisas para ver, eu quis ir à Body Shop, de Anita Roddick, só para mirar os sabonetes de óleo de coco de babaçu, lá do Maranhão, pois sei o que é ser uma quebradeira de coco! E, à beira do lago Michigan, em Chicago, enquanto minha filha Débora fotografava aquele mundão de água, a imagem que me veio foi do açude de minha terra e das mulheres lavando roupa...

É pra rir, não é? Eu também ri, e muito, só de pensar que, se tivesse me afogado ali, não estava contando a história. Quando tinha oito anos, fui levar almoço para mamãe, que estava lavando roupa no açude. Aproveitando que ela estava distraída no maior papão, eu "tibum!" no açude! E fui nadando rápido, pretendendo chegar a um toco de palmeira, de onde as pessoas adultas davam saltos mortais e "tomavam pé"... Não sabendo nadar direito, e nem era acostumada a nadar ali, comecei a beber água: subindo e descendo, subindo e descendo... Fui salva por uma das lavadeiras.

Recordo-me de mamãe com um chicotinho de fedegoso me batendo, e eu vomitando até as tripas, enquanto dizia: "Pega tua bicicleta e chispa pra casa, menina atentada!" Ah, isso eu era! Mamãe nunca mais lavou roupa no açude. Foi proibida. Papai dizia que ela não precisava, já que tinha lavadeira. Anos depois, perguntei por que ela gostava de lavar roupa no açude. Respondeu que "era um divertimento". O açude era um ponto de encontro das mulheres, até daquelas que, de vez em quando, usavam a desculpa de lavar roupa só pelo prazer da muvuca. Bonito, não é? Mas lembrar disso à beira do lago Michigan tem dimensão transcendental.

Publicado em: 06/04/2010
www.otempo.com.br/otempo/colunas/?IdColunaEdicao=11317


* Médica e escritora. É do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução e do Conselho da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe. Indicada ao Prêmio Nobel da paz 2005.

Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna

Profetas da Floresta

Moises Diniz *

Falar de uma religião é como interpretar a palavra de Deus, é como decifrar vontades divinas e dialogar com os anjos. Imagine falar de três. Por isso vou aqui falar dos homens, de carne e osso, na sua dor, nos dias de frio, fome, desejos, solidão, calor, sofrimento, na sua humanidade.

Mestres Irineu, Daniel e Gabriel, profetas da floresta, antes de tudo, eram homens, na sua beleza e na sua perversão, submetidos aos sofrimentos da carne, como nós, como qualquer um, como Buda, como Maomé, como Jesus.

Sim, como Jesus, fundador do Cristianismo. Na época do rei Herodes, o anjo Gabriel aparece a Maria na cidade de Nazaré, virgem e noiva de José, e anuncia que ela viria a conceber do Espírito Santo e que daria ao seu filho o nome de Jesus. Jesus era um menino de prótons, neutros e elétrons. Uma criança constituída de átomos eternos, a brincar com os quasares como se fossem pedaços de gesso.

Homens de carne e osso, como Mestre Irineu, fundador do Centro de Iluminação Cristã Luz Universal - Alto Santo. Filho de ex-escravo, guerreiro das estradas de seringa, em Xapuri, Brasiléia, Sena Madureira, Rio Branco. Irineu Serra cortou seringa na terra de Chico Mendes.
Irineu Serra trabalhou com o Marechal Rondon. Se tivesse sido 15 anos antes, teria trabalhado com Euclides da Cunha, na definição dos limites entre Acre, Peru e Bolívia.

Mestre Irineu fez a sua passagem em 1971, nove anos depois de instalação da Assembléia Legislativa do Acre. Quantos receberam título de cidadão acreano, mas esqueceram do negro maranhense que fundou essa bela religião da floresta. Homens submetidos à mortalidade, como Buda, fundador do Budismo, que nasceu no século VI aC., com o nome de Siddharta Gautama, filho do rei dos Sakias.

Foi assim que esse príncipe, aos vinte e nove anos, casado com a bela princesa Yasodhar, resolveu abandonar a casa no mesmo dia em que nasceu o seu filho Rahula, após ter concebido profundos pensamentos sobre a miséria humana.

Homens pecadores, como todos nós, como Mestre Daniel, fundador do Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz. Maranhense, foi construtor naval, cozinheiro, músico, barbeiro, alfaiate, carpinteiro, marceneiro, artesão, poeta, pedreiro, sapateiro e padeiro.
Vivei no bairro 6 de agosto e no Papôco, na beira do rio, zona de meretrício. Era um boêmio, bebia, fumava, escrevia canções de amor, dormia ao relento. Mestre Daniel era um profeta que estava nascendo dentro de um violão.

No poço das cobras Mestre Daniel recebeu a missão e em 1958 Mestre Daniel desencarnou.
Homens do seu tempo, como Maomé, fundador do Islamismo. Nascido em Meca, Maomé foi durante a primeira parte da sua vida um mercador. Tinha por hábito retirar-se para orar e meditar nos montes perto de Meca.

Os muçulmanos acreditam que em 610, quando Maomé tinha quarenta anos, enquanto realizava um desses retiros espirituais numa das cavernas do Monte Hira, foi visitado pelo anjo Gabriel que lhe ordenou que recitasse uns versos enviados por Deus, e comunicou que Deus o havia escolhido como o último profeta enviado à humanidade. Maomé deu ouvidos à mensagem do anjo e, após sua morte, estes versos foram reunidos e integrados no Alcorão.

Homens comuns, mas especiais, como Mestre Gabriel, fundador da União do Vegetal. Baiano filho do povo, tem que abandonar todos os laços familiares, porque soube ser solidário com um amigo, contra a injustiça.
Vem pro Norte, passa por Rondônia e vem trabalhar na seringa como um brabo, enfrentando até esporada de arraia. Em 1946 conhece sua amada, Mestre Pequenina e em 1961 Mestre Gabriel, soldado da borracha, funda a UDV no Acre. Em 1971 Mestre Gabriel fez a sua passagem, nove anos depois da instalação da Assembléia Legislativa do Acre.

Homens que fundaram uma religião. São como saliva de Deus, seus olhos mortais, seus ouvidos, compatriotas dos anjos, na pátria da eternidade e do sonho humano de viver sem dores.
Jesus, Irineu, Buda, Daniel, Maomé, Gabriel. Homens comuns que ultrapassaram o seu tempo, se fizeram maiores do que os obstáculos e todas as misérias humanas.

Capazes de vencer a dor, os vícios, as indecências, as fraquezas humanas. Homens que se fizeram próximos dos anjos. Homens que, aqui na Amazônia do Brasil fundaram uma religião e fizeram homens e mulheres se tornarem melhores, mais fraternos, mais irmãos.

Gabriel, Irineu e Daniel ficaram próximos das dores humanas, sentiram o odor da carne e todos os seus incensos, provaram do vinho profano e abriram suas almas para as aventuras da mortalidade, apalparam a pele áspera das árvores, dos cipoais e a pele macia das mulheres amazônicas, suportaram o calor do sol e o frio das madrugadas, a sede e a fome, as doenças da época, os desejos de adolescente e os sonhos de adulto.

As mães de Gabriel, Irineu e Daniel sangraram no parto e os três Mestres nasceram cobertos de sangue como toda criança, um instrumento rústico cortante separou os seus umbigos do corpo e uma palmada carinhosa arrancou-lhe o primeiro soluço de choro.

A comida que eles consumiam se decompunha no estômago e ele precisava se desfazer delas, urinar, limpar-se, se vestir. Os Mestres Gabriel, Irineu e Daniel eram humanos como todo e qualquer homem da Terra e seus desejos seguiam a lógica da mortalidade. Eles eram homens, com todas as necessidades que acompanham a nossa espécie desde os primórdios.

Gabriel, Irineu e Daniel eram mortais, dotados de todas as habilidades humanas e perseguidos, como pássaros feridos, por todas as serpentes que infernizam os homens, especialmente aqueles que sobrevivem do trabalho de suas próprias mãos e, como herança do Éden perdido, comem do suor do próprio rosto.
Nossa homenagem a esses homens, que apesar de toda montanha da mortalidade sobre os seus dias, foram capazes de se tornarem anjos.

Nossa reverência aos queridos Mestres Gabriel, Irineu e Daniel.

Nota: discurso que proferimos na sessão especial da Assembléia Legislativa do Acre, proposta por nós, em homenagem aos mestres fundadores das religiões que têm a ayahuasca como sacramento.
* Neto de índios Ashaninkas, ex Irmão Marista, formado em pedagogia e
deputado estadual pelo PCdoB no Acre.

Fonte:http://www.vermelho.org.br/coluna

“Procurando Elly”

Cloves Geraldo *

Escolha punida
O direito de a mulher escolher seu companheiro é o centro do drama dirigido pelo iraniano Asghar Farhadi

Com economia de meios e incidentes encadeados de forma a criar uma multiplicidade de climas, o diretor iraniano Asghar Farhadi põe o espectador frente a vários caminhos que, no final, ficam abertos. Por mais que ele, espectador, tente aceitar o desfecho que o filme lhe apresenta, fica com a impressão de que ele está subentendido. Ou seja, o que Farhadi quer dizer está para além da tela. Nisto se constitui o achado deste “Procurando Elly”. Em certo momento, dá para fazer paralelos com os crimes praticados contra a mulher no Brasil, onde sua decisão de romper uma relação acaba pondo sua vida em jogo.

Percebe-se que na sociedade iraniana, mais rígida em seus códigos éticos e morais, Elly (Taraneh Alidousti) tem pouca ou nenhuma escolha, enquanto que no Brasil, com toda a “permissividade”, os registros de violência são ditados igualmente pela persistência de códigos patriarcais, machistas e reativos. Daí as semelhanças que vão surgindo ao longo do filme, pondo o espectador diante de um espelho de sua própria sociedade. Pois o que está em jogo nos entrechos que se encadeiam mudando a narrativa a todo instante é a procura desesperada pela identidade de Elly.

Afinal quem é essa jovem professora que se transforma ora em vítima, ora em culpada? Os entrechos vão colocando ao longo do filme as diversas visões dos personagens, masculinos e femininos, compondo um mosaico que no final dará uma idéia de quem é Elly, mas não suas reais intenções. Nisto se constitui a beleza deste “Procurando Elly”. Ela é quase um esboço de personagem. Aparece não em sua intensidade, mas em fios, em instantes, como quando solta papagaio com as crianças na praia, ou impaciente dizendo à sua amiga Sapideh (Golshifteh Farahani) que tem de voltar logo à Teerã.

Elly simboliza mulher iraniana

É tudo que se vê dela. Sua inquietação é tal que o espectador desconfia que ela seja ligada a alguma organização política contraria ao regime dos aiatolás. E tem uma tarefa urgente a executar não podendo mais desfrutar o feriado com Sapideh e os três casais de amigos no litoral de Teerã. Principalmente Ahmed (Shahab Hosseini), que veio da Alemanha para com ela ficar noivo. Um fio que uma vez puxado vai trazendo complicações de toda espécie para gerar uma confusão tal que o grupo antes unido se desestrutura. Farhadi dota-o de várias rodilhas, que se prendem à velha casa de praia rústica, vazia, cheia de partes quebradas; à praia de areia suja, às marés revoltas, às tentativas de Sapideh de  mantê-la junto deles, uma vez que precisa dela, Elly, para o feriado ser completo.

Um incidente irá desencadear uma série de mal entendidos, a ponto do que era equilíbrio se tornar seu elo mais fraco: a absorção de Elly pelo grupo. O drama familiar, com seus incidentes normais, vira, de repente, pesadelo. Elly desapareceu e a tragédia assume outro caráter. Farhadi constrói e desconstrói ao mesmo tempo todo arcabouço dramatúrgico do filme de suspense. Por que ela desapareceu torna-se mais importante do que explicar como isto se deu. Elucidar este mistério poderá livrar Sapideh, que organizou o noivado dela com Ahmad, de ser acusada de cumplicidade com Elly.

Diretor deixa espaço para espectador pensar

É então que Farhadi usa os entrechos para descontruir o que o espectador acha que está entendendo. Não basta Sapideh revelar as razões de Elly para romper uma relação que não mais atende a seu desejo, é necessário introduzir outro personagem para o espectador compreender o que ele, Farhadi, quer dizer. O jovem Alireza, quase em pânico, completará com seu comportamento o que ele, diretor, quer dizer ao espectador: toda esta confusão se deve única e exclusivamente ao papel da mulher na sociedade iraniana. Até esta conclusão, o espectador terá puxado vários fios, pistas falsas, choques de casais – de Amir com Sapideh, de Spyman com Shohreh -, buscas de Ahmed e Nauzidehr e do desespero de Sapideh, acusada de ter causado todo o sofrimento do grupo.

No final, quando estiver deixando o cinema, o espectador ainda estará montando em sua cabeça este mosaico de pistas. Do incidente na praia, que levou todos a procurá-la, até a chegada de Alireza, “Procurando Elly” não tem nada demais. Usa poucos cenários, a casa em reforma, metáfora sobre a sociedade iraniana, diversos personagens, e encadeia os entrechos com competência. Desta forma, seria mais um drama familiar que vira um bom filme de suspense. Só isto. O que o torna diferente, cheios de nuanças, entrechos criativos, são suas elipses, o subentendido, o que deixa para o espectador preencher. A chave para isto é o diálogo de Alireza com Sapideh: “Só me diz uma coisa. Ela falou que gosta de mim? Sim ou não? – Sim”, responde Sapideh. Toda a trama do filme é traduzida neste diálogo (o espectador sabe se é mentira ou não).
Todo o arcabouço moral se perpetua. E apenas Elly e Sapideh são punidas.


Procurando Elly” (“Darbareye Elly”). Drama. Irã. 2009. 119 minutos. Roteiro/Direção: Asghar Farhadi. Elenco: Golshifteh Farahani, Taraneh Alidousti, Shahab Hosseini, Merila Zarei, Peyman Moadi.
(*) Urso de Prata no Festival de Berlim, 2009.
* Jornalista e cineasta, dirigiu os documentários "TerraMãe", "O Mestre do Cidadão" e "Paulão, lider popular". Escreveu novelas infantis,  "Os Grilos" e "Também os Galos não Cantam".

Fonte: http://www.vermelho.org.br/coluna